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ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Departamento de Engenharia Naval e Oceânica ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA NAVAL Módulo 1: Arquitetura Naval PROF. DR. ANDRÉ LUIS CONDINO FUJARRA Material de apoio ao curso oferecido na Universidade de Pernambuco – UPE 2006 Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 1 2 14/12/2006 Texto completo 1 28/11/2006 Texto ainda incompleto Versão Data Observações Apostila: ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA NAVAL Módulo 1: Arquitetura Naval Dept./Unidade Data Autor PNV/EPUSP 2006 Prof. Dr. André Luís Condino Fujarra Curso oferecido pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo na Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 2 ÍNDICE 1. Introdução............................................................................................... 6 1.1 Estrutura do Curso de Especialização em Engenharia Naval........... 6 1.2 Programação do Módulo 1: Arquitetura Naval .................................. 6 2. Nomenclatura ......................................................................................... 9 3. Usos do Mar.......................................................................................... 10 3.1 Navios: sistemas para transporte no mar........................................ 10 3.1.1 Navios de carga geral .............................................................. 13 3.1.2 Navios porta containeres ......................................................... 15 3.1.3 Navios tanque.......................................................................... 19 3.1.4 Navios para Transporte de Gás Liquefeito .............................. 22 3.1.5 Navios de passageiros: cruzeiro e transporte rápido ............... 23 3.1.6 Rebocadores............................................................................ 25 3.2 Plataformas: sistemas para produção de óleo e gás no mar .......... 27 4. Geometria do Navio ............................................................................. 31 4.1 As Linhas do Casco ........................................................................ 31 4.2 Definições quanto às Formas do Casco ......................................... 35 4.2.1 Medidas Lineares..................................................................... 35 4.2.2 Coeficientes de Forma............................................................. 39 4.2.3 Velocidade Relativa ................................................................. 47 4.2.4 Proporções do Casco .............................................................. 48 4.3 Curvas Hidrostáticas ....................................................................... 50 5. Estabilidade Estática ........................................................................... 52 5.1 Altura Metacêntrica e Braço de Endireitamento.............................. 54 5.2 Ensaio de Inclinação ....................................................................... 56 Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 3 5.3 Curva de Estabilidade Estática ....................................................... 57 5.4 Alagamento e subdivisão ................................................................ 58 6. Estabilidade Dinâmica ......................................................................... 59 6.1 Curva de Estabilidade Estática e Energia do Movimento................ 59 6.2 Sistemas para Redução do Movimento de “Roll” ............................ 61 7. Resistência ao Avanço e Potência Requerida................................... 63 7.1 Ensaios em Tanques de Provas ..................................................... 65 7.2 Séries Sistemáticas......................................................................... 68 7.3 Determinação da Potência Requerida ............................................ 69 8. Propulsão e Sistemas Auxiliares........................................................ 71 9. A Estrutura do Navio............................................................................ 75 9.1 Requisitos para a Resistência do Casco......................................... 75 9.2 Arranjos Estruturais Típicos ............................................................ 80 9.3 As Sociedades Classificadoras....................................................... 85 9.4 Modelagem Numérica ..................................................................... 85 10. Materiais para a Construção Naval..................................................... 87 10.1 Propriedades Importantes para o Processo de Seleção do Material88 10.1.1 Maleabilidade e Disponibilidade à Junções ............................. 88 10.1.2 Resistência à Tração, Compressão, Flexão e Cisalhamento........................................................................... 88 10.1.3 Densidade................................................................................ 88 10.1.4 Resistência à Corrosão............................................................ 88 10.1.5 Outras Propriedades de Acordo com a Especificidade da Embarcação............................................................................. 89 10.2 Materiais Não Metálicos.................................................................. 89 10.2.1 Madeiras .................................................................................. 89 10.2.2 Compósitos.............................................................................. 90 Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 4 10.2.3 Concreto .................................................................................. 93 10.3 Materiais Metálicos ......................................................................... 94 10.3.1 Aço........................................................................................... 94 10.3.2 Ligas de Alumínio .................................................................... 95 11. Amarração e Linhas de Produção ...................................................... 97 11.1 Amarração ...................................................................................... 97 11.1.1 Máquina de supender .............................................................. 97 11.1.2 Tipos de âncoras ..................................................................... 98 11.2 Linhas de Produção (“risers” e umbilicais) ...................................... 99 12. Convenções, Normas e Regulamentos Marítimos .......................... 104 12.1 “IMO – International Maritime Organization” ................................. 