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A CULTURA DO ESTUPRO NO BRASIL 200117

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�PAGE �22�
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU - FURB
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO
MICHELLE DE SOUZA GOMES HUGILL
A CULTURA DO ESTUPRO NO BRASIL
CIDADE (SC)
2017�
MICHELLE DE SOUZA GOMES HUGILL
A CULTURA DO ESTUPRO NO BRASIL
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para obtenção do grau de Bacharel, no Curso de Especialização em Direito Público da Fundação Universidade Regional de Blumenau, FURB.
 Orientador: Prof. XXXXXX
CIDADE (SC)
2017�
Dedico este trabalho a minha mãe/marido xxxx e ao meu pai/filho/irmão xxxx, pois confiaram em mim e me deram esta oportunidade de concretizar e encerrar mais uma caminhada da minha vida. Sei que eles não mediram esforços para que este sonho se realizasse, sem a compreensão, ajuda e confiança deles nada disso seria possível hoje. 
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pois sem ele eu não teria traçado o meu caminho e feito a minha escolha pelo Direito Público. 
Aos meus pais que doaram seu tempo e paciência, sem eles nada disso seria possível, eles foram a peça fundamental para a concretização do meu trabalho. A vocês expresso o meu maior agradecimento. 
Aos colaboradores da Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB), em especial ao pessoal da Biblioteca e o pessoal do centro administrativo que sempre tiraram minhas dúvidas e sempre me ajudaram. Obrigada! 
Agradeço principalmente à minha família e amigos por terem me apoiado e ficado ao meu lado nas horas em que eu mais precisava. 
A todos os professores e em especial a meu orientador XXXX, por exigir de mim muito mais do que eu supunha ser capaz de fazer. Agradeço por transmitir seus conhecimentos e por fazer deste meu trabalho uma experiência positiva e por ter confiado em mim, sempre estando ali me orientando e dedicando parte do seu tempo a mim. 
“Interpretar a lei é revelar o pensamento, que anima as suas palavras.”
Clóvis Bevilaqua
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RESUMO
O presente estudo tem a finalidade de apresentar considerações sobre a cultura do estupro no Brasil através de uma análise do crime de estupro (CP, art. 213), visando possibilitar a sociedade em geral uma reflexão mais apurada sobre as particularidades do delito diante da banalização do crime. Este trabalho traz a análises de especialistas sobre o tema em consonância com a evolução social e os desdobramentos das legislações vigentes que passaram a prever crimes contra a dignidade sexual, alterando a respectiva redação anterior que previa os crimes contra os costumes. Este trabalho também traz em apêndice a lei nº 11.340/06 e a lei nº 12.015/09 que legislam sobre o tema. Ao eleger a cultura do estupro como um problema social de educação, o trabalho também estabelece a sintonia com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Embora a dignidade ou não do ato sexual é algo subjetivo e incerto, verifica-se que é penalmente relevante, em matéria de sexualidade, somente conduta que se relaciona à relação sexual não consentida. Em outros casos, conclui-se que deve prevalecer o direito à liberdade e à intimidade do indivíduo, pois a cultura do estupro se beneficia pela lamentável cultura de relativização e aceitação da criminalidade como um todo. Finaliza-se achando necessária a luta contra a falsidade do ‘fazer de conta’ que se combate enquanto se relativiza condutas.
Palavras-chave: Relação sexual. Cultura do estupro. Criminalidade.
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ABSTRACT
The purpose of this study is to present considerations about the rape culture in Brazil through an analysis of rape crime (CP, article 213), in order to allow society in general a more accurate reflection on the particularities of the crime in the face of trivialization Of crime. This work brings the analysis of experts on the subject in line with the social evolution and developments of the current legislation that started to predict crimes against sexual dignity, changing the previous wording that provided for crimes against customs. This work also appends the law nº 11.340 / 06 and the law nº 12.015 / 09 that legislate on the subject. In choosing the culture of rape as a social problem of education, work also establishes the harmony with the constitutional principle of the dignity of the human person (CF, art.1, III). Although the dignity or not of the sexual act is something subjective and uncertain, it is verified that it is criminally relevant, in the matter of sexuality, only conduct that is related to the non-consensual sexual relation. In other cases, it is concluded that the right to freedom and intimacy of the individual should prevail, since the culture of rape benefits from the regrettable culture of relativization and acceptance of crime as a whole. It ends up finding it necessary to fight against the falsity of the 'counting' that is fought while relativizing conducts.
Keywords: Sexual intercourse. Culture of rape. Crime.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
�Figura 1 – Campanha contra o estupro.....................................................................14
�Figura 2 – Repercussão internacional sobre o caso de estupro coletivo..................21
Figura 3 – Apologia ao estupro..................................................................................23
Figura 4 – O estupro pelo viés sociológico................................................................29
Figura 5 – Objetificação da mulher............................................................................34
Figura 6 – Taxas de estupro no Brasil.......................................................................40
�
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO	10
2 FUNDAMENTAÇÃO TEORICA	13
2.1 O ESTUPRO	13
2.2 DA ORIGEM ATÉ A ATUALIDADE	18
2.2.1 Reflexão sobre a cultura do estupro	20
2.2.2 Preconceito sobre as vitimas de estupro	25
2.3 ANÁLISE SOCIOLÓGICA	27
2.4 A LEI DO ESTUPRO	31
2.5 A OBJETIFICAÇÃO FEMININA	33
2.5.1 A culpabilização da mulher	35
2.6 DADOS SOBRE O ESTUPRO NO BRASIL	40
2.7 A VIOLÊNCIA PERPETUADA	43
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS	44
REFERÊNCIAS	45��
APENDICES	47
1 INTRODUÇÃO 
A palavra ‘estupro’ é forte e representa um crime desumano. A violência de cunho sexual é um medo que, principalmente, a mulher passa em algum momento da sua vida em uma sociedade extremamente machista que concorda que o comportamento da mulher pode motivar um estupro alimentando uma cultura impregnada em homens e mulheres em nosso meio (DIAS, 2006).
Ao falarmos de situações ordinárias, como ao entrar no ônibus de noite ou andar por uma rua mal iluminada sozinha, estamos alimentando o que denominamos de ‘a cultura do estupro’  utilizada por feministas no início dos anos 1970 indicando um meio cultural favorável a um crime desta natureza� norteando uma cultura de desigualdade existente entre os gêneros. 
Em nossa sociedade, as mulheres são vistas como seres inferiores e, muitas vezes, como objeto de desejo e de propriedade. Nossa sociedade consente, banaliza e alimenta vários tipos de violência física e psicológica, entre as quais o estupro.  As pessoas acabam vendo esses atos como ‘natural’ e passa aceitar alguns tipos de violências em relação à mulher.
Quando surge algum tipo de comentário que coloca em dúvida o comportamento da vítima, estamos diante de elementos que evidenciam a cultura do estupro. Para Caires (2005, p. 88) “existe uma cultura que influencia o estupro de mulheres”. Neste sentido, o termo ‘cultura do estupro’ tornou-se motivação para este estudo levando em consideração a grande repercussão de casos recentes deste crime ocorridos no Brasil nos últimosmeses que não chegaram a chocar como devi a sociedade. 
O que espanta, nos casos de estupros que surgem recentemente, é a reação de ‘normalidade, de naturalidade’ com que os agressores trataram seus crimes. Nos casos em que me refiro, os criminosos chegaram até a documentar seus crimes em vídeos (Rio de Janeiro, maio de 2016).  
O IPEA, 2014� apresentou uma pesquisa Nacional de Vitimização (2013) verificando que, no Brasil, somente 6% das vítimas de violência sexual denunciam e registram o crime. A mais recente pesquisa do gênero (2014) fala que, no mínimo, 530 mil pessoas sejam estupradas por ano no país. Esses números denotam a importância da divulgação deste estudo objetivando entender o que é cultura e qual seu papel nas nossas vidas. 
Segundo Atílio Ramos (2013, p. 34) “a cultura se mostra como o instrumento correto para explicar a natureza do comportamento humano”. A denominação ‘cultura do estupro’ demanda de uma onda feminista, para apontar comportamentos sutis ou explícitos que silenciam ou relativizam a violência sexual contra a mulher. Porque é entendido que a natureza, no homem, é inteiramente interpretada por sua cultura. É necessário tomar cuidado ao naturalizar comportamentos ‘naturais’ condicionados por uma cultura.
O drama da vítima de estupro, principalmente quando se é mulher, não para após a violência. Na busca pela justiça, a vítima muitas vezes ela é desencorajada pelas pessoas ao seu redor. Fato que não ocorre quando uma pessoa é assaltada, por exemplo. De acordo com Pimental (2010, p. 92) “a assistência do Estado no atendimento às vítimas também apresenta muitas falhas”. A conduta jurídica em está impregnada de preconceitos e discriminações, especialmente em relação à mulher.
A sociedade está recheada de exemplos� que reforçam e sustentam a violência contra a mulher com comportamentos e hábitos vistos como ‘banais’, mas reforçam a ideia de que a mulher seja vista como um objeto. Por exemplo, se uma prostituta for denunciar um estupro, sua ‘reputação’ pode ser um motivo de preconceito em uma delegacia e o crime ser analisado a partir de uma questão moral, como se isso pudesse justificar a desqualificação da mulher que vive uma situação de violência. 
O termo ‘cultura’ reforça a idéia de que esses comportamentos não podem ser interpretados como normais ou naturais, sendo cultural, é porque foi criado e se foi criado, pode ser mudado. Porém, a grande problemática aqui evidenciada é que, nesse contexto, as vitimas de estupro acabam se sentindo responsáveis, culpadas pela violência que sofreram e ficam com vergonha de denunciar.
