Buscar

VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 20 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 20 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 20 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL
Ranulfo de Mello Freire
Desembargador aposentado, Membro da Associação Juízes para a Democracia
Área do Direito: 
Penal
PROCESSO PENAL E CONSTITUCIONAL. "Habeas corpus" com o objetivo de trancamento de inquérito policial. Nova natureza do inquérito policial no atual regime constitucional brasileiro. Processo mandamental penal, em que foram dispensadas informações. Nulidade, dado o caráter de elemento, das mesmas de convicção do juiz. Sendo a liberdade direito absoluto, e objetiva a responsabilidade por sua violação, não cabe ao paciente provar a ilegalidade da prisão, mas a seu promotor evidenciar sua licitude, o que se torna impossível na hipótese de ausência da peça informativa. Cassação da sentença denegatória do "writ" criminal, para que outra seja dada, após a obtenção das informações.
( TRF - 2.ª Reg. - RHC 0015/RJ - Rel. Des. D'Andréa Ferreira).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MATÉRIA CRIMINAL - INTERROGATÓRIO POLICIAL SEM A PRESENÇA DO DEFENSOR - Ilicitude da prova - Inocorrência - Natureza do inquérito policial - Disciplina da prova - Aplicação retroativa da CF/88 (LGL\1988\3) Inviabilidade - Inocorrência de lesão à ordem constitucional (CF/88 (LGL\1988\3), art. 5, XL, LVI e LXIII e art. 133) - Recurso extraordinário não conhecido.
O inquérito policial constitui mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do Ministério Público. Trata-se de peça informativa cujos elementos instrutórios - precipuamente destinados ao órgão da acusação pública - habilitá-lo-ão a instaurar a persecutio criminis in judicio.
A unilateralidade das investigações desenvolvidas pela Polícia Judiciária na fase preliminar da persecução penal ( informatio delicti) e o caráter inquisitivo que assinala a atuação da autoridade policial não autorizam, sob pena de grave ofensa à garantia constitucional do contraditório e da plenitude de defesa, a formulação de decisão condenatória cujo único suporte seja a prova, não reproduzi da em juízo, consubstanciada nas peças do inquérito.
A investigação policial - que tem no inquérito o instrumento de sua concretização - não se processa, em função de sua própria natureza, sob o crivo do contraditório, eis que é somente em juízo que se torna plenamente exigível o dever de observância ao postulado da bilateralidade e da instrução criminal contraditória.
A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao procedimento de investigação policial tem sido reconhecida tanto pela doutrina quando pela jurisprudência dos Tribunais ( RT 522/396), cujo magistério tem acentuado que a garantia da ampla defesa traduz elemento essencial e exclusivo da persecução penal em juízo.
Nenhuma acusação penal se presume provada. Esta afirmação, que decorre do consenso doutrinário e jurisprudencial em torno do tema, apenas acentua a inteira sujeição do Ministério Público ao ônus material de provar a imputação penal consubstanciada na denúncia.
A regra constitucional superveniente tal como a inscrita no art. 5.º, LXIII, e no art. 133 da Carta Política - não se reveste de retroprojeção normativa, eis que os preceitos de uma nova Constituição aplicam-se imediatamente, com eficáciaex nunc, ressalvadas as situações excepcionais, expressamente definidas no texto da Lei Fundamental.
O princípio da imediata incidência das regras jurídico-constitucionais somente pode ser excepcionado, inclusive para efeito de sua aplicação retroativa, quando expressamente dispuser a Carta Política, pois "As Constituições não têm, de ordinário, retroeficácia. Para as Constituições, o passado só importa naquilo que elas apontam ou mencionam. Fora daí, não" (Pontes de Miranda).
À nova Constituição do Brasil não impõe à autoridade policial o dever de nomear defensor técnico ao indiciado, especialmente quando da realização de seu interrogatório na fase inquisitiva do procedimento de investigação. A Lei Fundamental da República simplesmente assegurou ao indiciado a possibilidade de fazer-se assistir, especialmente quando preso, por defensor técnico. A Constituição não determinou, em conseqüência, que a autoridade policial providenciasse assistência profissional, ministrada por Advogado legalmente habilitado, ao indiciado preso.
Nada justifica a assertiva de que a realização do interrogatório policial, sem que ao ato esteja presente o defensor técnico do indiciado, caracterize comportamento ilícito do órgão incumbido, na fase pré-processual, da persecução e da investigação penais.
A confissão policial feita por indiciado desassistido de defensor não ostenta, por si mesma, natureza ilícita.
( STF - Rec. 136.239-1 - Rel. Min. Celso de Mello - DJU de 14.8.92, p. 12.227).
COMENTÁRIOS
É velha e reiterada a porfia que se arma em torno do valor, ou desvalor, da prova (para uns, "prova"), colhida no inquérito policial. O dissídio tem que ver com a visão política do intérprete.
Não antecipemos, porém, o resultado, que isso acaba por ensombrar a dilucidação da matéria.
Há uma, duas, questões prévias que versam a presença do advogado no inquérito. Excepcionando o caso de medidas cautelares (flagrante, prisão preventiva, etc.) preleciona Ada Pellegrini Grinover "o contraditório e a defesa só parecem imperativos para a instrução em sentido próprio (instrução judicial ou instrução que leve à aplicação de uma pena) e não para a "instrução" policial. E tanto assim é que o Código de Processo Penal (LGL\1941\8) distingue, cuidando nos arts. 4.º e 23 do inquérito policial e nos arts. 394 e 405, da instrução criminal. O que se faz no inquérito policial, portanto, é apenas uma investigação prévia sobre os fatos e sobre a autoria, para que se possa apresentar à instrução criminal o inquirido". (O Processo em sua unidade, 67; Ed. Forense, 1984, v., tb., Frederico Marques, Tratado de Direito Processual Penal, 184; Ed. Saraiva, 1980). No que concerne à inovação inserta no art. 133 da CF (LGL\1988\3) - está aqui outra questão paralela - lição do Min. Celso de Mello: "A nova Constituição do Brasil não impõe à autoridade policial o dever de nomear defensor técnico ao indiciado, especialmente quando da realização de seu interrogatório na fase inquisitiva do procedimento de investigação. A Lei Fundamental da República simplesmente assegurou ao indiciado a possibilidade de fazer-se assistir, especialmente quando preso, por defensor técnico. A Constituição não determinou, em conseqüência, que a autoridade policial providenciasse assistência profissional, ministrada por advogado legalmente habilitado, ao indiciado preso.
