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A EDUCAÇÃO INFANTILNA HISTÓRIA A HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL* Profª. Ordália Alves de Almeida1 Embora reconheçamos o valor das teorias e investigações sobre a educação da criança pequena, no processo de construção dessas propostas educativas, nossa experiência na equipe de coordenação da pré-escola, da rede educacional do Estado de Mato Grosso do Sul e como professora do curso de Pedagogia, levou-nos a constatar que a maioria dos professores tiveram acesso a algumas teorias sobre a educação infantil de forma bastante vaga, através de cursos rápidos que não lhes oportunizavam uma maior reflexão sobre sua realidade e, nem mesmo, a possibilidade concreta de construírem teorias adequadas à sua prática e nas quais realmente acreditavam. Queremos reafirmar: para nós, o suporte teórico-metodológico do professor, no caso específico, do professor de infantil, explicita-se no seu discurso e na sua prática diária. Nesse momento, vale ressaltar que nosso propósito, ao pensar no desenvolvimento de nossa pesquisa foi o de investigar a prática docente do professor de educação infantil, mas principalmente, contribuir para que ele realize uma reflexão sobre a mesma a partir de referenciais teóricos. Nosso processo de desenvolvimento pessoal e profissional impõe-nos considerar vários fatores para a realização de uma análise mais fidedigna e acurada. Partimos, então, do pressuposto de que esse processo de construção não parte do nada, e sim de referenciais obtidos ao longo do processo de educação e formação dos professores. Essa construção se dá num processo de formação, ação, reflexão e transformação e não pode ser entendida como uma cópia fria e neutra de teorias educacionais. O contexto social é outro determinante que não pode ser ignorado, na medida em que considerarmos que o processo educativo envolve aluno, professor, corpo técnico-administrativo, pais, recursos materiais, teorias e práticas numa perspectiva dialógica. Nosso objetivo maior foi o de desmistificar a idéia de que uma ou outra teoria por si só, aponta-nos caminhos e respostas certas; é preciso que cada um dos professores * - Palestra proferida no 14º. Congresso Brasileiro de Educação Infantil-OMEP/BR/MS, realizado no Palácio popular da cultura, em Campo Grande/MS, nos dias 10 a 13/07/2002. 1 desenvolva seu trabalho subsidiado por contribuições de referenciais teóricos obtidos ao longo de sua formação. E, ainda, que saiba buscar nas contribuições deixadas pelos vários teóricos, preocupados com a educação da criança pequena, subsídios para alicerçar a sua prática. · Surge a Educação Infantil. Os fundamentos sociais, morais, econômicos, culturais e políticos da sociedade antiga foram sendo superados desde a instauração da sociedade moderna no século XVI. A constituição de modos de vidas passou a ser exigência do novo contexto social. A burguesia, classe em franca expansão passou a reivindicar formas mais concretas de vida, não mais lhes bastava uma educação dogmática, era preciso recorrer a uma educação que lhes desse condições de dominar a natureza. Houve por parte do papado católico e do império, reações contra as tentativas de inovação ocasionadas pela rejeição ao mundo medieval. Nesse contexto, a instrução passou a chamar a atenção, tanto daqueles que desejavam manter, quanto dos que almejavam subverter a ordem vigente. De um lado, os defensores da manutenção da estrutura social e das prerrogativas da igreja reorganizaram suas escolas de modo a garantir uma educação religiosa e a instrução em disciplinas eclesiásticas, por outro lado, aqueles que se rebelaram contra a estrutura social vigente, clamavam por uma instrução mais democrática, calcada em modelos populares e modernos, que permitissem ao homem lidar com os novos modos de produção, subvertendo as velhas corporações artesanais, permitindo-lhes descobrir e conquistar a nova sociedade. Vamos localizar, então, na literatura educacional, vários teóricos preocupados em delinear uma nova proposta educativa para adolescentes, jovens e homens. Uns com o propósito de salvar-lhes as almas, através do restabelecimento da disciplina e do ensino do cristianismo, outros na tentativa de lhes garantir uma socialização e um conseqüente domínio das ciências letras e instrumentos de produção. Foi no início do século XVII que surgiram as primeiras preocupações com a educação das crianças pequenas. Essas preocupações foram resultantes do reconhecimento e valorização que elas passaram a ter no meio em que viviam. Mudanças significativas 1 - Professora do Departamento de Educação/CCHS, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. 