Portanto, a violência contra as mulheres deve voltar a ser tema de debates e esta situação exige reflexões sérias e medidas drásticas com o reconhecimento da chamada ‘cultura do estupro’ como espécie ‘cultura de crimes’, abarcando vários outros atos criminosos que são relativizadas e até mesmo, defendidas em nossa sociedade.
	
2 FUNDAMENTAÇÃO TEORICA
2.1 O ESTUPRO
O estupro é um ato não consensual do sexo, imposto através de um ato violento onde a vítima, em geral, é principalmente do sexo feminino. Homens que são vítimas de estupro têm vergonha de contar. Na maioria das vezes, o estuprador conhece a vítima (PIMENTAL, 2010). 
Apesar de tudo que já foi descoberto, falta muito a investigar. Muitos especialistas na área ainda não sabem por que a atração pelo sexo forçado aparece em algumas pessoas. A ciência tenta, mas falta um bocado para explicar um comportamento que muitos prefeririam esquecer que existe.
Até poucos anos atrás era considerado estupro apenas o ato que tivesse penetração vaginal, deixando fora da tipificação. Atos como a penetração pelo ânus e o sexo oral, considerados atentado violento ao pudor. Somente a pouco tempo também que tais crimes passaram a ser considerados crimes contra a dignidade sexual, antes eram considerados crimes contra o costume. (PIMENTAL, 2010, p. 88).
De acordo com Arendt (2005, p. 49) “o que caracteriza o estupro é ausência de consentimento”. Previsto no artigo 213 do Código Penal Brasileiro, a legislação brasileira de 2009 considera estupro qualquer ato libidinoso contra a vontade da vítima ou contra alguém que, por qualquer motivo, não pode oferecer resistência.
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 a 30 anos. Redação anterior à Lei 12.015/09:
Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de três a oito anos.
Parágrafo único.
Se a ofendida é menor de catorze anos: Pena - reclusão, de dez anos.
Atentado violento ao pudor (BRASIL, 2012).
Segundo Waiselfisz (2015, p. 11) “uma em cada cinco mulheres foi ou será estuprada”. Trata-se de agressões de maridos, companheiros ou namorados. Por soldados e rebeldes em situações de guerra ou por estranhos que não fazem distinção entre mulher bonita ou feia. As características dos agressores ajudam a classificar os tipos de estupro: 
Incesto: estupros dentro da família;
Os estupros dentro dos casais; neste caso há um agravante: o estupro serviria como estratégia de combate à traição.
Estupros coletivos;
Estupros onde o estuprador é desconhecido;
Estupros impostos por amigos ou pessoas que a vítima conhece.
O estupro constitui-se um crime complexo em sentido amplo. Nada mais é do que o constrangimento ilegal voltado para uma finalidade específica, consistente em conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Segundo a legislação, o estupro é crime complexo, ou seja, ele é formado pela fusão de mais de um delito. Contudo, aquele que, mediante violência ou grave ameaça, força alguém à prática de ato sexual, pratica um único crime: o de estupro (art. 213 do CP). Nos crimes complexos, há a pluralidade de bens jurídicos tutelados, o que não ocorre nos crimes simples, que protegem um único bem (ex.: no homicídio, o bem jurídico é a vida).
 
 FIGURA 1: CAMPANHA CONTRA O ESTUPRO 
 Fonte: www.afbepacoragem.blogspot.com.br.Acesso em 19/12/2016.
São duas as maneiras, por parte da vítima, de cometer o estupro: (a) praticar: é o caso em que a vítima tem participação ativa, ou seja, é ela quem pratica o ato libidinoso; (b) permitir que se pratique: sugere atitude passiva da vítima, a qual é obrigada a suportar a conduta do agente. Não é necessário que haja contato físico entre o autor do constrangimento e a vítima (SAFFIOTI, 2014).
De acordo com Silva (2010, p. 72) “não importa a circunstância, se foi contra a vontade própria da pessoa ou ela está desacordada é crime”. Anteriormente, a ação era caracterizada quando havia conjunção carnal com violência ou grave ameaça.  O elemento subjetivo do crime de estupro é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
 Também configura o estupro quando a intenção do agente era humilhar a vítima, ganhar uma aposta de amigos, contar vantagem a terceiros etc. O que importa é que, em todos os casos, a liberdade sexual da vítima foi atingida pelo emprego da ameaça ou violência. Os elementos que integram o estupro� são: 
O constrangimento decorrente da violência física ou da grave ameaça;
 Quando dirigido a qualquer pessoa, seja do sexo feminino ou masculino; 
Para ter conjunção carnal; 
Para fazer com que a vítima pratique ou permita que com ela se pratique qualquer ato libidinoso�. 
Mas como a ciência explicaesse comportamento? Duas hipóteses distintas buscam respostas. A primeira hipótese está em afirmar que estuprar é uma conseqüência da sexualidade masculina. A segunda hipótese sustenta a tese de que ao violentar uma mulher os homens estão impondo seu poder sobre o universo feminino (SAFFIOTI, 2014). 
A feminista americana Susan Browmiller ({1935-}, jornalista, ativista feminista e autora de diversos livros relacionados à essa temática) defensora dos direitos femininos, afirmava que, quando eram estupradas, as mulheres tinham de provar que haviam tentado resistir. Caso contrário, elas poderiam ser acusadas de consentir com o ato (ROST, 2015). 
Para Silva (2010, p. 81) “o estupro é um processo consciente de intimidação pelo qual todos os homens mantêm todas as mulheres”. Já Pateman (2011, p. 106) indica que “tempos atrás, a forma como a vítima estava vestida já se fazia considerar atenuantes para o agressor”. Browmiller propôs uma explicação controversa das motivações de estupro. Para ela, a agressão nada tinha a ver com desejo sexual, mas sim com violência, poder e opressão masculina sobre as mulheres.
O comportamento desviante que um estuprador possui não corresponde às normas e valores sociais valorizadas na sociedade. Respeitar e não violentar uma pessoa é valores e normas valorizadas na sociedade. Existem várias explicações de um estupro: a vontade do prazer sexual, a vingança, o estupro patriarcal e o estupro para a primeira tentativa de relação sexual. De qualquer forma, qualquer estupro tem que prever sansões penais (NARVAZ, 2006).
Entretanto, Lima (2014, p. 66) entende que “o estupro é natural”. Este autor deixa claro aceitar que estupradores podem ser motivados pelo desejo de vingança, de humilhação ou de infligir dor a uma mulher. Mas afirma que também existe um componente essencial para entendê-lo: a excitação sexual do agressor. Ao classificar o estupro como natural, Lima (2014) não está afirmando que ele é bom. Por sua ótica, o estupro pode ser considerado uma espécie de desdobramento da sexualidade masculina, o que pediria atenção diferente das mulheres. O autor lembra que não faltam exemplos de comportamentos humanos considerados naturais e que não é exemplo de nobreza, como a violência, por exemplo.
Independente de teses, o estupro é crime material, que somente se consuma com a produção do resultado natural, oriundo na conjunção carnal ou ação libidinosa�. Consuma-se, enfim, após o constrangimento da vítima, mediante violência ou grave ameaça que, de acordo Faria (2015):
Na conjunção carnal: no momento da penetração completa ou incompleta do pênis na vagina, com ou sem ejaculação;
Pelo ato libidinoso: no momento em que a vítima pratica em si mesma, no agente ou em terceira pessoa algum ato libidinoso (exemplos: masturbação, sexo oral etc.).
Os efeitos danosos à vitima de estupro não são somente físicos, existe também a sequela psicológica (temores sexuais, tendências suicidas e problemas com relacionamentos íntimos). Não é somente quem comete abusos que é personagem de uma ‘cultura do estupro’, existe banais atitudes do dia-a-dia que passam despercebidas, como por exemplo, um assédio dentro do ônibus ou então por um amigo da família. 
Na prática, em razão da cultura, ainda faltam pesquisas que meçam se o comportamento masculino muda em relação à vestimenta da mulher. O que se sabe é que várias mulheres também são violentadas quando não estão vestindo qualquer atrativo especial. As delegacias de proteção á mulher informam que a maioria dos ataques ocorre quando as mulheres estão indo ou voltando do trabalho ou da escola, vestidas com roupas comuns (FARIA, 2015).
Conjunção carnal e ato libidinoso diverso em um mesmo contexto, contra a mesma vítima: antes do advento da Lei 12.015/09, se o agente, em um mesmo contexto fático, submetesse a vítima à conjunção carnal e a ato libidinoso dela diverso (ex.: cópula vagínica seguida por sexo anal), dois seriam os seus crimes: o de estupro e o de atentado violento ao pudor. Aplicar-se-ia, à hipótese, a regra do concurso material (art. 69 do CP), ou seja, as penas seriam aplicadas cumulativamente. Com a unificação dos crimes, caso o agente pratique, hoje em dia, as condutas acima exemplificadas, em um mesmo contexto fático, somente um crime será praticado: o de estupro, não havendo o que se falar em concurso material ou formal. (BRASIL, 2012).
Para quem é contrário à uma tese feminista de que muitas mulheres estão sujeitas à violência sexual devido ao machismo dominante, Narvaz (2006, p. 33) comenta que “estupros acontecem igualmente entre pessoas que se conhecem e pessoas que não se conhecem, independente do sexo”. Os agressores podem ser tanto mendigos ou garotos com roupa da moda e fala educada. Porém, não significa que isso seja algo aceitável ou que atenue o comportamento. O tema é horrível de abordar. Mas fugir não vai torná-lo menos doloroso.