104 12.2 Principais Convenções.................................................................. 105 12.2.1 Convenção de Linhas de Carga – “Load Lines”..................... 105 12.2.2 “SOLAS – International Convention for the Safety of Life at Sea” ....................................................................................... 107 12.2.3 “MARPOL – International Convention for the Prevention of Pollution from Ships”.............................................................. 108 12.2.4 “COLREGS – Convention on the International Regulation for Preventing Colisions at Sea”............................................. 108 12.2.5 “STCW – International Convention on Standards of Training, Certification and Watchkeeping for Seafarers”........ 108 12.2.6 Outras Convenções para casos mais específicos: ................109 12.3 Sociedades Classificadoras .......................................................... 109 12.4 Autoridade Marítima Brasileira...................................................... 110 13. Referências Bibliográficas ................................................................ 113 14. Glossário............................................................................................. 114 Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 5 Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 6 1. INTRODUÇÃO 1.1 Estrutura do Curso de Especialização em Engenharia Naval O curso está organizado em 13 (treze) módulos. Os 12 (doze) primeiros módulos são disciplinas de formação, a saber: • Módulo 1: Arquitetura Naval; • Módulo 2: Hidrostática; • Módulo 3: Hidrodinâmica; • Módulo 4: Análise Estrutural de Navios; • Módulo 5: Sistemas de Propulsão e Auxiliares; • Módulo 6: Análise de Projetos de Navios; • Módulo 7: Tecnologia de Construção Naval; • Módulo 8: Tecnologia de Fabricação, Inspeção e Controle de Corrosão; • Módulo 9: Gestão e Planejamento do Projeto e Construção Navais; • Módulo 10: Logística Aplicada à Construção de Navios; • Módulo 11: Metodologia de Pesquisa; • Módulo 12: Tecn. e Inspeção de Soldagem e END em Constr. Naval. Após a finalização dos módulos de disciplinas, haverá um período de 30 (trinta) dias sem atividades. Após este período será iniciado o Módulo de Orientação, onde será desenvolvida uma monografia de conclusão de curso. 1.2 Programação do Módulo 1: Arquitetura Naval Neste contexto, a presente apostila refere-se ao Módulo 1 – Arquitetura Naval, cujo objetivo é familiarizar o aluno com o navio, assumindo-o como um sistema de engenharia. Para tanto, as atividades se iniciarão com a introdução da nomenclatura usualmente aplicada no meio naval (e oceânico). Nesta etapa algumas Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 7 informações serão passadas aos alunos na forma de exposição áudio visual de projetos, desenvolvimentos e atividades importantes no segmento. Isto facilitará a compreensão e fixação dessas informações. Em seguida serão introduzidas as duas utilizações mais importantes do mar, aproveitando a oportunidade para apresentar os principais tipos de navio e plataformas de petróleo. Aqui cabe um comentário. Embora o foco do curso seja o navio, a título de enriquecimento do conhecimento, sempre que possível também serão apresentadas informações acerca da engenharia oceânica. Faz-se, então, uma apresentação da geometria do navio, discutindo elementos que facilitem sua representação e compreensão de maneira inequívoca. Esta etapa é fundamental para o desenvolvimento de muitos dos tópicos seguintes. Tendo sido apresentados aspectos quanto às formas do navio, discutir-se-ão outros relacionados com: estabilidade estática e dinâmica; resistência ao avanço; potência requerida; sistema propulsor; sistemas auxiliares; projeto estrutural; materiais para construção naval; sistema de amarração e fundeio; sistemas de “offloading” e, finalmente, regulamentações impostas por órgãos oficiais e sociedades classificadoras. Tratando-se de um módulo introdutório, os temas aqui abordados não serão desenvolvidos em sua plenitude, sendo reservada aos módulos subseqüentes esta função. Isto significa que o presente texto tem a opção por uma abordagem simples e clara, que facilite o primeiro contato do engenheiro que não tenha a formação naval com esse novo sistema de engenharia – o navio – sobretudo de uma forma que o motive e auxilie no aproveitamento dos conceitos e informações a serem fornecidos nos próximos módulos. A função do presente texto é, portanto, servir de material de apoio, indicando tópicos e assuntos que deverão ser complementados com textos indicados na bibliografia. Neste sentido, é importantíssima a participação ativa do aluno, agregando por conta própria um espectro maior de informações ao seu arcabouço de conhecimento. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 8 A carga horária deste primeiro módulo será de 30 (trinta) horas-aula, de acordo com a seguinte programação: Data Período Horários Assunto 18:30h – 19:20h Apresentação: Professor, alunos, curso e módulo 1 19:20h – 20:10h Nomenclatura 20:10h – 21:00h Nomenclatura 30 /1 1/ 20 06 Q ui nt a- fe ira N oi te 21:00h – 21:50h Filme de Motivação 18:30h – 19:20h Usos do Mar: Navios Típicos e Plataformas 19:20h – 20:10h Geometria do Navio 20:10h – 21:00h Coeficientes de Forma 01 /1 2/ 20 06 S ex ta -fe ira N oi te 21:00h – 21:50h Curvas Hidrostáticas 08:00h – 08:50h 08:50h – 09:40h 09:40h – 10:10h M an hã 10:10h – 11:00h Visita ao Navio 13:00h – 13:50h Estabilidade Estática 13:50h – 14:40h Estabilidade Dinâmica 02 /1 2/ 20 06 S áb ad o Ta rd e 14:40h – 15:30h Resistência ao Avanço Data Período Horários Assunto 18:30h – 19:20h Revisão dos Tópicos Anteriores 19:20h – 20:10h Potência Requerida 20:10h – 21:00h Propulsão do Navio 14 /1 2/ 20 06 Q ui nt a- fe ira N oi te 21:00h – 21:50h Sistemas Auxiliares 18:30h – 19:20h A Estrutura do Navio 19:20h – 20:10h Arranjo Estrutural Típico 20:10h – 21:00h Materiais de Construção Naval 15 /1 2/ 20 06 S ex ta -fe ira N oi te 21:00h – 21:50h Materiais de Construção Naval 08:00h – 08:50h Amarração e Fundeio 08:50h – 09:40h Linhas de Produção 09:40h – 10:10h Introdução ao Projeto de Navios M an hã 10:10h – 11:00h Exemplo de Projeto 13:00h – 13:50h Convenções, Normas e Regulamentos Marítimos 13:50h – 14:40h Autoridade Marítima Brasileira 16 /1 2/ 20 06 S áb ad o Ta rd e 14:40h – 15:30h Sociedades Classificadoras Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 9 2. NOMENCLATURA Como premissa para a compreensão dos temas abordados neste e em outros textos deste curso de especialização, faz-se necessária a apresentação dos principais termos e