2 ocorreram nas atitudes das famílias em relação às crianças que, inicialmente, eram educadas a partir de aprendizagens adquiridas junto aos adultos e, aos sete anos, a responsabilidade pela sua educação era atribuída a outra família que não a sua. Apesar de uma grande parcela da população infantil continuar sendo educada segundo as antigas práticas de aprendizagem, o surgimento do sentimento de infância2 provocou mudanças no quadro educacional. Começaram a surgir as primeiras preocupações com a educação das crianças pequenas. Campanella (1568-1639), em sua obra “Cidade do Sol”, criticou o ensino servil da gramática e da lógica aristotélica e ressaltou a importância das crianças aprenderem ciências, geografia, os costumes e as histórias pintadas nas paredes das cidades, “sem enfado, brincando”. Podemos constatar que Campanella já demonstrava uma preocupação com a educação da criança pequena e, desde então, podemos verificar, surgiram as primeira propostas educativas contemplando a educação da criança de 0 a 6 anos. · A Educação Infantil no Século. XVII Vários teóricos desenvolveram seus ideais sobre educação, incluindo aí a educação para a infância, influenciados por idéias de universalização dos conteúdos da instrução, seu caráter moderno e científico, a didática revolucionária, a articulação da instrução com o trabalho, a importância do trabalho agrícola, sempre marginalizado na reflexão dos filósofos e pedagogos (MANACORDA - 1989 : 218). Procuraremos rastreá- los enfatizando suas contribuições para o delineamento da educação da criança pequena. João Amós Comênio (1592 – 1657) é considerado como o maior educador e pedagogista do século XVII e um dos maiores da história. Foi em 1657 que Comênio apresentou à sociedade européia a sua “Didática Magna”, obra considerada como um dos mais brilhantes tratados educacionais que se tenha escrito até atualidade. Nela, Comênio enfatiza a importância da economia do tempo em seu capítulo XIX, “Bases para a rapidez do ensino, com economia de tempo e de fadiga”. Organizou a sua didática em quatro períodos considerando os anos de desenvolvimento, quais sejam: a infância, puerícia, adolescência e juventude, sendo que 2- De acordo com Philippe ARIÈS em a História Social da Infância e da Família, esse sentimento surgiu no século XVII, quando a sociedade passou a ter consciência da particularidade infantil, particularidade essa que 3 cada um desses períodos durava seis anos. Ao lermos o plano da escola materna, podemos constatar que ele foi elaborado atribuindo aos pais uma tarefa educativa de muita responsabilidade, pois cabia-lhes a responsabilidade pela educação da criança antes dos sete anos. Para Comênio: “Todos os ramos principais que uma árvore virá a ter, ela fá-los despontar do seu tronco, logo nos primeiros anos, de tal maneira que, depois apenas é necessário que eles cresçam e se desenvolvam.Do mesmo modo, todas as coisas, que queremos instruir um homem para utilidade de toda a vida, deverão ser-lhes plantadas logo nesta primeira escola”.3 Ao atribuir aos pais a tarefa pela educação da criança pequena, o que na época representava um grande avanço, pelo fato dos pais, até então, não terem essa responsabilidade, Comênio chamou a atenção para a importância desse período e suas repercussões na vida do ser humano. Sua contribuição ampliou-se ainda mais ao esboçar o que deve ser trabalhado nesse período: a Metafísica, ciências Físicas, óptica, astronomia, geografia, cronologia, história, aritmética, geometria, estática, artes mecânicas, dialéctica, gramática, retórica, poesia, música, economia doméstica, política, moral (ética),religião e da piedade. Como podemos perceber, não foram poucas as preocupações de Comênio em relação