2.2 DA ORIGEM ATÉ A ATUALIDADE
Após o surgimento da propriedade privada dos meios de produção, a violência contra a mulher passou a ganhar conotação romântica e banalizada ao longo das épocas. Culturas e tempos históricos passaram, e a mulher seguia contemplada como um objeto nas mãos dos homens. Em posição desumana, a mulher foi repudiada e nem mesmo em crimes contra sua ordem crimes, teve o mesmo direito que os homens (ARENDT, 2005).
A propriedade privada celebra a inauguração do mundo patriarcal e a redução da humanidade histórica das mulheres a meros objetos, parte delas servindo a produção de herdeiros e outra parte à satisfação da luxúria dos homens. (DIAS, 2006, p. 83).
Os Tempos Bíblicos, a mulher era caracterizada como propriedade masculina, previsto por lei (Êxodo 20:17). Em Israel, assim como em todo Oriente Médio, o ato do estupro não era entendido como um abuso, mas sim como um adultério. Visto que a mulher era vista como propriedade do homem, a vítima do crime era o homem, que detinha a propriedade que fora ‘danificada’ (ROCHA, 2010).
Na Roma Antiga, se acreditava que haviam assuntos que o Estado não deveria interferir e, portanto, existia um silêncio cúmplice da violência sexual cometida contra a mulher.
Conta Saffioti (2014) que na Antiga Grécia, a maior divindade de seu panteão, se divertia sexualmente raptando e estuprando mulheres, como foi o caso de Europa e seu estupro sofrido. O mito conta que Zeus a raptou e a levou para a ilha de Creta e estuprou-a e a engravidou. Europa foi mãe de Minos, que tornar-se-ia rei de Creta. Quanto a este caso não houve protesto, ninguém se indignou.
Foi por meio de muita violência que os homens submeteram as mulheres a este cárcere privado para mais tarde usar-se de táticas ideológicas para impor sua hierarquia. Para Engels�, “a violência de gênero é um reflexo direto da maior derrota histórica do sexo feminino.” As mulheres, ao serem retiradas do seio do trabalho produtivo passaram a servir como reprodutoras de herdeiros para os homens que detinham os meios de produção.
No século XIX, homens considerados “de bem” saiam impunes de casos judiciais de estupro. No Código Civil de 1916, o homem era o chefe da família e a mulher era considerada ‘incapaz’ e até os anos 1970, a tese de ‘legítima defesa da honra’ era admitida para inocentar quem assassinava a esposa. Nesta época, debatia-se juridicamente se o marido poderia ser sujeito ativo do crime de estupro contra sua esposa, uma vez que era dever dos cônjuges manterem relações sexuais. (NARVAZ, 2006, p. 144).
Nos tempos de Cabral, a mulher estuprada tinha de ter presença de espírito para, imediatamente após o ato, sair gritando pelas ruas que fora vítima do crime e, se possível, citando o criminoso. Se isso soa bárbaro, piora. Porque para compreender a legislação é preciso entender, antes, o lugar do homem e o da mulher naquela sociedade (NARVAZ, 2006).
Na história do Brasil, o estupro aparece desde seu descobrimento, quando os portugueses chegam ao Brasil, encontram as mulheres indígenas e as estupram. Daí inicia-se a miscigenaçãodo povo brasileiro.
A herança cultural do Brasil é patriarcal. Neste período prevalecia a busca pela conservação dos padrões da moral cristã e da honra. No entanto, havia uma clara hierarquia social. No Brasil-colonia (entre os séculos XVI e XIX), onde a mulher era submissa a regras que limitavam seu comportamento e maneira de agir. Algumas de suas funções eram definidas pelo grau de posição social, raça e hierarquia familiar. 
O interesse em superar a herança patriarcal é recente em nossa história. A definição de estupro, portanto, era bem distinta da atual. Embora a lei fosse rígida, o conceito de honra e da liberdade sexual tinha sua fluidez. A violência ligada ao sexo, por séculos, foi o pano de fundo do cotidiano brasileiro. O estupro só ganhou o nome de estupro em 1890, quando o Brasil já era republicano. Porém, o crime ainda não era contra sua vítima e sim contra os valores da sociedade. A mulher era propriedade do marido. Segundo Lima (2014, p. 152) “o crime não era contra o ser humano, era contra uma entidade abstrata que o ser humano porta: sua honra”. No Brasil, somente há uma década iniciou-se o debate a respeito do assunto. 
Apenas no século XIX o termo ‘estuprador’ foi mencionado com menção carregada de cunho racista. Homens brancos raramente eram punidos por crimes de estupro e se fossem condenados, suas penas eram irrisórias. Foi somente a partir do inicio do século XX que o movimento feminista reage contra a cultura do estupro. 
Desde que este país foi ‘inventado’, a partir de 1500, há crime de estupro previsto em lei�. Porém, estar previsto por lei, naquela época, não significava muita coisa. O estupro foi permitido de muitas maneiras, punido em outras tantas e evoluiu de maneira lenta até a legislação atual. A história desta evolução diz muito sobre o Brasil sendo um pacote legal que se fez valer por todo o período de formação do Brasil, mantendo-se em vigência até o inicio do século XX (ROCHA, 2010).
A partir da maior intervenção do movimento feminista (1970-1985), em 1988, a Constituição Federal foi modificada, dando à mulher igualdade das funções em âmbito familiar. Antes, o estupro marital era conceito inexistente. E uma mulher solteira que já não fosse virgem não tinha honra para que a perdesse. Em função do estupro, somente no ano de 2009 a legislação foi alterada para tornar-se um crime contra a mulher. Com a Lei n° 12.015/09, o estupro passou a ser um crime contra a dignidade e liberdade sexual da vítima (LIMA, 2014).
Para Atílio Ramos (2013, p.55) “a civilidade referente a este tema somente surgiu no ano de 2008, quando o Código Penal enxergou estupro como um crime contra a dignidade sexual”. E contra a dignidade humana. Faz apenas oito anos e isso diz muito sobre nós.
2.2.1 Reflexão sobre a cultura do estupro
Recentemente, nossa sociedade se deparou com um caso de estupro coletivo envolvendo uma menor de idade. Em maio de 2016, uma adolescente de 16 anos foi estuprada por, estima-se, 30 homens, no Rio de Janeiro (RJ). O crime causou revolta, comoção e mobilização nas redes sociais, devido a brutalidade empregada.
Fora a violência física, psicológica e moral do estupro, o caso é marcado pela selvageria e inconseqüência dos praticantes. Resumidamente, a menina foi drogada por um grupo de homens que a violentaram-na sexualmente. A adolescente ainda foi filmada enquanto estava nua e desacordada, tendo sua privacidade divulgada nas redes sociais. O vídeo foi divulgado com descrições por si só violentas e repulsivas: “amassaram a mina”, “fizeram um túnel na mina, mais de 30”, “abri novo túnel para o rio”. Sem contar os inúmeros comentários de terceiros que culpabilizaram a adolescente pela violência da qual foi vítima.
Este crime reflete bem o que se pretende revelar sobre uma cultura de estupro, que se naturaliza por diversas formas de violência associadas à sexualidade da mulher e seu direito ao próprio corpo. Para Rost (2015, p. 34) “antes de o agressor ser um estuprador ele é homem e em algum momento de sua vida ele aprendeu que era correto agredir uma mulher”. A monstruosidade do estupro coletivo invade a imaginação das pessoas, desperta sentimentos, como ódio, raiva e indignação, e nos leva a questionamentos infindáveis e profundos sobre a natureza humana. O autor ainda entende que essa situação se dá como se o ato brutal, a agressão desmedida e covarde, a violação e abuso fosse mera questão sexual como se a responsabilidade não fosse do agressor. 
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 FIGURA 2: REPERCUSSÃO INTERNACIONAL SOBRE O CASO DE ESTUPRO COLETIVO 
 Fonte: www. oglobo.com/rio/imprensa-internacional-1938. Acesso em 19/12/2016.
Em razão do ocorrido, pessoas compartilharam sua indignação e tristeza, vídeos, manifestações a notas de repúdio de instituições e órgãos. As reações de repúdio ao estupro coletivo são mais que esperadas por parte da população, pois é torna-se complicado compreender como, dentre esse grupo de homens, nenhum foi capaz de dizer um basta ou mesmo entender a seriedade do ato. O que chegou a ser bizarro ainda é que os agressores chegaram ao absurdo de divulgarem abertamente um vídeo do ocorrido, como se não fosse um crime. 
O grande problema é que, ainda hoje, não se observa campanhas duradouras, de amplo alcance, que busquem romper com essa prática violenta contra as mulheres, que contamina a nossa sociedade. Trata-se de um crime conhecido pela impunidade. No Rio de Janeiro, por exemplo, dados do Ministério Público mostram que apenas 5% dos casos de estupro chegam à Justiça (IPEA, 2014).
Por que as reações são momentâneas e aparecem apenas em casos extremos (como se alguma violência de gênero não fosse extrema), enquanto uma mulher é violentada a cada 10 minutos? Por que é necessário ocorrer um caso, como o estupro coletivo de uma adolescente no rio de janeiro (maio/2016), para que os órgãos públicos de combate a violência contra a mulher passem a exibir campanhas constantes, tendo em vista os dados alarmantes? Por que não há educação de gênero nas escolas?
Faria (2015, p. 193) afirma que “estamos vivendo uma cultura de estupro.” Isso significa que estamos diante de um conjunto de padrões de comportamento, crenças e costumes que consideram as mulheres como um objeto gerando uma cultura de tolerância com a violência de gênero. Essas atitudes tradicionais, segundo as quais as mulheres possuem papéis pré-estabelecidos e baseados em estereótipos de gênero, perpetuando práticas generalizadas de violência e coerção.
