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A história da saúde pública/vigilância sanitária no brasil Prof. Ismar Araujo de Moraes Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFF Médico Veterinário – S/SUBVISA-RIOA \ saúde no Brasil: colônia. O começo do problema... A vinda do colonizador gerou doenças e mortes nas tribos indígenas.A saúde no Brasil: colônia. Modelo exploratório sem preocupação com as questões sanitárias.Em 1789, havia no Rio de Janeiro apenas quatro médicos. A saúde no Brasil: colônia. O pajé, com suas ervas e cantos A saúde no Brasil: colônia. Os pajés e os boticários, que viajavam pelo Brasil Colônia, eram as únicas formas de assistência à saúde. Com chegada da Corte Portuguesa, em 1808, começa um processo de criação de instituições voltadas para a saúde, objetivando: • efetuar o controle sanitário dos produtos a serem comercializados e consumidos, e dos estabelecimentos comerciais; • combater a propagação de doenças, principalmente as epidêmicas; • resolver questões de saneamento; • fiscalizar o exercício profissional na área da saúde. A saúde no Brasil :“Sede do império Ultramarino Português”. De acordo com a ANVISA a instalação oficial da vigilância sanitária no Brasil ocorreu em 28 de janeiro de 1808, quando D. João VI assinou em Salvador (BA), então capital brasileira, a carta régia que “abriu os portos às nações amigas”. Impôs-se um controle sanitário mais efetivo não só dos portos, mas também dos navios e passageiros que chegavam ao Brasil. TÓPICO de POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL (Texto de apoio para discussões em sala de aula) Dário Frederico Pasche1 1. Brasil Colônia - primeiro período (1500 - 1808) a) Tópicos sobre o desenvolvimento político, econômico e social do Brasil Colonial: • 1500/1530: apenas exportação de pau-brasil; Brasil não é considerado propriamente uma colônia; • 1532: expedição de Martin Afonso de Souza: Portugal passa a ter mais interesse pelas novas terras; fundação, em São Paulo, das primeiras vilas; • 1534: Capitanias Hereditárias: herança do feudalismo; território dividido em 15 lotes; • 1549: primeiro Governador-Geral: representante da Coroa destinado a dar às capitanias a coordenação de que elas necessitavam, que são administradas pelo capital privado. Na verdade Portugal vive no período uma crise com o comércio com as Índias; • entre 1640/1720 (?): vice-reinado: maior poder que os Governadores-Gerais. • ECONOMIA: açúcar; • FORÇA DE TRABALHO: escravos negros (os primeiros chegam em 1538); índios reagiram à escravidão (daí a lenda da preguiça inata dos nativos). • 1580 a 1640: Espanha anexa Portugal (Felipe II): tendência centralizadora do colonialismo; interesse na penetração no interior da colônia (suspensão da linha de Tordesilhas); • segunda metade do século XVII (pós 1650): queda no lucro com o açúcar; estímulo ao bandeirismo; procura de minérios preciosos (ouro); • bandeirantes: procuram índios para a escravatura; desbravando o interior encontram ouro em Minas Gerais; “demarcação” de fronteiras (Tratado de Madrid, 1750); • século XVIII (1700): ciclo do ouro: povoamento do interior; deslocamento do eixo político do nordeste para o centro-sul; emergência de uma “classe média”; troca da capital em 1763 (Salvador - Rio de Janeiro); • 1703: tratado de comércio com a Inglaterra: Portugal fragilizado pela guerra com a Espanha firma acordo com a Inglaterra: sustentação militar e diplomática na Europa em troca da abertura dos portos lusitanos aos artigos manufaturados britânicos. Portugal torna-se uma colônia comercial da Inglaterra; • relação Brasil-Portugal: política mercantilista rígida. A função da Colônia é, tão somente, enriquecer a metrópole; 1785 proíbe-se, por exemplo, instalação de manufaturas; • emergência de movimentos emancipatórios: Inconfidência Mineira (1789); Inconfidência Baiana (1798); Inconfidência Pernambucana (1817); • transição entre os séculos XVIII e XIX: economia em decadência -> hiato intercíclico; • 1808: chegada ao Brasil da Família Real (retorno em 1821); • 1822: independência; • 1889: Proclamação da República. 1 Doutor em Saúde Coletiva. Professor do DCSa/UNIJUI – RS. b) Aspetos relevantes no campo da saúde FÍSICO E CIRURGIÃO MORES • para as colônias do reino prevê as funções de Físico-Mor (encarregado do controle da medicina) e de Cirurgião-Mor (mesmo poder em relação à cirurgia). São cargos personalizados, de confiança do Rei e vitalícios; • Fisicatura: tribunal (legisla, fiscaliza e pune); praticantes de medicina devem prestar exames; não tem nenhuma relação com a higiene pública; • relato de abusos de toda ordem: cirurgiões curam de medicina; boticários receitam por conta própria; “cirurgiões são funestos e homicidas”; • ensino médico é proibido; médicos portugueses não querem vir para a colônia; Fisicatura tenta controlar o exercício da medicina (caça