Nada justifica a assertiva de que a realização do interrogatório policial, sem que ao ato esteja presente o defensor técnico do indiciado, caracterize comportamento ilícito do órgão incumbido, na fase pré-processual, da persecução e da investigação penais. A confissão policial feita por indiciado desassistido de defensor não ostenta, por si mesma, natureza ilícita" ( DJU, 14.8.92, Seção I, 12.227). Escusando-me por usar o surrado jargão gancho, observo que a presença de advogado no inquérito, se desserve aos objetivos da investigação, pode ser danosa, também, ao investigado. De uma parte, ignora-se que o inquérito policial tem que ver, na Justiça, com o papel do MP. Há-de a polícia, então, atuar sem peia no amplo espectro que lhe desenha o art. 6.º do CPP (LGL\1941\8). À parte, obviamente, ilegalidade, nada lhe será defeso no sentido de colher dados com que municie o arsenal do órgão acusatório. De parte da defesa, corre-se um risco não menos sério: usual, que passasse a ser, a interferência do advogado na fase inquisitorial significaria, aos olhos do magistrado conservador (essa categoria e a que se lhe opõe se adequam a qualquer grupo, classe social!), o atendimento ao postulado constitucional do contraditório. Basta ver, quanto a isso, a posição reticente de dois juristas medularmente entranhados na tese da legalidade do processo: Frederico Marques, Ada Pellegrini (O Processo em sua Unidade, 66/9).
Merece comentado, ainda, acórdão que entendeu incabívela impetração de habeas corpus para pôr termo em inquérito. Vem de um aresto da Suprema Corte o entendimento de que o simples indiciamento em inquérito policial não constitui constrangimento ilegal a ser corrigido por intermédio de habeas corpus (STF, RHC 56.019, DJU 16.6.78, p. 4.394) - Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal (LGL\1941\8) Anotado, p. 339; Ed. Saraiva, 1981. Ocorre que essa linha exegética não é perfilhada, uniformemente, por doutrinadores, por julgadores. Demonstra-o, com a melhor razão, recente julgamento no TRF da 2.ª Reg. Após dizer que o inquérito policial, para ser instaurado, requeria a presença de um fato certo, determinado, investigado, com sua "ocorrência perfeitamente delimitada e caracterizada", o Des. Federal D' Andrea Ferreira, relator designado, reportou-se à autoria: "Determinado o fato, tem-se de partir para sua autoria e, para que alguém possa ser indiciado, há necessidade de um mínimo de elementos de convicção de que aquela pessoa seja autora do fato, e que tenha participado dele, sendo preciso que esta determinação do fato e a identificação desta participação caracterizem, ainda que com um mínimo de elementos, a responsabilidade penal, decorrente da detectação da figura de um delito, portanto, de um fato caracterizado como delito, e de uma participação delituosa". (Recurso de habeas corpus 0015/RJ, 91.02.17211-9).
Enfocando a questão que eu chamaria de mérito - vai nisso, claro, uma liberdade, ou melhor, uma licenciosidade verbal - entende-se remontar à Constituição de 91, que já explicita cautelas com que se resguarda a legalidade do processo crime. E refletindo em torno do § 16, art. 72, desse diploma - "aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa" - Barbalho observa que devem ser permitidos aos acusados todos os meios e expedientes que não impeçam o normal funcionamento da acusação (Constituição Federal (LGL\1988\3) Brasileira, 2.ª ed., p. 436; F. Briguiet e Cia. Editores; 1924). E até as duas Constituições emanadas do governo ditatorial- a de 37, a de 69 - invocaram os princípios da defesa e do contraditório, na instrução criminal.
E o que dispõe a Constituição-cidadã?
"Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (CF (LGL\1988\3), art. 5.º, L V). O processo penal há, pois, de propiciar ao réu ampla defesa, há de garantir o contraditório. Trata-se de princípios expressos com clareza, até porque a hipérbole, o pleonasmo são tropos que não se avêm com a redação de texto constitucional.
Assentado que o processo penal se esteia na efetividade da ampla defesa e do contraditório, atender-se-ia ao postulado do devido processo legal (art. 5.º, LIV, da CF (LGL\1988\3)) acolher, na sentença, confissão, testemunhos trasladados do inquérito? Antes de responder a essa pergunta - e para não ter que reelaborá-la - trago à colação (relevem-me o clichê de nossos dia-a-dia dos julgamentos) uma lúcida advertência de Ada. Referindo-se ao flagrante, à prisão preventiva e outras medidas concertadas na polícia, observou que "durante o inquérito policial, surge medida dessa natureza, que é medida cautelar típica (seja oriunda do Poder Executivo, para tanto autorizado por lei, seja oriundo do Poder Judiciário, através do órgão jurisdicional); nesses casos deve haver contraditório e deve haver direito de defesa. E deve haver defesa e contraditório, porque se tratará de medidas cautelares, preparatórias ou incidentais, revesti das de processualidade e a que necessariamente se assegurem as garantias decorrentes da Constituição" (O Processo em sua Unidade, II/67). E num magistério por telefone (peça que não serve, só, para ser "grampeada"), Alberto Silva Franco observava que a defesa deve ter acesso aos atos do inquérito (perícias, p. ex.) que não sejam reproduzidos no curso do contraditório, por respeito ao princípio da paridade de acesso à prova. Se é prova - e esses dados são prova - não há como subtrair deles o imperativo constitucional do contraditório, fato que nada tem que ver, repita-se, com a presença do advogado na fase inquisitorial, fase, esta, em que a Polícia, o Ministério Público hão de ter plena liberdade, com vista à coleta de informes para instauração da ação penal.