ao que a criança até 6 anos deveria aprender. Não podemos, porém deixar de ressaltar que o Plano da escola Materna, elaborado por Comênio, apresentou aspectos importantes que, até hoje, são essenciais no desenvolvimento de propostas educativas junto à criança. · A Educação infantil no século XVIII A busca por uma sistematização definitiva do saber levou o homem desse século a realizar novas tentativas de ação para transmitir às crianças, a “moderna instrução”. Carregada, segundo MANACORDA (1989 : 227), de um conteúdo ‘real’ e ‘mecânico’, isto é, científico-técnico em vista de atividades trabalhistas ligadas às mudanças que vinham acontecendo nos modos de produção. distingue essencialmente a criança do adulto. p. 156. 3- COMÊNIO. A Didática Magna. p. 415. 4 A revolução burguesa introduziu a necessidade de elaboração de novos métodos educacionais, adequados à nova ordem social e “sob a forma oblíqua do deísmo, primeiro, e depois sob a forma mais crua do ceticismo, a burguesia se esforçou por expulsar a igreja dos seus últimos redutos”(PONCE - 1989 : 129). É nesse contexto que destacamos as contribuições de Jean Jacques Rousseau (1712-1772), no delineamento da educação da criança pequena de sua época. Considerado como uma das personalidades mais destacadas da história da pedagogia, apesar de não ter sido propriamente um educador. Todavia, suas idéias muito influenciaram na educação da modernidade. Foi ele quem centralizou a questão da infância na educação, evidenciando a necessidade de não mais considerar a criança como um homem pequeno, mas que ela vive em um mundo próprio cabendo ao adulto compreendê-la. Ao ressaltar esse aspecto, direciona a discussão para o reconhecimento da necessidade de se enxergar a infância com um período distinto, que apresenta características peculiares, as quais precisam ser estudas e respeitadas. Rousseau chamou nossa atenção para esse aspecto ao afirmar: “Procuram sempre o homem no menino, sem cuidar no que ele é antes de ser homem. Cumpre, pois, estudar o menino. “Não se conhece a infância; com as falsas idéias que se tem dela, quanto mais longe vão mais se extraviam”. A infância, tem maneiras de ver, de pensar, de sentir, que lhes são próprias”.4 Suas concepções sobre educação podem ser localizadas em grande parte no seu livro “Emílio” publicado em 1762. Nessa obra, Rousseau estruturou a educação em cinco partes, de acordo com as diferentes fases á serem vividas por Emílio (aluno imáginário), desde o seu nascimento até a idade de 25 anos. Os dois primeiros livros do ‘Emílio’5 foram dedicados à infância. No “Livro primeiro: Do Nascimento aos dois anos, ele ressaltou a importância da valorização da infância, seu desenvolvimento e suas especificidades. O “livro segundo”: Dos 2 anos aos 12 anos é apresentado como sendo a idade da natureza, onde ele aborda questões como o começo da fala da criança, liberdade ligada a sofrimento, a educação na infância, o homem 4- Apud Lorenzo LUZURIAGA. História da educação e da pedagogia . p. 166. 5 livre, as atitudes do educador, as virtudes e a imitação, ação e pensamento e muitos outros temas. Enfim, Rousseau demonstrou, nessa obra, toda sua preocupação com a infância e considerava-a marcada pela vulnerabilidade, pois naquela época esse período apresentava grandes riscos à sobrevivência das crianças. Para ele esse fato não poderia servir como pretexto na limitação da educação que se impunha a elas, a educação deveria estar vinculada à própria vida da criança e deveria, em cada fase do desenvolvimento, propiciar- lhe condições de vivê-la o mais intensamente possível. Ainda no Século XVIII, no auge da Revolução Francesa6, destacamos a figura de Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), considerado o “educador da humanidade”. Influenciado por Rousseau, preocupou-se com a formação do homem natural, contrariamente ao seu antecessor, buscou unir esse homem à sua realidade histórica. O sistema pedagógico de Pestalozzi tinha como pressuposto básico propiciar à infância a aquisição dos primeiros elementos do saber, de forma natural e intuitiva. Foi considerado um dos precursores da educação nova7 que ressaltou a importância de se psicologizar a educação e defini-la em