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AUSÊNCIA DO RÉU EM AUDIÊNCIA

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AUSÊNCIA DO RÉU EM AUDIÊNCIA: REVELIA???
Tenho observado uma prática equivocada por parte de alguns juízes, que diante da opção feita pelo réu de não ir na audiência de instrução, decretam a 'revelia'.
A ‘revelia’ é um instituto típico do processo civil, carregada de sentido negativo, impondo ainda a ‘presunção de veracidade’ sobre os fatos não contestados e outras consequências inadequadas no processo penal. Trata-se de mais um erro derivado da ‘teoria geral do processo’, da errônea importação de categorias do processo civil.
Como explico no livro "Direito Processual Penal", 11a ed, p. 782, a contumácia ou revelia é carregada de conotação negativa, extremamente pejorativa, significando ultraje, desdém, ilícito, rebeldia etc.; daí por que, como Delmanto Jr., “sua aplicação afigura-se, por si só, totalmente incompatível com a concepção de que não há como dissociar a inatividade do acusado, de um lado, do exercício dos direitos a ele constitucionalmente assegurados da ampla defesa e do silêncio, de outro”. Não existe censura ou verdadeiro prejuízo jurídico em relação à conduta do réu que não comparece ao interrogatório ou não permite que se lhe extraia material genético para realização de perícia.
Não existe, no processo penal, revelia em sentido próprio.
A inatividade processual (incluindo a omissão e a ausência) não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica. Não conduz a nenhuma presunção, exceto a de inocência, que continua inabalável. 
O não agir probatório do réu (que pode se dar, por exemplo, no exercício do direito de silêncio, recusa em participar de acareações, reconhecimentos etc.) não conduz a nenhum tipo de punição processual ou presunção de culpa. Não existe um dever de agir para o imputado para que se lhe possa punir pela omissão.
Mais do que isso, exceto no caso de liberdade provisória condicionada ao comparecimento a todos os atos do processo – o que não é o caso dos autos – o réu tem o direito de ‘não ir’. A presença dele na audiência atende ao seu interesse de defesa. Não há uma obrigação de presença, todo o oposto.
O que sim é indispensável é a defesa técnica, de presença obrigatória. A presença da defesa técnica, ainda que o acusado esteja ausente (ou seja, citado não comparece nem constitui defensor), é uma imposição inarredável, fruto da opção constitucional por um procedimento em contraditório, que impede a produção dos efeitos da revelia. 
Com a modificação levada a cabo pela Lei n. 9.271/96, finalmente abandonou-se a “revelia” e os absurdos processos penais sem réu presente (em caso de inatividade processual ficta).
Mais do que isso, com a reforma de 2008, o art. 457 consagrou o direito de ausência do réu até mesmo no plenário do júri. Ou seja, sequer no julgamento no plenário do júri está o réu solto obrigado a comparecer, podendo perfeitamente optar por não ir.
Atualmente, não há que se falar em “revelia” no processo penal (ou pelo menos não no sentido próprio do termo, o que significa dizer que a utilização seria sempre imprópria e inadequada), pois a inatividade do réu não conduz a nenhum tipo de sanção processual.
Também se deve ponderar que admitir a – inadequada - revelia e seus efeitos conduziria a admitir um processo penal contumacial, absolutamente incompatível com o processo penal contraditório assegurado no art. 5º, LV, da Constituição e também no art. 261 do CPP: Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.
No que se refere ao art. 367 do CPP, que permite que o processo prossiga sem a presença do réu citado, é um consectário lógico do disposto no art. 366, ou seja, quando o réu não é citado porque não é encontrado, suspende-se o processo e a prescrição; já, quando o réu é encontrado, citado ou intimado, o processo seguirá sem sua presença (mas com a defesa técnica). Significa dizer que o art. 367 veio para autorizar a continuação do processo em estado de ausência, apenas isso.
Nenhuma consequência jurídica negativa pode ser extraída, exceto essa: o processo seguirá seu curso. 
E, mais, ainda que se pense que a sanção seria “não comunicação dos demais atos processuais”, registre-se que o contraditório – visto no seu primeiro momento, que é o da ‘informação’ (segunda a estrutura de Fazzalari) – é imposição constitucional e, portanto, a defesa técnica segue sendo – obrigatoriamente – intimada de todos os atos, sob pena de nulidade absoluta. 
Dessarte, esclarece-se que o réu não compareceu na audiência por ter optado pelo legítimo exercício do direito de não ir, fazendo-se representar neste ato pelos advogados regularmente constituídos. Assim como no exercício do direito de silêncio, nenhuma consequência negativa pode ser extraída desta inércia. Comparecerá à instrução quando, em nome da ampla defesa, houver interesse probatório. 
Por fim, justifica-se sua ausência no ato por uma questão de estratégia processual, sendo perfeitamente legítimo seu direito de não ir, pois não há obrigação legal de comparecimento. 
Na nova sistemática processual – em decorrência também do abandono da cultura inquisitória – o réu não é um objeto ‘de prova’, senão um sujeito do processo, que poderá realizar ou não atos probatórios conforme seu interesse e necessidade defensiva. Portanto, a presença do réu na audiência atende, exclusivamente, ao seu interesse defensivo e probatório. 
Enfim, essa postura arcaica e inquisitória de juízes que 'não admitem que o réu não compareça' é resquício de um processo medieval, incompatível com a nova realidade, em que a presença ou não em audiência obedece aos interesses da própria defesa, nada mais

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