Fechado o parêntese, reedite-se a indagação: trata-se de prova ou "prova", em termos de julgamento, os dados colhidos no inquérito policial?
Magalhães Noronha não se mostra completamente avesso (perdoem essa concessão verbal) em transplantar para o juízo de convicção informações hauridas no inquérito policial, concluindo, no entanto, que ele não poderá prevalecer "se a instrução judicial for inteiramente adversa aos elementos que ele contém". Fabbrini Mirabete realça seu papel na moldagem da convicção do julgador, "mesmo porque integra os autos do processo, podendo o juiz apoiar-se em elementos coligidos na fase extrajudicial". É, porém, enfático, no dizer que não se pode "fundamentar uma decisão condenatória apoiada exclusivamente no inquérito policial, o que contraria o princípio constitucional do contraditório".
Abre-se, agora, novo parágrafo.
Lendo o processo sob a ótica da Constituição, José Frederico Marques esclarece que o valor probatório do inquérito se mede pelo que lhe corresponder na fase do contraditório, o que vale dizer: a prova, em processo crime, é a que se produzir na fase da instrução contraditória ( Tratado de Direito Processual Penal, p. 194; Ed. Saraiva, 1980).
Não é fácil respigar nas publicações de Ada Pellegrini Grinover o mais expressivo tópico a respeito da matéria: são congressos, aulas, revistas, livros a esposarem seu ensinamento em torno da legalidade do processo penal. E se é mister acorrer com prova, aí está O Processo Constitucional em Marcha (Max Limonad, 1985), suma de debates levados a efeito no TACrimSP, em torno de julgados que trataram o processo na perspectiva da norma constitucional.
A jurisprudência, por trabalhar com fatos, dá azo a mais-distinções. É que os fatos atingem o juiz também como pessoa, no seu ambiente familiar, no seu ambiente social. Há crimes que a sociedade julga e julga, claro, com seu equipamento mental. Essa pressão, difusa, não passa ao largo do vivenciar do juiz. Por outro lado, ele sofre o impacto dos autos, dos atos do processo, inclusive os nulos. E entram em jogo, principalmente, o homem e suas circunstâncias. Que juiz é esse? A vida o fez legalista, burocrata, intelectual frio, preconceituoso, sensível à dor dos outros? E como o juiz é um pouco disso tudo, sua decisão vai refletir o que nele predominar.
Na questão do valor da prova inquisitorial, há duas áreas. Sendo um pouco esquemático, ter-se-ia o juiz criminal que se entende responsável pelo crescer da criminalidade, e o juiz criminal que julga caber-lhe curar, apenas, da legalidade do processo.
Não é ofensivo a um, nem a outro, o afirmar que é da primeira categoria que emanam os julgados que passaram a considerar, como prova, confissões e depoimentos impressos nos autos de inquérito. E varia o espaço que os dados da polícia vão ocupando, porque diferente a visão de mundo dos magistrados que estão a avaliar esses dados. Enquanto uns só o fazem na hipótese de algum respaldo na fase do contraditório (v., nessa linha, RJTJ, 122/122; RTJ, 135/604; RT, 621/290), outros (conquanto, também, o mencionem) têm o inquérito na melhor conta, pelo expressivo de elementos que encerra (JTACrimSP, 83/474), havendo, até, quem lhe dê prevalência sobre as demais "Prova no inquérito policial: Quando avaliada com critério, sem quebra de lógica, a prova indiciária é das melhores de que a lei investe o julgador, e, na escala das provas, robustecida pelo progresso da ciência, deverá ser tida como a principal delas (Emeric Levai, voto vencido). TACrim, Proc. 327497; rolo-flash 323/469; data do acórdão: 8/10/84.
Passemos a outra vertente jurisprudencial: "O inquérito policial, peça meramente informativa, ou de instrução provisória no dizer do saudoso juristaFrancisco Campos, somente pode servir de supedâneo à denúncia e prisão preventiva, mas sem corroboração do contraditório judicial, não dará lugar a uma condenação.
Face ao princípio do contraditório, cristalizado no art. 153, § 1.º, da CR (Constituição anterior), aquela peça só terá valor probatório para um juízo de condenação, quando estiver plenamente confirmada pela instrução criminal. O contraditório, que nasce com o estabelecimento da relação processual, mantém a paridade de tratamento entre a acusação e a defesa, a primeira, acusando, e a segunda, contestando a imputação. É sem dúvida, esse princípio, a cristalização do ideal processual do julgamento leal e justo ( justa allegata et probata judicibus)". Oriundo do TACrimSP, rel. Ricardo Couto, esse acórdão - modelo de bom gosto, em termos de comunicação forense - expressa, fiel, a corrente exegética dos que distinguem a fase do procedimento, que serve à propositura da ação (denúncia, queixa), da fase em que se efetiva, pela oportunidade do contraditório, a instrução processual penal. No mesmo sentido, JTACrimSP, 63/326, rel. Carlos Antonini; JTACrimSP, 80/299, rel. Jarbas Mazzoni; RT, 666/276, rel. Weis de Andrade; JTACrimSP, 79/42, rel. Fortes Barbosa; Julgados do TACrim, 70/319, rel. Ercílio Sampaio; Rev. 120.244, TACrimSP, rel. Adauto Suannes; TACrimSP, proc. 372169, rolo-flash 331/619, rel. Corrêa Dias; Julgados do TACrim 66/454, rel. Silva Franco; Proc. 365767, TACrimSP, rel. Gonzaga Francischini; TACrimSP, rolo-flash 319/103, rel. Edmeu Carmesini.