função das necessidades de crescimento e desenvolvimento da criança. Há que se destacar, também, que seu projeto educativo tinha a “intuição” como fundamento básico para se atingir o conhecimento. Assim sendo, a educação se fundamenta na “arte de conduzir as crianças de intuições superficiais e fragmentárias a intuições sempre mais claras e distintas”. Apesar de tê-lo situado no Século XVIII, é importante destacar que suas contribuições foram de grande valia para a estruturação do pensamento educacional do século XIX. MANACORDA (1989 : 261) afirmou que “Seu exemplo concreto e suas intuições de psicologia infantil e didática constituíram um dos pontos de partida de toda a nova pedagogia e de todo o novo engajamento educativo dos Oitocentos”. 5- Jean Jacques ROUSSEAU. Emílio ou da Educação .1979. 6 - A Revolução Francesa foi um movimento que ocorreu em 1789, outorgando o poder político à burguesia com a destruição dos fundamentos da sociedade feudal, gerou profundas mudanças na vida social, todavia, juntamente com a Revolução Industrial (meados do Séc. XVIII), trouxe crises e desordens para a organização da sociedade. 7 - Podemos caracterizar o escolanovismo como um movimento que propunha uma renovação da prática pedagógica, em conseqüência da mudança da mentalidade social a respeito da educação. Com tal movimento deslocou-se a figura central do processo educativo do professor para o aluno, dando maior ênfase ao ato de aprender do que para o ato de ensinar. 6 A educação infantil no século XIX No século XIX destacamos a figura de Friedrich Fröebel (1782 – 1852), educador protestante alemão que desenvolveu suas teorias arraigadas em pressupostos idealistas inspiradas no amor à criança e à natureza. Foi notadamente reconhecido pela criação dos “Kindergartens” (jardins de infância), nos quais destacava ser importante cultivar as almas infantis e para isso o fundamental era a atividade infantil. Considerado como o clássico da primeira infância, Fröebel fez suas primeiras incursões no campo educativo, dando aula em uma escola que fundamentava seu trabalho nas idéias de Pestalozzi. Posteriormente, organizou suas idéias educacionais em vários livros. Essas idéias tiveram uma aplicação prática na primeira infância, mas considerava-se que elas se estendiam a todos os níveis educacionais pois, para ele o conhecimento se dá o: “Exteriorizaro interior, interiorizar o exterior, unificar ambos, esta é a fórmula geral do homem. Por isso, os objetos exteriores excitam o homem para que os conheça, em sua essência e em suas relações; para ele o homem está dotado de sentidos, isto é, de instrumentos com os quais possa interiorizar as coisas que o rodeiam. Mas nenhuma coisa pode ser mais conhecida quando são comparadas com os seus opostos e se encontram as suas semelhanças, o ponto de união/intersecção. Tanto mais perfeito será o conhecimento de um objeto, quanto melhor se realiza a comparação com o seu oposto e a unificação dos dois”.8 Concomitantemente às suas produções teóricas, Fröebel concretizou o seu projeto educativo com a criação do chamado Kindergarten (Jardim de infância), em 1837, em Blankenburg, na Alemanha. Desde então, todos os estabelecimentos criados para crianças pequenas passaram a receber essa denominação. Segundo RICHTER, Fröebel é, ao mesmo tempo, o máximo teórico do jogo e o seu mais ilustre realizador prático. Ao compreender o aspecto educativo do brinquedo ou das atividades lúdicas, Fröebel enfatizou seu papel ativo no processo de desenvolvimento na infância, isto é, destacou a auto- atividade como o caminho mais viável para determinação de um processo educacional. 8 - Tradução feita pela Profª. Elina Souza. 