Essas práticas e preconceitos acabam por justificar a violência de gênero como uma forma de controle sobre as mulheres. Alguns comentários publicados em redes sociais da notícia do estupro coletivo no Rio de Janeiro demonstram isso: “Tem mulheres que pedem para ser estupradas mesmo, andam praticamente peladas, depois reclamam”; “A mulher tem culpa sim. É mesmo que sentar nua em cima do cara […]”; “[…] mas não vem falar que são vítimas inocentes as mulheres que se vestem assim, porque não são não. Querem ter razão? Se vistam como mulheres de respeito” (REDES SOCIAIS, ANÔNIMO).
Comentários deste nível podem parecer absurdos, mas são mais do que comuns e não surpreendem, tendo em vista, declarações do Deputado Federal Jair Bolsonaro (PSC/RJ) que tem a liberdade de elogiar em plenário um torturador famoso por introduzir ratos nas vaginas de suas vítimas mulheres, e de afirmar a outra Deputada Federal (Mária do Rosário, PT/RS) que não a estupraria, pois “ela não merece ser estuprada”. Este é um dos exemplos que demonstra a cultura do estupro frente à qual nos deparamos neste momento.
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FIGURA 3: APOLOGIA AO ESTUPRO 
Fonte: www.morais.com.br/bolsonaroapologia-ao-estupro. Acesso em 17/12/2016.
A reflexão, apenas por este caso, seria por si só, importante e fundamental para gerar atuação, por parte da segurança pública, de maior extensão no combate a este tipo de crime. Sem dúvida, o caso merece atenção e abre oportunidade para renovar as discussões sobre o tema. Entretanto, a inércia com quetodos os outros casos de estupro são tratados demonstra que a violência contra a mulher é vista, no Brasil, como normal (CAIRES, 2015).
O que deixa transparecer é o absurdo que, mesmo sabendo que uma mulher é sexualmente violentada a cada 10 minutos, passa como um dado estatístico naturalizado, sendo anormais e inaceitáveis apenas os estupros coletivos como aconteceu no Rio de Janeiro. Há duas considerações para enquadrar o estupro dentro da teoria da evolução humana:
A adaptação favorecida pela seleção natural: uma vez que o estupro aumentaria as chances de sucesso reprodutivo com o aumento do número de acasalamentos. Esse comportamento é observado em algumas espécies de animais. Quando não são escolhidos pelas fêmeas, os machos utilizam um tipo de pinça para imobilizá-las e copular à força;
Um subproduto de outras características da sexualidade masculina: o desejo por sexo e por múltiplas parceiras e a capacidade de usar a violência para atingir um objetivo.
Se partirmos do pressuposto que a natureza, no homem, é inteiramente interpretada pela cultura, analisamos a questão por uma correta interpretação do fato. Saffioti (2014, p. 56) colaborada argumentando que “outra situação recorrente é quando o homem não consegue controlar seus instintos diante de uma mulher por quem sente atração e, por isso, ele não teria culpa pela sua falta de controle. Nestes casos, a noção de cultura se revela como o instrumento adequado para acabar com as explicações naturalizantes dos comportamentos humanos.
Desconstruindo estereótipos poderemos avançar na direção de uma sociedade mais igualitária, inclusiva e livre de opressões e violência. Temos que tomar muito cuidado ao naturalizar os nossos comportamentos, pois eles não são ‘realmente naturais’, mas elementos condicionados por nossa cultura. A sociedade pode contribuir muito para o combate a essa violência generalizada que acomete as mulheres. Basta assumir um posicionamento crítico, voltado a si mesmo e nossas condutas e privilégios, ao invés de insistir que sempre o opressor é somente o outro (ROCHA, 2010). 
Precisamos também superar a ideia de que feminismo é uma posição política encampada por mulheres histéricas e hostis, que exageram em suas reivindicações. O feminismo é especialmente necessário diante dessa realidade de violência cotidiana. O feminismo também é uma arma para combatermos diretamente a raiz do problema contra a violência de gênero; o machismo. (SILVA, 2010, p. 73).
De acordo com Dias (2006, p. 200)“a atuação do poder judiciário continua reproduzindo, acriticamente, estereótipos e preconceitos sociais, inclusive de gênero”. Esta violência de gênero sobre a integridade física e mental das mulheres é uma agressão aos seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais (ARENDT, 2005). Esta violência contribui para a manutenção de uma estrutura opressora que coloca as mulheres em papéis de subordinação e em situação de desigualdade em relação aos homens em todas as esferas da vida.
Os avanços conquistados no campo legislativo em direção a uma maior proteção das mulheres contra a violência de gênero se dão de forma tímida e lenta. O Código Penal do Império e o Código Penal de 1890 previam uma excludente de culpabilidade no crime de estupro, mas previa uma forma privilegiada do crime, quando praticado contra prostituta�. A complementar, temos a Legislação n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha, em anexo), que trata da violência doméstica, e traz medidas inovadoras de proteção à mulher vítima desse tipo de violência, que vão além do viés punitivo (WAISELFISZ, 2015).
A problemática é que esses avanços não têm se traduzido em resultados significativos no enfrentamento à cultura do estupro, que continua permeando as relações de gênero em nosso meio social. Precisamos é incutir, de forma urgente, a educação de gênero em todos os níveis da sociedade brasileira para que, por meio da educação, se mude a cultura de um povo.
Porém, uma reflexão crítica deve levantar a questão da eficácia de falsas soluções, propostas por aqueles que não querem questionar seus privilégios, e que, na verdade, querem manter intacta a estrutura de opressão. Ainda existem no Brasil vozes cínicas que, ao mesmo tempo, propõem leis e dificultam o acesso das mulheres vítimas de estupro ao atendimento especializado criminalizando aqueles que pretendem ajudar. Suas medidas punitivas se mostram especialmente ineficazes. No entanto, o que mais precisamos é de gênero nas escolas, para que meninos e meninas, filhos da cultura da violência, sejam desconstruídos e aprendam a desconstruir seus papéis na sociedade desde pequenos.
2.2.2 Preconceito sobre as vitimas de estupro
Os sentimentos rotineiros na vida das mulheres vítimas de estupro são o medo, a raiva, a revolta, o ódio e a sensação constante de insegurança. A maior parte das vítimas passa meses amargando a raiva de terem sido forçadas a manter relações sexuais com outro sem seu consentimento. Uma gama imensa de sentimentos envolve essas mulheres que muitas vezes passam a adotar a reclusão e o distanciamento como mecanismos de defesa (ATILIO RAMOS, 2013). 
 Por via de regra, uma vítima de violência sexual sofre um misto de incredulidade e reclusão. Ela sente vergonha de contar o fato aos familiares, esconde das amigas e somente acaba confessando o que ocorreu após muita insistência. Portanto, as vitimas são obrigadas a lidar com o preconceito já que em vários momentos são tratadas como ‘culpadas ou causadoras’ da violência sexual que sofreram (DIAS, 2006). 
Segundo Pimental (2010, p. 98) “após uma agressão deste nível, confiar novamente que um relacionamento pode dar certo é um desafio que uma vitima dificilmente consegue transpor”. 
 Em todo o país os casos de estupro se multiplicam. Em São Paulo, o atendimento das vítimas de estupro no Estado, 90% das mulheres estupradas não busca auxílio médico imediato.  A referência indica que o trauma faz com que a primeira reação das mulheres ainda é a reclusão. (ROCHA, 2010, p. 78).
Por preconceito, é normal que uma violência física e sexual seja o estopim de um término de relacionamento. Pateman (2011) relata vários casos de vítimas de estupro que afirmam não ter coragem de confiar novamente em outro homem. Conta o autor um caso de uma vítima que quando decidiu prestar queixas do agressor enfrentou dificuldade já que os policiais que realizaram seu atendimento chegaram a sugerir que não se tratava de estupro já que ela já havia sido casada com o agressor. 
Apesar de todo o trauma, quem vive esse tipo de abuso ainda é necessário conviver com questionamentos sobre sua conduta ou roupas que estava vestindo no momento da abordagem. Essas perguntas, além de incômodas e inoportunas, são comuns e podem vir tanto dos defensores públicos quanto de familiares, fazendo com que a vítima passe a se sentir responsável pelo que ocorreu. As perguntas têm por trás um sentido de justificar a violência sexual, trazem a culpabilização e se revestem de uma tolerância com o estupro.
Há um tipo de acusação que evidencia o preconceito ainda latente, e a necessidade da sociedade em encontrar motivos para o comportamento abusivo. Faria (2015) relata um caso que aconteceu com Isabel (nome fictício), que passou por uma tentativa de estupro quando tinha 19 anos, e foi recriminada dentro de sua própria casa. “Eu usava saia curta e meia arrastão, comuns na época para quem tinha um estilo mais alternativo. Quando cheguei em casa, meu pai culpou minhas roupas. Passei anos sem conseguir usar nada além de calças compridas”, relata.
Para Rost (2015) “o problema central é a questão cultural pois ainda vivemos em sociedades patriarcais onde a liberdade masculina não tem limites”. Trata-se de uma visão muito antiga e perversa com as mulheres, mas ainda muito presente e forte em nosso sistema de segurança pública. O problema é que a argumentação da vítima é sempre vista com descrédito e dúvidas. 