Cabe, agora, uma alusão ao STF, cujas decisões refletem esse mesmo dissídio. No HC 68.041/RJ - impetrado por Humberto Pena de Moraes (orgulho da Defensoria Pública do país) - vê-se, pela conferência ao número das páginas referidas no acórdão, que o Min. Sydney Sanches, para validar a condenação, serviu-se com liberdade da prova colhida no inquérito. Já o Min. Celso de Mello opta por outra leitura, como o atesta julgamento do RC 136.239-1-SP: "O inquérito policial constitui mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do MP. Trata-se de peça informativa cujos elementos instrutórios - precipuamente destinados ao órgão da acusação pública - habilitá-lo-ão a instaurar a persecutio criminis in judicio. A unilateralidade das investigações desenvolvidas pela Polícia Judiciária na fase preliminar da persecução penal (informatio delicti) e o caráter inquisitivo que assinala a atuação da autoridade policial não autorizam, sob pena de grave ofensa à garantia constitucional do contraditório e da plenitude de defesa, a formulação de decisão condenatória cujo único suporte seja a prova, não reproduzida em juízo, consubstanciada nas peças do inquérito" (DJU, 14.8.92, seção I, p. 12.227).
Quer dizer, hoje, se a Constituição dispõe que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (art. 5.º, LV)?
A resposta seria menos cabulosa, se a Constituição de 1946 já não determinasse que a instrução criminal seria contraditória; ela e a 67/69!
Nos Comentários à Constituição de 1934, advertia Pontes de Miranda: "No momento, sob a Constituição que, bem ou mal, está feita, o que nos incumbe, a nós, dirigentes, juízes e intérpretes, é cumpri-la. Só assim saberemos a que serviu e a que não serviu, nem serve. Se a nada serviu em alguns pontos, que se emende, se reveja. Se em algum ponto a nada serve, que se corte nesse pedaço inútil. Se a algum bem público desserve, que pronto se elimine. Mas, sem na cumprir, nada saberemos. Nada sabendo, nada poderemos fazer que mereça crédito. Não a cumprir é estrangulá-la ao nascer. Ora, por mais duro que seja dizer-se, e por mais grave que nos pareça fazer uma Constituição e resistir ao seu cumprimento, esta é que é a verdade: está escrita, e pouco se consulta; sob as suas vestes insinua-se o propósito de não se reconhecerem as liberdades e estruturas que estão nela, o que é mais, muito mais, do que conspirar contra ela" (Comentários à Constituição de 1946, 3.ª ed., l.ª/12; Editor Borsoi, 1960).
Dada a incoincidência, no plano dos valores, entre a lei e as normas sociais - o que, às vezes, ocorre - leis e preceitos constitucionais permanecem ignorados longo tempo.
Mas, como explicar que a resistência se instale nos arraiais do próprio Judiciário?
Os julgados parece apontarem em duas direções: o entendimento de que o juiz é o guardião da paz social (papel bem mais afeto a outras esferas do Poder); o comprometimento com a filosofia do denominado Movimento da Lei e Ordem.
Posta a questão nesse pé, subtrai-se, da Justiça criminal, sua verdadeira função: a de tornar efetivo o princípio do devido processo legal.
Intérprete e servo da CF/88 (LGL\1988\3), como lhe cumpre ser, o juiz não encontra meio de divergir na leitura de seu art. 5.º, LV, até porque, nesse aspecto, e com o mesmo sabor semântico, ordenou-se, há quarenta e tantos anos, que estava "assegurada aos acusados plena defesa", assegurada, também, a "instrução criminal contraditória" (art. 141, § 25, da CF (LGL\1988\3)/46).
A TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL E O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
1. A Constituição Federal de 1988 operou várias alterações em nosso processo penal. Algumas, de identificação imediata, têm aplicabilidade emanada diretamente do texto constitucional. Outras, porém, requerem explicitação e regramento pelo legislador ordinário, ainda que, com alguma boa vontade, poder-se-ia dar-lhes eficácia plena e imediata.
O princípio da independência funcional (art. 127, § 1.º)e da titularidade exclusiva da ação penal pública (art. 129) conferidas ao Ministério Público hão de ter conseqüências ainda não operadas no processo penal.
No sistema acusatório desenhado pela Constituição e com um Ministério Público instrumentalizado e ágil que se pretende, não se justifica a persistência de práticas judiciais, em sede de investigação, tais quais a requisição de instauração de inquérito, a decretação, de oficio, de prisão preventiva e a concessão de prazo à Política para continuidade das investigações.
A necessidade de um novo código que sirva como instrumento ágil e eficaz para a realização do direito penal nos dias de hoje, e sistematize a legislação adjetiva (mal colocada no obsoleto Código de 1941) tornou-se imperiosa com a promulgação da Carta Política de 1988. Impõe-se que se dê conseqüência aos preceitos constitucionais em matéria processual-penal.
2. No que diz respeito especificamente ao novo papel do Ministério Público no processo penal, importante projeto de lei foi apresentado ao Senado pelo Senador Pedro Simon, que acolheu sugestão de Comissão (da qual faz parte o Procurador-Geral da República) constituída para o fim de propor medidas visando à agilização do processo penal. No entanto, apresentado em 1992, o Projeto de Lei n. 129 tramita lentamente pelo processo legislativo (...)
Coerente com o papel do Ministério Público de titular da ação penal pública e controlador das atividades da polícia judiciária, o mencionado projeto de lei prevê a tramitação do inquérito diretamente entre a Polícia e o Ministério Público, eliminando a intermediação do juízo criminal. Assim, o controle das investigações, a orientação sobre a coleta de provas e, sobretudo, a concessão de prazos para a realização das diligências serão de competência exclusiva do titular da ação penal.
Nada mais lógico: se o Ministério Público é o titular da ação penal, é ele que saberá do que necessita para promovê-la, e a ele caberá velar pela celeridade da investigação, sobretudo tendo em vista o prazo de prescrição da eventual ação. E, se cabe ao Ministério Público exercer o controle externo da polícia judiciária, somente a ele cabe prevenir e corrigir eventuais desvios da investigação e coibir diligências desnecessárias, inadequadas ou protelatórias.
