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Ampla defesa e devido processo legal

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Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior
Juiz criminal em São Paulo. Membro do IBCCrim e da Associação "Juízes para a Democracia"
Área do Direito: Penal; Processual
 
ACÓRDÃO COMENTADO
Defesa. Efetividade. O princípio segundo o qual "nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor" - art. 261 do CPP (LGL\1941\8) - há que ter alcance perquirido considerada a realidade. Exsurgindo dos autos que o defensor designado teve desempenho simplesmente formal, em verdadeira postura contemplativa, forçoso é concluir que o réu esteve indefeso. "A defesa é órgão da administração da Justiça e não mero representante dos interesses do acusado. Isto porque ela se exerce, substancialmente, para a preservação e tutela de valores e interesses do corpo social, sendo, assim, garantia de proteção da própria sociedade" (Nilo Batista, "Defesa Deficiente", Revista de Direito Penal, p. 169). Por outro lado, "se estiver evidente a inércia e a desídia do defensor nomeado, o réu deve ser tido por indefeso e anulado o processo desde o momento em que deveria ter sido iniciado o patrocínio técnico no juízo penal" (Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, II/423). (STF - HC 71.961-9 - Rel. Min. Marco Aurélio - DJU 24.2.95, p. 3.678)
COMENTÁRIOS
"Excelência, eu peço a esta Corte que nomeie um advogado para defender-me". 1
O acórdão recente do Supremo Tribunal Federal, relatado pelo Min. Marco Aurélio, traz à baila fato cada vez mais freqüente no cotidiano judiciário: o da defesa formal, insubstanciosa, que, em lugar de fazer valer os princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal, alimenta, nada mais que uma reserva de mercado para profissionais do direito.
Não é nova esta questão. Tanto que o debate judiciário em torno da nulidade processual, por falta ou deficiência da defesa, motivou a Súmula 523 (MIX\2010\2246) do STF, deste teor: "No processo penal, falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu".
A Súmula se relaciona ao art. 564, III, "c", do CPP (LGL\1941\8), que estabelece ocorrer a nulidade quando não for dado defensor ao réu que não o tenha e curador ao menor de vinte e um anos, e ao art. 261 do mesmo estatuto, que determina que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado sem defensor.
Diversos julgados do STF refutaram a tese da nulidade, em razão de deficiência da defesa, dizendo só ocorrer nulidade absoluta pela falta de defesa e não pela deficiência dela. 2
O acórdão comentado, contudo, reconhece, com acerto que a defesa deficiente se equipara à falta de defesa porque, estando materialmente indefeso nos autos, sofre o réu evidente prejuízo.
Quando o advogado não se desincumbe do encargo não se forma o verdadeiro devido processo legal, mas um encadeamento de atos procedimentais, de sabor meramente formal. A falta da efetiva e necessária defesa do acusado ofende os princípios da ampla defesa e do devido processo legal insculpidos na Constituição da República (LGL\1988\3) em seu art. 5.º, inc. LIV e LV, que dão base ao procedimento contraditório que informa o processo penal.
Sobre a íntima relação e interação entre defesa e contraditório - e portanto da quebra deste princípio constitucional pela deficiência daquela - veja-se a lição de Ada Pellegrini Grinover, Scarance Fernandes e Magalhães Gomes: "Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa - como poder correlato ao de ação - que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida". 3
Justamente por isto, no dizer de referidos autores, "a exigência de um contraditório efetivo e equilibrado impõe que se analise, em certos casos, o próprio conteúdo das alegações oferecidas, sob pena de se transformar a participação nessa fase em mera formalidade inócua, desprovida de qualquer aptidão para influenciar o convencimento do julgador". 4
Também inspirados pela necessidade de se dar uma dimensão material ao princípio da ampla defesa, há julgados entendendo que o art. 497, V, do CPP (LGL\1941\8), que cuida do problema do réu indefeso no júri, é aplicável a todo tipo de procedimento, por extensão. 5
Mas nem é preciso valer-se daquele artigo em casos de deficiência da defesa. Basta que se dê interpretação condizente com o sistema de garantias estabelecido pela Constituição Federal (LGL\1988\3) aos arts. 261 e 564, III, "c" e "l", do CPP (LGL\1941\8).