7 A educação Infantil no século XX Foi no final do Século XIX e no decorrer do Século XX, que aconteceram, na Europa e nos Estados Unidos da América, mudanças significativas no campo educacional. As escolas laicas marcaram a ruptura do domínio da Igreja sobre a educação, reafirmando a hegemonia da burguesia liberal. Um grande movimento de renovação pedagógica denominado “movimento das escolas novas”, também, aconteceu nesse período. Pode-se dizer que esse movimento foi resultante de toda uma mudança que já estava ocorrendo no processo produtivo, conseqüentemente, gerando mudanças sociais. Essas, por sua vez, exigiam a criação de um novo sistema de instrução. Nesse contexto destacamos Ovide Decroly (1871 – 1932) que, inicialmente, desenvolveu suas atividades educativas junto a crianças anormais (1901). Sua proposta de trabalho estava alicerçada nas atividades individual e coletiva da criança, sustentadas em princípios da psicologia. Inicialmente, suas experiências foram concretizadas em sua própria residência, onde pode observar, diretamente, o desenvolvimento infantil. Num momento posterior (1907), resolveu desenvolver sua proposta educativa junto às crianças normais, criando uma escola em Bruxelas, “L’ermitage”9 . O trabalho desenvolvido por ele nessa escola, serviu para que as autoridades belgas oficializassem-no nas escolas públicas. Sua preocupação, ao expor sua proposta, era a de substituir o ensino formalista, baseado no estudo dos tradicionais livros de textos, por uma educação voltada para os interesses e necessidades das crianças. O “Sistema Decroly” está baseado em fins e em princípios para uma nova escola, que supere a escola tradicional. Considerando a finalidade de seu sistema, podemos afirmar que ele organizou o mesmo com vistas a superar as deficiências do sistema educativo que vigorava na época, criando novas possibilidades educativas. Ao propor o seu programa, Decroly definiu suas características e quais domínios de conhecimento deveria atingir. Preocupamo-nos em resgatá-los porque eles nos dão a dimensão e a referência do movimento do ato de ensinar e do de aprender. 9 - Essa expressão francesa é, em português, traduzida por eremitério, sítio afastado, casa de campo solitária. 8 Em conseqüência, concluiu que o que mais interessa ser conhecido pela criança é, em primeiro lugar, ela mesma, para depois conhecer o meio em que vive. Foi em função dessas conclusões e das características e domínios, acima citados, que apresentou seu programa de idéias associadas, concebido da seguinte maneira: 1. a criança e suas necessidades; 2. A criança e seu meio. Ao apresentar esse programa, Decroly preocupou-se com a forma como ele deveria ser abordado. Partia do princípio de que a melhor alternativa para abordá-lo seria fazer uso da “globalização”. Essa globalização, a seu ver, só seria possível, se houvesse uma mudança na dinâmica do trabalho escolar e, para isso, propôs que o ensino fosse desenvolvido a partir dos “Centros de interesse”. Partir do interesse da criança significa respeitar o seu desenvolvimento e suas necessidades, é desenvolver uma proposta educativa que considere o seu universo real e respeite seus desejos. A dinâmica desse trabalho vai exigir, segundo Decroly, novas estratégias que levem as crianças a realizarem plenamente suas atividades. Para isso deveriam fazer uso da “observação, associação e da expressão”. A sistematização desses estudos leva-nos a constatar, mais uma vez, a atualidade do pensamento de Decroly, estimulando-nos a buscar, cada vez mais, um aprofundamento sobre suas contribuições para que possamos difundir a riqueza de seu pensamento. John Dewey (1859 – 1952) denominado como o máximo teórico da escola ativa e progressista foi considerado um dos mais importantes teóricos da educação americana e, por que não dizer, da educação contemporânea. Em sua abordagem sobre educação considerava que o método científico deveria subsidiar o trabalho em sala de aula, de tal maneira que o conhecimento fosse trabalhado de forma experimental, socialmente, desde a infância, com o intuito de torná-la um bem comum. Partia do princípio de que o caminho mais viável para o aprender é o fazer, isso significou, superar aquela visão de que cabia ao professor a responsabilidade integral pelo conhecimento a ser adquirido pelo aluno. Para Dewey, ao definir os objetivos, o professor poderá dimensionar um plano de ação e, conseqüentemente, os recursos disponíveis, condições, meios e obstáculos para sua exeqüibilidade. Um dos pontos culminantes das contribuições de Dewey pode ser hoje encontrado em um grande número de escolas infantis, trata-se do “método de projetos”. Sua 9 gênese pode ser encontrada numa escola experimental, da Universidade de