3. Antes da propositura da ação, ao Judiciário cabe apenas conhecer de eventuais lesões a direito do investigado ou de terceiros,que poderão valer-se do habeas corpus, do mandado de segurança ou do incidente de restituição de coisas. Ou, ainda, decidir sobre medidas investigatórias que importem no cerceamento à liberdade e privacidade do investigado, tais como as prisões cautelares e a quebra do sigilo das comunicações telefônicas. De resto, essas questões já são, normalmente, objeto de procedimentos apartados dos autos do inquérito.
É da natureza do Judiciário manifestar-se quando para tal for provocado; mas não acompanhar a atividade dos agentes públicos. No inquérito policial, sempre que o juiz, fora das hipóteses acima referidas, imiscui-se nas investigações,determinando (?!) que se proceda ao arquivamento do inquérito ou ao oferecimento da denúncia, dizendo qual diligência deve ou não ser realizada, indeferindo pedido de prazo formulado pela autoridade policial para continuação das investigações, estará excedendo-se de suas funções e usurpando as do Ministério Público.
Nada justifica, pois, a passagem dos autos do inquérito pelo juiz. A tramitação do inquérito diretamente entre a Polícia e o Ministério Público é daquelas conclusões que emanam da própria Constituição, da lógica ou simplesmente do bom-senso, prescindindo de lei que a declare.
4. Mas, o que pretendo sustentar é que também não se justifica a participação do Judiciário no arquivamento de inquérito policial ou peças de informação. Isto também deduz-se da Constituição, e também é dito pela lógica e pelo bom-senso.
Porém, a sua apreensão não é tão clara e imediata, o que aconselha a modificação do art. 28 do Código de Processo Penal (LGL\1941\8), que dispõe sobre o arquivamento de inquérito policial e de peças de informação contendo notitia criminis.
Não me disporia a escrever sobre esta obviedade se ela não parecesse ousada a muitos. Tão ousada que o referido projeto de lei não a contemplou; tão revolucionária que mesmo alguns membros do Ministério Público ponderam que tal alvitre (arquivamento do inquérito policial pelo próprio Ministério Público) implicaria em investir o órgão acusador de poderes jurisdicionais (...)
5. Já que se trata de questão óbvia, comecemos por falar o incontroverso: é o Ministério Público quem dá a última palavra sobre arquivamento de inquérito policial ou peças contendo notitia criminis referente a ação penal pública. O Judiciário pode vedar a instauração da ação penal, mas não pode determinar a instauração dela.
Com efeito, o art. 28 do Código de Processo Penal (LGL\1941\8), em essência, prevê um recurso do juiz face a decisão do órgão ministerial em não oferecer a denúncia. E quem julgará esse recurso não é um órgão judiciário de instância superior, mas sim, a instância máxima do Ministério Público. Caso essa instância máxima decida também pelo não oferecimento da denúncia, tal decisão é irrecorrível, inclusive por parte da eventual vítima direta do suposto fato criminoso.2Mas, decidindo o Ministério Público, em ambas as instâncias, pela não apresentação da denúncia, os autos do inquérito vão para (...) o arquivo do Judiciário.
Pois, sobre o arquivamento do inquérito, nada mais poderá fazer o juiz; a única providência que lhe resta é remeter os autos ao arquivo (...)
Ora, se assim é (e de fato o é), por que então, ao decidir pelo não oferecimento da denúncia, ao invés de encaminhar os autos ao juiz, o órgão do Ministério Público não remete os autos diretamente a seu órgão superior, recorrendo, de oficio, de sua decisão? E, conseqüentemente, ao confirmar a decisão do órgão ministerial inferior, por que o superior não baixa os autos para arquivamento deles na própria instituição, ou invés de remetê-los ao juiz, para simples arquivamento dos papéis, pois a notitia criminis já está arquivada?
6. Parece-me que essa tortuosa e burocrática tramitação do inquérito, passando pelo Judiciário, existe apenas para dar a aparência de que o Judiciário participa da decisão de arquivamento do inquérito, quando, na realidade, sua participação é tão-somente burocrática.
E nem se diga que o registro do inquérito no juiz distribuidor é necessário para a publicidade do mesmo. Tal registro pode e deve ser feito no órgão a que ele se destina, e com mais publicidade da que lhe é dada pelo Judiciário: publicando, o Ministério Público, no Diário Oficial, os inquéritos cujo arquivamento determinou.
No Judiciário há de ser registrado e arquivado aquilo que lhe é dirigido: a ação penal. O registro e arquivamento de inquérito, peças de informação ou qualquer documento contendo notitia criminis que não resulte em ação há de ser no órgão titular desta: o Ministério Público.
7. Até aqui vimos apenas uma hipótese: o juiz discorda da decisão do órgão ministerial no sentido de não oferecer a denúncia; e seus dois desdobramentos: o órgão superior do Ministério Público confirma aquela decisão e o inquérito necessariamente será arquivado, ou a reforma e designa outro órgão para oferecer a denúncia.
Qualquer que seja o desdobramento, a participação do Judiciário quanto ao arquivamento do inquérito é nenhuma; e nenhuma utilidade tem o registro e a tramitação do inquérito no órgão jurisdicional. Mas a inconveniência de tal procedimento refere-se apenas ao dispêndio de energias e papéis, desnecessariamente. Existe apenas uma irracionalidade nessa tramitação, sem que a titularidade da ação penal seja arranhada, pois o Ministério Público, em ambas asinstâncias, manifesta-se sobre o arquivamento do inquérito.
8. Na segunda hipótese (o juiz concorda com o órgão ministerial e o inquérito é arquivado na primeira instância), entendo que sai arranhado o princípio da titularidade da ação penal.
É que, se o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal, somente ele deve manifestar-se, e por inteiro, sobre o exercício dessa titularidade.
Somente ele, e não também o juiz de primeira instância.
Por inteiro, através do órgão de primeira instância e do órgão superior, e não somente através daquele.
9. Hipótese interessante (e que evidencia, em sua forma mais extremada, a titularidade da ação penal pública pelo Ministério Público) ocorre quando o órgão do Ministério Público deixa de oferecer denúncia, manifestando-se pela incompetência do juiz para conhecer do fato.