Pelo preconceito e temor de ser abandonada pelo companheiro, a maior parte das mulheresque sofrem estupro silencia e próximo de 85% das vítimas jamais chegam a comunicar a alguém o que aconteceu. Muitas mulheres são submetidas a uma revitimização quando procuram a delegacia para denunciar. Pois, de acordo com Silva (2010, p. 56) “a polícia não está preparada para atender casos de vítimas de violência doméstica e de violência sexual”. 
Em toda situação deve-se dar importância de se acreditar na palavra da vítima. E o problema não é verificado apenas na área policial. No setor de saúde, nem sempre o acolhimento é adequado. O preconceito é tai grande que foi necessário obrigar, por lei, os serviços de saúde a assumirem essa responsabilidade que lhes cabe. Em 2015, o governo federal sancionou a lei 12.845, que determina o atendimento imediato e obrigatório em hospitais integrantes da rede do SUS (Sistema Único de Saúde) a vítimas de violência sexual. Isso deixa claro que a necessidade de se criar uma lei do tipo reflete falhas no atendimento à vítima (WAISELFISZ, 2015).
Diante de tanto preconceito e deficiências, é compreensível a falta de confiança por parte das vítimas de violência sexual. E através do preconceito, a vitima procura de qualquer forma, encontrar o respeito, mas o que ela necessita mesmo é se encontrar dentro dessa situação e encontrar de novo seu ponto de equilíbrio.
2.3 ANÁLISE SOCIOLÓGICA
Analisar um crime de estupro significa desvendar mitos. É grande o desnível que existe entre o que são os fatos acerca do estupro e o que se construiu socialmente do que é ou não estupro, de quem é o estuprador e de quem é a vítima (ARENDT, 2005).
O estupro é um crime complexo, ou seja, ele é formado pela fusão de mais de um delito. Observando casos específicos, no entanto, pode-se considerar que se justificam os estupros de diversas maneiras. Portanto, há uma contradição. Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em certos momentos e em algumas circunstâncias, impô-las. Regras sociais definem situações e tipos de comportamento a elas apropriados, especificando algumas ações como apropriadas e proibindo outras como inadequadas. Quando uma regra é imposta, a pessoa que presumivelmente a infringiu pode ser vista como um tipo especial, alguém de quem não se espera viver de acordo com as regras estipuladas pelo grupo. 
Partindo do que temos por mais simples (o estupro é um crime) leva-se em consideração que se trata de uma regra social, um desvio. Muito se tenta proteger este tipo de criminoso sem nenhum sentido a não ser pelo machismo protetivo. É um criminoso, um indivíduo que infringe uma regra socialmente imposta. (PIMENTAL, 2010, p. 146).
 
A contradição está na discordância do que é considerado apropriado, fazendo com que aquele que infringe a regra considere seus juízes, não a si mesmo. Por ser uma regra social, ela está sujeita a alterações como, por exemplo, com relação ao aborto, que é criminalizado em alguns países e outros não (WAISELFISZ, 2015).
Dias (2006) comenta uma teoria que propõe uma explicação genérica sobre este tipo de comportamento, por que ele surgiu e por que existe até a atualidade. Mas não explica, por exemplo, por que não são todos os homens que recorrem ao estupro. De acordo com o autor, o estupro aparece em homens com conduta anti-social indiferentes aos interesses de outras pessoas, tencionados a desvalorizar as mulheres e, geralmente, envolvidos em outros tipos de crimes e agressões. Os cientistas apontam tipos de homem que se encaixam nesse perfil: 
Rapazes no fim da adolescência;
Adultos que contam não só com uma impulsividade sexual natural, mas também com uma noção de risco relaxada,;
Agressores que persistem com esse comportamento a vida inteira;
Psicopatas. 
O problema é que esses mesmos traços costumam ser característicos de outros criminosos gerando a dúvida do por que nem todos estupram? Silva (2010) comenta que, em suas pesquisas, foram realizados testes em que estupradores, criminosos e pessoas comuns ouviram histórias de sexo consensual e forçado. Nos relatos de estupro, o sofrimento da vítima era enfatizado. Os estupradores ficaram igualmente ou mais excitados com o sexo forçado que com o consensual. Na comparação com outros homens, o grau de excitação diante dos relatos de violência sexual foi maior. Essa diferença ficava mais marcante quando o estupro envolvia brutalidade extrema.
Por este relato, se conclui que se o estupro pode ser um tipo de desordem psiquiátrica sexual. Mas não parece ser o caso, uma vez que boa parte das práticas sexuais oriundas por desordem psiquiátrica é consensual. O mais elementar é que essa excitação seja mais um reflexo do comportamento anti-social. Em resumo, esses criminosos não são precisamente atraídos pela violência, mas incapazes de serem inibidos por ela. Afinal, eles não se importam com o sofrimento da vítima (SILVA, 2010).
 FIGURA 4: O ESTUPRO PELO VIÉS SOCIOLÓGICO 
 Fonte: www.ssp-forumproequidade.blogspot.com.br. Acesso em 17/12/2016.
A violência física contra a mulher é o estágio de uma série de violências verbais, simbólicas, psicológicas que atingem mulheres todos os dias. A discriminação histórica contra a mulher não é fruto de uma concepção patriarcal que ainda impera, mesmo inconscientemente, na sociedade. O caso de estupro é praticamente um consenso que se trata de um algo horrendo, por isso é até mesmo usado como forma de punição. Em geral, se atribui causas externas que influencia no debate sobre crimes para justificar (ou tentar entender) a prática de toda sorte de condutas ilegais. Mas isso se trata de posicionamentos equivocados como, por exemplo, considerar a pobreza como causa da criminalidade. Isso vale para explicar o estupro alegando libertinagem geral do país, permissividade sexual, etc. Quem defende as causas externas como justificativa para crimes em geral acaba, na prática, dando força à ‘Cultura do Estupro’.
É prudente esclarecer que o estuprador não é um doente em potencial, mas há argumentos que o qualificam assim. Trata-se de um indivíduo inserido em uma cultura de dominação masculina que enxerga as mulheres como propriedade dos homens, uma cultura com hierarquia de gênero e que usa o sexo como uma relação de poder e uma afirmação de virilidade masculina.
O estuprador é, na maioria esmagadora dos casos, é um indivíduo do sexo masculino e, além da estatística e da patológica, com uma definição sociológica que é mais próxima de sua própria: estamos falando de uma pessoa que apresenta uma falha em obedecer regras de um grupo. Aqueles que infringem uma regra constituem uma categoria dos que cometeram um ato desviante, mas, mesmo assim, criado pela sociedade. Grupos sociais criam desvio ao fazer as regras cuja infração constitui em um desvio. A sociedade não seleciona igualitariamente quem recebe o rótulo de estuprador. O estuprador é um indivíduo a quem esse rótulo foi aplicado: um comportamento de desvio. Quando se fala em estupro, não é somente o agressor que recebe um rótulo, mas também a vítima. No caso das mulheres, são divididas moralmente entre ‘honestas, de família’, as que podem ser vítimas, e as ‘desonestas, mulher da vida’, que podem ser abandonadas sem maiores preocupações. (ROCHA, 2010, p.155-156).
Uma concepção comum a ser evidenciada envolvendo casos de estupro, é a da patologia. De acordo com Lima (2014, p. 39) “essa concepção trata de uma analogia médica que deixa claro que há pouca discordância quanto ao que constitui um estado saudável do organismo”. Se utiliza a noção de patologia, de maneira análoga, para descrever tipos de comportamento vistos como desviantes, mas é complicado encontrar uma definição que satisfaça o especialista.
Atílio Ramos (2013, p. 89) comenta que “os critérios de avaliação do que é doença mudaram ao longo do tempo”. Atualmente e baseia em o que é doença a partir de critérios como ‘sofrimento’ e ‘incapacidade’. Este mesmo autor argumenta que “psiquiatras passaram a chamar de doença tudo em que podiam detectar qualquersinal de mau funcionamento, com base em não importa que regra (pág. 91). Portanto, um crime do porte de estupro e todas suas implicações também podem ser considerados sinais de doença. Esse critério é comum quando se analisa o imaginário social acerca do estuprador.
Arendt (2005, p. 106) associa “o estuprador a um doente, alguém que tem algum problema psicológico ou psicopatia”. O problema dessa concepção patológica é que ela nos impede de ver o próprio julgamento como parte importante da ação de estuprar. Não se trata de analisar o fato como um problema social e cultural, mas como uma patologia. Logo, qualquer análise sobre as causas de tais crimes é deveria ser descartada.
Em relação à ‘cultura do estupro’, podemos afirmar que de fato, o estupro é criminalizado, mas as reações sociais são hipócritas e machistas. Dependendo do status do estuprador e da vítima, pede-se a mais alta condenação ou justifica-se o abuso de alguma maneira.
2.4 A LEI DO ESTUPRO
As sanções sociais permitem limitar comportamentos desviantes na sociedade (ARENDT, 2005). No decorrer das civilizações essa espécie de delito contra a liberdade sexual sempre teve repreensão. Os Egípcios puniam com mutilação, os Romanos com a morte. Na Idade Média também se punia com a pena capital e, posteriormente, com pena de castração e perda dos olhos.
No Brasil, O Código Penal Brasileiro sofreu considerável modificação com o advento da Lei 12.015/09, alterando o artigo 213 e acrescentando o artigo 217 A, ambos relacionados ao crime de estupro. Uma nova nomenclatura na legislação se fez mais adequada aos crimes ali tipificados, haja vista, que a vitima dos referidos crimes tem sua dignidade brutalmente atingida. A referida lei alterou a nomenclatura “dos crimes contra os costumes” foi substituída para “dos crimes contra a dignidade sexual” transformando todo o sentido e significado do artigo 213 e revogando os artigos 214 e 224 que tratavam do atentado violento ao pudor e da presunção da violência (ANUÁRIO, 2015).
