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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO Departamento de Economia Rua Marquês de São Vicente, 225 22453-900 - Rio de Janeiro Brasil APOSTILA DE CONTABILIDADE SOCIAL Professor Eduardo Pereira Nunes Agosto de 2004 2 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 3 CONCEITOS BÁSICOS 5 EQUAÇÕES MACROECONÔMICAS FUNDAMENTAIS 9 Definição dos agregados das contas nacionais 14 BALANÇO DE PAGAMENTOS 15 Contas nacionais da economia brasileira em 2000: 16 Significado Macroeconômico do Saldo do Balanço de Pagamentos em Conta Corrente 20 a) Ótica da Absorção 20 b) Ótica Financeira 23 Poupança externa 24 MONTAGEM DO SISTEMA DE CONTAS NACIONAIS DE KEYNES 26 Montagem das Contas do Exercício 9 33 CONTAS ECONÔMICAS INTEGRADAS 34 BIBLIOGRAFIA 45 3 3 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO Departamento de Economia Rua Marquês de São Vicente, 225 22453-900 - Rio de Janeiro Brasil ECO 1212 – CONTABILIDADE SOCIAL Horário das Aulas: Quartas (sala F310) e Sextas (sala L238), de 7h às 9h Professor: Eduardo Pereira Nunes (epnunes@ibge.gov.br) Monitoras: Ana Luiza Mussoi e Bianca Berenguer 2004.2 Apostila de Contabilidade Social – 1 ª Parte 11 de agosto de 2004 INTRODUÇÃO Os conceitos das Contas Nacionais são categorias econômicas cada vez mais conhecidas pelo público em geral, em função da constante divulgação de informações na mídia sobre produção, renda, emprego, desemprego, salários, preços e outros indicadores. Todos que utilizam essas estatísticas concordam que um bom sistema de Contas Nacionais deve produzir informações atualizadas e compreensíveis. A apresentação dos dados da economia de um país sobre produção, renda, emprego, investimento, consumo, poupança e outros agregados macroeconômicos envolve a utilização de uma gama de informações que, para serem consistentes e comparáveis, são organizadas de acordo com os conceitos das Contas Nacionais. As Contas Nacionais possibilitam a integração dos dados estatísticos com os conceitos macroeconômicos, pois compreendem um conjunto de conceitos, equações e contas que retratam as diversas etapas e transações realizadas pelos agentes econômicos. O interesse pela utilização de estatísticas atualizadas como instrumento de planejamento já vem de longa data. Os métodos de registro das Contas Nacionais são definidos pelas Nações Unidas, desde a primeira edição em 1953 do Sistema de Contas Nacionais. Para compreender a gênese e estrutura das contas nacionais modernas é preciso que se analise o momento histórico em que ocorreu a transformação na forma de se estudar os próprios fenômenos macroeconômicos, ocorrida nos anos 30 e 40, quando a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial tornaram obsoletos alguns dos conhecimentos teóricos e instrumentos de política econômica até então vigentes. A análise da história e do pensamento econômico dos anos trinta remete-nos ao estudo da obra de John Maynard Keynes, economista responsável pelo desenvolvimento de uma nova abordagem macroeconômica para os problemas causados pela depressão e guerra. A análise da obra deste autor permite entender porque a gênese das contas nacionais modernas está relacionada com a nova teoria econômica de Keynes. A contabilidade nacional moderna é um sistema integrado de equações e contas construídas a partir de registros contábeis organizados para revelar como os agentes econômicos se relacionam, desde a etapa inicial da vida econômica, quando as empresas constituem os fundos, próprios ou de terceiros, necessários para a aquisição ou contratação dos fatores de 4 4 produção (capital, trabalho e recursos naturais) utilizados no processo produtivo. Em seguida, analisa a forma como o produto e a renda são gerados, passando pelos mecanismos de apropriação e distribuição da renda nacional, para identificar os fluxos relativos ao uso da renda nacional em consumo e poupança e à desagregação da poupança em poupança privada e pública. Esta etapa da montagem das contas nacionais ajuda a compreender as fontes de acumulação de capital e financeira de cada economia. Keynes contribuiu para que as contas nacionais deixassem de ser apenas uma metodologia de cálculo da renda nacional para se transformar num sistema de contas integradas à macroeconomia. Para montar esse sistema inédito, Keynes utilizou, em 1939-40, as estimativas das Contas Nacionais da Inglaterra para a apresentação das suas propostas de política econômica para a Inglaterra durante os anos difíceis da II Guerra Mundial. De fato, Keynes construiu o sistema de contas nacionais para desenvolver sua teoria macroeconômica. No livro “Teoria Geral do Emprego, Juro e Moeda1”, publicado em 1936, Keynes lançou a semente do sistema de contas nacionais, ao optar por trabalhar com categorias econômicas expressas em “unidades quantitativas em valor”. Mais tarde, em 1940, Keynes escreveu o livro “Como Pagar a Guerra2” para mostrar a necessidade de criação de uma novo imposto (denominado “poupança compulsória”) para financiar os gastos com a guerra, sem causar inflação ou dívida externa. Keynes queria demonstrar que o déficit público inglês, previsto para o ano fiscal de 1939/1940, proveniente do aumentos dos gastos militares, deveria, necessariamente, ser financiado pelo setor privado, para que o país não precisasse emitir moeda, nem consumir suas reservas internacionais, nem contrair dívida externa. Nesta obra, Keynes recorreu à montagem de um sistema de contas que articularia, pela primeira vez, a análise das finanças públicas com a das contas nacionais, valendo-se para isso do princípio contábil das partidas dobradas. Este método original contribuiu para a transformação das contas nacionais num sistema de contas articuladas, utilizadas como instrumento de planejamento das ações do governo no sistema econômico, as quais deveriam, necessariamente, levar em consideração o momento histórico e as diversas fases do ciclo econômico. Em 1953, as Nações Unidas (ONU) adotaram o modelo proposto por Keynes, publicando a primeira versão do atual Sistema de Contas Nacionais. Em 1968 e em 1993, a ONU publicou novas versões e está previto para o ano de 2007 a divulgação da quarta versão do Manual de Contas Nacionais da ONU. Ao longo dos últimos 50 anos, a ONU incorporou a Matriz de Insumo – Produto, desenvolvida por Leontief3, ao corpo central do Sistema de Contas Nacionais. A utilização pela ONU dos sistemas de Keynes e Leontief permite que o atual Sistema de Contas Nacionais retrate o funcionamento da economia capitalista, a partir da análise dos setores institucionais (empresas, famílias e governos), responsáveis pelas decisões de investimento, produção, consumo e outras, e a partir da análise das unidades produtivas, responsáveis pela organização do processo produtivo. 1 John Maynar Keynes. Teoria Geral do Emprego, Juro e Moeda. Coleção "Os Economistas", São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Livro Segundo, Capítulo 4). 2 John Maynar Keynes. How to Pay for the War - A Radical Plan for the Chancellor of the Exchequer. New York: Harcourt, 1940. 3 Wassily Leontief. A Economia do Insumo-Produto. Coleção "Os Economistas", São Paulo: Abril Cultural, 1983. 5 5 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO Departamento de Economia Rua Marquês de São Vicente, 225 22453-900 - Rio de Janeiro Brasil ECO 1212 – CONTABILIDADE SOCIAL Horário das Aulas: Quartas (sala F310) e Sextas (sala L238), de 7h às 9h Professor: Eduardo Pereira Nunes (epnunes@ibge.gov.br) Monitoras: Ana Luiza Mussoi e Bianca Berenguer 2004.2 Apostila de Contabilidade Social – 2ª Parte 11 de agosto de 2004 Conceitos Básicos A economia capitalista funciona a partir das unidades produtivas que são responsáveis pela organização do processo produtivo. Para produzir, as empresas precisam utilizar os fatores de produção (capital, trabalho e recursos naturais) quepertencem às famílias proprietárias desses fatores de produção. Numa economia de mercado, os bens e serviços necessários à satisfação das necessidades dos indivíduos são adquiridos no mercado. Para isso, os indivíduos (famílias) precisam de dinheiro para comprá-los. As famílias proprietárias dos fatores de produção cedem esses fatores às empresas para que sejam utilizados no processo produtivo. Em troca, as famílias recebem uma renda correspondente à remuneração de cada um dos fatores de produção empregados. Assim, em troca da cessão do fator de produção trabalho, as famílias recebem uma renda equivalente ao salário; pela cessão do fator capital, recebem os lucros, e pela cessão de terras e outros recursos naturais, recebem a renda da terra e outras rendas provenientes da exploração do direito de propriedade dos recursos naturais. A partir desse processo, são gerados na economia, simultaneamente, dois fluxos: - fluxo monetário, ou nominal, ou de renda, representado pela remuneração dos fatores de produção; e, - fluxo real, ou de bens e serviços, ou produtivo, representado pela produção resultante da utilização dos fatores de produção no processo produtivo. O funcionamento da economia pode ser representado por meio da noção do fluxo circular dos fatores de produção e dos produtos, apresentado a seguir. 