Já se decidiu que, antes de ser instaurada a ação penal, não há que se falar em conflito de competência; não cabe ao juiz arrogar-se competência para conhecer de um fato, quando ainda nem se sabe se dele resultará ação penal. Portanto, quando o órgão ministerial decide pelo não oferecimento da denúncia, por entender que o juiz perante o qual oficia é incompetente para conhecer do fato, na verdade, está declarando que não tem atribuição para oferecer a denúncia; e assim poderá vir configurar-se um conflito de atribuição com o outro órgão ministerial apontado pelo primeiro como titular da atribuição, porque competente para conhecer do fato é o juiz perante o qual aquele outro oficia.
O conflito de competência (entre juizes, pois) só viria ocorrer se um dos órgãos ministeriais apresentasse a denúncia, por entender que o juiz perante o qual oficia é competente; porém, este declarasse o contrário. Assim, ajuizada a denúncia, esta, necessariamente, haveria de ter a solução; e então o Judiciário é que decidiria a qual juiz caberia tal solução.
Em conseqüência, quando o órgão ministerial declara que não oferece denúncia porque o juiz é incompetente para conhecer do fato, substancialmente, está requerendo o arquivamento jurídico do inquérito naquele juízo; e, caso este não concorde, deverá remeter os autos ao Procurador-Geral (no caso do Ministério Público Federal, à Câmara de Revisão Criminal), por aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo Penal (LGL\1941\8).
10. Pois bem. Se o órgão superior do Ministério Público acolhe o entendimento do juiz, será designado outro órgão para oferecer a Denúncia, e assim estará resolvida a questão.
No entanto, se o entendimento do órgão superior do Ministério Público for contrário ao do juiz, perante este jamais será oferecida denúncia. Baixando-se os autosa ele, resta-lhe apenas encaminhar os autos ao juízo tido por competente.
Mas, imaginemos que a querela se dê entre Ministério Público Federal e Estadual. E, prosseguindo, imaginemos que, remetidos os autos ao juízo estadual, o órgão do Ministério Público que ali oficia entenda que também não tem atribuição para oferecer denúncia, porque o juízo competente para conhecer do caso é o federal, não o estadual; e esse juiz estadual, por seu turno, entendendo ser competente para conhecer do fato, aplique também analogicamente o art. 28, e remeta os autos ao Procurador-Geral de Justiça do Estado; e o Procurador-Geral, concordando com o órgão inferior do Ministério Público, entenda que, realmente, ele não tem atribuição para apresentar denúncia, e baixe os autos para que o inquérito seja arquivado também no juízo estadual.
Terá ocorrido, pois, um conflito negativo de atribuição entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual, em decorrência do qual denúncia não será oferecida nem perante um nem perante outro juízo (...)
11. Fica assim evidenciada a titularidade absoluta da ação penal por parte do Ministério Público, enquanto um todo. Ou seja: na hipótese de todos os órgãos do Ministério Público envolvidos (a primeira e a segunda instâncias federais e estaduais, respectivamente) entenderam que não têm atribuição para oferecer denúncia, em nosso sistema jurídico não há instrumento capaz de viabilizar a ação penal. Pois acima do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual não existe (e nem poderia existir, em face do princípio da autonomia funcional) uma instância para decidir o conflito negativo de atribuição e determinar a um dos dois que ofereça a denúncia.
12. Vou mais longe. Ainda que a questão, por algum instrumento processual, seja levada ao Judiciário, e este, através de sua Corte Máxima, declare, p. ex., que o juiz federal é o competente para conhecer do caso, e, conseqüentemente, o respectivo órgão ministerial é que tem atribuição para oferecer a denúncia, o Supremo Tribunal Federal não poderá determinar ao Procurador-Geral da República ou ao órgão ministerial de primeira instância que ofereça a denúncia. Pois, se assim decidisse, estaria infringido, a um só tempo, os dois preceitos constitucionais: o da titularidade da ação penal (porque, na realidade, quem estaria ajuizando a ação seria o STF), e o da independência funcional (porque o Ministério Público estaria sendo compelido a praticar um ato contra a sua convicção). A decisão do Supremo teria, por assim dizer, uma natureza doutrinária, e sua força decorreria disso; não jurisdicional, no sentido de ser exeqüível.
O impasse não teria solução jurídica; mas poderia ter solução política. Declarado pelo Supremo que o Ministério Público Federal tem competência para apresentar a denúncia negada por este, o Presidente da República poderia solicitar autorização ao Senado para destituir o Procurador-Geral da República, nomeando outro que cumprisse o decidido pela Corte Constitucional. Obviamente, negada a autorização pelo Senado, essa decisão política impor-se-ia à decisão jurisdicional do STF. Restaria, apenas, cogitar-se de eventual crime de responsabilidade praticado pelo Procurador-Geral da República (art. 40, item 2, da Lei 1.079/50). Mas a discutida denúncia não seria apresentada (...)
Ficam, pois, a um só tempo, evidenciadas a titularidade absoluta3da ação penal pública por parte do Ministério Público e sua autonomia funcional;e, como corolário disso, o substrato político da função do Ministério Público, mormente quando este deixa de apresentar a denúncia.4
13. Já se disse que o não oferecimento da denúncia constitui-se no maior poder exercido pelo Ministério Público, pois, aí, em nome da sociedade, estará ele definindo que determinado indivíduo (suposto agressor dessa mesma sociedade) não será punido, porque processado não será. Ao passo que o oferecimento da denúncia constitui-se apenas na postulação dessa sociedade, através do Ministério Público, de condenação do acusado, mas quem decidirá será o Judiciário. No primeiro caso, quem decide e o Ministério Público; no segundo, é o Judiciário.
Não se compreende, portanto, que decisão de tal magnitude (o não processamento de um indivíduo tido por agressor de um valor socialmente relevante) seja irrecorrível, quando é certo que recorribilidade das decisões é apanágio do processo.