Chicago, assumida por Dewey em 1896, onde o que se desejava com a mudança de procedimentos didáticos era elaborar uma nova teoria experimental, através da qual melhor se definisse o papel dos impulsos de ação. Partia-se do princípio de que: “O que se deve desejar nos educandos – escreve Dewey – é o inteligente desempenho de atividades com intenções definidas ou integradas por propósitos pessoais”. Com isso é que se forma e se eleva, grau a grau, a experiência humana em conjuntos de maior sentido e significação e, assim, mais eficientes na direção das atividades. Bom ensino só se dará quando os alunos, sob conveniente direção, possam mover-se por intenções que liguem suas impulsões e desejos a propósitos definidos, ideais e valores”.10 Na realidade, o que vimos foi o desencadeamento de novos modelos didáticos e, desde esse período, o “sistema de projetos” foi aperfeiçoado por vários discípulos de Dewey, dentre os quais destacamos William Heard Kilpatrik. Ainda nesse século, em um universo basicamente masculino, destacamos a figura feminina de Maria Montessori (1870 – 1952). O que mais nos chamou a atenção foi o fato de que foram os homens que começaram a se preocupar com a educação infantil, uma tarefa atribuída, quase que exclusivamente, à mulher. Vale destacar que dos dez teóricos arrolados, somente um, Maria Montessori, é mulher. É considerada, uma das mais importantes representantes dessa mudança radical que se dá na escola com relação a concepção de ensino e aprendizagem. Na perspectiva de fundamentar, teoricamente, suas idéias, Montessori aprofundou seus estudos em filosofia epsicologia, matriculando-se, novamente, na Universidade de Roma. Seu envolvimento com a educação da criança pequena data de 1907, quando fundou em Roma a primeira “Casa dei Bambini”, para abrigar, aproximadamente, cincoenta crianças normais carentes, filhas de desempregados. Nessa casa-escola, Montessori realizou várias experiências que deram sustentação a seu método, fundamentado numa concepção biológica de crescimento e desenvolvimento. Por ser médica preocupou-se com o biológico, contudo, não deixou de lado, em seu método, o aspecto psicológico bem como o social. Montessori, ao referir a seu próprio método enfatiza: 10 “Se abolíssemos não só o nome, mas também o conceito comum de método para substituí-lo por uma outra indicação, se falássemos de “uma ajuda a fim de que a personalidade humana pudesse conquistar sua independência, de um meio para libertá-la das opressões, dos preconceitos antigos sobre a educação”, então, tudo se tornaria claro. É a personalidade humana e não um método de educação que vamos considerar, é a defesa da criança, o reconhecimento científico de sua natureza, a proclamação social de seus direitos que devem substituir os falhos modos de conceber a educação”.11 À primeira vista poderíamos afirmar que Celestin Freinet (1896 – 1966) nada tem a ver com a educação infantil, que sua preocupação maior estava voltada para a renovação do ensino primário público. Entretanto, à medida em que lemos suas obras, vamos constatando que suas preocupações podem ser direcionadas à educação das crianças pequenas. Freinet foi considerado um educador revolucionário, o cultivo na educação do aspecto social foi um dos grandes feitos desse educador francês. Suas técnicas (texto impresso, a correspondência escolar, texto livre, a livre expressão, o aula-passeio, o livro da vida) faziam sentido num contexto de atividades significativas, que possibilitassem às crianças sentirem-se sujeitos do processo pessoal de aquisição de conhecimentos. Freinet entendia que o dinamismo, a ação é que estimulavam as crianças a buscar esse conhecimento, multiplicando seus esforços em busca de uma satisfação interior. Poderíamos, aqui, evidenciar vários outros pontos da pedagogia de Freinet, mas, como falamos inicialmente, nosso propósito é o de suscitar a importância desses estudos e aprofundamentos, na formação e exercício profissional do professor e despertar sua curiosidade e compromisso em busca de um aprofundamento maior. A complexidade e a extensão da obra de Jean Piaget (1896 – 1980) levou-nos a optar por evidenciar aspectos que estão mais diretamente ligados à educação, numa perspectiva de ensaio. Criador, como sabemos, de uma epistemologia, “a epistemologia genética12, sempre esteve preocupado em investigar como se dava a construção do conhecimento no campo social, afetivo, biofisiológico e cognitivo, mais especificamente, 10 - Lourenço FILHO. Introdução ao estudo da escola nova, p. 199-200. 