6 6 Fluxo Circular da Renda TERRA CAPITAL TRABALHO E M P R ES A S Mercado de Fatores Mercado de Produtos RENDA DOS FATORES Renda da Terra, Lucro e Salário FLUXOS MONETÁRIOS MAXIMIZAÇÃO DAS UTILIDADES MAXIMIZAÇÃO DOS LUCROS DEMANDA OFERTA OFERTA DEMANDA Compra de Bens de Consumo 7 7 A representação do funcionamento do sistema econômico foi adotada pelo economista Léon Walras4 para mostrar que a transformação dos fatores de produção em produtos ocorria de acordo com os princípios da maximização das utilidades das famílias (consumidores) e da maximização dos lucros das empresas (produtores). Para maximizarem suas utilidades, as famílias precisam de renda para comprar os bens de consumo no mercado. Para tanto, vendem no mercado de fatores os serviços dos fatores (terra, capital e trabalho) para as empresas, em troca do recebimento das rendas provenientes do uso desses fatores (renda da terra, lucro e salário). Já as empresas, para maximizarem seus lucros, transformam os fatores de produção em produtos (a partir de uma função de produção) para vendê-los no mercado de bens. Com o dinheiro da venda desses produtos, as empresas remuneram as famílias proprietárias dos fatores de produção. E, assim, completa-se o raciocínio sobre o funcionamento da economia a partir da noção de fluxo circular. A noção de fluxo circular foi empregada por Walras para demonstrar a forma pela qual o capitalismo caminhava para um estágio de equilíbrio com pleno emprego, no qual produtores e consumidores (capital e trabalho) maximizam seus lucros e utilidades. De acordo com Walras, o que une os dois mercados (de fatores e de produtos) é a moeda, entendida como meio de troca. Segundo Walras5, “... apesar de distintos, os dois mercados [de fatores e produtos] não deixam de ser estreitamente vinculados um ao outro; porque é com a moeda que receberam no primeiro, devido a seus serviços produtivos, que os proprietários fundiários, trabalhadores e capitalistas consumidores vão ao segundo para comprar produtos; e é com a moeda que receberam no segundo, devido a seus produtos, que os empresários produtores vão ao primeiro para comprar serviços produtivos [fatores de produção]”. Como se observa, toda renda das famílias que está associada à remuneração dos fatores de produção é definida como rendimento de fator. Entretanto, é preciso ressaltar que: a) nem toda renda gerada na economia é apropriada pelas famílias. Por exemplo, a parcela do lucro que a empresa não distribui para seus proprietários e acionistas faz parte da renda do fator de produção capital, mas não é, de fato, apropriada pelas famílias, uma vez que as empresas podem reter parte dos lucros de um ano para financiar investimentos futuros; e, b) nem toda renda apropriada pelas famílias é proveniente de rendimentos dos fatores de produção. Neste caso, estão incluídas as transações realizadas entre os agentes que não estão relacionadas com atividades de produção (ou geração da renda), mas com a repartição dessa mesma renda. Neste caso, enquadram-se as operações de transferência, ou de repartição ou distribuição da renda, como pagamento de impostos sobre a renda e propriedade (IPVA, IPTU); remessa de renda para o exterior para o sustento de estudos ou tratamento médico de familiares, remessa de divisas ao exterior sob a forma de donativos, e várias outras transferências. O saldo da renda apropriada pelas famílias, já deduzidas as transferências de renda, representa o valor da renda que as famílias têm, de fato, disponível para a compra dos bens e serviços ofertados pelas empresas. O encontro desses dois fluxos - oferta e demanda - ocorre no mercado de bens e serviços onde parte da renda apropriada pelas famílias é usada (consumida) na compra dos produtos (bens e serviços de consumo) que são ofertados pelas empresas. 4 Léon Walras (1874). “Élements d’Économie Politique Pure”. 5 Léon Walras (1983). “Compêndio dos Elementos de Economia Pura”. Coleção "Os Economistas", São Paulo: Abril Cultural, p. 118. 8 8 A parcela da renda pertencente às famílias que não é utilizada na compra de bens de consumo é, portanto, poupada pelas famílias. Governo Quanto aos impostos que as famílias (e demais agentes econômicos) pagam ao governo, estes se devem à necessidade de se financiar as atividades realizadas pelo governo que não são remuneradas (vendidas) pelo mercado. Da mesma forma que uma empresa privada, o governo, para prestar serviços à coletividade, também emprega e remunera os fatores de produção (trabalho, capital e recursos naturais) que adquire no mercado. Ademais, o governo incorre em despesas com a compra de insumos (materiais de consumo corrente) para o exercício de sua atividade de prestação de serviços coletivos (gratuitos, ou não mercantis). Como não financia seus custos através da venda desses serviços no mercado, o governo utiliza-se do poder de cobrança de impostos sobre produtos (IPI, ICMS, ISS), sobre a atividade (PIS, Cofins), sobre a renda (IRPF, IRPJ) e sobre a propriedade (IPVA, IPTU, ITR) para financiar seus gastos. Ou seja, embora não participe diretamente do processo de geração de renda, uma vez que não tem a propriedade dos fatores de produção, o governo se apropria de parte da renda gerada na economia por intermédio de operações distributivas (de repartição). De posse da renda obtida com a arrecadação dos impostos, o governo financia os seus gastos. E, assim como os demais agentes econômicos, as contas do governo (ou finanças públicas) podem ser superavitárias, deficitárias ou equilibradas. O déficit do governo indica a necessidade de financiamento do setor público que é financiada através dos seguintes mecanismos: - empréstimos em moeda junto às instituições financeiras; - venda de títulos da dívida pública; - venda de ativos (privatização de empresas); e, - emissão de moeda. Já o superávit do governo indica a capacidade de poupança do setor que será aplicada no mercado financeiro, ou utilizada para resgatar títulos públicos (que consistem na sua dívida) emitidos em anos anteriores. Numa economia de mercado na qual o sistema financeiro é desenvolvido, a poupança dos agentes econômicos - famílias, empresas e governo - é aplicada em ativos financeiros, emitidos pelos bancos. A poupança interna de uma economia é obtida através dos seguintes componentes: a) poupança das famílias: renda pessoal disponível (-) consumo das famílias; b) poupança das empresas: lucro retidopelas empresas (+) reserva para depreciação; e, c) poupança do governo: impostos (-) gastos correntes. Intermediários financeiros Os bancos são empresas que exercem a função de intermediários financeiros, ao captarem as poupanças dos agentes econômicos superavitários (cuja renda é maior do que o seu uso) e as emprestarem aos agentes deficitários (cuja renda é inferior aos gastos). Esses últimos, por sua vez, precisam desses recursos para financiar seus gastos adicionais (em relação às suas rendas) de consumo e investimento. Para atrair essas poupanças para o mercado financeiro, as instituições financeiras oferecem aos poupadores uma remuneração, representada pela taxa de juros pagos aos agentes superavitários. Por outro lado, essas instituições também cobram dos agentes deficitários juros pelo empréstimo desses recursos. A remuneração dos intermediários financeiros é, portanto, obtida pelo diferencial (spread bancário) de juros recebidos pelo empréstimo destes recursos financeiros aos agentes 9 9 deficitários e pelos juros pagos aos agentes superavitários. Nas Contas Nacionais, esse diferencial (spread) de juros representa o valor da produção do sistema financeiro. Investimento Os recursos gerados na economia sob a forma de poupança são destinados ao financiamento dos investimentos em infraestrutura; terrenos, prédios, equipamentos, tecnologia, e outras formas de acumulação de capital. O saldo entre a poupança interna bruta da economia e o investimento bruto indica a capacidade ou a necessidade de financiamento da economia. Se a poupança interna é inferior ao investimento, então a economia apresenta uma necessidade de financiamento que deverá ser atendida pelo Resto do Mundo. Tal necessidade reflete-se no déficit da Balança de Pagamentos em Transações Correntes que deverá ser financiado através de operações financeiras, ou por intermédio da utilização das Reservas Internacionais do país. Por outro lado, o excesso de poupança interna em relação ao investimento corresponde ao superávit da Balança de Pagamentos em Transações Correntes. Neste caso, na Contabilidade Social, a economia dispõe de recursos excedentes que serão utilizados para financiar o Resto do Mundo, por meio de empréstimos em moeda estrangeira, investimento direto no exterior ou aplicação do superávit em instituições financeiras internacionais, elevando, assim, o nível das reservas internacionais do país. É preciso também notar que nem toda renda gerada no país é apropriada por agentes econômicos residentes no próprio país. Durante o processo produtivo, as empresas podem utilizar fatores de produção pertencentes a agentes econômicos residentes no exterior. Logo, parte da renda gerada no interior do país pode ser remetida para o exterior de forma a remunerar os seus proprietários estrangeiros. Assim, pela mesma razão, os agentes econômicos residentes também podem receber rendas provenientes do exterior. As transações entre agentes econômicos residentes e não residentes são contabilizadas nas Contas Nacionais a partir de informações extraídas do Balanço de Pagamentos do país. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Nacional Bruto (PNB) Quando a Contabilidade Social prioriza a análise do processo de geração da renda no interior de um determinado país, o agregado econômico utilizado para medir essa renda é a Renda Interna Bruta, ou Produto Interno Bruto (PIB). Quando o interesse é estudar a apropriação da renda pelo país, então a unidade de medida empregada passa a ser a Renda Nacional Bruta, ou Produto Nacional Bruto (PNB). Renda Disponível Levando-se em consideração os fluxos de transferência corrente de renda entre os agentes econômicos residentes (empresas, famílias e governos) e os agentes não residentes, pode-se calcular a Renda Nacional Disponível Bruta, equivalente ao montante de recursos que a economia nacional dispõe para financiar seus gastos correntes de consumo e de capital. Este conjunto de transações pode ser representado pelas seguintes equações; Equações macroeconômicas fundamentais Produção - Consumo de insumos = Valor Adicionado = Renda Gerada = PIB Valor Adicionado = Renda dos Fatores de produção: trabalho, capital, terra e impostos do governo Renda Gerada + (Renda dos Fatores Recebida do Exterior – Renda dos Fatores Enviada ao Exterior) = Renda Nacional = PNB 10 10 Renda Nacional + Rendas Distribuídas (Renda Transferida do Exterior – Renda Transferida para o Exterior) = Renda Disponível do país Renda Disponível - Consumo = Poupança Poupança financia o Investimento Se a Poupança > Investimento, então, a economia tem Capacidade de Financiamento Se a Poupança < Investimento, então a economia tem Necessidade de Financiamento Contrapartida dos resultados da economia nacional < = = > Saldo do Balanço de Pagamentos em Transações Correntes. As equações macroeconômicas apresentadas acima podem ser construídas a partir dos dados referentes às Contas Nacionais do Brasil, de 2000, construídas pelo IBGE. Estas equações compreendem as operações não financeiras que as unidades econômicas residentes no país (empresas, famílias e governo) realizam entre si e com o exterior. As três tabelas apresentadas, a seguir, permitem observar como as equações são construídas. 11 11 Tabela 1 - Economia Nacional - Conta de bens e serviços - 2000 Recursos (R$ milhões) Operações e saldos Usos (R$ milhões) 2000 1 979 057 Produção 134 951 Importação de bens e serviços 119 394 Impostos sobre produtos 8 430 Imposto de importação 110 964 Demais impostos sobre produtos Consumo intermediário 1 011 751 Consumo final 868 061 Formação bruta de capital fixo 211 225 Variação de estoque 24 944 Exportação de bens e serviços 117 422 2 233 402 Total 2 233 402 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de Contas Nacionais. Contas Nacionais do Brasil: 1998 - 2000. 12 12 (conclusão) Usos (R$ milhões) Operações e saldos Recursos (R$ milhões) 2000 Conta 1 - Conta de produção Produção 1 979 057 1 011 751 Consumo intermediário Impostos sobre produtos 119 394 Imposto de importação 8 430 Demais impostos sobre produtos 110 964 1 086 700 Produto interno bruto Conta 2 - Conta da renda 2.1 - Conta de distribuição primária da renda 2.1.1 - Conta de geração da renda Produto interno bruto 1 086 700 411 637 Remuneração dos empregados 411 348 Residentes 289 Não-residentes 183 077 Impostos sobre a produção e de importação (-) 3 822 Subsídios à produção ( - ) 495 807 Excedente operacional bruto inclusive rendimento de au 55 321 Rendimento de autônomos (rendimento misto) 440 486 Excedente operacional Bruto 2.1.2 - Conta de alocação da renda Excedente operacional bruto inclusive rendimento de au 495 807 Rendimento de autônomos (rendimento misto) 55 321 Excedente operacional bruto 440 486Remuneração dos empregados 411 783 Residentes 411 348 Não-residentes 435 Impostos sobre a produção e de importação 183 077 Subsídios à produção ( - ) (-) 3 822 40 750 Rendas de propriedade enviadas e recebidas do resto do 6 177 1 052 273 Renda nacional bruta 2.2 - Conta de distribuição secundária da renda Renda nacional bruta 1 052 273 577 Transferências correntes enviadas e recebidas do resto d 3 376 1 055 072 Renda disponível bruta 2.3 - Conta de uso da renda Renda disponível bruta 1 055 072 868 061 Consumo final 187 011 Poupança bruta Conta 3 - Conta de acumulação 3.1 - Conta de capital Poupança bruta 187 011 211 225 Formação bruta de capital fixo 24 944 Variação de estoque 34 Transferências de capital enviadas e recebidas do resto d 26 (-) 49 166 Capacidade ( + ) ou Necessidade ( - ) de Financiamento Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de Contas Nacionais. Contas Nacionais do Brasil: 1998 - 2000. Tabela 2 - Economia Nacional - Contas de produção, renda e capital - 2000 13 13 (conclusão) Usos (R$ milhões) Operações e saldos Recursos (R$ milhões) 2000 Conta 1 - Conta de bens e serviços do resto do mundo com a economia nacional 117 422 Exportação de bens e serviços 100 773 Exportação de bens 16 649 Exportação de serviços Importação de bens e serviços 134 951 Importação de bens 102 224 Importação de serviços 32 727 17 529 Saldo externo de bens e serviços Conta 2 - Conta de distribuição primária da renda e transferências correntes do resto do mundo com a economia nacional Saldo externo de bens e serviços 17 529 435 Remuneração dos empregados 289 6 177 Rendas de propriedade 40 750 4 472 Juros 31 411 1 704 Dividendos 9 338 3 376 Outras transferências correntes enviadas e recebidas do resto do 577 4 Prêmios líquidos de seguros não-vida 46 46 Indenizações de seguros não-vida 4 3 325 Transferências correntes diversas 527 49 158 Saldo externo corrente Conta 3 - Conta de acumulação do resto do mundo com a economia nacional 3.1 - Conta de capital Saldo externo corrente 49 158 26 Transferências de capital enviadas e recebidas do resto do mund 34 Variações do patrimônio líquido resultantes de poupança e de transferências de capital 49 166 49 166 Capacidade ( + ) ou Necessidade ( - ) líquida de financiamento Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de Contas Nacionais. Contas Nacionais do Brasil: 1998 - 2000. do resto do mundo com a economia nacional - 2000 Tabela 3 - Economia Nacional - Conta das transações 14 14 Definição dos agregados das contas nacionais 1. Medida do Produto (ou PIB) pela Ótica da Produção Valor Adicionado Bruto = VBP - CI = Produto Interno Bruto (PIB) Valor Adicionado = Produção (VBP) - Consumo de matérias-primas (CI) 2. Medida do Produto (ou PIB) pela Ótica da Renda PIB = Renda dos Fatores + Depreciação PIB = Salários + Aluguéis + Excedente Operacional Bruto Excedente Operacional Bruto = Juros + Lucros + Depreciação 3. Medida do Produto (ou PIB) pela Ótica da Despesa (ou Demanda) PIB = Demanda Final (DF) - Importação de Bens e Serviços (M) = = CF + FBKF + VE + CG + (X - M) = Despesa Interna Bruta (DIB) Componentes da Demanda Final (DF) = Consumo das Famílias (CF) + Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF) + Variação de Estoques (VE) + Consumo do Governo (CG) + Exportação de Bens e Serviços (X) a) Numa economia fechada e sem governo, DF = CF + FBKF + VE b) Numa economia fechada e com governo, DF = CF + FBKF + VE + CG c) Numa economia aberta e com governo, DF = CF + FBKF + VE + CG + (X - M) 4. Relação entre Balanço de Pagamentos e Contas Nacionais Para incorporar as transações realizadas entre agentes residentes e não-residentes, as Contas Nacionais utilizam as informações do Balanço de Pagamento do país. O Balanço de Pagamentos registra todas as transações realizadas pelos agentes econômicos residentes com o exterior (denominado Resto do Mundo nas Contas Nacionais). As transações registradas no Balanço de Pagamentos que interferem nas Contas Nacionais de um país são as transações correntes que estão relacionadas com os fluxos de geração e distribuição da renda nacional. Portanto, para incorporar os dados do Balanço de Pagamentos às estimativas das Contas Nacionais referentes ao nível de produção e renda da economia devemos utilizar apenas as informações sobre as transações correntes. Além dessas transações, encontramos também no Balanço de Pagamentos algumas transações relacionadas com operações financeiras, ou movimento de capitais, entre residentes e não-residentes. Estas transações são computadas nas Contas Financeiras do sistema de Contas Nacionais do país. De acordo com a natureza das operações, o Balanço de Pagamentos é dividido em três grupos de Contas, a saber: Contas Correntes Conta de Capital Conta Financeira 15 15 A Balança de Transações Correntes, ou Contas Correntes, registra as operações com bens e serviços; as operações realizadas entre residentes e não residentes, relacionadas com a remuneração dos fatores de produção pertencentes a agentes residentes e as transferências unilaterais de bens e moeda para uso corrente. As Contas Correntes destacam claramente as transações com Bens, Serviços, Rendas e Transferências Correntes, compatibilizando-as com o Sistema de Contas Nacionais do país. A Conta Capital registra as transferências unilaterais de patrimônios de imigrantes e as transações com ativos não financeiros não-produzidos (cessão de marcas e patentes). A Conta Financeira registra as operações ativas e passivas externas, segundo as modalidades e prazos (Investimento Direto Estrangeiro; Empréstimos inter-empresas; Investimento em carteira; derivativos). O Balanço de Pagamentos é apresentado da seguinte forma: BALANÇO DE PAGAMENTOS6 Contas Correntes Mercadorias: Exportação e Importação de Bens Serviços: Fretes de Transportes; Seguros; Viagens Internacionais; Turismo; Serviços Governamentais; Serviços Financeiros; Computação e Informação; Royalties e Licenças; Aluguel de Equipamentos; Comunicações; Serviços de Construção; Comissões e Corretagens Comerciais; Serviços Empresariais e Profissionais; Serviços Pessoais, Culturais e Recreação; e Serviços Diversos. Rendas: Remuneração do trabalho assalariado, lucros, dividendos, juros de empréstimos externos e rendas de investimentos em carteira. Transferências unilaterais correntes: Transferênciasde bens e moeda para uso corrente Saldo das Transações Correntes: Superávit ou Déficit em Transações Correntes Conta Capital: Transferências unilaterais de patrimônios de imigrantes e transações com ativos não financeiros não-produzidos (cessão de marcas e patentes). Conta Financeira: Amortizações de Dívidas, Empréstimos e Investimentos Diretos e Investimentos em Carteira. Saldo Total da Balança de Pagamentos: Superávit ou Déficit Reservas internacionais Dívida externa bruta 5. Relação entre PIB e PNB É preciso fazer a diferenciação entre o Produto Interno e o Produto Nacional para se saber qual a parcela da renda gerada no território do país em estudo que é, de fato, apropriada pelos agentes econômicos residentes. 