aos charlatões); população fica a mercê de práticas de toda ordem (empírico-místicas). O HOSPITAL • 1543: criada a primeira Santa Casa do Brasil, em Santos; • não é concebido enquanto “espaço terapêutico”; idéia de cura é inexistente ou secundária (hospitalidade; caridade, compaixão); • clientes: pobres, forasteiros; soldados e marinheiros pobres; • nos séculos XVII e VXIII: instituição leiga ou eclesiástica, de origem privada (misericórdia); • a ineficiência qualitativa dos hospitais, “que produzem a morte e ameaçam a conservação das tropas”, leva a criação de hospitais militares (a partir do soldo dos próprios militares). Rio de Janeiro (1768) criação do Hospital Real Militar; problemas verificados nos demais hospitais aqui se repetem; • a partir do século XIX o hospital assume nova função: formação de médicos (1808). MODO DE AÇÃO NA ÁREA DA SAÚDE • ação sobre o corpo do doente (leproso, pestilento); criação de instituições (lazaretos ou leprosários) afastados das cidades para combater o doente (lugar de encerramento, reclusão, isolamento) em dimensão individual; mesmo o combate à doença é quase inexistente; • como relata Michel Foucault, (1979: 88) “... o leproso era alguém que, logo que descoberto, era expulso do espaço comum, posto fora dos muros da cidade, exilado em um lugar confuso onde ia misturar sua lepra à lepra dos outros. O mecanismo da exclusão era o mecanismo do exílio, da purificação do espaço urbano. Medicalizar alguém era mandá-lo para fora e, por conseguinte, purificar os outros. A medicina era uma medicina de exclusão.”; • ou seja, a administração colonial não organiza a sociedade para combater as causas das doenças, o que significa dizer que havia uma ausência de medidas de saúde; o Estado só atua a posteriori; • a fiscalização da “higiene pública”, função das Câmaras Municipais, é regulada pelas Ordenações Filipinas (1604) que fixam atribuições quanto à limpeza em geral, fiscalização do comércio de alimentos, dos portos e fiscalização do exercício da profissão médica, que é realizada precariamente. Em geral, tanto as Câmaras Municipais, quanto a Fisicatura têm ação posterior aos acontecimentos, aos fatos. Fiscalizam o exercício profissional e o bom funcionamento das cidades, impedindo o alastramento do mal, punindo os infratores; • quem atua: em geral existe uma grande variedade de práticas de saúde que misturam conhecimentos empíricos dos negros e índios e próprio europeu leigo. Neste período em toda a Colônia não existe mais que dez (10) médicos formados, fazendo com que a população ficasse submetida a práticas “funestas e homicidas”. MODELOS EXPLICATIVOS DAS DOENÇAS • as doenças são causadas pela infecção do ar; • causa moral : castigo de Deus pelos péssimos costumes dos homens; • Teoria Miasmática ou Teoria da Constituição Epidêmica (Sydenham, 1624/89): baseada em uma concepção dinâmica das doenças, fundamentada na tradição hipocrática, que as entendia como decorrentes de alterações nos humores corporais, ouseja um acontecimento único e inseparável do doente. Relacionando as doenças à atmosfera, essa corrente produziu uma concepção coletiva de doença. • modelo de intervenção: reformas sociais (e da própria medicina); • Teoria do Contágio (ou concepção ontológica de doença - Fracastoro em 1546 publica “Contagion” - partículas imperceptíveis - Semminaria). Essa teoria expressava grande importância para a explicação da origem das doenças o contato homem a homem, pregando a necessidade de medidas de controle e cerceamento dos indivíduos (quarentena); “A teoria do contágio foi identificada com a institucionalização da quarentena. Os contagionistas estiveram, grosso modo, comprometidos com a burocratização dessas práticas, imprimindo ao `contágio’ um caráter conservador, associado a poderes arcaicos. A concepção de que a doença se propagava individualmente de um para outro estimulou práticas de controle e cerceamento dos indivíduos. Ao contrário, os anticontagionistas, relacionando a doença à constituição atmosférica, enfatizaram as práticas centradas fundamentalmente no controle ambiental.” (Czeresnia, 1997: 55). ESTADO DE SAÚDE • até fins do século XIX havia o predomínio das chamadas doenças pestilenciais, principalmente a varíola e a febre amarela; • a predominância de uma concepção contagionista de doença, que implica em atuar/intervir sobre o doente, preterindo ações sobre o ambiente. 