definições usuais no segmento de engenharia naval. Desta forma, é estabelecido um vocabulário mínimo e preciso que proporcione aos alunos condições de compreender os vários aspectos teóricos que serão oferecidos e discutidos. Neste módulo introdutório de Arquitetura Naval, esta apresentação de termos e definições se faz com base em um conjunto mínimo disponível no glossário desta apostila. Obviamente, este glossário não contempla a totalidade da nomenclatura, podendo constantemente ser aprimorado pelos professores e os próprios alunos. Além desse glossário, outro, desenvolvido pelo Instituto Pan Americano de Engenharia Naval, é disponibilizado na forma digital. Se por um lado esse segundo glossário não traz descritivos e definições, de outro, apresenta uma tabela importante de equivalência entre termos nos idiomas português, inglês e espanhol. É importante deixar claro que em muitos casos, termos em inglês são mais empregados que seus equivalentes em língua portuguesa e / ou espanhola. Daí a valiosa disponibilidade deste material. Buscando sedimentar a nomenclatura, e concomitantemente complementá-la, parte das informações também é transferida através da apresentação de material áudio visual contendo alguns bons exemplos de atividades e tecnologias desenvolvidas no contexto da engenharia naval e / ou oceânica. Além deste objetivo, conforme adiantado na introdução, este materialtambém contribui para a motivação dos alunos quanto aos principais tópicos a serem ministrados neste e nos demais módulos. Tratando-se de uma atividade menos expositiva e mais participativa, espera-se um aproveitamento melhor por parte dos alunos, logicamente pressupondo uma participação ativa dos mesmos. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 10 3. USOS DO MAR Com 70% da superfície da Terra coberta por águas, seguramente os oceanos representam uma imensidão de oportunidades à produção de alimentos e energia; à exploração de recursos minerais, principalmente hidrocarbonetos em reservatório submarinos; e à promoção de transporte de cargas e passageiros entre as regiões mais distantes do globo. Além dessas, há que se lembrar da oportunidade à crescente exploração náutica esportiva e recreativa. Portanto, tem-se também uma imensa demanda por veículos e sistemas que permitam o aproveitamento racional dessas oportunidades. A Figura 1 ilustra as oportunidades e alguns desses principais veículos e sistemas. Figura 1: Oportunidades oferecidas pelos oceanos. Fonte: Moan, 2004. A função desta seção é apresentar os diferentes sistemas desenvolvidos para a utilização do mar, em particular navios e plataformas, identificando tecnologias e preocupações durante o processo de pesquisa e desenvolvimento dos mesmos. 3.1 Navios: sistemas para transporte no mar A economia moderna está intrinsecamente ligada ao transporte no mar. Cerca de 70% do comercio mundial, e 95% do transporte internacional, faz uso de navios, visto que nenhum país é suficientemente independente a ponto de não necessitar aporte de produtos como: combustíveis, matérias-primas, alimentos ou bens manufaturados. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 11 Obviamente, os portos são parte importante do sistema de transporte, provendo um ponto de encontro entre os meios terrestre e aquático de movimentação de cargas e pessoas. Além disso, equipamentos especializados para a manipulação são altamente necessários, face à enorme quantidade de carga a ser movimentada e a imperativa eficiência neste processo. Regiões portuárias, portanto, têm se tornado foco de convergência para indústrias dedicadas, o que demanda mão-de-obra especializada e, por conseqüência, acaba promovendo o desenvolvimento de grandes cidades portuárias. Por sua vez, o navio representa outra parte crucial do sistema de transporte no mar, configurando-se cada vez mais como um veículo altamente especializado e de certa forma complexo, face às grandes dimensões que vem sendo exigidas. De uma maneira geral, os custos de um navio dependem de sua complexidade e do número de unidades a serem construídas. A Figura 2, de acordo com os níveis europeus de construção naval, compara o custo por massa de: • Um navio porta containeres, de 0,2 a 0,6 Euro/kg; • Um navio para transporte de gás natural liquefeito, de 0,5 a 1,0 Euro/kg; • Com os de navios para transporte de passageiros: rápidos ou de cruzeiro, de 1,0 a 1,5 Euro/kg, que juntamente com os militares são os mais caros. Figura 2: Comparação entre os custos de alguns tipos de navios. Fonte: Moan, 2004. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 12 De uma maneira geral, embarcações podem ser classificadas quanto ao tipo de sustentação responsável por sua operação na superfície: aerostática, hidrodinâmica e hidrostática. No primeiro grupo encontram-se as embarcações que se sustentam sobre a superfície da água através de colchões de ar e por essa razão são as mais velozes. O segundo grupo, por sua vez, é composto por embarcações que se valem de efeitos hidrodinâmicos em fólios (asas) ou na própria geometria do fundo do casco (cascos de planeio) para promover sustentação. Também são embarcações bastante rápidas e seus representantes mais conhecidos são as lanchas de recreio. O terceiro, e último, é o grupo no qual se encontram as embarcações que se valem do efeito hidrostático para a manutenção da sustentação na superfície (embarcações de deslocamento) e seus maiores representantes são os navios. Estas embarcações exibem menores velocidades, quando comparadas com aquelas dos demais grupos, no entanto, permitem maiores capacidades de carga transportada. Figura 3: Classificação das embarcações. É neste grupo de embarcações de deslocamento que as discussões do curso estarão concentradas, utilizando-se como elemento de estudo os navios. Para Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 13 tanto, antes de qualquer estudo, faz-se necessária uma classificação dos navios quanto às várias finalidades para as quais podem ser projetados. Obviamente, nem todos os tipos são apresentados neste texto, apenas os principais, para os quais são discutidos aspectos da geometria e um breve histórico da evolução. 