6 Fonte: Banco Central do Brasil. Notas Metodológicas do Balanço de Pagamentos. Notas Técnicas do Banco Central, Número 1, Junho de 2001. 16 16 Para produzirem, as unidades produtivas que operam em um determinado país utilizam fatores de produção - capital, trabalho, recursos naturais e tecnologia - que pertencem a agentes econômicos residentes no país e, também, no exterior. De posse destes fatores, as empresas produzem seus bens ou serviços para vendê-los no mercado. A receita proveniente da venda desses produtos deve ser suficiente para (a) cobrir os gastos (consumo intermediário) com a compra de matérias-primas (insumos) e (b) remunerar os fatores de produção utilizados no processo produtivo. O pagamento da renda destes fatores (de produção) equivale ao valor adicionado e é repartido entre os proprietários da força de trabalho (trabalho), das terras (recursos naturais) e do capital, sob a forma de salário, renda da terra e lucro. Como os proprietários dos fatores de produção podem ser residentes no território do país onde é realizada a produção, ou no exterior, a parte da renda gerada no país que cabe aos não- residentes deverá ser enviada para o exterior, sob a forma de pagamento de rendimentos dos fatores pertencentes aos não-residentes. Sendo assim, uma parte da renda gerada no território de um país pode ser apropriada por agentes não-residentes no mesmo país. A contrapartida desse processo é representada pelo fato de que o rendimento dos fatores apropriado pelos agentes residentes num país é determinado pelo: - valor da renda gerada num país e apropriada pelos proprietários dos fatores residentes, mais, - o valor da renda recebida do exterior, proveniente da propriedade de fatores de produção utilizados no exterior. Dessa forma, devemos distinguir a renda gerada no país da renda apropriada pelos residentes no próprio país. Para medir o valor da renda gerada no país, as Contas Nacionais usam como unidade de medida o PIB ou a RIB. Essa medida indica o valor da renda que um país produz num determinado ano, sem a preocupação de quantificar a parcela pertencente aos agentes residentes e aos não-residentes. Com este cálculo, pretende-se saber o Produto Interno Bruto (PIB) da economia. Quando se pretende avaliar o montante da renda dos fatores efetivamente apropriada pelos residentes no país, deve-se, então, deduzir do total da renda gerada (PIB ou RIB) o valor correspondente à Renda dos fatores que é Enviada ao Exterior (REE) para remunerar os proprietários dos fatores residentes no exterior, assim como deve-se incluir a Renda de fatores Recebida do Exterior (RRE) pelos proprietários residentes no país. Agora, o objetivo passa a ser o de medir a Renda Nacional, ou o PNB. Assim, tem-se as seguintes equações: PIB = RIB = DIB ==> Geração e uso da renda no território nacional RIB - RLEE = Renda Nacional (RNB) ou Produto Nacional Bruto (PNB) RLEE (Renda Líquida Enviada ao Exterior) = Renda Enviada ao Exterior (REE) - Renda Recebida do Exterior (RRE) Logo, a diferença entre Produto Interno e Produto Nacional é dada pela Renda Líquida Enviada ao Exterior (RLEE). Os dados do IBGE sobre as Contas Nacionais do Brasil permitem identificar os elementos que determinam o cálculo do PIB e do PNB de 2000. Contas nacionais da economia brasileira em 2000: 17 17 Valor adicionado = R$ 967 306 milhões Impostos sobre produtos e importação = R$ 119 394 milhões Produto Interno Bruto = R$ 1 086 700 milhões. Medida do Produto (ou PIB) pela Ótica da Produção: Valor Adicionado Bruto = VBP - CI = R$ 1 979 057 milhões (-) = R$ 1 011 751 milhões = R$ 967 306 milhões Valor Adicionado + Impostos sobre produtos e importação = R$ 967 306 milhões + R$ 119 394 milhões = Produto Interno Bruto (PIB) = R$ 1 086 700 milhões. Medida do Produto (ou PIB) pela Ótica da Renda: PIB = Renda dos Fatores + Depreciação PIB = Salários + Aluguéis + Excedente Operacional Bruto Excedente Operacional Bruto = Juros + Lucros + Depreciação Remunerações do Trabalho = R$ 411 637 milhões Impostos do Governo sobre as Atividades Econômicas = R$ 179 255 milhões Excedente Econômico = R$ 495 807 milhões PIB = R$ 1 086 700 milhões. Medida do Produto (ou PIB) pela Ótica da Despesa (ou Demanda): PIB = Demanda Final (DF) - Importação de Bens e Serviços (M) = = CF + FBKF + VE + CG + (X - M) = Despesa Interna Bruta (DIB). Componentes da Demanda Final (DF) = Consumo das Famílias (CF) + Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF) + Variação de Estoques (VE) + Consumo do Governo (CG) + Exportação de Bens e Serviços (X). Demanda final (R$ 1 221 652 milhões) [-] Importações (R$ 134 951 milhões) = PIB ( R$ 1 086 701 milhões). Demanda final = Consumo das Famílias (R$ 658 727 milhões) + Formação Bruta de Capital Fixo (R$ 211 225 milhões) + Variação de Estoques (R$ 24 944 milhões) + Consumo do Governo (R$ 209 334 milhões) + Exportação de Bens e Serviços (R$ 117 422 milhões). Observação: as diferenças entre as medidas do PIB de, aproximadamente, R$ 1 milhão devem-se a arredondamentos. Passagem do PIB para PNB ou Renda Nacional: PIB = R$ 1 086 700 milhões. Remunerações do Trabalho, Líquidas, Recebidas do Exterior = R$ 146 milhões. Rendas da Propriedade, Líquidas, Enviadas ao Exterior = (-) R$ 34 573 milhões. PNB = R$ 1 052 273 milhões. PIB (R$ 1 086 700 milhões) + Remunerações do Trabalho, Líquidas, Recebidas do Exterior (R$ 146 milhões) - Rendas da Propriedade, Líquidas, Enviadas ao Exterior (-) R$ 34 573 milhões. RND = R$ 1 055 072 milhões PNB (R$ 1 052 273 milhões) + Transferências Correntes de Renda, Líquidas, Recebidas do Exterior (R$ 3 376 milhões – R$ 577 milhões) Consumo Final = R$ 868 061 milhões Consumo Final das famílias + Consumo Final do Governo 18 18 Poupança = R$ 187 011 milhões RND (R$ 1 055 072 milhões) – Consumo Final (R$ 868 061 milhões) Investimento = R$ 236 177 milhões Formação Bruta de Capital Fixo (R$ 211 225 milhões) + Variação de Estoques (R$ 24 944 milhões) + Transferências de Capital, Líquidas, Enviadas do Exterior (R$ 34 milhões - R$ 26 milhões) Capacidade ou Necessidade de Financiamento da Economia Nacional = ( - ) R$ 49 166 milhões Poupança (R$ 187 011 milhões) - Investimento (R$ 236 177 milhões) 6. Relação entre Fluxos de Bens e Serviços e Fluxos de Rendas no Balanço de Pagamentos Os Fluxos de Bens e Serviços referem-se às exportações e importações de mercadorias (tangíveis) e de serviços (intangíveis, ou invisíveis). Nestes fluxos incluem-se as transações (operações de produção) com o exterior de compra e venda dos produtos (bens) agrícolas e industriais registrados na Balança de Mercadorias e de Serviços, tais como: fretes, seguros, royalties, viagens internacionais, turismo, despesas governamentais e outros. Os Fluxos de Rendas compreendem as operações de repartição da renda apropriada pelos fatores de produção e redistribuída entre os agentes residentes e não-residentes no território nacional. Nestes fluxos somente são incluídas as transações de remessa de renda para o exterior e recebimento de renda do exterior que estãoassociadas aos rendimentos dos fatores (ou serviços de fatores), a saber: salários, rendas da propriedade e aluguéis, juros de empréstimos, assistência técnica, pagamento de royalties e licença pelo uso de tecnologias, direitos autorais e remessa de lucros e dividendos. 