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1 A OBSERVAÇÃO Heraldo Marelim Vianna1 Metodologia da Observação As informações científicas que obtemos são inteiramente diferentes das que conseguimos quando fazemos uma observação causal. A diferença centra-se, sobretudo, no fato de que as observações científicas procuram coletar dados que sejam válidos e confiáveis. (9)2 Para obter informações de valor científico, é preciso usar metodologias adequadas, a fim de evitar a identificação de fatores que têm pouca ou nenhuma relação com o comportamento complexo que se deseja estudar. (10) Para ser considerada como tendo significado científico, [a pesquisa] deve apoiar-se em fundamentos teóricos consistentes relacionados à natureza dos fatos ou comportamentos a serem observados. Sem a teoria e um corpo de conhecimentos bem estruturados, a pesquisa observacional certamente produzirá elementos esparsos e não-conclusivos. (11) É importante, dessa forma, iniciar a pesquisa fazendo uma revisão da literatura, limitada aos três ou quatro últimos anos anteriores ao início da observação e, depois, partir para a formulação de algumas idéias (hipóteses) sobre a natureza do fenômeno a ser considerado.(11) Observação e atividade científica Ao observador não basta simplesmente olhar. Deve, certamente, saber ver, identificar e descrever diversos tipos de interações e processos humanos. (12) Algumas perguntas geradoras de novos trabalhos podem surgir, a partir de certas relações que não oferecem explicações amplamente satisfatórias para o problema enfocado. (13) Outras fontes de identificação de problemas a pesquisar, encontram-se na literatura técnica, em trabalhos teóricos a partir dos quais são feitas algumas deduções que precisam ser comprovadas, situações da vida prática, experiências e insights pessoais. (13 e 14) A observação tem contribuído para o desenvolvimento do conhecimento científico, especialmente por coletar dados de natureza não-verbal. (14) A observação faz parte do nosso cotidiano, mas essa situação não nos deve levar a pensar que possamos fazer observações sem uma formação e treinamento prévios que nos qualifique para o exercício dessa atividade. Os resultados, na ausência desse treinamento, quase sempre são de natureza caótica e não merecem credibilidade, por não se revestirem da seriedade e validade que seria de se esperar em um trabalho científico. (16) Observação e suas dimensões Os procedimentos de observação são geralmente classificados ao longo de cinco dimensões: - observação oculta X observação aberta; - observação não-participante X observação participante; - observação sistemática X observação não-sistemática; - observação in natura X observações artificiais (laboratório); - auto-observação X observação de outros. (16 e 17) As pessoas observadas, ao saberem dessa situação, podem tentar de uma forma deliberada criar uma impressão específica, mas essa tentativa de mudança não escapa à observação de um pesquisador bem treinado e arguto. (19) Uma observação, qualquer que seja o seu objetivo e suas finalidades, deve propor, inicialmente, quatro importantes questões a serem objeto de consideração ao longo de todo o trabalho: - O que deve ser efetivamente observado? - Como proceder para efetuar o registro dessas observações? - Quais os procedimentos a utilizar para garantir a validade das observações? 1 Trechos selecionados. A fonte bibliográfica completa encontra-se ao final deste texto. 2 Os números entre parênteses indicam as páginas de onde foram retirados os trechos. 2 - Que tipo de relação estabelecer entre o observador e o observado, qual a sua natureza e como implementar essa relação? (20) Observação estruturada e semi-estruturada As observações totalmente estruturadas ocorrem em laboratório. As observações de campo são em geral semi-estruturadas, têm lugar em um contexto natural e, na maioria das vezes, não procuram dados quantificáveis, que apenas eventualmente são coletados. (21) A observação não-estruturada é com bastante freqüência usada como técnica exploratória, em que o observador tenta restringir o campo de suas observações para, mais tarde, delimitar suas atividades, modificando, às vezes, os seus objetivos iniciais, ou determinando com mais segurança e precisão o conteúdo das suas observações e proceder às mudanças que se fizerem necessárias no planejamento inicial. (26-27) O pesquisador ou o observador pode muitas vezes apresentar um viés pessoal excessivamente forte nas suas observações e julgamentos, introduzindo, dessa forma, erros sistemáticos nos seus dados, com efeitos problemáticos para a pesquisa. Um desses efeitos que, aliás, ocorre com bastante freqüência, é o efeito de halo, que envolve transferência de impressões generalizadas sobre a característica ou situação de uma pessoa pra outras, gerando interpretações pouco confiáveis. (28) Observação e suas diferentes fases Podemos, em forma resumida, estabelecer que as diferentes e sucessivas fases do processo de observação são as seguintes: - definir os objetivos do estudo; - decidir sobre o grupo de sujeitos a observar; - legitimar sua presença junto ao grupo a observar; - obter confiança dos sujeitos a observar; - observar e registrar notas de campo durante