Com efeito, do princípio do contraditório, decorrem, segundo Tourinho Filho, duas regras importantes: a da igualdade processual e a da liberdade processual. Pela primeira, há que se entender que as partes - acusadora e acusada - se encontram no mesmo plano. 6
Daí deva ser entendida a necessidade de defensor, para a formalização do processo legal, como sendo a necessidade de advogado, com conhecimento técnico, que torne o contraditório uma luta igual entre acusação e defesa, "non potendosi concepire vero contraddittorio senza una contraposizione die organi omogenei". 7
No dizer de Frederico Marques, processualista iluminado pelo constitucionalismo, "se o processo acusatório 'é quello che mette su un piano di parità l'imputado', como lembra Cusimano - evidente é que a defesa técnica tem de ser um imperativo indeclinável na instância penal, a fim de não ficar nenhum réu em plano de inferioridade perante o órgão público da acusação". 8
O exercício do munus público de que é investido o defensor, diz ainda o mesmo José Frederico Marques, citando José Alberto dos Reis, implica a prática dos atos processuais necessários à defesa do réu, ou o exercício de "uma série de faculdades idênticas às que a lei concede ao autor". Do que emergem algumas assertivas: "não há, nem pode haver processo, como actum trium personarum, sem que ao réu se dê direitos, poderes e faculdades iguais à que tem o autor"; "o direito de defesa, portanto, que tem sua ratio essendi na bilateral idade da ação, é igualmente um corolário ou conseqüência do due process of law"; "entre o direito processual de defesa e o direito de ação não existem diferenças essenciais na estrutura processual que cada um apresenta"; "acusação e defesa estão ligadas à mesma situação litigiosa sobre a qual deve incidir a vontade concreta da lei". 9
Dentro deste espírito, não basta que o advogado esteja presente e se manifeste. É necessário que ele o faça de maneira adequada a defender efetivamente o réu, contrapondo-se, em igualdade de condições, à acusação. É a lógica: se o conceito de defesa reside exatamente na contrariedade à pretensão do autor, em igualdade de condições, como expressão da bilateralidade formadora do devido processo legal, e a lei estabelece, para que se forme este devido processo legal, que haja defesa técnica, por defensor constituído ou nomeado, só se pode entender preenchida esta última exigência se a atividade daquele se revela apta, em argumentos, a oferecer resistência à pretensão acusatória.
Para que se tenha materialmente uma defesa, garantidora da realização dos princípios maiores que informam o processo penal, não é suficiente a formal presença do defensor em cada momento procedimental; é preciso que o defensor, no exercício de seu munus, garanta que o acusado influa no processo "como um de seus modeladores", com o poder de "criar situações processuais e reforçar sua perspectiva de sentença favorável". 10
A extensão da garantia de defesa dada pelo legislador ao editar a norma do art. 261 do Código de Processo Penal (LGL\1941\8) pode ser medida pela própria exposição de motivos do referido diploma. Conquanto emergente sob a ditadura do Estado Novo getulista e confessadamente restritivo de direitos individuais, sob inspiração da legislação fascista italiana, a "não (...) continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum", mas "...fortalecer e prestigiar a atividadedo Estado na sua função repressiva" - fruto de um discurso lamentavelmente autoritário sobre o fenômeno da criminalidade que infelizmente tem retornado à cena em nossos dias liberdades democráticas - o Código estabeleceu a necessidade de defensor, tida, já então, de maneira até surpreendente, como "uma indeclinável injunção legal, antes, durante e depois da instrução criminal", pois "não pactua, em caso algum, com a insídia de uma acusação sem o correlativo da defesa". 11
Daí a nulidade de processo em que a defesa não aduz qualquer argumento expressivo em prol do acusado, pondo em evidência aptidão técnica, limitando-se a pleitear absolvição 12 ou a pena mínima 13 ou branda. 14
Igualmente, decretando a nulidade de processo por deficiência da defesa, pelo fato de não ter o advogado nomeado ad hoc exercido a efetiva defesa, em audiência, há expressivo julgado do Paraná, cuja ementa é a seguinte: "Advogado dativo nomeado em cima da hora, ignorante dos fatos da causa e que se porta como um monge de pedra, não é substituto que se possa dar ao advogado constituído que não pode comparecer à audiência por motivo de força maior, plenamente justificado. O disposto no art. 265 do CPP (LGL\1941\8) não comporta a interpretação draconiana que seu enunciado aparentemente sugere, pois isto o colocaria em atrito com o preceito do art. 5.º, LV, da CF (LGL\1988\3), que consagra o princípio da ampla defesa". 15
É certo, outrossim, que é missão do juiz zelar pela contraposição dialógica real, e não meramente formal, das partes, para que não haja desequilíbrios entre a acusação e a defesa. Em tal mister, assinala Ada Pellegrini Grinover, "é necessário que, em cada processo, o juiz estimule e promova um contraditório efetivo e equilibrado, cabendo-lhe verificar se a atividade defensiva, no caso concreto, foi adequadamente desempenhada, pela utilização de todos os meios necessários para influir sobre seu convencimento. Sob pena de considerar o réu indefeso e o processo irremediavelmente viciado". 16 Tal assertiva sobre o papel do juiz criminal, aliás, está bem em consonância com um moderno entendimento a respeito da legitimação do Judiciário no Estado Democrático de Direito, que se dá exatamente pela aptidão cotidiana à tutela dos direitos fundamentais do homem - como o são o direito à ampla defesa e ao devido processo legal (art. 11 da Declaração Universal de Direitos do Homem, da ONU 17 e art. 5.º, LIV e LV, da Constituição da República (LGL\1988\3)) - consoante observa o magistrado italiano Salvatore Senese. 18
Para se legitimar como agente público, no Estado Democrático, o juiz tem, sob este prisma, não uma missão cotidiana de conteúdo positivo em face da repressão - no sentido de ser aquele que condena, aquele que manda encarcerar -, mas, ao contrário, uma atividade de conteúdo muito mais fiscalizador da legalidade do exercício da pretensão punitiva estatal - declarando a final que a sanção requerida é possível naqueles limites e verificando a cada instante se o desenvolvimento do devido processo legal confere com tais limites. Cabe-lhe, assim, garantir que o réu tenha uma defesa efetiva, sem a qual não está preenchida a exigência do contraditório.