7. Conceito de Renda Nacional Disponível (RND) Bruta A Renda Nacional Disponível Bruta compreende a renda que o país dispõe para consumir e investir. A RND é obtida agregando-se à Renda Nacional o valor das transações de transferências unilaterais de renda entre agentes residentes e não-residentes, isto é, transações que não têm contrapartida em termos de recebimento de bens e serviços, nem são provenientes de pagamentos aos fatores de produção. Nessas transações estão incluídos os donativos e ajudas ao exterior, reparações de guerra e outras transferências que representam uma fonte de divisas para os países receptores dessas rendas e um dispêndio de divisas para os doadores. Assim, se do fluxo da Renda Interna Bruta que compreende as transações relacionadas com a geração interna da renda (RIB), deduzirmos o valor relativo à sua repartição entre agentes residentes e não-residentes, medido pela renda de fatores enviada ao exterior (REE), e acrescentarmos o valor dessa mesma renda recebida do exterior (RRE), chegamos ao valor da Renda Nacional Bruta (RNB). Para se chegar ao valor da Renda Nacional Disponível Bruta é preciso acrescentar o valor das transferências unilaterais recebidas do exterior e deduzir o valor dessas mesmas transferências feitas para o exterior. Então, PIB = RIB = Renda Gerada pelos fatores de produção + depreciação = PIB cf PNB = RNB = RIB - RLEE RLEE = REE - RRE RND = RNB - Transferências Unilaterais Líquidas 19 19 8. Renda Nacional Disponível (RND) e Renda Pessoal Disponível A Renda Pessoal Disponível (RPD) compreende a parcela da Renda Nacional Disponível que é apropriada pelas famílias. Para as famílias, calcula-se a RPD, deduzindo-se da Renda Nacional Disponível os valores: a) da renda dos fatores retida pelas empresas, sob a forma de lucros retidos, e, b) dos impostos diretos (sobre renda e propriedade) pagos pelas famílias ao governo, para que este obtenha os recursos que necessita para financiar seus gastos com a prestação de serviços públicos (Não-Mercantis) à coletividade. Pode-se também calcular o valor da Renda Pessoal Disponível da seguinte forma: a) calcula-se o valor da renda apropriada pelas famílias, a partir da soma das rendas provenientes: - da remuneração dos fatores de que são proprietárias, a saber: salários, rendas de propriedade de terras e dividendos distribuídos pelas empresas; - do recebimento de rendas transferidas para as famílias pelo governo, sob a forma de pensões e aposentadorias, e, - do recebimento de rendas transferidas às famílias residentes por agentes não- residentes, medido pelo valor das rendas (serviços de fatores) recebidas do exterior e pelo valor das transferências unilaterais destinadas às famílias residentes, como roupas, alimentos, medicamentos e outros donativos. b) do valor da renda apropriadas pelas famílias, deduz-se a parcela referente: - ao valor dos impostos diretos (sobre a renda e propriedade e de seguridade social) pagos ao governo pelas famílias; e, - ao valor da renda enviada ao exterior. A Renda Pessoal Disponível indica o volume de recursos que as famílias dispõem para realizarem seus gastos de consumo. Consequentemente, o saldo entre a renda pessoal disponível e os gastos de consumo das famílias representa o valor da poupança das famílias. Para o conjunto da economia, calcula-se a Renda Disponível Bruta, deduzindo-se da renda nacional o valor das transferências unilaterais recebidas e enviadas ao exterior, registradas na Conta de Transferências Unilaterais Correntes, correspondente às Transferências de bens e moeda para uso corrente 9. Conceito de Poupança Interna Bruta A Poupança Interna Bruta da economia corresponde à parcela da Renda Nacional Disponível Bruta que não é utilizada no consumo final (famílias e governo). Logo, compreende o valor da poupança interna da economia que pode ser usada para financiar o investimento. Esse valor é composto por: - poupança das famílias - poupança do governo - poupança das empresas (lucros retidos e reserva para depreciação do capital). A Poupança Interna Líquida eqüivale à Poupança Bruta, menos a depreciação. 10. Relação entre Poupança e Investimento na Conta de Capital (Acumulação) Na Contabilidade Social, as operações relacionadas com o processo de acumulação de capital e seu financiamento são registradas na Conta de Capital (ou Conta de Acumulação). O saldo entre o total da poupança interna bruta e o total da formação de capital (formação bruta de capital fixo, mais a variação dos estoques: investimento bruto) indica a capacidade ou necessidade de financiamento da economia. 20 20 Se o valor da poupança interna superar o valor da formação de capital, a economia apresentará um saldo positivo que eqüivale à sua capacidade de financiamento. Entretanto, se o valor da poupança interna for inferior ao valor da formação de capital, então haverá um saldo negativo equivalente à sua necessidade de financiamento. A necessidade de financiamento da economia nacional deverá ser atendida por recursos provenientes do exterior. Por isso, as Contas Nacionais de um país que tem necessidade de financiamento revelam um déficit correspondente na sua Balança de Transações Correntes (ou superávit na Balança de Transações Correntes do Resto do Mundo). Essa necessidade de financiamento externo para viabilizar o investimento realizado na economia indica que a utilização da Renda Nacional Disponível Bruta em consumo e investimento, num dado ano, é superior à capacidade dessa mesma economia de gerar renda. Ou seja, há um excesso de dispêndios em relação à renda nacional disponível bruta. Assim, para atender a essa demanda interna excedente, a economia precisa recorrer à Poupança Externa medida pelo valor do déficit do Balanço de Transações Correntes desse país (ou pelo superávit do Resto do Mundo). Significado Macroeconômico do Saldo do Balanço de Pagamentos em Conta Corrente A interpretação do Saldo do Balanço de Pagamentos em conta corrente pode ser realizada por meio de duas linhas de raciocínio: Ótica da absorção Ótica Financeira a) Ótica da Absorção Como foi visto anteriormente, por ocasião da definição dos agregados da contas nacionais, numa a.1) Economia Fechada Sem Governo A Renda Gerada (Y) é apropriada apenas pelo Setor Privado. Consequentemente, a Renda Total (Y) é igual à Renda Privada Disponível (RPrD) que também corresponde à Renda Pessoal Disponível (RPD) (+) Lucros Retidos pelas Empresas Privadas. A Renda Privada Disponível pode ser utilizada em Consumo (C) ou Poupança (S), ou seja: RPrD = C + S (equação 1) Pela ótica da despesa (utilização da renda), na economia fechada sem governo, tem-se a seguinte equação: Renda = Renda Privada Disponível = Consumo + Investimento Y = RPrD = C + I (equação 2) A partir das equações (1) e (2), conclui-se que: C + S = C + I (equação 3). Logo, S = I (equação 4). 21 21 A identidade contábil expressa pela equação 4 revela que, numa economia fechada sem governo, o investimento é integralmente financiado pela poupança privada. a.2) Economia Fechada Com Governo Numa Economia Fechada Com Governo, a Renda Privada Disponível = Renda - Impostos Pagos ao Governo + Transferências Recebidas do Governo, ou RPrD = Renda dos fatores - ( Receitas - Despesas Correntes do Governo). Definindo o Saldo (equilíbrio, déficit ou superávit) entre Receitas e Despesas Correntes do Governo como T, pode-se escrever a equação anterior da seguinte forma: RPrD = Y - T (equação 5). Assim, pela óticada renda, pode-se dizer que: Y = RPrD + T (equação 6). A partir das equações (1) e (6), conclui-se que, numa economia fechada com governo, a renda é composta pelos seguintes elementos: Y = C + S + T (equação 7), onde S = Poupança Privada e T = Poupança Pública. Pela ótica da despesa, Y = C + I + G (equação 8), onde G = Gastos Correntes do Governo. Neste caso, a partir das equações (7) e (8), tem-se: C + S + T = C + I + G. Logo, S + T = I + G (equação 9). Agora, a identidade contábil expressa pela equação 9 revela que, numa economia fechada com governo, os investimentos privados e públicos e os gastos correntes do governo são financiados pela poupança privada e pelas receitas do governo. E, se S = I, então, necessariamente, T = G. Caso haja um déficit público, isto é, se T < G, então, a poupança privada terá que financiar o Investimento e, também, o déficit público. Logo, verifica-se através da equação 9 que, se T < G, então S > I, ou seja, S - I = G - T (equação 10). 22 22 a.3) Economia Aberta No caso de uma Economia Aberta, a Renda Privada Disponível = Renda - Impostos Pagos ao Governo + Transferências Recebidas do Governo - Renda dos Fatores, Líquida, Enviada ao Exterior - Transferências Unilaterais Líquidas para o Exterior. Pela ótica da renda, representada pela equação 7, pode-se dizer que a Renda Nacional Disponível (RND) equivale ao Consumo + Poupança Privada + Poupança Pública. Ou seja, RND = C + S + T. Pela ótica da despesa, numa economia aberta, tem-se: RND = C + I + G + (X - M) (equação 11). Absorção e Poupança Externa Se considerarmos (X – M) como sendo o Saldo do Balanço de Pagamentos (SBP) em Transações Correntes, isto é, Saldo da Conta de Mercadorias, Serviços, Rendas e Transferências Correntes, podemos dizer que: A absorção corresponde à despesa final interna realizada pelas famílias (C); empresas (I) e governo (G). Se RND = C + I + G + (X - M) (equação 11), e se, Absorção doméstica = despesa final interna realizada pelas famílias (C); empresas (I) e governo (G). Então, o SBP em Transações Correntes = RND – Absorção. Vale dizer, o Saldo do Balanço de Pagamentos em Transações Correntes equivale ao saldo entre a renda nacional e a absorção interna. Esta equação indica que o consumo total da economia (privado e público) e o investimento são financiados pela renda nacional disponível e pelo saldo do balanço de pagamentos em transações correntes. Se as transações correntes do Balanço de Pagamentos apresentam déficits, significa dizer que a economia nacional precisa recorrer à poupança externa para financiar aquele déficit. Logo, o resto do mundo transfere recursos (poupança externa) para financiar os gastos finais (consumo e investimento) da economia nacional. Neste caso, observa-se que a economia absorve mais recursos do que é capaz de gerar internamente. Se a demanda interna de consumo e investimento excede a renda nacional disponível, ocorre uma necessidade adicional de poupança que deverá ser atendida pelo resto do mundo. Dais