11 - Maria Montessori. Formação do homem. p. 12. 12 - O objetivo primordial de Piaget era o de solucionar a questão do conhecimento. (...) Para ele, o termo conhecer tem sentido claro: organizar, estruturar e explicar, porém, a partir do vivido (do experienciado). Zélia RAMOZZI-CHIAROTTINO. Psicologia e epistemologia genética de Jean Piaget. p. 3. 11 qual é a sua gênese, seus instrumentos de apropriação e, em como se constituem, sendo as crianças o seu objeto de investigação, para a construção de seu conhecimento científico. Quanto à aplicabilidade de sua teoria no campo pedagógico, é fundamental reafirmar que esse não foi seu objetivo, seu interesse voltava-se para o campo epistemológico O próprio Piaget adverte: “Estou convencido de que os nossos trabalhos podem prestar serviços à educação, na medida em que vão além de uma teoria do aprendizado e permitem vislumbrar outros métodos de aquisição de conhecimentos. Isso é essencial. Mas como não sou pedagogo, não posso dar nenhum conselho aos educadores. A única coisa que posso fazer é fornecer fatos. Além do mais, considero que os educadores estão em condições de encontrar por si mesmos novos métodos pedagógicos”.13 Partindo, portanto, dessas investigações é que Piaget, elaborou a sua “epistemologia genética” com o intuito de: “Construir um método capaz de oferecer os controles e, sobretudo, de retornar às fontes, portanto à gênese mesmo dos conhecimentos de que a epistemologia tradicional apenas conhece os estados superiores, isto é, certas resultantes. O que se propõe à epistemologia genética é pois [por] a descoberto as raízes das diversas variedades de conhecimento, desde as suas formas mais elementares e seguir sua evolução até os níveis seguintes, até, inclusive, o pensamento científico”.14 Tratou-se, pois, de constatar, experimentalmente, como se processa a aquisição do conhecimento, evidenciando que esses conhecimentos são mutáveis ao longo de todas as fases da vida humana. Constatamos que para a realização de tal feito, Piaget desenvolveu longos estudos e pesquisas nos mais diversos campos do saber. Somente um estudo exaustivo de suas obras nos permitiria dominar a gama de contribuições, por ele deixadas, para que compreendamos suas concepções a respeito da gênese e desenvolvimento do conhecimento infantil. Por certo, poderíamos destacar, nas obras de Piaget, vários aspectos relevantes para a educação infantil, dentre eles a construção do real, a construção das noções de tempo e espaço, a gênese das operações lógicas. Nosso objetivo foi o de chamar a atenção sobre a 13 - Délia LERNER. O ensino e o aprendizado escolar: argumentos contra uma falsa oposição. p. 87. 14 - Jean PIAGET. A epistemologia genética. p. 3. 12 importância das contribuições por ele deixadas, e que hoje se fazem presentes em muitas propostas educativas, mas que, a nosso ver precisam ser aprofundadas. A preocupação com o desenvolvimento cultural da humanidade, levou Lev Semenovich Vygotsky (1896 – 1934) a envolver-se com a infância, através de alguns estudos que lhe permitissem compreender o comportamento humano, justificou que “a necessidade do estudo da criança reside no fato de ela estar no centro da pré-história do desenvolvimento cultural devido ao surgimento do uso de instrumentos da fala”.15 Para isso dedicou-se ao estudo da “pedologia” – ciência da criança, voltada para o estudo do desenvolvimento humano, articulando os aspectos psicológicos, antropológicos e biológicos. O caminho trilhado por Vygotsky baseou-se sempre nas contribuições de Marx, buscando sempre compreender o homem em processos constantes de interação social. Vale ressaltar que o interesse por questões educacionais, diferentemente de Piaget, sempre esteve presente em sua obra, sendo considerado por muitos, como que responsável pela elaboração de uma teoria de educação, enquanto atividade sócio-historicamente