O juiz, quando decide contra o interesse público postulado (quer no habeas corpus quer no mandado de segurança), recorre de oficio a seu órgão superior, ainda que o Ministério Público, voluntariamente, também possa fazê-lo. Mas o órgão do Ministério Público, quando decide não processar um indivíduo tido por violador de uma norma penal, não recorre, de oficio, dessa decisão. Caso o juiz o faça, tem-se os desdobramentos acima vistos; caso o juiz não o faça, a notitiaé arquivada na primeira instância.
O poder político conferido ao Ministério Público pelo constituinte, ao investi-lo como titular da ação penal pública, deve ser controlado, sim. Mas esse controle há de ser feito internamente, através de seus órgãos próprios; e externamente, através do Executivo e do Legislativo (a expressão máxima desse controle constitui-se no mecanismo de nomeação do Procurador-Geral, que se dá mediante a indicação pelo Executivo e a aprovação do nome pelo Legislativo; e de suadestituição pelo Executivo, que necessita de autorização do Legislativo). Não pelo Judiciário.
Mecanismos outros de controle, inclusive propiciando à vítima do crime uma maior participação na persecução criminal (obviamente, sem arranhão ao princípio da titularidade da ação penal), hão de ser pensados. Mas, a participação do Judiciário no arquivamento de inquérito e peças contendo notitia criminis em nada contribui para esse controle; senão para a burocratização dos atos do Ministério Público.
14. Não procede o argumento de que há um controle jurisdicional dessa decisão do órgão de primeiro grau do Ministério Público. Primeiro porque, conforme já visto, na verdade, o Judiciário não exerce nenhum papel real no arquivamento do inquérito. Segundo porque, sendo o Ministério Público o titular da ação penal pública, e tendo autonomia funcional, esse controle deve-se dar no âmbito da própria instituição. Terceiro porque esse controle, se exercido na própria instância, às vezes deixa de existir, até porque ambas as autoridades, vivendo no mesmo universo, estão sujeitas às mesmas injunções.
Com efeito, após um certo tempo oficiando juntos (e ambos são inamovíveis), promotor e juiz tendem a encontrar modos de convivência, numa paulatina acomodação de entendimentos jurídicos. É certo que isto dependerá da personalidade de cada um. Mas, normalmente, juiz e órgão ministerial vão-se harmonizando ao ponto de se tornar único o entendimento sobre determinadas questões. Questões essas que, às vezes, têm solução diversa nos tribunais superiores e sobre as quais o Ministério Público, através de seu órgão máximo, também decide diversamente.
É comum, pois, que num mesmo foro, um representante do Ministério Público tenha determinado entendimento sobre dada questão penal; porém, o juiz discorda desse entendimento e remete os autos ao Chefe do Ministério Público, que, agasalhando as razões do juiz, determina que se ofereça a denúncia. Já em outra vara, o entendimento do juiz é o mesmo do órgão do Ministério Público, e assim o respectivo inquérito é arquivado. Portanto, na primeira instância (e num mesmo foro), tem-se soluções divergentes sobre um mesmo fato, sem que haja qualquer instrumento recursal objetivando a unificação.
Não falemos (pois aqui já foge ao normal e à presumida boa-fé e independência de ambos) na possibilidade de, numa remota comarca, promotor e juiz encontrarem-se de tal forma envoltos no relacionamento daquela comunidade, que ambos sintam-se inibidos em processar criminalmente uma pessoa influente naquela sociedade. E o promotor requer o arquivamento do inquérito, e o juiz o determina (...)
E assim, questões da maior relevânciajurídica ou social (mas nem sempre de repercussão) são enterradas no nascedouro.
Caso houvesse o recurso obrigatório, por parte do promotor a seu órgão superior, tal problema deixaria de existir.
15. Poder-se-ia argumentar que o arquivamento do inquérito no judiciário confere maior segurança ao investigado, impedindo a reabertura das investigações sem que de novas provas se tenha conhecimento.
Tal argumento, porém, não procede, pois o inquérito policial que já se desenvolve de maneira formal, estaria cercado de maior segurança ainda com a publicação da decisão ministerial determinando seu arquivamento. E, logicamente, qualquer tentativa de lesão a esse direito do investigado (de não vir a ser novamente molestado pelos mesmos fatos sem prova nova) seria facilmente detectável e poderia ser coartado pelo Judiciário.
Outra objeção que se poderia apresentar é que, sendo o inquérito arquivado judicialmente, poderá o juiz declarar extinta a pretensão punitiva do Estado, verificada, v. g., a prescrição da ação.
Quanto a isto, inicialmente, entendo ser despicienda, e mesmo extravagante, tal manifestação judicial em autos de inquérito, quando o titular da ação penal ainda não asseverou a ocorrência de fato típico ou não o atribuiu a alguém.
Declarar extinta a punibilidade referente a que, se não se indicou o fato criminoso?
De quem, se não se apontou ninguém como responsável pelo fato?
Tal declaração assemelha-se àquela pela qual se decreta a prescrição retroativa da ação, baseando-se numa pena que viria a ser aplicada ao réu. Essa decisão pressupõe uma outra proferida mas não escrita pelo juiz: o réu é condenado, e todas as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal (LGL\1940\2) são-lhe favoráveis; e só depois o juiz escreve que (...) a ação está (ou estaria) prescrita retroativamente (...).
Assim também não há porque declarar que um indivíduo não será punido, se a punição tem como pressuposto uma acusação e esse indivíduo não foi acusado, e nem está sendo atingido por investigação, pois o que se promove é exatamente o encerramento desta (...)
Com o arquivamento do inquérito, sem se atribuir responsabilidade a ninguém, não existe o sujeito titular do interesse na declaração de extinção da punibilidade. E nem há interesse público nessa declaração, pois não existe uma pendência jurídica que reclame termo.
Caso arquivado o inquérito e sobrevindo novas provas, o Ministério Público viesse sujeitar alguém a investigação por suposto crime já previsto, caberia o remédio do habeas corpus, remédio esse adequado também para trancamento de inquérito em curso.