surge a noção de poupança externa, associada ao déficit do Balanço de Pagamentos em Transações Correntes. A partir das equações 7 e 11, conclui-se que C + S + T = C + I + G (X - M) (equação 12). Essa expressão revela que a despesa agregada equivale à Renda Privada Disponível (C+S), mais a Receita do Governo, Líquida das Transferências efetuadas, ou, então, combinando as expressões (10) e (12), tem-se: 23 23 S - I = (G - T) + (X - M) (equação 13). A equação 13 revela que, numa economia aberta, S - I = Excesso de Poupança Privada em relação aos Investimentos (privados e públicos); G - T = Poupança Corrente do Governo (equilíbrio, superávit ou déficit fiscal; e, X - M = Saldo das Transações Correntes com Bens e Serviços do país. A equação 13 está escrita de forma a demonstrar que a Poupança Privada, além de financiar os Investimentos, deve financiar eventuais déficits públicos e déficits em transações correntes com o exterior. Pode-se rescrever a equação 13 da seguinte forma: I = S + (T - G) + (X - M). Essa expressão indica que o Investimento Total (I) é financiado pela Poupança Privada (S), pela Poupança Pública (T - G), ou pela Poupança Externa (X - M). Analisando a equação 13, de acordo com a perspectiva do Balanço de Pagamentos, nota-se que (X – M) = (S – I) + (T – G) A interpretação dessas equações pode ser feita a partir do Sistema de Contas Nacionais construído por Keynes, em 1940, no livro “Como Pagar a Guerra”, para revelar, através do registro contábil das partidas dobradas, que a poupança privada deveria financiar o déficit público inglês durante a II Guerra Mundial. Todas as formas anteriores de representação da equação 13, revelam a preocupação em identificar a relação existente entre os agregados macroeconômicos representativos da demanda agregada numa Economia Aberta. Explorando os resultados da equação 13, nota-se que: Quando há Equilíbrio Fiscal (T = G), o Saldo do Balanço de Pagamentos em Transações Correntes é, por definição, idêntico ao saldo verificado entre a Poupança Privada e o Investimento (X – M) = (S – I). Se T = G, então, (X – M) = (S – I). 2. Quando há Déficit Fiscal (T < G), então, (X – M) e (S – I) devem financiar aquele déficit. Assim, se T < G, então X + M > M + I b) Ótica Financeira 24 24 O saldo do Balanço de Pagamentos em conta corrente representa uma variação patrimonial do país em relação ao resto do mundo. O resultado positivo (superávit) desta conta indica que o país pode aplicar os recursos excedente na aquisição de ativos financeiros, ou na redução de passivos contraídos em anos anteriores. Já o déficit desta conta indica que o país deverá captar recursos externos por meio da redução de ativos financeiros, ou na assunção de novos passivos no exterior, os quais deverão ser pagos em anos posteriores. O saldo do Balanço de Pagamentos em conta corrente constitui-se na linha que demarca a fronteira entre as transações não financeiras e as financeiras do Balanço de Pagamentos. A aquisição de ativos e a assunção de passivos no exterior são realizadas por intermédio de várias operações financeiras, ou instrumentos financeiros, tais como: 1 – Ouro Monetário e Direitos Especiais de Saque 2 - Numerário e Depósitos 3 – Títulos, exceto Ações 3.1 – Curto prazo 3.2 – Longo prazo 4 – Empréstimos e Financiamentos 4.1 – Curto prazo 4.2 – Longo prazo 5 – Ações e Outras Participações de Capital 6 - Reservas Técnicas de Seguros 7 – Outros Créditos e Débitos 7.1 – Créditos comerciais e antecipações 7.2 – Outros créditos e débitos Poupança externa Do ponto de vista contábil, há uma identidade entre os resultados apresentados pela economia nacional, frente ao resto do mundo, cujo valor corresponde a uma transferência de poupança do resto do mundo para a economia deficitária, ou uma aplicação financeira da economia nacional no exterior. Dessa forma, a necessidade de financiamento da economia pode ser atendida pelo Resto do Mundo, através de: - atração de investimento direto estrangeiro, ou investimento em títulos; - captação de empréstimos e financiamentos no exterior, com o conseqüente aumento do nível de endividamento externo do país; ou, - redução das reservas internacionais pertencentes ao país. As duas primeiras opções (empréstimo externo e investimento estrangeiro) representam formas de financiamento do déficit em transações correntes através da Conta Financeira do Balanço de pagamentos (movimentos de capitais). Já a utilização das reservas internacionais (que representa o estoque de divisas acumuladas ao longo dos anos) pode indicar que o país não tem como atrair capitais suficientes para financiar o seu déficitem transações correntes e, portanto, recorre às suas próprias reservas internacionais para financiar o déficit global do Balanço de Pagamentos. Esse déficit revela que a entrada líquida de capitais é inferior ao déficit em transações correntes, tornando o Balanço de Pagamentos como um todo desequilibrado. Caso o país não disponha de reservas suficientes para financiar o déficit global do Balanço de Pagamentos, esse déficit será registrado sob a rubrica “Atrasados Comerciais”, ou “default”. 25 25 Por outro lado, a capacidade de financiamento do país corresponde ao superávit na sua Balança de Transações Correntes (ou déficit na Balança de Transações Correntes do Resto do Mundo). Essa capacidade, ou superávit na Balança de Transações Correntes, servirá para atender à necessidade de recursos do Resto do Mundo. O financiamento do Resto do Mundo pela economia superavitária será realizado através de: - realização de investimentos diretos no exterior , ou investimento em títulos; - concessão de empréstimos e financiamentos às economias deficitárias; - pagamento do principal de dívidas contraídas em anos anteriores; ou, - aumento das reservas internacionais do país. 11. Produto Per Capita ou Renda Per Capita O Produto per capita de uma economia é calculado através da divisão do valor do PIB pelo número de habitantes do país. 26 26 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO Departamento de Economia Rua Marquês de São Vicente, 225 22453-900 - Rio de Janeiro Brasil ECO 1212 – CONTABILIDADE SOCIAL Horário das Aulas: Quartas (sala F310) e Sextas (sala L238), de 7h às 9h Professor: Eduardo Pereira Nunes (epnunes@ibge.gov.br) Monitoras: Ana Luiza Mussoi e Bianca Berenguer 2004.2 Apostila de Contabilidade Social – 3ª Parte 11 de agosto de 2004 Montagem do Sistema de Contas Nacionais de Keynes Exercício 9 A compreensão da estrutura do sistema de contas nacionais desenvolvido por Keynes em 1940 no livro How to Pay for the War requer a observação de alguns requisitos básicos: É preciso respeitar duas regras básicas da contabilidade de empresa que Keynes incorporou em seu modelo de contas nacionais: a primeira regra diz que todo crédito corresponde a um débito de igual valor. Assim, para manter a coerência contábil dos registros econômicos, toda operação deverá, sem exceção, ser lançada como um crédito em uma conta e como débito em outra conta. A segunda regra da contabilidade diz que o total dos débitos de uma conta deve ser, necessariamente, igual ao total dos créditos registrados nesta mesma conta. Esta regra assegura o equilíbrio contábil das contas e permite identificar os saldos que mostram a articulação existente entre as contas do sistema. Este segundo princípio contábil foi adotado por Keynes para identificar no livro How to Pay for the War (1940: 79-82) a forma pela qual a poupança privada financiaria o déficit do setor público inglês durante a II Guerra Mundial. Mais tarde, as Nações Unidas mantiveram esta regra quando editaram, em 1953, a primeira versão dos Sistemas de Contas Nacionais. A montagem do sistema de contas nacionais também deve levar em consideração a forma como a economia se organiza para produzir os bens e serviços destinados à venda no mercado. Por isso, o sistema de contas nacionais compreende contas que retratam operações realizadas pelos agentes econômicos (empresas, famílias, governo e o resto do mundo) durante as seguintes etapas: produção dos bens e serviços (conta de produção); apropriação, repartição e uso da renda nacional (contas de apropriação do setor privado e do governo); e acumulação de capital (conta de capital, onde são calculados os agregados referentes à poupança e investimento da economia nacional). Com a montagem deste sistema, as contas nacionais revelam os setores (privado e governo) que têm capacidade (ou necessidade) de financiamento de seus gastos correntes e de capital. 