determinada. Suas preocupações foram direcionadas para o entendimento das origens sociais e das bases culturais do desenvolvimento individual, tendo como pressuposto fundamental que “tais processos psicológicos superiores se desenvolvem nas crianças por meio da imersão cultural nas práticas das sociedades, pela aquisição dos símbolos e instrumentos tecnológicos da sociedade e pela educação em todas as suas formas”.16 Os postulados básicos da teoria de Vygotsky dão destaque à mudança em quatro níveis históricos – filogênico (desenvolvimento das espécies), histórico (história dos seres humanos), ontogênico(história individual das crianças e microgenético (desenvolvimento de processos psicológicos particulares) – para que uma teoria do desenvolvimentohumano seja elaborada consistentemente. Esses níveis foram considerados por ele e seus colaboradores, na proposição de suas teorias, na escola sócio- histórica. Aplicá-los ao problema do desenvolvimento cognitivo e da escolarização formal, permite-nos compreendê-los de forma mais aprofundada. 15 - Teresa Cristina REGO. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação, p. 25. 16 - Luis C. MOLL. Vygotsky e a educação, p. 3. 13 Há que se destacar, também, para o entendimento de sua teoria, no que se refere à relação entre desenvolvimento e aprendizagem, a contribuição deixada a respeito da “zona de desenvolvimento proximal”. Para Vygotsky desenvolvimento e aprendizagem são processos interativos, no entanto, cabe ao processo de aprendizagem, realizado em um contexto social específico, possibilitar o processo de desenvolvimento, “o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam”.17 Breves considerações: Nossa proposição inicial de fazer uma abordagem histórica sobre os principais teóricos que trouxeram contribuições para a educação infantil poderia, em muito, ser ampliada mas, as limitações impostas pela proporção de nosso trabalho impediu-nos de arrolar outros teóricos, também, importantes. Cabe, portanto, aos professores alicerçarem- se em pressupostos teóricos que lhes permitam adquirir referenciais que subsidiem-lhes na construção do seu fazer pedagógico. As experiências vividas levam-nos a inferir que, tanto os professores da rede pública quanto os da rede privada enfrentam dificuldades semelhantes no seu fazer diário e convivem com as mesmas inseguranças quanto ao uso dos referenciais teóricos. Sugerimos que os cursos de formação de professores promovam o desenvolvimento de estudos mais aprofundados que permitam aos alunos realizarem discussões e análise crítica das diversas concepções teóricas, discutindo posições epistemológicas, realizando contraposições entre seus pensadores, compreendendo quais as suas reais intenções no campo do conhecimento. Ao oportunizarmos uma formação de qualidade aos professores, estaremos subsidiando-lhes na construção de suas práticas, tendo consciência das opções teórico- práticas que fazem, participando ativamente de um processo histórico social e, assim, libertando-se das amarras impostas pelas inseguranças originárias do desconhecimento de seu objeto de trabalho – A INFÂNCIA. 17 - Lev. S. VYGOTSKY. A formação social da mente, p. 99. 14 Nossa intenção é a de destacar o legado histórico que permeia as práticas pedagógicas, com a convicção, cada vez maior, de que precisamos oportunizar uma fundamentação teórica aos professores, nos seus processos de formação profissional. REFERÊNCIAS ARIÈS, Philippe. História social da infância e da família. Rio de Janeiro: Guanabara. 1981. CAPANELLA, Tommaso. A cidade do sol. In; Os Pensadores XII. São Paulo: Abril Cultural, 1973. CERIZARA, Ana Beatriz. Rousseau: a educação na infância, São Paulo: Scipione, 1990. FREINET, Elise. O Itinerário de Celestin Freinet: a livre expressão na pedagogia Freinet, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979. COMENIOS, João Amós. Didatica Magna. Lisboa: Fundação Calouste Gulberkian, 1985. LENER, Délia. O ensino e o aprendizado escolar: argumentos contra uma falsa oposição. In: Piaget, Vygotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo: Ática, 1995. LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. 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