3.1.1 Navios de carga geral Os navios de carga geral surgiram naturalmente da demanda por transporte de cargas fracionadas. Têm como tônica a auto-suficiência, na medida em que não demandam (ou demandam pouco) sistemas portuários para a movimentação de carga e descarga. No início, Figura 4 (a) e (b), tratavam-se de embarcações de pequeno porte, caracterizadas por linhas de casco que não privilegiavam grandes capacidades de porão e com conveses dotadas de sistemas de carga e descarga sem muita especialização. Nas décadas de 50 e 60 os navios de carga geral iniciaram um processo de desenvolvimento. Passaram a contar com formas mais apropriadas para os cascos, em alguns casos dotados de superestrutura a meia nau, e sistemas mais eficientes e de maior capacidade para o transbordo da carga, Figura 4 (c). (a) (b) Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 14 (c) (d) Com o passar dos anos, Figura 4 (d) os navios de carga geral passaram a privilegiar uma superestrutura a ré e sistemas de carga e descarga ainda mais potentes (70-80ton); em alguns casos, bastante especializados. (e) Atualmente, Figura 4 (e), esse tipo de navio tem sofrido um processo de especialização ainda maior, com grandes capacidades de carga nos guindastes (320ton), superestruturas mais altas e menos longa de maneira a ampliar a capacidade de convés e, portanto, proporcionar o transporte de grandes sistemas. Obviamente, este aumento de capacidade exigiu projetos estruturais melhores. Existem, ainda, Figura 4 (f) e (g), navios especializados no transporte de grandes cargas de convés, por exemplo outros navios e até plataformas. Nestes casos, Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 15 esses navios são dotados de sistemas eficientes de compartimentagem e controle de lastro, que permite imersões bastante grandes para facilitar o embarque da carga. (f) (g) Figura 4: Evolução dos navios de carga geral. Fonte: www.solentwaters.co.uk. 3.1.2 Navios porta containeres Conforme comentado, a demanda por eficiência no transporte de grandes quantidades de carga geral exigiu a especialização dos navios e dos elementos facilitadores dos seus processos de carga e descarga. Neste sentido, surgiram os navios porta containeres, caracterizados pelo transporte de carga na forma de unidades padronizadas, os containeres, com dimensões de ou ftftft 2088 ×× ftftft 4088 ×× . O TEU, do inglês “Twenty-foot Equivalent Unit”, é a unidade de mediada da capacidade em containeres de um navio. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval16 Figura 5: Evolução dos navios porta containeres. Fonte: www.solentwaters.co.uk. A Figura 5 ilustra a evolução da capacidade em TEU dos navios porta containeres. Em sua primeira geração, de 1956 a 1970, essas embarcações tinham uma capacidade de no máximo 800TEUs. Aproximadamente quarenta anos mais tarde, já na quinta geração, esta capacidade aumentou 10 vezes e os navios porta containeres passaram a contar com maiores velocidades (20- 25Knots) e sistemas especiais para o transporte de cargas perecíveis através de containeres refrigerados. Figura 6: Evolução dos navios porta containeres em termos de TEUs – Twenty-foot equivalent units. Fonte: www.solentwaters.co.uk. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 17 A Figura 6 mostra graficamente a evolução da capacidade em TEU ao longo dos anos e permite uma projeção de embarcações ainda maiores. De fato, já se encontram em construção embarcações com capacidade de 9200TEUs e outras em projeto para uma capacidade de 12000TEUs. Figura 7: Classificação dos navios porta containeres em função da capacidade em TEUs e canal por onde opera (Panamá ou Suez). Fonte: www.solentwaters.co.uk. Uma possível classificação para os navios porta containeres é apresentada na Figura 7 de acordo com o canal por onde opera (Panamá ou Suez) e, portanto, a máxima capacidade. Desta forma, no limite inferior se tem os “small feeders”, com capacidade de até 1000TEUs e boca máxima de aproximadamente 23m, Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 18 passando pelos “feeders” (1000 – 2500TEUs), “Panmax” (2500 – 5000TEUs), “Post-Panamx” (5000 – 10000TEUs), até os “Suezmax” com capacidade de até 12000TEUs o que demanda uma boca de 70m e um comprimento de 500m. Projeta-se, ainda, a criação de uma sexta classificação, os “Post-Suezmax”, com capacidade acima dos 12000TEUs. (a) (b) (c) (d) Figura 8: Exemplos de navios porta containeres: (a) Feeder com equipamento de carga e descarga próprio, (b) Médio porte, (c) Grande porte. Fonte: www.solentwaters.co.uk. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 19 Com o passar dos anos, elementos como guindastes foram sendo retirados do convés, como forma de aumentar a capacidade em TEUs do navio. A Figura 8 ilustra alguns exemplos de navios porta containeres (“feeder”, médio porte e grande porte), onde se pode perceber a evolução da capacidade de convés, fruto da eliminação do guindastes. Muitos operadores atuais vêm usando navios MPP, “Multi Purpose Container Ship”. Estes navios são capazes de transportar carga geral, granéis e containeres. Neste caso, geralmente faz-se necessária a utilização de guindastes de convés, Figura 8(d). 3.1.3 Navios tanque Esses navios são especializados no transporte de líquidos. Aqueles especializados no transporte de óleo cru e / ou derivados de petróleo podem ser virtualmente gigantescos, normalmente denominados de VLCCs, “Very Large Crude Carriers”, e ULCCs “Ultra Large Crude Carriers”. Atualmente, o maior casco deste tipo em operação (como plataforma, FPSO – “Floating, Production, Storage and Offloading”) é o Knock Nevis (ex Jahre Viking), com 564000 toneladas (dwt). A Figura 9 traz seu arranjo de tanque, algumas fotos e uma comparação com algumas embarcações conhecidas. Os navios tanque (também chamados de “tankers”) são tipicamente caracterizados por amplos conveses contínuos, sem a presença de sistemas de carga e descarga, bem como longas pontes de comando. Possuem pequena borda livre, quando completamente carregados, e somente grandes terminais podem recebê-los, sendo muitas vezes necessário um transbordo de parte da carga antes da atracação (através de um outro navio de menor porte, o aliviador). Além disso, seus tanques são bastante compartimentados por anteparas, tanto longitudinais quanto transversais, com o objetivo de diminuir o efeito de superfície livre dentro dos tanques e, com isso, garantir uma boa estabilidade dinâmica. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 20 Figura 9: O maior ULCC: Knock Nevis (ex Jahre Viking). Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 21 Estruturalmente são bastante reforçados e, atualmente, faz-se a exigência que apresentem duplo fundo. A Figura 10 ilustra a construção da estrutura de um VLCC. Notar a grande compartimentagem dos tanques, a enorme presença de dutos que proporcionam a manobra de carga entre esses tanques e o duplo fundo. Figura 10: Foto de um VLCC em construção: arranjo estrutural. Os navios tanque para transporte de derivados são ligeiramente menores que os de transporte de óleo cru. Seus tanques são em geral totalmente independentes, de tal forma que se possibilite a simultânea carga (ou descarga). O convés principal é mais equipado, com uma quantidade maior de dutos para as transferências de carga. Dadas as grandes dimensões, não são raros casos de “tankers” dotados de sistemas auxiliares de propulsão na proa. Estes são os chamados “shuttle tankers”. A Figura 11 ilustra um exemplo deste tipo de navio. Os “tankers” configuram uma classe rica em detalhes a serem discutidos. Desta forma, maiores detalhes quanto a esse tipo de navio serão apresentados e discutidos no transcorrer desse e outros módulos do curso. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 22 Figura 11: Exemplo de “shuttle tanker”. Fonte: www.abb.de. 3.1.4 Navios para Transporte de Gás Liquefeito Gás liquefeito é uma substância gasosa em temperatura e pressão ambientes, mas liquefeita por pressurização e / ou refrigeração. Virtualmente, todos os gases liquefeitos são hidrocarbonetos naturalmente inflamáveis. Basicamente, existem dois grandes grupos de navios especializados no transporte de gás liquefeito (LNG – “Liquefied Natural Gas” e LPG – “Liquefied Petroleum Gas”). Figura 12: Exemplos de navios para transporte de gás liquefeito. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 23 Devido às altas pressões e o caráter inflamável, esses navios são caracterizados por um casco totalmente independente dos tanques que acondicionam a carga. Entre outros aspectos, vem daí, portanto, a grande diferença entre estes navios e os “tankers”. Ainda com relação aos tanques, estes podem ser independentes e auto-suportados (geralmente esféricos ou cilíndricos) ou separados por membranas, Figura 12. 3.1.5 Navios de passageiros: cruzeiro e transporte rápido Os navios para transporte de passageiros podem ser subdivididos em dois grandes grupos: o primeiro caracterizado pela atividade de recreio (navios de cruzeiro), em geral com velocidades moderadas, porém superiores àquelas desenvolvidas pelos navios até aqui apresentados, e o segundo grupo caracterizado por embarcações de transporte rápido (“ferries”). Figura 13: Evolução recente dos navios de cruzeiro. Fonte: www.solentwaters.co.uk. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 24 Independente desta subdivisão são embarcações que privilegiam o conforto e segurança dos passageiros, portanto, implicando em consideráveis custos de construção, operação e manutenção. Trata-se de uma classe de navios em rápida e constante evolução o que se pode notar através da Figura 13, onde são comparadas diferentes gerações de navios de cruzeiro. (a) (b) Figura 14: Exemplo de navio para transporte rápido de passageiros. (a)(b) (c) Figura 15: Desenvolvimentos futuros no transporte de passageiros: (a) Techno Superliner – TSL, (b) Navios residenciais e (c) Monocascos de alta velocidade. Fonte: www.solentwaters.co.uk. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 25 A Figura 14, por sua vez, ilustra exemplos de embarcações rápidas utilizadas no transporte de passageiros no norte da Europa. Eventualmente, esta categoria de embarcações pode, também, disponibilizar o transporte simultâneo de veículos rodoviários. Exemplos de desenvolvimentos de ponta são apresentados na Figura 15. Em (a) tem-se uma ilustração do TSL, “Techno Superliner”, que é uma embarcação desenvolvida por indústrias japonesas para atingir velocidades de até 40Knots através do princípio aerostático, rever Figura 3. Em (b) é ilustrado um luxuoso navio residencial operado e gerenciado pelo grupo “Four Seasons Hotels and Resorts”. Finalmente, em (c) apresenta-se o projeto denominado “M/S Four Seasons”, embarcação de aproximadamente 200m de comprimento, 100 cabines e velocidades superiores aos 40Knots. 3.1.6 Rebocadores Rebocadores são embarcações de menor porte (rever, por exemplo a Figura 9), porém não menos importantes, já que são especializados na operação de manobra dos grandes navios. Possuem grande potência instalada e, eventualmente, sistemas de apoio como, por exemplo, o de combate a incêndio. Em termos de propulsão podem ser caracterizados como convencional, azimutal, do tipo Voith Schneider e duplo azimutal. Assim ordenados de acordo com o grau de manobrabilidade que estes sistemas proporcionam. Alguns rebocadores também podem ser dotados de um propulsor de proa, em uma configuração semelhante àquela apresentada pelos “shuttle tankers”. Uma característica importante dos rebocadores é o seu “bollard pull” – medida da tração estática longitudinal disponibilizada ao reboque de um navio. Esta capacidade dos rebocadores define o número de embarcações deste tipo necessárias para a atracação ou desatracação de um navio de porte muitas vezes maior. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 26 (a) (b) (c) (d) Figura 16: Exemplos de rebocadores com diferenças quanto à propulsão: (a) convencional, (b) azimutal, (c) do tipo Voith Schneider, (d) duplo azimutal. Fonte: www.solentwaters.co.uk. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 27 3.2 Plataformas: sistemas para produção de óleo e gás no mar Embora não seja o foco deste curso, as plataformas oceânicas representam um importante segmento de atuação correlata do engenheiro naval. Em geral, são grandes sistemas de produção de óleo e gás no mar, podendo apresentar grande diversidade de geometria, dependendo da capacidade, posicionamento (fixas ou flutuantes), operação (perfuração ou produção), local e profundidade de operação, entre outros aspectos. Figura 17: Principais tipos de plataforma. Fonte: Moan, 2004. A Figura 17 ilustra os principais tipos de plataforma. De acordo com essa figura, tais unidades podem ser assim caracterizadas (Fonte: www.petrobras.com.br): a) Plataformas fixas: Geralmente constituídas de estruturas modulares em aço, instaladas no local de operação com estacas cravadas no fundo do mar (profundidades de até 200m). São plataformas projetadas para receber todos os equipamentos de perfuração, estoque de materiais, alojamento de pessoal, bem como todas as instalações necessárias para a produção dos poços. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 28 b) Plataformas fixas por gravidade: como o próprio nome diz, apóiam-se ao leito por gravidade. Em geral, são fabricadas em concreto ou aço, tendo como finalidade principal a produção de petróleo em lâminas d’água de até 400m. Podem operar sozinhas, e desta forma necessitam ligação direta com a costa, ou com o auxílio de um navio aliviador. c) Plataformas semi-submersíveis: são compostas por um ou mais conveses e se apoiando em flutuadores submersos. Por se tratarem de unidades flutuantes, sofrem movimentos devido à ação das ondas, correntezas e ventos, portanto com impacto direto sobre os equipamentos que as conectam ao leito do oceano. Desta forma, faz-se necessário um sistema de posicionamento para garantir a manutenção da localização na superfície do mar (dentro de um círculo com raio de tolerância ditado pelos equipamentos de sub-superfície). Dois tipos de sistema são responsáveis pelo posicionamento deste tipo de unidade: o sistema de ancoragem e o sistema de posicionamento dinâmico. O sistema de ancoragem é constituído de 8 a 12 âncoras e cabos (e / ou correntes), atuando como molas que produzem esforços capazes de restaurar a posição quando esta é modificada pela ação das ondas, ventos e correntezas. Por sua vez, o sistema de posicionamento dinâmico não necessita uma ligação física da plataforma com o fundo do mar (exceto aquela dos equipamentos de perfuração). Neste caso, sensores acústicos determinam a deriva com relação a um referencial e propulsores no casco, acionados por computador, restauram a posição da plataforma. As plataformas semi- submersíveis dispõem de uma grande capacidade de mobilidade, podendo ou não apresentar propulsão própria, sendo assim as mais indicadas para processos de perfuração de poços. d) TLP – “Tension Leg Platform”: trata-se de unidade flutuante utilizada para a produção de petróleo, cuja estrutura é muito semelhante à da plataforma semi-submersível. Sua ancoragem ao leito do oceano, no entanto, caracteriza-se por estruturas tubulares (como tendões fixos ao leito por Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 29 estacas) mantidas esticadas pelo excesso de flutuação da plataforma, o que reduz severamente os movimentos da mesma. e) Plataformas do tipo FPSO – “Floating, Production, Storage and Offloading”: são navios com capacidade para processar e armazenar o petróleo, além de prover sua transferência, de tempos em tempos, para um navio aliviador. No convés desse tipo de plataforma é instalada um planta de processo para separar e tratar os fluidos produzidos pelos poços. Desta forma, são unidades com grande capacidade de produção diária (petróleo e gás). Além destes sistemas, existem pelo menos mais dois igualmente importantes. A plataforma auto-elevatória – PA, ver Figura 18: basicamente semelhante a uma balsa equipada com estrutura treliçada de apoio (pernas passíveis de acionamento, mecânico ou hidráulico, que se movimentam para baixo até atingirem o leito. Após atingir o fundo, a plataforma se eleva acima do nível do mar a uma altura segura, onde esteja fora da ação das ondas. Essas plataformas são móveis, sendo transportadas por rebocadores ou por propulsão própria. Destinam-se à perfuração de poços exploratórios na plataforma continental, em lâmina d’água que variam de 5 a 130m. Figura 18: Plataforma alto-elevatória, PA. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 30 O navio-sonda, ou “drilling ship”: é um navio projetado para a perfuração de poços submarinos. Sua torre de perfuração localiza-se no centro do navio, onde uma abertura no casco permite a passagem da coluna de perfuração. O sistema de posicionamento do navio-sonda, composto por sensores acústicos, propulsores e computadores, anula os efeitos do vento, ondas e correntezas que tendem a deslocar o navio de sua posição. A Figura 19 mostra uma ilustração deste tipo de unidade flutuante. Figura 19: Ilustração de um navio-sonda.Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 31 4. GEOMETRIA DO NAVIO Após terem sido apresentados os principais sistemas que permitem o uso do mar segundo suas várias possibilidades econômicas, energéticas e de lazer, pretende- se, agora, focar atenção sobre o principal destes sistemas: o navio. Como primeira abordagem, tem-se, portanto, a intenção de introduzir as principais definições a cerca da geometria do navio, bem como seus impactos sobre o desempenho e as próprias formas do casco. Há que se destacar que no meio naval é importantíssimo um entendimento comum e claro dos termos que dão significado as principais dimensões e características do navio, de tal forma que se possa estabelecer uma comunicação eficiente e precisa durante os seus processos de projeto, construção e operação, quer seja em contexto factual, qualitativo, quer no contexto quantitativo. Inevitavelmente, há alguma divergência lingüística entre os três principais setores do segmento naval: o militar, o mercante e o de recreio. No entanto, o jargão oriundo do segmento mercante é o que se mostra mais difundido, pela própria característica intrínseca de considerar uma variedade maior de tipos de embarcações. Desta forma, será o adotado neste curso. Obviamente, sempre que se mostrar interessante comentar alguma definição estabelecida com base nos demais segmentos (militar e de recreio), esta será apresentada de forma conveniente. 4.1 As Linhas do Casco Antes da definição quanto às dimensões e características do casco, é importante se esclarecer como os engenheiros navais definem a geometria tridimensional complexa do casco através de uma representação bidimensional mais simples, porém não menos precisa e clara. Basicamente, a solução adotada consiste no uso de inúmeros planos imaginários de corte, cujas intersecções com a forma tridimensional do casco definem Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 32 contornos que podem ser representados na forma bidimensional, conhecido como plano de linhas. Ver Figura 20. Figura 20: Planos imaginários de corte para a construção do plano de linhas. Portanto, trata-se de um procedimento semelhante ao adotado por cartógrafos quando adotam curvas de nível na representação de um relevo, cada qual em uma elevação devidamente identificada com relação a um referencial. Efetuando-se cortes transversais no casco através de planos verticais imaginários, é possível se obter o que se conhece comumente como plano de balizas. Já que geralmente as embarcações exibem uma simetria em relação à sua linha de centro longitudinal, essa representação necessita apresentar apenas um dos seus bordos. Por convenção, o plano de balizas apresenta representações bidimensionais avante (AV) da seção mestra em seu lado direito e, por conseguinte, representações de intersecções a ré (AR) da seção mestra em seu lado esquerdo. Desta forma, as curvas obtidas pela intersecção dos Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 33 planos verticais e transversais de corte, as balizas, com a superfície do casco são então sobrepostas e numeradas de proa a popa. A baliza mais avante, proa, é