Em suma, defesa meramente formal fere a essência do contraditório e torna o réu substancialmente indefeso. E a solução que se impõe quando isto ocorre sem que o juiz tenha tomado providência, é, mesmo, anular-se o processo.
É o que diz com todas as letras nosso mais admirável processualista penal, José Frederico Marques, em trecho aliás, citado no excelente voto do Min. Marco Aurélio. Afinal, como resume magistralmente o saudoso Professor n' outro trecho de sua indispensável obra, "assim como não existe direito amplo de defesa sem procedimento contraditório, também não se compreende este sem a defesa plena". 19
1. Com estas palavras o cidadão Clarence Earl Gideon - que teve sua história romanceada sob o título A Trombeta de Gideão e depois interpretada no cinema por Henry Fonda - com intuição jurídica, embora leigo, deu início à luta vitoriosa pelo reconhecimento, pela Suprema Corte Norte-Americana, de que a assistência de advogado para qualquer acusado de crime é de observância obrigatória por causa do due process of law (apud Adauto Alonso Suanes, "Assistência Judiciária e Devido Processo Legal", em Estudos Jurídicos em Homenagem a Manoel Pedra Pimentel, RT, pp. 53-69).
2. Dentre outros, RTJ 33/718, rel. Min. Vitor Nunes.
3. Ada Pellegrini Grinover, Scarance Fernandes e Magalhães Gomes, As nulidades no processo penal, Malheiros, 3.ª ed., 1993, p. 68.
4. Ada Pellegrini Grinover e outros, ob. cit., p. 158.
5. Vejam-se acórdãos colacionados por Ada Pellegrini Grinover em O processo constitucional em marcha, Max Limonad, 1985.
6. Tourinho Filho, Processo Penal, v. I, Jalovi, 1969, p. 71.
7. Massari, apud Tourinho Filho, ob. cit., v. I/69.
8. José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, v. II, Forense, 1961, p. 64.
9. José Frederico Marques, Tratado de Direito Processual Penal, v. II, Saraiva, 1980, p. 148 e ss. No mesmo sentido, Tourinho Filho, Processo Penal, Saraiva, 1994, 2/409.
10. Eberhard Schimidt, Los fundamentos teóricos y constitucionales del derecho procesal penal, 1957, pp. 69-70.
11. Francisco Campos, Exposição de Motivos do Código de Processo Penal (LGL\1941\8), n. II.
12. TACrim-SP, Rev. 196.008-8, em RT 671/331; STF, RE 102.547-6-MG, rel. Min. Octávio Galotti, JSTF-Lex 85/370.
13. TACrim-SP, AC 315.745, em Ada Pellegrini Grinover, O processo constitucional em marcha, Max Limonad, 1985, Acórdão 57.
14. RT 558/313 e 629/344, acórdãos trazidos por Julio Fabbrini Mirabette, em seu Processo Penal. Atlas, 1995, p. 341. Nesta obra são mencionadas diversas outras situações concretas em que a jurisprudência tem entendido estar comprovado o prejuízo decorrente da defesa deficiente.
15. TJPR, Ap. 371/88, rel. Des. Ivan Righi, em RT 654/314.
16. Ada Pellegrini Grinover, O Processo Constitucional em Marcha, ob. cit., 19/21.
17. Art. 11 da Declaração Universal de Direitos do Homem, da ONU: "toda pessoa acusada de delito tem o direito a que se presuma sua inocência. enquanto não se provar a sua culpabilidade. conforme a lei e em julgamento público no qual se acham assegurado todas as garantias necessárias à sua defesa".
18. Salvatore Senese, "Le Statut du Juge", em Anais do Seminário sobre la independencia judicial em Latinoamérica, Buenos Aires, 1991. Pela mesma razão, como repara Ada Pellegrini Grinover, "a preocupação principal do Juiz americano é assegurar a todos um efetivo contraditório, e em cada espécie concreta à Corte cabe verificar que a oportunidade de defesa tenha sido realmente plena, não permitindo a supressão ou limitação das provas" ( apud Adauto Alonso Suannes, art. cit., p. 57).
19. José Frederico Marques, Elementos, ob. cit., p. 376.

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