2. Brasil Colônia - segundo período (1808 - 1889) a) Tópicos sobre o desenvolvimento político, econômico e social do Brasil no período • 1808: Corte portuguesa se instala no Rio de Janeiro para “garantir o enriquecimento, a defesa e a saúde do povo da nova terra”; na verdade Dom João VI foge na ocupação francesa; • 1815: Colônia passa a ser Reino Unido de Portugal e Algarves, passando a Brasil a fazer parte das rotas comerciais inglesas e, com isso, aumenta a circulação de navios, mercadorias e pessoas; • 1822: proclamação da Independência do Brasil; • 1824: outorgada a primeira Constituição do Brasil; início da colonização alemã no Rio Grande do Sul; • 1840: Dom Pedro II torna-se o segundo Imperador do Brasil. b) Aspetos relevantes no campo da saúde • se verifica um deslocamento do objeto de intervenção das práticas de saúde: do doente/doença para a saúde; • médico deve dificultar o aparecimento da doença; se a sociedade é desorganizada e produtora de doenças, o médico deve atuar sobre seus componentes: EMERGÊNCIA DA PREVENÇÃO; • o perigo urbano não pode ser destruído pela ação médica lacunar e fragmentária: a medicina necessita ser transformada e a sociedade, por conseguinte, medicalizada; • nas palavras de Michel Foucault (1989:88/9), essa nova medicina ...não exclui, não expulsa (...) O poder político da medicina consiste em distribuir os indivíduos uns ao lado do outro, isolá-los, individualizá-los, vigiá-los um a um, constatar o estado de saúde de cada um, ver se está vivo ou morto e fixar, assim, a sociedade em um espaço esquadrinhado, dividido, inspecionado, percorrido por um olhar permanente e controlado por um registro, tanto quanto possível completo, de todos os fenômenos. c) Principais transformações institucionais decorrentes dessa nova concepção de medicina: • 1808: criação da Intendência Geral de polícia: preocupação com o conhecimento, aumento e melhoria da população urbana; preocupação com a organização da cidade; combate a ociosidade; • 1809: criação da Provedoria de Saúde, fazendo com que o Físico-Mor assumisse o controle de medidas de higiene pública. No regimento elaborado pelo Provedor aparece a quarentena de navios, saneamento das cidades, controle de alimentos, matadouros, açougues públicos e controle do exercício da medicina; • a sociedade como um todo, a partir de então, se torna passível de regulamentação médica; saúde passa a ser um problema social; • inspiração: POLÍCIA MÉDICA” (Wolfgang T. Rau 1764; J. Peter Frank, 1779) na Alemanha: “todo monarca precisa de súditos saudáveis para cumprir suas obrigações na paz e na guerra.”. Para tanto, deve haver uma polícia médica, alargando a função do médico na sociedade: ele não deve só tratar dos doentes, mas também supervisionar a saúde da população; • 1808: criada na Bahia a Escola de Cirurgia (Hospital Militar); no Rio de Janeiro a cadeira de anatomia; • 1813 (Rio) e 1815 (Bahia) são criados os Cursos de Cirurgia (5 anos), mas que não forneciam título de médico; • 1827: proposto em projeto a criação de um Curso de Ciências Médicas (título de Doutor em Medicina); • 1828: proposto projeto de extinção dos Cursos para a criação de Escolas de Medicina; extinção da Fisicatura e da Provedoria de Saúde; • 1829: fundada a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro (transformada em Academia em 1835), que atua intensamente na: 9 Saúde pública: criação e regulamentação de códigos sanitários; Comissões Permanentes de: Moléstias Reinantes; Vacinas; Consultas Gratuitas; Salubridade, a qual influenciou a aprovação pela Câmara do Rio, em 1830, de um Código de Posturas; 9 Defesa da Medicina: elabora o projeto das Faculdades de Medicina (cópia do modelo francês); luta contra o charlatanismo, inclusive a homeopatia. • 1832: criadas as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia: sem título ninguém poderá curar, partejar ou ter botica. INSTITUIÇÕES DE SAÚDE PÚBLICA • Nesse período, inúmeras epidemias atacam o Rio de Janeiro: entre 1828 e 1840 se registram surtos de febres amarela e tifóide; varíola, sarampo, gripes etc. Em geral, os médicos acusam como causa principal a inércia da Câmara Municipal. Uma forte epidemia de febre amarela ocorrida em 1849, que mata mais de 4 mil pessoas parece, segundo Roberto Machado (1978: 243/4) se constituir em um fato importante para a reorganização da higiene pública no País; • Em 1850 o governo imperial solicita à Academia de Medicina um plano para “prevenir e atalhar o progresso da febre amarela”; • A resposta foi a produção de um plano baseado em princípios da Polícia Médica: criação de um órgão dirigente da saúde (Comissão Central de Saúde Pública); esquadrinhamento urbano; assistência gratuita aos pobres; inspeção sanitária; registro médico e fiscalização do exercício da medicina; • A partir desse modelo é criada a Junta de Higiene Pública, transformada no ano seguinte em Junta Central de Higiene Pública para inspecionar as vacinações; controlar o exercício da medicina e realizar a polícia sanitária da terra (inspeções em geral); • Conforme Roberto Machado (idem, 246), “... a Junta não resolve os problemas de saúde pública [composta por apenas 5 membros], ela marca uma nova etapa na organização da higiene pública no Brasil. É essa forma que será mantida durante o século XIX...”.
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