De acordo com Pateman (2011, p. 107) “a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos mais importantes defendidos pelo Estado”. O artigo 213 do Código Penal passou a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 213 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º - Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vitima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º - Se da conduta resulta morte: 
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. ”(BRASIL, 2012).
Verifica-se maior abrangência da qualificadora no sentido de que o legislador substitui a expressão ‘conduta’ pela expressão ‘violência’. Nota-se que o dispositivo procura punir toda relação sexual ou ato considerado libidinoso, de qualquer natureza, ocorridos com ou sem consentimento do menor de 14 anos de idade e das pessoas portadoras de deficiência mental ou enfermidades que não possam esboçar reação à agressão iminente, não importando o meio usado para a consolidação do fato, se por violência ameaça, fraude ou consentimento da pessoa passiva.
Para Silva (2010, p. 200) “o crime de estupro em todas as suas formas é um crime hediondo”. Observa-se que o art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos�, que aumentava a pena de metade nas hipóteses de estupro ou atentado violento ao pudor com presunção de violência, não se aplica mais aos referidos crimes sexuais, haja vista a nova Lei do Estupro ter revogado o art. 224 do Código Penal.
Foi o tempo em que, com o casamento, o homem tinha o direito de exigir da mulher a prática de relação sexual, valendo-se inclusive da violência, sob o manto da excludente de ilicitude do exercício regular de direito. Atualmente esse posicionamento alterou-se na doutrina e na jurisprudência, entendendo-se que, embora com o casamento surja para os cônjuges o direito de manterem relações sexuais um com o outro, verifica-se, que esse direito não pode ser exercido mediante o constrangimento com o emprego de violência ou ameaça. Em suma: esse direito apenas garante aos cônjuges o direito de postular o término da sociedade conjugal, em razão de violação dos deveres do casamento, nos termos da legislação civil (CC, art. 1.572).
Após surgir a Lei 12.015/09, a ação penal no crime de estupro passou a ser, em regra, de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido, e não mais de ação penal privada (CAIRES, 2015). A classificação doutrinária do crime de estupro trata de crime comum, plurissubsistente, comissivo, por omissão, material, de dano, instantâneo, monossubjetivo, doloso, não transeunte, ou transeunte. Seu objeto jurídico é a liberdade sexual, onde as pessoas têm o direito de dispor do próprio corpo como também a plena liberdade de escolha do parceiro sexual, para com ele, de forma consensual. 
O crime de estupro, em regra, é praticado de forma comissiva (decorrente de uma ação positiva do agente), mas, excepcionalmente, pode ser praticado de forma comissiva por omissão (quando o resultado deveria ser impedido pelos garantes do art. 13, § 2º, do CP).
O objeto material é a pessoa constrangida, sobre a qual recai a conduta criminosa do agente (PIMENTAL, 2010). E a Lei 12.015/09 transformou o delito de estupro em crime comum uma vez que o tipo penal não mais exige nenhuma qualidade especial do agente. Para configurar o estupro é necessário o não consentimento sincero e positivo da vítima durante todo o ato sexual, ou seja, uma reação efetiva à vontade do agente de com ele ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. 
Portanto, não se fala em estupro quando a negativa não é sincera, ou se a vítima inicialmente resistiu, mas, iniciada a conduta, consentiu com o ato sexual, mas, se tratando de vítimas vulneráveis�, com ou sem o seu consentimento, o crime será o de estupro de vulnerável (Código Penal, art. 217-A).
2.5 A OBJETIFICAÇÃO FEMININA
Muitas são as discussões sobre o papel da mulher na sociedade, explorando os mais variados aspectos de desigualdade de gênero que ainda persistem. Diferenças de oportunidades de acesso ao mercado de trabalho, diferenças salariais e acesso à vida pública são alguns aspectos onde percebemos as desigualdades. Outros aspectos, no entanto, são mais subjetivos e se manifestam na maneira como vemos as mulheres e na medida de nossa consideração (SILVA, 2010). É nesta dimensão que entra a objetificação da mulher.
objetificar alguém, em um sentido mais abrangente, significa tratar uma pessoa como uma mercadoria ou objeto, não dando importância à sua dignidade ou personalidade (SAFFIOTI, 2014). A objetificação é na maioria das vezes a nível social, mas pode também se referir ao comportamento das pessoas. o termo ‘objetificação’ surgiu no início dos anos 1970 e consistia em analisar uma pessoa em nível de objeto, sem considerar seu emocional ou psicológico (ARENDT, 2005).
Ao comentar a objetificação da mulher se está falando da banalização de sua imagem da mulher. Para Lima (2014, p. 59) “em uma sociedade machista, a aparência das mulheres importa mais do que todos os outros aspectos que as definem enquanto pessoa”. Atualmente a objetificação está presentes nos mais diversos setores da sociedade e, principalmente, na maneira de como a mulher é retratada em peças publicitárias�.
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 FIGURA 5: OBJETIFICAÇÃO DA MULHER 
 Fonte: www.ideiasembalsamadas.blogspot.com.br. Acesso em 19/12/2016.
A pouca roupa, a sensualidade na TV, nos anúncios, nas revistas, nos filmes, nos quadrinhos ou nos games é tão maçante que ganhou a denominação de ‘objetificação’. Para Rocha (2010, p. 98) “essas mulheres-objeto são um rótulo sexista dado a mulheres atraentes que usam de sua liberdade para expor seus corpos”. O corpo feminino que é venerado na mídia torna-se objeto desta maneira.As mulheres ali retratadas são muito mais um conjunto apetitoso de peitos e bundas a serviço do olhar masculino do que um ser humano.
Em consideração a isso se levanta a hipótese que o que é realmente venerado pela mídia não é o corpo da mulher, mas sim o objeto sexual. E como todo objeto, está sujeito aos padrões pré-estabelecidos de valores tradicionais machistas ditam como as mulheres devem ser.
Desde comerciais de desodorante a letras de músicas, a mulher é objetificada. Mesmo que diretamente esse pensamento nunca tenha sido ensinado, aprende-se que desde cedo a mulher foi feita para servir e o homem para ser servido (BURKE, 2013, p. 203).
Neste contexto, existem diversos casos de homens estupradores que são mentalmente desequilibrados, mas que vivem em um ambiente que foi ensinado que, dependendo do ‘tipo’ de mulher, não há problema em usá-la.  O Brasil precisa mudar a forma com que lida com o estupro. Em vez de ensinarmos os homens a não estuprarem, porque não ensinamos as mulheres a se defenderem evitando a objetificação de seu corpo. Atitudes equivocadas como a que a sociedade prega ainda está presente por conta da cultura do estupro. Graças a esta cultura, a violência sexual se banalizou em nosso meio (BURKE, 2013).
A cultura do estupro se origina da objetificação das mulheres que está presente em nossa mídia com mulheres expondo seu corpo simplesmente para agradar os homens. Além disso, outros fatores que favorecem a objetificação das mulheres é a disseminação de imagens, vídeos, músicas, comentários e piadas sexistas (ROCHA, 2010).
São várias as consequências da objetificação do corpo feminino. A estereotipação da mulher é uma delas. Muitas vezes, vemos em ambientes familiares ou profissionais mulheres sendo hostilizados pelo seu peso, altura, cabelo, depilação, formato de corpo e demais atributos físicos onde se impera o estabelecimento de padrões estéticos irreais. Não importa o talento nem a profissão, importa é que você esteja num padrão de mulher linda, calada e submissa. Não há espaço dignamente feminino na grande mídia (ARENDT, 2005). Não se pode esperar para que um dia essa realidade se altere. É preciso uma mudança de consciência a partir da educação dentro de casa e pela valorização da mulher.
2.5.1 A culpabilização da mulher
O patriarcalismo� estabeleceu o poder de uma autoridade religiosa masculina sobre os seus. Mas estende-se também à situações em que os homens dominam empregados ou pelo viés políticos de uma organização social. Desta maneira, as pessoas passavam a dever obediência à imagem masculina. Ao longo da história, o patriarca manteve o poder sobre qualquer indivíduo na organização social de que fazia parte (mulher, filhos, súditos, escravos ou seu povo). Cabia-lhe o poder de decisões cruciais de maneira inquestionável no âmbito social (BURKE, 2013).
A violência que vitima mulheres no Brasil e lhe atribui culpa é um dos maiores absurdos que já se viu e é herança de uma filosofia patriarcal que impera em nossa sociedade desde idos de 1500. A culpabilização se resume a quem sofreu a violência acaba sendo acusada de provocá-la, dar causa etc. Trata-se de um erro que dá vez e voz a um raciocínio parvo aos que atribuem a todos os crimes a culpa da vítima. A culpabilização da vítima é uma questão muito séria. Isso mostra a prevalência da cultura machista na sociedade (SAFFIOTI, 2014).
De acordo com Narvaz (2006, p. 177) “romper com uma cultura machista exige que o respeito à mulher comece dentro de casa: aceitar que lugar de mulher não é na cozinha e que ela não é um simples objeto de desejo do homem.” É importante educar nossos filhos com igualdade de direitos e deveres em casa e de discutir o tema do machismo e da violência também na escola.
O termo culpabilidade no Direito Penal é empregado como juízo de censura e reprovação a alguém que tenha praticado ato ilícito penal. Não é elemento de um crime, mas importante para aplicação de pena. Para que haja censura a quem cometeu um delito, a culpabilidade não deve estar presente. A palavra culpabilização utilizada em geral é uma terminologia de âmbito social, haja vista o seu sentido literal significa atribuir culpa a alguém. Desta maneira, a culpabilização das mulheres vítimas dos crimes de estupro está ligada ao julgamento das mulheres concomitantemente aos crimes de estupro. (ROCHA, 2010, p. 82).