27 27 De acordo com as contas nacionais, o saldo das operações correntes de cada agente constitui a capacidade de formação de poupança própria. Este saldo contábil é calculado a partir da diferença entre o total das receitas e despesas correntes registradas nas contas de apropriação do setor privado e do governo. A poupança, pública ou privada, positiva consiste na capacidade de financiamento do setor superavitário e a poupança negativa representa a necessidade de financiamento do setor deficitário. Segundo Keynes, esta poupança pode ser utilizada para financiar o déficit corrente de um determinado setor, ou financiar o investimento. Os fluxos relacionados com o volume de poupança e de investimento da economia são registrados na conta de capital da economia. Uma vez registradas as operações correntes e de capital da economia nacional, deve-se registrar as operações realizadas entre os agentes econômicos residentes e os não residentes no território da economia em estudo. Estas operações são contabilizadas na conta do resto do mundo. A seguir, será apresentada uma lista de operações realizadas em uma economia fictícia, a fim de se descrever os passos que devem ser dados para a montagem do sistema de contas nacionais proposto por Keynes em 1940. Considere uma economia que tenha realizado apenas operações dentro do território nacional. Observe que o exercício proposto foi elaborado de acordo com a estrutura do sistema de contas nacionais apresentado por Keynes no livro How to Pay for the War, cuja versão de 1940 não continha informações sobre operações com o exterior. Consequentemente, esta questão consistirá na montagem de um sistema semelhante ao das contas preparadas por Keynes com os dados da Inglaterra, relativos ao ano fiscal de 1938/39. Para construir o sistema de contas nacionais é preciso observar que, em cada conta, o total dos créditos eqüivale ao total dos débitos. A observação deste princípio contábil permitirá calcular alguns saldos contábeis (por exemplo: poupança) que não constam da lista de operações proposta a seguir. a) Aposentadorias e pensões pagas pelo governo às famílias = R$ 5.775. b) Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) pago pelas famílias = R$ 2.000. c) Investimento feito pelo governo com a construção de escolas e hospitais = R$ 3.150. d) Estoque de mercadorias em 31.12.1997 = R$ 2.050. e) Estoque de mercadorias em 1.1.1997 = R$ 1.000. f) Lucro retido pelas empresas = R$ 4.200. g) Dividendo pago pelas empresas às famílias acionistas = R$ 9.825. h) Subsídios à produção recebidos pelas empresas = R$ 525. i) Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) recebidos pelo governo = R$ 10.500. j) Reserva para depreciação constituída pelas empresas = R$ 1.050. l) Salários pagos por empresas públicas e privadas = R$ 76.650. m) Renda recebida pelas famílias proveniente do aluguel de terras agrícolas = R$ 4.875. n) Gastos correntes do governo com a prestação de serviços à coletividade = R$ 13.860. o) Investimento feito pelas empresas com a compra de equipamentos = R$ 10.815. p) Imposto de Renda pago pelas famílias = R$ 7.350. q) Venda de bens de consumo para as famílias = R$ 77.700. A primeira etapa na montagem das contas nacionais consiste na classificação das operações. Neste momento, é preciso identificar os agentes que interferem em cada operação e verificar se a operação é credora ou devedora. A segunda etapa consiste na definição de um critério para a montagem de cada conta. Neste momento, o critério de registro contábil das operações deve obedecer a uma lógica que faça sentido economicamente. 28 28 Neste caso, sugere-se que a montagem das contas seja feita de forma a reproduzir as diversas fases do funcionamento da economia de mercado. Para tanto, o fluxo circular da renda de Walras pode servir de referência para definir a articulação entre as operações. Segundo Walras, os agentes econômicos empresas e famílias estabelecem relações mútuas tanto no mercado defatores, quanto no de produtos. No mercado de fatores, empresas demandam terra, capital e trabalho para serem utilizados no processo produtivo, com o intuito de vender os bens e serviços no mercado de produtos. É a transformação da produção em vendas que assegura o lucro das empresas. Já as famílias oferecem os serviços destes fatores com o objetivo de auferirem as rendas que precisam para a compra daqueles bens e serviços. Numa economia de mercado, as famílias satisfazem suas necessidades através da compra de bens e serviços de consumo. Como se observa, na economia capitalista, empresas (unidades produtoras) e famílias (unidades consumidoras) são regidas pelas regras de uma economia monetária de produção, segundo a qual os agentes se dirigem ao mercado para alcançarem seus objetivos de lucro (por meio da venda), ou satisfazerem suas necessidades de consumo (por meio da compra). Ambas as operações (compra e venda) são intermediadas pela moeda que, neste caso, exerce a função de unidade de medida do valor e de meio de troca entre compradores e vendedores. No sistema de contas nacionais desenvolvido por Keynes, os valores das operações realizadas pelos agentes econômicos (empresas, famílias, governo e resto do mundo) são medidos em unidades monetárias (p. ex.: Real, Dólar, Libra, etc.) e representam créditos para os agentes que os recebem e débitos para aqueles que os pagam. Desta forma, a etapa de montagem do sistema de contas nacionais começa pela classificação de cada operação registrada, identificando-se a conta onde a transação corresponde a um débito e a sua contrapartida credora. Em seguida, tem-se a etapa de construção do equilíbrio contábil entre débitos e créditos de cada conta, para, então, estabelecer a articulação entre as contas do sistema. No sistema de quatro contas proposto no exercício 1, estas etapas podem ser descritas da seguinte maneira: Etapas de montagem das contas nacionais Definição dos agentes econômicos ou setores institucionais Os agentes que atuam dentro do sistema econômico podem ser ordenados nas seguintes categorias de setores institucionais: empresas, famílias, governo e resto do mundo. Setor institucional empresa As empresas desempenham o papel de produtoras de bens e serviços destinados à venda no mercado e utilizam os fatores de produção para transformarem as matérias-primas em novos produtos. Estes produtos são vendidos por um preço que deve cobrir os custos (mão de obra, insumos e consumo de capital fixo) e gerar o lucro. Para Keynes, o processo de formação do preço das mercadorias produzidas pelas empresas compreende dois grupos distintos de variáveis: despesas efetivas com a produção (custos) e expectativas (de lucro). Em relação às expectativas, Keynes observa que o capitalismo é uma forma de organização social da produção que depende das expectativas dos agentes acerca do futuro para a tomada de decisão sobre produção e emprego (no curto prazo) e sobre investimento (no longo prazo). Ainda segundo Keynes, as decisões que afetam a performance do capitalismo, no curto e longo prazos, são geralmente tomadas em um ambiente de incerteza. E, de acordo com a teoria da demanda efetiva de Keynes (1983, cap. 3, 5 e 12), o empresário, no momento em que decide quanto vai produzir no próximo período de produção, não dispõe de informações suficientes para antecipar quanto vai lucrar, posto que não tem como prever se sua produção será efetivamente absorvida pelo mercado. Essa incerteza decorre do fato de que as decisões sobre a demanda são tomadas por outros agentes (famílias, empresas, governo e resto do mundo) sobre os quais os empresários não têm influência suficiente para induzi-los a comprar toda a sua produção. Além disso, Keynes (1983: cap. 3), ao refutar a lei de Say, afirma que nada garante que os agentes utilizem toda a renda disponível na compra dos bens e serviços produzidos. Ao contrário, podem optar por reter 29 29 parte da renda corrente, em virtude de mudanças nas suas expectativas quanto ao futuro, as quais os levam a reter moeda por motivos de precaução ou especulação. Como se nota, as decisões dos empresários sobre produção (e emprego) são tomadas a partir de expectativas que podem falhar e, quando isto ocorre, a demanda esperada (ex-ante) não corresponde à demanda efetiva (ex-post). Neste momento, verifica-se uma situação na qual a empresa incorre em despesas (pagamento de salários e consumo de matérias-primas) que não se transformam em vendas, acarretando, assim, em frustrações nas expectativas de lucro, ou prejuízos. Entretanto, são as decisões de produção que, de fato, determinam o volume de emprego e de gastos (custos) associados à produção. Sendo assim, na teoria keyensiana, o preço de oferta do produto é sempre composto por elementos conhecidos (salários e matérias-primas) e por elementos desconhecidos, ou expectacionais (lucros). A combinação de elementos conhecidos ex-ante com elementos somente conhecidos ex- post representa para Keynes a fonte geradora da instabilidade do sistema capitalista, a qual, quando não é devidamente controlada, pode levar a situações de crises e depressões, como a ocorrida nos anos 30. Por outro lado, esta mesma instabilidade pode induzir os agentes a se precaverem contra possíveis perdas provenientes de erros em suas expectativas, levando-os a recorrer a convenções, contratos e outras institucionalidades. De acordo com Keynes, se a utilização dos recursos (alocação dos fatores) não conduz, necessariamente, a economia para um quadro de equilíbrio, então, pode-se dizer que situações de desequilíbrio são possibilidades concretas, e não apenas "desvios" de situações ideais (equilíbrio com pleno emprego). É por isso que se pode dizer que Keynes desenvolveu uma teoria da instabilidade, ao contrário das teorias de equilíbrio, até então, vigentes. A partir deste marco teórico, Keynes procurou desenvolver sua teoria acerca das medidas de política econômica que deveriam ser adotadas para reduzir a instabilidade inerente ao capitalismo, mas nunca para conduzir a economia a novos pontos de equilíbrio. Vale dizer, se para Keynes o mercado não resolve, por si só, o problema da alocação e da coordenação do funcionamento da economia, então é preciso criar instrumentos de ação, ou de intervenção do Estado na economia, para reduzir a instabilidade e impedir que ela se transforme em crises. E é neste