semanas (ou um período mais longo, conforme a natureza do estudo); - gerenciar possíveis crises que possam ocorrer entre os sujeitos e o observador; - saber retirar-se do campo de observação; - analisar os dados; - elaborar um relatório sobre os elementos obtidos. (30) Observação: outros pontos a considerar É extremamente problemático para o observador, especialmente na fase inicial do processo, compreender, de forma completa, a linguagem, os costumes e até mesmo os hábitos das pessoas sob observação, especialmente em função da especificidade do grupo. (30) Aceito pelo grupo, o observador passa a registrar suas observações, que devem se revestir de elementos característicos a serem combinados em um diário de campo: 1) o que é importante para os observados; 2) o que parece importante para o próprio observador. (31) As notas de campo devem ser feitas imediatamente, na medida do possível. Muitos observadores, durante o processo de observação, fazem apenas simples anotações para mais tarde desenvolve-las, detalhando os diferentes aspectos que foram observados.3 (31) As notas de campo devem relatar aquilo que ocorreu, quando ocorreu, em relação a que ou a quem está ocorrendo, quem disse, o que foi dito e que mudanças ocorreram no contexto. (31) É necessário que as observações sejam concretas, devendo o observador evitar o emprego de plavras abstratas ou sujeitas a múltiplas interpretações. (32) Lofland (1971) relaciona os cinco elementos fundamentais que devem constar de notas de campo: 1) breves descrições de ocorrências; 2) elementos esquecidos e que depois voltam à lembrança; 3) idéias analíticas e inferências; 4) impressões e sentimentos; 5) notas para futuras informações. (32) 3 Seria interessante que os iniciantes na metodologia de observação lessem dois livros fundamentais para o domínio da prática da observação: o Diário, de Bronislav Malinowski e os Diários Índios, de Darci Ribeiro, a fim de observar técnicas de registro de dados, entre outros aspectos. 3 Observador: seu papel e algumas questões Uma das principais questões da metodologia da observação está em definir, de uma forma bastante clara, o papel do observador. (41) É recomendável que o observador faça uma triangulação da observação com dados de outras fontes e com os dados coletados por outros pesquisadores. (42) É necessário tomar cautelas quando se pretende usar uma metodologia observacional em pesquisa, existindo, paraisso, meios que possibilitam minimizar os efeitos da reatividade.(42) A presença do observador ou de equipamentos pode ser atenuada, ocultando-se o instrumental e o próprio observador. Se essa solução não for viável, procura-se fazer com que o acompanhamento da observação desperte um mínimo de atração dos observados e que sua presença passe a ser parte do dia- a-dia do meio observado. (42) A reatividade não modifica apenas o comportamento dos observados, afeta, igualmente, o próprio observador, que desenvolve um novo tipo de viés, o viés do observador, que pode fazer com que ela veja certas ocorrências que comprovam suas hipóteses, deixando, igualmente, de ver eventos que as contrariam. (43) Uma forma de atenuar o viés do observador consistiria em obter a colaboração de alguém que não tivesse um conhecimento do projeto em todos os seus detalhes, que desconhecesse, por exemplo, as hipóteses formuladas e não tivesse amplas informações sobre os objetivos do mesmo, para que essa pessoa participasse de alguns momentos do projeto como observador cego. (43) É necessário, pois, a adoção de cautelas ligadas ao cansaço, à atenção, à capacidade de concentração e ao grau de experiência da pessoa em realizar observações. Wilkinson (1995) ressalta a necessidade do interesse do próprio observador no projeto para obter dados de boa qualidade. (44) Observação: registros, dados e relatórios O observador precisa desenvolver um método pessoal para fazer suas anotações, para não ser traído por sua memória e, além disso, deve fazer um registro de natureza narrativa de tudo que foi constatado no período de observação. (59) Análise dos dados da observação na escola Em se tratando de observação de escola ou sala de aula, os registros, sobretudo os que se destinam à análise qualitativa, devem ser imediatamente tratados e analisados, pela complexidade do campo objeto em estudo. (97) Na observação, é interessante para a análise estabelecer-se um relação entre teoria e dados, sem engessar os dados pela teoria. A observação, no contexto de uma pesquisa, visa, no caso, a gerar novos conhecimentos e não a confirmar, necessariamente, teorias. (98) Se a abordagem do pesquisador for na linha quantitativa, é necessário que os diversos registros ds observações possibilitem alguma forma de quantificação dos dados. (98) Em uma análise quantitativa, muitas nuances podem não aparecer, e a análise qualitativa pode lançar luz sobre elas, quando feitas por um observador suficientemente experiente e sofisticado nas suas apreciações. É freqüente adotar-se uma combinação de análise quantitativa e qualitativa, aspectos que se complementam nos trabalhos de pesquisa. (99) VIANNA, Heraldo Marelim. Pesquisa em educação:a observação. Brasília: Plano Editora, 2003.
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