A questão da culpabilidade começa, então, desde a infância. É uma questão ligada diretamente ao gênero feminino. É comum que se culpe a menina em casos de pedofilia dentro quando essa mesma menina é ensinada a não usar roupas curtas devido à pensamentos machistas e preconceituosos. Essa menina, quando mulher vai descobrir que a culpa também é dela se uma foto ou vídeo íntimo vazou. A culpa nunca é de quem espalhou indevidamente, quem viralizou sem permissão e expôs a imagem da mulher (FARIA, 2015).
No que diz respeito ao judiciário, Rost (2015) em seus estudos, analisou processos judiciais que apuraram casos de estupro e como os legisladores se comportaram diante deles. Rost (2015) concluiu que a culpabilização da vítima do estupro aparece de forma recorrente nos vários casos observados. A mensagem transmitida por esses operadores acaba reforçando a ideia de que o estupro é crime em que a vítima tem que provar que não é culpada.
Ao reafirmar, sempre de maneira sutil e velada, uma representação da mulher como objeto sexual, e não como pessoa, subordinada ao homem em todos os aspectos as escolas, a mídia, os tribunais, as instâncias legislativas, a família, as empresas, etc. contribuem para a ocorrência cada vez maior de casos de estupro e outras formas de violência de gênero (PATEMAN, 2011, p. 167).
 Procedimento desta forma faz inverter o ônus probatório� e a vítima é submetida à exigência que se enquadre no conceito de ‘mulher honesta’. Isso demonstra o fato de que muitos consideram que a vítima é a culpada pelo estupro sofrido. Um exemplo é o fato de muitas mulheres atacadas terem sua vida pregressa pesquisada, para assim saber se elas ‘pediram ou não’ para serem violentadas.
Um estudo realizado pelo IPEA (2014) com relação ao estupro apontou que 60% dos entrevistados responderam que o comportamento feminino influencia nos estupros. Respostas como “se as mulheres soubessem como se comportar haveria menos estupros”, e até frases como “mulheres que mostram o corpo demais merecem ser atacadas” surgiram. Porém, nas redes sociais, sempre há uma grande mobilização a respeito do tema, surgindo diferentes opiniões, solidariedade à vítima e crítica à inversão de valores.
São vários os sentimentos na vida das mulheres vítimas de estupro (a raiva, o medo, a revolta, a incredulidade, o ódio, a vergonha e a sensação constante de insegurança) e a maioria delas passam muito tempo amargando a raiva de terem sido forçadas a manter relações sexuais sem seu consentimento. De acordo com Pimental (2010, p. 80) “a reclusão e o distanciamento acabam se tornando seus mecanismos de defesa”. Elas também são obrigadas a lidar com o preconceito já que em vários momentos são tratadas como culpada da violência que sofreram.
Segundo Arendt (2005, p. 67) “após um ato de violência como um estupro, confiar novamente que um relacionamento pode dar certo é um desafio à mulher”. Lima (2014) comenta que em uma de suas pesquisas, entrevistou Clodilte (nome fictício), 38 anos, que afirmou que quando decidiu prestar queixas do agressor da violência que sofreu enfrentou dificuldade já que os policiais que realizaram seu atendimento chegaram a sugerir que não se tratava de um estupro já que Clodilte já havia sido casada com o agressor. Clodilte afirma: “Foi um estupro. Eu não queria e ele me forçou. Me agrediu. Ele queria e eu não. Isso é sim violentar uma mulher”.
Além de tornar o estupro uma ocorrência aceitável, a culpabilização da vítima de violência sexual traz outros problemas sociais, como a falta de denúncias e a conivência. Mesmo sendo vítima, a mulher por vergonha ou medo de passar por isso não denunciae, mais do que isso, silencia e não conta seu sofrimento para ninguém, deixando de buscar socorro nos serviços de saúde. Os casos de estupro se proliferam. O Centro de Referência da Saúde da Mulher, em São Paulo, divulgou que, em 2015, as vítimas de estupro no estado, 85% das mulheres estupradas não buscam auxílio médico imediato. 
Desse total, 70% das mulheres admitiram não ter procurado orientações médicas imediatas.  Este é um indicador que sinaliza que o trauma faz com que a primeira reação das mulheres ainda seja a reclusão. A pesquisa revela que em 65% dos casos estudados, o estuprador era desconhecido da vítima e em 90%, agiu sozinho.
A intenção não é a de fazer generalizações a respeito do comportamento masculino como um todo. Porém, é necessário ter em mente que a própria cultura do estupro gera um fenômeno perverso que dificulta avanços: ela impede que as pessoas de se coloquem no lugar da vítima. Como consequência, tem-se a utilização cada vez mais frequente de argumentos que culpabilizam a vítima e procuram justificar o comportamento do agressor. Dentre os comportamentos relacionados à cultura do estupro, as vítimas têm se empenhado em apontar os comportamentos que ferem seu direito e buscam modificá-los na sociedade através de uma mudança de consciência. Dentre eles, Silva (2010) especifica:
Desrespeito ao ‘não’: existe um entendimento nocivo em relação à intenção da mulher quando ela fala ‘não’ para o homem. O ‘não’ é interpretado como jogo de sedução, onde a mulher quer, mas fala que não quer só para que o homem insista. Esta forma de pensar fere a liberdade sexual da mulher, uma vez que ela já se posicionou dizendo ‘não’ e ainda assim continua sendo coagida a dizer um ‘sim’. Os movimentos que pautam discussões contra a cultura do estupro querem que os homens se reposicionem nessas situações; 
Objetificação da mulher: é quando a mulher é enquadrada em um papel em que ela tem apenas uma função: despertar o desejo sexual do homem. Assim, os olhares direcionados a ela não são olhares para um ser humano e sim para um objeto a ser apreciado. Uma campanha publicitária em que as mulheres estão lá, em primeiro lugar, por serem bonitas e terem corpos esculturais, reforçam a objetificação da mulher. Um objeto não tem opinião ou vontade própria. Um objeto é apenas o que ele mostra ser, e é possível fazer o quiser com ele;
Relativização da violência contra a mulher: o estupro é o único crime onde a vítima é julgada junto com o criminoso. A segurança que todo cidadão sente ao procurar a polícia quando é furtado ou assaltado não existe para as vítimas de estupro. Ao contrário da maioria dos crimes, onde a vítima precisa apenas informar às autoridades o que sofreu e essas autoridades entendem o seu relato como algo legítimo, as vítimas de estupro não são legitimadas de início;
Assédio sexual: uma mulher é abordada por homens rotineiramente. Isso ocorre nas ruas, no trabalho, na escola, no transporte público etc. Os homens, ao se sentirem à vontade para abordar as mulheres em qualquer espaço e contexto, atentam contra a liberdade sexual delas. Afinal, a liberdade reside no poder de escolha e no controle de quando e onde uma pessoa quer fazer ações de caráter sexual ou afetivo. Atualmente, com o assédio naturalizado, as mulheres não têm essa escolha. Elas são forçadas a aceitar a violência sem reagir, pois nunca se sabe como os homens lidarão com a rejeição.
Silva (2010, p. 88) comenta que “as vítimas sofrem inúmeras barreiras para levar esse tipo de crime às autoridades”. Dividir parte da culpa de um crime de violência sexual com a própria vítima é atenuar a ação do agressor. Os movimentos que pautam discussões sobre a cultura do estupro querem conscientizar as pessoas de que é necessário gerar incentivos para as vítimas de violência sexual reportarem esses crimes para as autoridades. Isso não vai acontecer enquanto elas se sentirem julgadas, questionadas e não amparadas pela sociedade. A cultura do estupro implica em que a mulher lute por quem agride a sua liberdade, em todos os sentidos. 
Para Arendt (2005, p. 22) “A mulher se coloca neste estado de culpa porque também é vítima dessa sociedade”. Não denunciar é deixar as portas abertas para os agressores e permitir que outras mulheres passem por essa mesma situação. As vítimas de crimes de estupro tendem a ser culpabilizadas pela sociedade por seu comportamento, sendo que os valores de suas palavras em tais crimes são colocados na balança em face disto e colocados em questionamento constante.
2.6 DADOS SOBRE O ESTUPRO NO BRASIL
Apenas 35% dos casos de estupro no Brasil são notificados
� De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2015) apenas 33% dos casos de estupro no Brasil são notificados. O estado de Roraima lidera o índice de registros, com 56% casos a cada 100 mil habitantes. Em 2014, 47.800 pessoas foram estupradas no Brasil. A cada 10 minutos alguém sofre esse tipo de violência no país. Esse número pode ser ainda maior, pois a pesquisa só consegue levar em conta os casos que foram registrados em boletins de ocorrência.
Quando se fala em estupro, há um imaginário comum por trás dessa ação que é quase cinematográfico. É mais fácil imaginar que os praticantes desse crime são monstros, pessoas mentalmente desequilibradas, pessoas que já estão marginalizadas pela sociedade e que nem possuem tanta noção do que estão fazendo. Infelizmente, de acordo com o IPEA em 2014, mais de 50% dos estupros sofridos por crianças e adolescentes foram praticados por pessoas conhecidas, como pais, padrastos, namorados e amigos. Em adultos, os estupros praticados por conhecidos são quase 45% dos casos.
 
 FIGURA 6: TAXAS DE ESTUPRO NO BRASIL
 Fonte: Forúm Brasileiro de Segurança Pública. Dados de pesquisa, 2015.