sentido que a contas nacionais modernas devem ser entendidas: como um instrumento de registro das informações para fins de definição de políticas econômicas. Daí decorre a importância da análise do setor institucional empresa, entendida como unidade produtora de bens e serviços mercantis; geradora de emprego; e entidade responsável pelas decisões sobre o investimento na economia. Na contabilidade social, as operações das empresas relacionadas com o processo de produção são registradas na conta de produção, cujos débitos correspondem aos recursos utilizados (usos) pelas empresas ao longo do processo produtivo. Estes débitos consistem em (1) despesas com o pagamento de fornecedores (consumo intermediário); (2) despesas com a remuneração (salários, lucros e renda da terra) dos proprietários dos fatores de produção (trabalho, capital e recursos naturais) utilizados no processo produtivo; (3) constituição de um fundo de reserva para reposição do capital fixo (depreciação) e (4) pagamento de impostos que incidem sobre a produção e sobre os produtos vendidos. Já as receitas obtidas com a venda dos bens e serviços (intermediários e bens finais) compreendem os créditos (recursos) da conta de produção. Os créditos equivalem ao valor das receitas obtidas com a venda de matérias-primas (bens intermediários) para outras empresas; venda de bens e prestação de serviços para as famílias (consumo final); venda de bens de capital para empresas e governo (formação bruta de capital fixo); venda de bens eserviços produzidos para o exterior (exportação). Setor institucional família As famílias desempenham na economia a função de entidades consumidoras de bens e serviços, os quais são adquiridos no mercado. Estes produtos são comprados (consumo final das famílias) para satisfazerem suas necessidades. Estas compras são realizadas com a renda obtida pela cessão dos fatores de produção às unidades produtoras (renda primária) e com a renda recebida de outros agentes econômicos (transferências de renda feitas pelo governo e pelo resto do mundo). O montante da renda recebida (renda primária e transferência) é utilizado pelas famílias para o pagamento de impostos ao governo (impostos sobre a renda e propriedade) e para a transferência de renda a terceiros (p. e.: donativos feitos ao exterior). 30 30 A diferença entre a renda total apropriada pelas famílias e as transferências efetuadas compreende a renda disponível das famílias. Este agregado expressa o valor que as famílias dispõem para a compra dos produtos de que precisam para satisfazerem suas necessidades. Já a diferença entre a renda disponível e o consumo final representa a poupança das famílias. Este saldo pode ser positivo, negativo, ou nulo. Sabendo-se que o sistema de contas nacionais de Keynes foi elaborado com o intuito de mostrar a relação existente a poupança do setor privado e do setor público, compreende-se porque há naquele sistema uma conta para o setor público (conta de apropriação e uso da renda do governo) e outra para o setor privado (conta de apropriação e uso da renda das famílias). Setor institucional governo O governo desempenha o papel de prestador de serviços de natureza não-mercantil à sociedade e de promotor de ações voltadas ao alcance do bem-estar social. No sistema econômico, a função social do governo traduz-se na prestação de serviços à coletividade, os quais não têm, como contrapartida, o pagamento pelo serviço prestado. Por isso, estes serviços são denominados na Contabilidade Social de “serviços não-mercantis”, pois são serviços que não têm preço de mercado. Se os serviços são gratuitos, significa dizer que o governo não é remunerado, no mercado, pelo fornecimento de serviços à sociedade. Embora seja prestador de serviços cujo preço de mercado é igual a zero, o governo precisa de recursos para custear os gastos que realiza com pessoal e00 material de consumo utilizados na produção daqueles serviços. Desta forma, observa-se que os serviços prestados pelo governo não geram receitas de venda para o governo, mas compreendem despesas para o mesmo governo. Consequentemente, este deverá encontrar fontes alternativas (fora do mercado) de recursos para financiar seus gastos. Estas fontes são os impostos cobrados pelo governo junto às famílias e empresas. Verifica-se assim que o governo se caracteriza por prestar serviços gratuitos à coletividade e por dispor de mecanismos extra - mercado (impostos) para financiar suas despesas. Se as receitas correntes do governo forem iguais aos gastos correntes, haverá um equilíbrio fiscal do setor público. Se as receitas correntes do governo ultrapassarem seus gastos correntes, haverá um superávit do setor público, o qual nas contas nacionais corresponde à poupança do governo. Se os gastos correntes do governo forem maiores que as receitas correntes, haverá um déficit público que poderá ser financiado pelos demais agentes econômicos, através das seguintes fontes (Keynes, 1940: 129, Moggridge, 1992: 633 e 1993: 133-134): poupança voluntária do setor privado, que poderá ser canalizada para o financiamento do déficit público através da compra de títulos públicos no mercado financeiro; impostos adicionais sobre a produção, renda ou propriedade; ou, emissão de moeda. Tendo em vista a importância do papel do Estado dentro da economia, Keynes (1940, Harrod, 1958: 565, Moggridge, 1992: 645-647) optou por construir uma conta de apropriação e uso da renda do setor público separada da conta do setor privado. Assim, poderia mostrar mais claramente a relação existente entre o setor público e privado. Esta mesma separação será adotada para montar as contas nacionais do exercício proposto. Em virtude da especificidade do setor institucional governo de produzir serviços não- mercantis e de arcar com as despesas com a prestação destes serviços à coletividade, as contas nacionais adotaram algumas convenções no tratamento do setor governo. Em primeiro lugar, a sua produção deve ser medida por meio da soma dos gastos com materiais de consumo e dos gastos com pessoal (salários e encargos sociais incidentes sobre a folha de pagamento dos servidores públicos). Em segundo lugar, convencionou-se denominar os custos de produção do setor público, absorvidos pelo próprio governo, como consumo final do governo, cujo valor é debitado na conta do governo e creditado na conta de produção (produção de serviço não mercantil). Setor institucional resto do mundo O resto do mundo compreende um setor fictício criado para registrar as transações realizadas pelos agentes econômicos residentes (empresas, famílias e governo) com os agentes não residentes no país. Como esta conta é construída na perspectiva do exterior, os créditos da conta correspondem aos gastos efetuados pelos agentes residentes com importações, pagamentos de fretes e seguros ao exterior; pagamento de juros e royalties; remessas de lucros; 31 31 envio de donativos ao exterior e demais pagamentos feitos ao exterior. Os débitos da conta do resto do mundo consistem nos pagamentos efetuados por agentes residentes no exterior em favor de agentes residentes no país em estudo. Estes débitos incluem as exportações; receitas de fretes, seguros, juros, dividendos, donativos e demais receitas correntes. As operações contabilizadas na conta do resto do mundo equivalem às operações registradas no balanço de pagamentos em transações correntes, as quais abrangem a balança comercial, balança de serviços e balança de transações unilaterais. A conta do resto do mundo apresenta a peculiaridade de registrar como saldo o valor simétrico do saldo do balanço de pagamentos da economia nacional e também ao valor simétrico do saldo da conta de capital da economia nacional. Uma vez descritas as contas da contabilidade social de Keynes, pode-se então iniciar a montagem das contas nacionais referentes às operações do exercício proposto na 1a questão. Classificação das operações Aposentadorias e pensões pagas pelo governo às famílias. As aposentadorias e pensões compreendem operações que envolvem os agentes governo e famílias e ocorrem fora do processo de produção. O valor proposto no exercício equivale a uma despesa (débito) corrente do governo, relativa à transferência de renda às famílias, cuja contrapartida contábil é um crédito de igual valor na conta de apropriação das famílias. Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) pago pelas famílias. Este imposto representa um pagamento (transferência de renda) que as famílias devem fazer ao governo, decorrente da propriedade de imóveis e terrenos urbanos. Do lado das famílias, o IPTU corresponde a um débito, cujo crédito é lançado na conta do governo. Investimento feito pelo governo com a construção de escolas e hospitais. Os gastos do governo com construção de escolas e hospitais correspondem a investimentos do Estado na ampliação da sua capacidade de prestação de serviços à coletividade. Em geral, a construção destas unidades é efetuada por empresas do ramo de construção civil e encomendada por órgãos )secretarias e ministérios) dos governos municipal, estadual e federal. As contas nacionais registram os gastos de investimento como débitos na conta de acumulação de capital e créditos na conta de produção. Estoque de mercadorias em 31.12.1997. Estoque de mercadorias em 1.1.1997. Os recursos acumulados em estoques pelas unidades produtivas correspondem à
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