16. Finalmente, não procede o eventual argumento de que a sujeição da decisão do órgão de primeira instância à revisão do órgão superior do Ministério Público fere a autonomia daquele. Pois: a) sua convicção sempre será respeitada (em sendo reformada a sua decisão, é outro membro quem apresentará a denúncia: b) atualmente, quando há discordância do juiz, essa revisão já se faz.
E nem se diga que tal mecanismo levaria a uma centralização de decisões no órgão superior. Se o argumento fosse válido, haveria de ser abolido o recurso judicial. O mecanismo propiciará - isto, sim - uma maior (e necessária) uniformidade na atuação do Ministério Público.
17. A sistemática ora preconizada para o inquérito penal já e adotada no inquérito civil público. Dele não toma conhecimento o juiz, se, em seu curso, não provocar qualquer lesão a direito dos personagens nele envolvidos (o que também poderá ocorrer, ensejando, v. g., mandado de segurança).
Com efeito, o art. 9.º da Lei 7.347/85 prevê a sistemática para arquivamento do inquérito civil público, sistemática essa que, com eventuais adaptações, poderia ser adotada no inquérito policial. Verbis:
Art. 9.º. Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.
§ 1.º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidas, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.
§ 2.º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação.
§ 3.º A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento.
§ 4.º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação.
Ora, no inquérito civil público, conforme extrai-se do próprio nome, também investiga-se suposta lesão a direitos sociais, e nem por isso ao Judiciário é levado o resultado da investigação, caso esta não enseje o ajuizamento da respectiva ação.
18. Dir-se-á que a sistemática preconizada sobrecarregará o Ministério Público, que passará a ter a responsabilidade pelo registro dos inquéritos instaurados e pela guarda daqueles arquivados; e, ainda, o órgão superior haveria de apreciar todas as decisões de arquivamento proferidas pelo órgão inferior, e não somente aqueles casos dos quais o juiz discordaria.
Objeção de ordem prática em nada infirma argumento lógico e jurídico. As carências de ordem prática (que, aliás, existem mesmo com a atual sistemática) devem ser supridas. Do contrário, seria mas conseqüente abrirmos mão de outras funções para adequarmos à nossa carente realidade.
Quanto ao aumento de que haveria sobrecarga de trabalho porque todos os inquéritos deveriam ser examinados pelo órgão superior do Ministério Público, lembro que, supostamente, esses inquéritos já são analisados pelo juiz, com igual dispêndio de energia. Assim, haveria apenas a transferência desse encargo de um para outro órgão público, e da primeira para a segunda instância, tornando mais adequado e efetivo esse exame, sem outros custos sociais.
19. Em síntese: se, ao invés de requerer o arquivamento ao juiz, o órgão ministerial recorresse, ex oficio, a seu órgão superior, tal medida seria sempre mais vantajosa, e em nenhuma hipótese excluiria do poder judiciário a apreciação de qualquer lesão a direito. Não subtrairia poder ao Judiciário nem conferiria mais poder ao Ministério Público. Pois, atualmente:
a) quando o juiz discorda da decisão do órgão do Ministério Público e remete os autos ao Procurador-Geral, e este insiste no arquivamento, o juiz não poderá opor-se a isto; e se o órgão superior do Ministério Público determina o oferecimento da denúncia, nomeando outro órgão para fazê-lo, esse mesmo resultado seria alcançado com o recurso de oficio. Portanto, em ambas as hipóteses, a solução seria a mesma, e com economia processual;
b) quando o juiz concorda com a decisão do órgão ministerial no sentido de ser arquivado o inquérito, está-se subtraindo da instituição titular da ação penal a possibilidade de rever aquela decisão em segundo grau, o que propicia decisões divergentes em primeira instância, sem que haja remédio para unificá-las.
20. Concluindo:
a) O arquivamento do inquérito policial e de peças de informações no âmbito do próprio Ministério Público constitui-se em corolário dos princípios constitucionais da titularidade da ação penal e da independência funcional.
b) A lei processual deverá regular tal matéria, estabelecendo, entre outras exigências, a publicidade das decisões do Ministério Público.
 
(1) Trabalho originariamente escrito para ser apresentado no XI Encontro Nacional dos Procuradores da República, realizado em Fortaleza/CE, no período de 28.10 a 2.1 1.94.
(2) 
É pacífico o entendimento no sentido de que, mesmo em se tratando de ação penal pública condicionada à representação da vítima, caso o Ministério Público manifeste-se pelo arquivamento das peças de informação,aquela não poderá intentar a ação.
(3) 
O art. 5.º da Constituição da República (LGL\1988\3), em seu inciso LIX, prevê que "será admitida ação penal privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal". E o art. 29 do CPP (LGL\1941\8) diz: "Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação com parte principal". Finalmente, diz o art. 46 do CPP (LGL\1941\8): "O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 (cinco) dias, cotado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 (quinze) dias, se o réu estiver solto ou afiançado (...)". Isto, porém, não abala o princípio da titularidade da ação penal por parte do Ministério Público, pois, caso tenha ele a exercido, promovendo o arquivamento do inquérito ou das peças de informações, a vítima não poderá opor-se a essa decisão.
(4) 
Em recente decisão, da qual tomei conhecimento após redigir este trabalho, o STJ deixou assentado que, quando é o Procurador-Geral da República quem promove o arquivamento, este não precisa fazê-lo perante o Judiciário. Lê-se no acórdão: "Cabe ao chefe do parquet a palavra final, quando se cuide da instauração de processo por crime de ação pública. Requerido por outro membro do Ministério Público, há de dirigir-se à autoridade judicial que, discordando do pedido, poderá valer-se do disposto no art. 28 do CPP (LGL\1941\8). Não se justifica, entretanto, deva o Procurador-Geral requerer o arquivamento ao Judiciário se o seu pronunciamento não pode ser desatendido" (APN n.º 67-9 - DF - Rel. Min. Eduardo Ribeiro). Aliás, isto é o que se extraído art. 62, inciso IV, da LOMPU (Lei Complementar 75/93), ao dispor que "compete às Câmaras de Coordenação e Revisão (...) manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou pelas de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral.

Outros materiais