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FACULDADE DE DIREITO DE SOROCABA – FADI Ciência Política e Teoria Geral do Estado – 2013 Professor Jorge Marum Resumo 9 – Elementos do Estado Moderno – Finalidade “Salus populi suprema Lex esto” (Que o bem-estar do povo seja a lei suprema) (Cícero – 103-43 a.C.) Introdução. A maioria dos teóricos entende que, como toda sociedade, o Estado não é um fim em si mesmo, e sim um meio para a realização de certos objetivos. Por isso, a finalidade, ao lado do povo, do território e da soberania, é considerada por alguns autores como um elemento essencial do Estado. Pensam assim, por exemplo, Jellinek, Groppali e Dallari. Segundo esses autores, não existe Estado sem uma finalidade. É o chamado elemento teleológico do Estado (télos = finalidade). Importância. A finalidade diz respeito aos objetivos que o Estado pretende alcançar e aos meios que ele emprega para isso. Relaciona-se com as funções do Estado, ou seja, com aquilo que o Estado deve fazer para atingir seus objetivos. Segundo Villeneuve�, a legitimidade da atuação do Estado depende da adequação dos meios à finalidade. E, para Jellinek, só partindo da análise dos fins é que se pode julgar sobre o acerto ou do erro das ações de um Estado�. Desvio da finalidade. Segundo Dallari, a falta de consciência da real finalidade do Estado leva à superexaltação de aspectos particulares, como, por exemplo, a economia e a ordem pública, em detrimento do bem comum, que envolve esses fatores e muitos outros que acabam ficando em segundo plano. Exemplos de ênfase exagerada no desenvolvimento econômico são as economias planificadas de tipo socialista, como na antiga URSS e na China atual, em que a liberdade, a dignidade e a vida das pessoas e a preservação do meio ambiente são sacrificadas em nome do progresso econômico. Exemplos de superexaltação da ordem são os chamados Estados policiais, como foi a ditadura militar no Brasil de 1964 a 1985, em que a extrema preocupação com a ordem pública oprimia a liberdade dos cidadãos. Cena da Revolução Cultura na China Gulag (campo de concentração) stalinista na Sibéria Cena da época da ditadura militar no Brasil: superexaltação da ordem Negação da finalidade. Nem todos os autores aceitam a finalidade como elemento do Estado. Jellinek lembra que autores de tendência conservadora ou reacionária, por exemplo, como os que procuravam justificar as monarquias absolutistas, sustentavam que a ordem vigente era imutável, afastando a possibilidade de o povo tomar parte na organização e direção do Estado. As teorias organicistas, por sua vez, influenciadas pelo determinismo, pelo materialismo e pelo cientificismo do século XIX, negam que o Estado possa ter uma finalidade, sustentando que tudo é determinado por fatores estranhos a ele ou pelo próprio funcionamento natural do organismo estatal. Kelsen, por sua vez, equipara o Estado à ordem jurídica e vê a finalidade como uma questão política, que envolve juízos de valor, sendo, portanto, estranha ao Direito, que deve se resumir à norma. Portanto, segundo essa visão normativista, a finalidade não poderia compor a essência do Estado. Classificações. Entre os que aceitam a finalidade como elemento essencial do Estado, há diversas visões sobre quais são ou deveriam ser os fins por ele buscados. Segundo Dallari, tais visões são representadas pelas seguintes classificações: 1) Classificação de caráter geral. Segundo essa classificação, os fins do Estado podem ser objetivos ou subjetivos. a) Fins objetivos são fins próprios do Estado. Subdividem-se em: Fins objetivos universais: fins de todos os Estados em todos os tempos (ex., a eudaimonia – felicidade, bem-estar – segundo Aristóteles, ou a justiça, segundo Platão) Fins objetivos particulares: peculiares de cada Estado (ex.: a “missão histórica”, reivindicada pelos EUA, de implantar a democracia liberal em todo o mundo) b) Fins subjetivos: alguns defendem que os fins do Estado não são próprios dele, mas uma síntese das aspirações dos indivíduos (sujeitos) que o compõem 2) Classificação conforme o relacionamento do Estado com os indivíduos e a sociedade. Conforme essa classificação, os fins do Estado podem ser expansivos ou limitados. a) Fins expansivos: pregam a expansão das atividades do Estado para abarcar finalidades próprias dos indivíduos e da sociedade civil, como religião, moral, comércio e indústria etc. Os fins expansivos podem ser de dois tipos: Utilitários: alegam buscar o maior bem para o maior número de pessoas (utilitarismo), fazendo isso a qualquer custo, como, por exemplo, os totalitarismos de esquerda e de direita (socialismo/comunismo e nazi-fascismo). Éticos: aqui o Estado é quem define o padrão de comportamento moral da sociedade, como, por exemplo, nas teocracias islâmicas. Ambos levam a uma expansão excessiva do poder do Estado, em detrimento da liberdade das pessoas (totalitarismo) Ambos os tipos de fins expansivos levam a uma expansão excessiva do poder do Estado, em detrimento da liberdade das pessoas (totalitarismo) Mulher sendo preparada para o apedrejamento no Irã b) Fins limitados: Pretendem limitar a atuação do Estado ao mínimo necessário. Nesse sentido, há três linhas de pensamento muito parecidas, todas identificadas com a direita liberal: Estado-polícia: a única função do Estado é a manutenção da segurança pública, como um simples vigia; o restante deve ser deixado aos particulares.