O caso de estupro coletivo reportado no inicio deste trabalho, reabre o debate sobre a existência da 'cultura do estupro' no Brasil. Esse debate é travado com base em uma série de elementos culturais e também dados estatísticos, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2015):
De acordo com os dados mais recentes, em 2015 o Brasil tinha um caso de estupro notificado a cada 10 minutos. Apesar da pequena queda ante 2014, 48 mil pessoas foram estupradas naquele ano. Como apenas de 28% a 33% dos casos são registrados, é possível que a relação seja de um estupro a cada minuto;
25% dos entrevistados em 2014 concordam total ou parcialmente com a afirmação de que ‘mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas’. No entanto, 60% concordam total ou parcialmente com a afirmação que ‘Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros’;
Em pesquisa realizada em 2015, em 85 municípios brasileiros com mais de 100 mil pessoas, revelou que 70% da população tem medo de ser vítima de agressão sexual. O percentual sobe para 90% entre mulheres. Entre homens, 45% temem ser estuprados;
Levantamento do Ipea, feito com base nos dados de 2013, mostrou que 75% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes. Em metade das ocorrências envolvendo menores, há um histórico de estupros anteriores. Além disso, a proporção de ocorrências com mais de um agressor é maior quando a vítima é adolescente e menor quando ela é criança. Cerca de 15% dos estupros registrados no sistema do Ministério da Saúde envolveram dois ou mais agressores.
Há uma incerteza do número de casos de estupro. Isso se deve ao fato de ele ser um dos crimes mais subnotificados no mundo todo. Nos Estados Unidos, por exemplo, 72% das ocorrências não são denunciadas pelas vítimas. No Brasil, os números são bastante parecidos. Entre os motivos de a vítima não denunciar a violência estão a vergonha moral do ato, o medo do julgamento social, a culpa e o medo de ser julgada por autoridades e por aqueles de quem deveria receber apoio e ajuda .
De acordo com Faria (2015) de 15 à 45% dos casos, um homem embriagado. No caso de agressões a menores de idade, cerca de 80% dos casos,os agressores são os próprios pais ou padrastos em 25% dos casos são amigos ou conhecidos da vítima. Uma pessoa desconhecida passa a configurar como principal autor do estupro à medida que a idade da vítima aumenta. É importante registrar também que os dados mostram que em cerca de 92% dos casos os agressores são do sexo masculino e que 90% das vítimas são do sexo feminino. Esse índice torna claro que este tipo de violência costuma ser sofrido pelas mulheres e praticado pelos homens. Esses dados foram retirados de um estudo realizado pelo IPEA (2014) que analisa essas agressões utilizando dados da Saúde.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2015) “estima-se que são estupradas, a cada ano, no mínimo 530 mil pessoas no Brasil”. Destes casos, apenas 12% são notificados e chegam ao conhecimento das autoridades. O Anuário (2015) também traz informações referente à entrevistas realizadas por populares que ao saber de um relato de estupro comentam:
As mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas;
Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros.
Outro dado importante se refere à forma de coerção utilizada contra a vítima. Geralmente o estupro acontece por meio da utilização da força física ou de ameaça em cerca de 60% dos casos. Conclui-se que há um comportamento comum nesse crime de abuso que é entendido e compartilhado entre os agressores. 
Estes indicadores revelam um contexto preocupante de altos índices de violência contra a dignidade sexual, o que por si só é inquietante; no entanto, as mulheres são, ainda, marcadas pelo medo constante de sofrer estupros e outros tipos de violência sexual, inclusive por parte de pessoas próximas das vítimas. De acordo com Arendt (2005, p. 101) “a cultura do estupro aponta comportamentos que são naturalizados e que atentam contra a liberdade sexual das mulheres”. Portanto, pode-se concluir, portanto, que há uma cumplicidade social com a violência contra a mulher, fortalecendo o que se denomina ‘cultura do estupro’.
2.7 A VIOLÊNCIA PERPETUADA
A indignação pertinente expõe a violência a qual as mulheres está exposto diariamente perpetuando uma cultura machista que naturaliza esses abusos. O assunto está cada vez mais em voga após o estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro (RJ). Para Pimental (2010, p. 98) “a cultura do estupro alavanca um processo de constrangimento social que perpetua a violência com papéis de gênero impostos pelo patriarcado”. Qualquer pessoa que subverta tais papéis será hostilizada pela sociedade machista.
Segundo Rocha (2010, p.77) “a impunidade é o principal motivo para que se perpetue este tipo de violência contra uma mulher”. Saffioti (2014, p. 34) também colaborada com Rocha ao afirmar que “a impunidade perpetua a violência sexual no país, impedindo a condenação dos autores de violência e trazendo uma visão retrógrada de todo sistema de segurança pública”. E uma parte do sistema de justiça ainda não se conscientizou da gravidade deste tipo de violência exatamente por sua visão machista.
 Por não se punir a violência sexual adequadamente, significa deixar o Brasil no atraso. O sistema de segurança pública culpa a mulher e busca justificativas. O que se enxerga no sistema de segurança pública é uma autorização velada para que se cometa este tipo de crime (WAISELFISZ, 2015).
Percebe-se que o Brasil não enfrenta a ‘cultura do estupro’ em sua origem social: o machismo. Isso perpetua a prática hierarquizada do homem no topo e reproduz relações sociais assimétricas de poder entre os gêneros. São necessárias, ao contrário, medidas que desconstruam de uma vez por todas as bases que sustentam essa estrutura que chamamos de sociedade patriarcal combatendo esses padrões de comportamento, crenças, conhecimento e costumes que compõem a cultura do estupro.
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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cultura do estupro necessita menos de manifestações nas redes sociais, campanhas fotográficas e mais de ações diretas e objetivas. É hipocrisia fingir que a condena se, no geral, a mesma militância relativiza os demais crimes de gênero. Quando se compactua de pensamentos que defendem a divisão das mulheres em categorias como as que ‘merecem’ X as que ‘não merecem’ ser violentadas; isso é cultura de estupro.
Para enfrentar o cenário atual de violência contra a mulher, é necessário reconhecer e combater de verdade toda e qualquer manifestação de gênero que possa a incitar tal ato criminoso. Culpar a vítima sem atribuir causa externas qualquer que seja o caso, sem abonar exceções por simpatia ideológica qualquer que seja o caso é tão crime quanto o ato original.
A cultura do estupro se beneficia pela lamentável cultura de relativização e aceitação da criminalidade como um todo. É necessário lutar contra tudo isso é falsidade ‘fazer de conta’ que se combate enquanto se relativiza condutas. No que tange aos crimes de estupro, existe um julgamento prévio por parte da sociedade e partes envolvidas, contestando a palavra da vítima e julgando comportamentos. Tais fatos não deviam se relacionar, haja vista o comportamento da vítima dever ser verificado dentro do contexto do crime.
Dessa forma, mulheres são vitimizadas pelas instâncias formais de poder e pela falta de amparo de parte da sociedade. Passou da hora de acabarmos com essas insensatezas ideológicas. Devemos agir para que essa violência não seja banalizada, começando pela educação, onde devemos ter a obrigação de ensinar as nossas crianças a não estuprar ao invés de ensinar a ‘se comportar’ para não serem estuprados. Quem defende a impunidade ou relativiza os crimes, colabora diretamente com a Cultura do Estupro. O crime deve ser punido seja qual for. Sem culpar vítimas ou evocar contextos. A Cultura do Estupro é resultado da cultura da impunidade.
REFERÊNCIAS 
ANUÁRIO. Brasileiro de Segurança Pública, ano 9, 2015. São Paulo, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2015. 
ARENDT, H. Da Violência. Tradução de Maria Cláudia Drummond. 12. Ed. Brasilia, Editora da UnB, 2005. 
ATILIO RAMOS, D. Aspectos psicológicos de mulheres que sofrem violência sexual. São Paulo-SP: Moderna, 2013.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2012.
BURKE, P. O que é história cultural? Tradução de Sérgio Goes de Paula. 4. Ed. Rio de Janeiro, Zahar, 2013. 
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DIAS, M. Conversando sobre a mulher e seus direitos. Livraria do Advogado. Porto Alegre: 2006.
 
FARIA, Fernanda C. Caiu na rede é porn: pornografia de vingança, violência de gênero e exposição da "intimidade". Contemporânea, Comunicação e Cultura, v. 13, n. 3, set/dez, 2015. 
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Nota técnica: Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde. Março-2014; Brasília.Disponível:www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_notatecnicadiest11.pdf; acesso em 20/12/2016.
LIMA, R. A dimensão do poder nas relações de gênero: o poder em debate. Recife: Unipress. In: CUNHA R. O atendimento às adolescentes autoras de atos infracionais no Estado do Rio Grande do Norte. Natal: 2014.
NARVAZ, M. Famílias e patriarcado: da prescrição normativa à subversão criativa. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, nº 1, v. 18, jan/abr, 2006. Disponível:www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102&script=sci_arttext. Acessado em: 19/12/2016.
PATEMAN, C. O contrato sexual. 4. Ed. Paz e Terra. Porto Alegre: 2011.
PIMENTAL, S. Estupro: crime ou “cortesia”? 3. Ed: Editora SafE: São Paulo, 2010.
ROCHA, J.C. Mulher, família e trabalho numa abordagem sócio-histórica. Monografia não publicada, Curso de Formação de Psicólogos, Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro, RJ. 2010.
ROST, M. Convenções de gênero e violência sexual: a cultura do estupro no ciberespaço. Contemporânea, comunicação e cultura, v. 13, n. 2, maio/ago. 2015.
SAFFIOTI,

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