� Estado Liberal: baseado no liberalismo político e econômico; o Estado deve se limitar a garantir a liberdade: “laissez faire, laissez passer: le monde va de lui-même” �. Estado de Direito: o Estado limita-se à aplicação do direito positivo, sem preocupação com valores como ética e justiça; é o direito visando à manutenção do status quo e não como instrumento de transformação social. Observe-se, ainda, que qualquer Estado que possua uma ordem jurídica é um Estado de Direito, mesmo as piores ditaduras. c) Fins relativos: Segundo essa teoria, a finalidade deve ser baseada na situação social e histórica concreta de cada Estado. Além disso, leva em conta que a solidariedade social, sendo algo natural e necessário para os seres humanos, deve ser fomentada pelo Estado (Solidarismo). É interessante lembrar que o lema da Revolução Francesa era Liberdade, Igualdade e Fraternidade (Solidariedade), porém esta ficou esquecida por muito tempo. Portanto, conforme essa doutrina o Estado, além das funções tradicionais (segurança, justiça etc.), deve agir para manter, ordenar e auxiliar as manifestações da solidariedade social. Como escreve Jellinek, “não é o Direito exclusivamente um meio para conservar uma situação atual, senão, ademais, para colaborar na formação de uma situação para o futuro” �. �� Um exemplo de fomento pelo Estado de uma manifestação de solidariedade social é a questão da saúde. Desde a Antiguidade até os primeiros tempos do Estado Moderno, manter e melhorar saúde do seu povo não era vista como uma tarefa do Estado. Os mais ricos podiam contar com médicos e hospitais particulares, porém os mais pobres dependiam da caridade prestada por pessoas abnegadas ou por entidades religiosas. Assim nasceram as “Santas Casas”. Com o tempo, essa manifestação de solidariedade social passou a ser estimulada e até praticada pelo Estado, que hoje subvenciona entidades particulares ou presta ele mesmo serviços de saúde. Para que possa fazer isso, o Estado se vale da arrecadação de impostos, de modo que todo o povo é chamado a contribuir para a realização dessa atividade que, no fundo, é manifestação da solidariedade social. O mesmo ocorre com outras atividades da mesma natureza, como, por exemplo, condições dignas de trabalho, previdência e assistência social, educação, cultura, meio ambiente etc. Segundo Jellinek, essa solidariedade deve ser estimulada entre os membros de um mesmo Estado, entre a humanidade como um todo e entre as diversas gerações, inclusive as futuras, visando à evolução dahumanidade. São princípios do Solidarismo �: dignidade essencial da pessoa humana, primazia do bem comum sobre interesses privados, função social da propriedade, primazia do trabalho sobre o capital, subsidiariedade das instâncias superiores de poder em relação às inferiores (descentralização política e administrativa). 3) Classificação conforme a natureza dos fins. Conforme a natureza dos fins do Estado, estes podem ser exclusivos ou concorrentes. a) Fins exclusivos: são fins essenciais, próprios do Estado e vedados à iniciativa privada, como, por exemplo, defesa, segurança pública, justiça, emissão de moeda etc. b) Fins concorrentes: são fins complementares à iniciativa privada, como, por exemplo, indústria, transportes, assistência social etc. Observação: a definição do que são fins exclusivos e concorrentes depende, em muitos casos, da orientação ideológica. Por exemplo, para a direita liberal, saúde, educação, previdência social, comunicações etc. são fins concorrentes, enquanto que para a esquerda são exclusivos. A doutrina solidarista (fins relativos) evita os exageros das duas posições. Síntese. Segundo Dallari, há um fim geral, da sociedade humana como um todos, que é o bem comum (conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana�). No caso do Estado, esse bem comum é definido em relação a determinado povo, situado num determinado território, ou seja, conforme as peculiaridades de cada povo e de cada Estado. Normalmente, a finalidade do Estado consta da Constituição de cada Estado (no Brasil, está no Preâmbulo e no art. 3º da Constituição de 1988). Para discussão. O que você pensa sobre as funções do Estado? É função do Estado produzir moralidade, cultura e ciência? O Estado deve produzir bens como petróleo ou navios? O Estado deve regular a Economia? Para isso é necessário que ele mantenha bancos comerciais? Leitura essencial: DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 48 a 52. Leituras complementares: AMIN, Esperidião. “Solidarismo: antítese do horror econômico brasileiro”, in Revista ADUSP, Dez./1997. GROPPALI, Alessandro. Doutrina do Estado, Segunda Parte, Cap. I, item 8. JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado, L II, Cap. 8º. � Apud: Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, p. 103. � Teoría general del Estado, p. 315. � État-gendarme, na expressão clássica em francês. Não confundir com Estado policial, que é autoritário e sufoca a liberdade para a manutenção da ordem pública, conforme visto acima. � “Deixar fazer, deixar passar, que o mundo vai por si mesmo”, lema do Liberalismo. � Ob. cit., p. 342. � Cf. Esperidião Amin, “Solidarismo: antítese do horror econômico brasileiro”, Revista ADUSP, Dez./1997. � Conforme a Encíclica Pacem in Terris, editada pelo Papa João XXIII em 1963.
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