sempre identificada como baliza zero. Ver Figura 21. Com isso, tem-se a completa definição bidimensional do casco tridimensional da embarcação, suficiente para a maioria dos cálculos comentados de uma maneira qualitativa nas seções seguintes desta apostila e aprofundados em módulos futuros do presente curso de especialização. Analogamente, se forem realizados cortes longitudinais no casco através de planos verticais e horizontais imaginários, são obtidos respectivamente os planos de linhas de alto e de linhas d’água. Novamente, devido à simetria, apenas linhas d’água referentes a um bordo são representadas. Além dessas, é comum a representação auxiliar da intersecção entre linhas inclinadas, WZ – diagonais de bojo, no plano de balizas. Desta forma, a curva ilustrada na porção inferior do plano de linhas d’água, diagonal de bojo expandida, representa as formas do casco na intersecção se sua superfície com o plano imaginário de corte, inclinado e longitudinal (representado no plano de balizas pelas linhas WZ). Tem-se, portanto, o plano de linhas completo do casco, através do qual pode-se notar a seguinte idéia geral: a localização dos planos de corte sempre é apresentada em duas das três vistas. Concomitantemente, a representação das intersecções definidas por estes planos aparece apenas na vista onde eles respectivamente comparecem. Naturalmente, a transformação da representação bidimensional, plano de linhas, em uma representação espacial tridimensional não é trivial e demanda uma habilidade por parte do engenheiro naval; dificilmente traduzida de uma forma simples através de um texto. A esse respeito, basta concluir dizendo que ferramentas (ambientes) computacionais, como por exemplo: AutoCAD®, Rhinoceros® e AutoShip®, têm tornado essa tarefa mais ágil e menos trabalhosa, inclusive com a disponibilidade de pacotes complementares especificamente voltados para a arquitetura naval, que disponibilizam cálculos automáticos de muitos dos parâmetros mais adiante apresentados e discutidos. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 34 Figura 21: Exemplo de um plano de linhas. Note que os plano de baliza, de linhas de alto e de linhas d’água não necessariamente na mesma escala. Fonte: PNA, Lewis 1988. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 35 4.2 Definições quanto às Formas do Casco Uma das mais importantes definições quanto às formas do casco diz respeito ao plano de linha d’água de projeto, ou mais especificamente à linha d’água de projeto, DWL – do inglês “designed waterline”, ou seja a linha d’água na qual o navio é projetado para flutuar segundo uma carga predeterminada. 4.2.1 Medidas Lineares No que tange à longitudinal do navio, são três os comprimentos principais: O comprimento total, LOA– do inglês “length overall”, importante para, por exemplo, os aspectos relacionados com as obras civis do dique onde o navio será construído, ou do porto onde pretende atracar. O comprimento na linha d’água, LWL – do inglês “length at waterline”, especialmente importante para os cálculos hidrostáticos e hidrodinâmicos do navio. Definido como o comprimento entre o ponto mais a ré e o ponto mais avante do casco, ambos na linha d’água. O comprimento entre perpendiculares de proa (FP, “fore perpendicular”) e de popa (AP, “aft perpendicular”), denominado por LBP – do inglês “length between perpendiculars” é usado como referência pela maioria das sociedades classificadoras. Em muitos casos, o LBP é arbitrariamente definido como sendo igual ao LWL. No entanto, pode haver uma sutil diferença relacionada com a característica da popa do navio, fazendo com que nesta região a perpendicular AP não passe pelo ponto mais a ré do casco na linha d’água. Neste caso, se o navio possuir uma estrutura de popa bem definida (paralela à madre do leme), esta definirá a posição da perpendicular AP. Por outro lado, se o navio não apresentar uma geometria bem definida de encerramento das obras vivas do casco, então a posição da perpendicular AP será igual à posição da madre do leme. Uma melhor visualização desta distinção é apresentada na Figura 22. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 36 Figura 22: Definição dos principais comprimentos do navio. Fonte: Benford, 1991. A Figura 23 traz uma série de outras característicase dimensões importantes relacionadas com a seção transversal moldada do navio. A expressão moldada, neste caso, diz respeito à forma interna ao forro do casco, mais conhecido como chapeamento. Adotam-se dimensões e características com relação à geometria moldada, visto que a partir dela tem-se a definição simultânea tanto do próprio chapeamento como da estrutura interna de reforço, ou cavername. Identificam-se duas linhas principais de referência. A primeira, geralmente marcada por BL – do inglês “baseline”, refere-se à linha de base, enquanto a segunda, CL – do inglês “centerline”, informa a linha de centro da seção transversal. De acordo com essas linhas de referência, definem-se, então, as seguintes dimensões: Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 37 Meia boca moldada, 2B – do inglês “molded half beam”, que se trata da metade máxima largura moldada do navio. Pontal, D – do inglês “depth”, é a altura da seção transversal, medida da linha de base até a intersecção entre costado e convés (o glossário traz maiores esclarecimentos quanto aos termos). O pontal é um limitante para a operação de navios em portos e canais. Desta forma, com o objetivo de maximizar a capacidade de transporte de carga, geralmente os navios são projetados para operar sem trim, ou seja, com a quilha paralela à linha d’água. Embarcações de pequeno porte, no entanto, são projetadas para operar com trim de popa, ou seja, popa mais imersa que proa. Nestes casos, a linha de base será estabelecida no ponto mais baixo das formas moldadas do casco, ver Figura 24. Figura 23: Características do navio, relacionadas com a sua seção transversal. Fonte: Benford, 1991. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 38 Figura 24: Localização da linha de base em situações de embarcação com trim. Fonte: Benford, 1991. Calado, T – em inglês denominado de “draft”, é a profundidade de imersão do navio, também medida com relação à linha de base, levando-se em conta o balanço entre o peso abordo e o peso do volume deslocado de água necessária para garantir sua flutuação (Princípio de Arquimedes). Em algumas situações, podem existir apêndices mais baixos que a quilha, por exemplo: bolinas, o que aumenta substancialmente o calado moldado. Ainda com relação à Figura 24, definem-se alguns termos importantes para a seção transversal moldada: “Deadrise”, inclinação do fundo do navio. Juntamente com a usual região plana no entorno da linha de centro do navio, “half siding”, tem a função de evitar danos à região da quilha durante um eventual procedimento de docagem seca. Além dessa função, o “deadrise” facilita o processo de retirada de líquidos dos tanques do navio. Raio do bojo, ou “bilge radius”, tem a função de minimizar os efeitos da dinâmica de fluidos contidos nos tanques durante os movimentos de jogo do navio. “Tumblehome”, inclinação do casco com relação à vertical do costado na região do trincaniz. Tem a função de minimizar danos por ocasião de contatos com o cais ou defensas durante o procedimento de atracação. “Flare”, concavidade de proa com a dupla função de aumentar a área nessa região, portanto melhorar o espaço para os equipamentos e manobra de amarração, e agir como elemento defletor de ondas, evitando água no convés do navio, em inglês “greenwater”. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 39 “Camber”, concavidade transversal do convés, com posição mais baixa nos bordos do navio, que auxilia no processo de drenagem de águas provenientes da chuva, ou da própria ação das ondas. “Sheer”, função análoga ao “camber”, porém na direção longitudinal da embarcação. Em geral, essa curvatura é parabólica com a posição mais baixa a meia nau. Uma última consideração quanto à seção transversal moldada. É possível que essa seção transversal apresente quinas, ao contrário das formas carenadas através de raios de concordância, o que facilita em muito sua construção. Como se trata de situação não usual em navios, esta geometria não será discutida no presente texto, permanecendo apenas como informação complementar. 4.2.2 Coeficientes de Forma Nesta seção é apresentada uma família de coeficientes adimensionais que complementam informações acerca das obras vivas do casco. O primeiro adimensional é o coeficiente de bloco, , que dá idéia de quão cheia são as formas do casco abaixo da linha d’água. Numericamente, refere-se à razão entre o volume moldado das obras vivas (considerando a linha d’água de projeto) e o volume do sólido imaginário de seção retangular determinado pelo comprimento, boca e calado do navio (ver BC Figura 25): TBL VCB ⋅⋅= , onde: V é o volume de deslocamento moldado; L é o comprimento (LWL ou LBP); B é a boca moldada; T é o calado de projeto. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 40 Figura 25: Esquema para o cálculo do coeficiente de bloco. Fonte: Benford, 1991. A Tabela 2, complementada pela Tabela 3, traz a comparação entre as principais características dimensionais e de coeficientes adimensionais para dezesseis embarcações típicas, sendo elas: Tabela 1: Tipo de embarcações consideradas nas comparações da Tabela 2 e também da Tabela 3. Embarcações 1 Transatlântico 9 Petroleiro: Óleo Cru 2 Passageiros e Cargas 10 Derivados de Petróleo 3 Porta Container I 11 LNG 4 Porta Container II 12 Offshore Supply 5 Carga Geral 13 Pesqueiro 6 Barcaça 14 Quebra-gelo 7 Roll on / Roll off 15 Fragata 8 Granéis Sólidos 16 Dique Flutuante Com relação aos coeficientes de bloco pode-se afirmar que estão intimamente relacionados com a velocidade das embarcações. De uma maneira geral, quanto maior o coeficiente de bloco (um petroleiro apresenta valor típico de ), 850,0=BC Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 41 maior a capacidade de carga. Concomitantemente, menores valores de , que portanto estejam associados a formas de casco mais afiladas, implicam em menor resistência ao avanço e, desta forma, estarão associados a embarcações com maiores velocidades, ver por exemplo o caso da Fragata, embarcação 15, cujo , muito menor que o do petroleiro, mas que permite uma velocidade de até . BC 449,0=BC Knots30 Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 42 Tabela 2: Comparação entre as características principais de algumas embarcações típicas. 8 27 2, 03 26 0, 60 26 0, 60 19 ,0 5 32 ,2 3 13 ,9 6 10 05 00 0, 83 6 0, 99 6 0, 83 9 0, 89 8 0, 93 1 +2 ,5 10 ,7 5, 54 8, 09 2, 31 24 00 0 16 ,5 0, 16 8 1/ 1 7 20 8, 48 19 5, 07 19 5, 07 21 ,1 8 31 ,0 9 9, 75 34 43 0 0, 56 8 0, 97 2 0, 58 4 0, 67 1 0, 84 6 -2 ,4 9, 7 5, 18 6, 27 3, 19 37 00 0 23 0, 27 0 1/ 1 6 27 2, 29 24 3, 03 24 7, 90 18 ,2 9 30 ,4 8 8, 53 38 40 0 0, 58 2 0, 92 2 0, 63 1 0, 76 5 0, 76 2 -1 ,6 5, 6 2, 46 8, 13 3, 57 32 06 0 22 0, 22 9 1/ 1 5 17 1, 80 17 1, 80 15 8, 50 13 ,5 6 23 ,1 6 8, 23 18 97 0 0, 61 2 0, 981 0, 62 4 0, 72 4 0, 84 5 -1 ,5 4, 0 4, 65 6, 84 2, 81 17 50 0 20 0, 26 1 1/ 1 4 18 5, 93 17 7, 09 17 6, 78 16 ,6 1 23 ,7 7 8, 23 22 38 0 0, 63 0 0, 97 5 0, 64 6 0, 74 0 0, 85 1 -1 ,2 4, 0 3, 95 7, 44 2, 89 19 25 0 20 0, 42 7 1/ 1 3 26 2, 13 24 6, 89 24 6, 89 20 ,1 2 32 ,2 3 10 ,6 7 50 37 0 0, 57 9 0, 96 5 0, 60 0 0, 74 8 0, 77 4 -1 ,1 8, 3 3, 26 7, 94 2, 91 43 20 0 25 0, 26 1 1/ 1 2 16 6, 60 15 4, 99 15 4, 05 14 ,6 6 24 ,0 8 8, 23 18 25 0 0, 58 3 0, 96 7 0, 60 3 0, 72 5 0, 80 7 0. 2, 5 4, 87 6, 40 2, 93 18 00 0 20 0, 26 5 1/ 1 Em ba rc aç õe s 1 30 1, 75 27 5, 92 28 6, 99 22 ,6 3 30 ,9 4 9, 65 46 72 0 0, 53 2 0, 95 3 0, 55 8 0, 68 7 0, 77 4 0 2, 0 1, 93 9, 28 3, 21 15 80 00 33 0, 32 0 4/ 1 C ar ac te rís tic as LO A [m ] LB P [m ] C om pr im en to p ar a os C oe fic ie nt es [m ] Po nt al M ol da do [m ] B oc a M ol da da [m ] C al ad o M ol da do p ar a os C oe fic ie nt es [m ] D es lo ca m en to M ol da do [t on ] C oe fic ie nt e de B lo co C oe fic ie nt e de S eç ão M es tr a C oe fic ie nt e Pr is m át ic o C oe fic ie nt e de L in ha D ’á gu a C oe fic ie nt e Pr is m át ic o Ve rt ic al C en tr o Lo ng itu di na l d e Fl ut ua çã o, % d e L a pa rt ir da M ei a N au Á re a de B ul bo , % d a Á re a de M ei a N au C oe fic ie nt e Vo lu m ét ric o L/ B B /T Po tê nc ia N or m al n o Ei xo Ve lo ci da de [k no ts ] N úm er o de F ro ud e N úm er o de p ro pu ls or es / le m es Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 43 Tabela 3: Continuação da comparação entre as características principais de embarcações típicas. 16 17 0, 99 16 4, 59 16 4, 59 13 ,4 1 24 ,9 9 5, 41 12 85 0 0, 56 3 0, 93 3 0, 60 3 0, 72 0 0, 78 2 -1 ,4 2, 0 2, 8 6, 59 4, 62 22 90 0 21 ,5 0, 27 5 2/ 2 15 13 5, 64 12 4, 36 12 4, 36 9, 14 13 ,7 4 4, 37 33 90 0, 44 9 0, 74 1 0, 60 5 0, 72 7 0, 61 8 -1 ,4 0 1, 7 9, 05 3, 14 40 00 0 30 0, 44 2 1/ 1 14 12 1, 62 10 6, 98 10 7, 29 13 ,1 8 23 ,7 7 8, 53 10 90 0 0, 48 8 0, 85 3 0, 57 2 0, 74 0 0, 66 0 +1 ,3 0 8, 97 4, 51 2, 79 18 00 0 18 0, 28 5 3/ 1 13 25 ,6 5 23 ,0 4 23 ,7 5 3, 33 6, 71 2, 53 22 2 0, 53 8 0, 83 3 0, 64 6 0, 87 2 0, 61 7 -1 ,7 0 16 ,2 3, 54 2, 65 50 0 10 ,7 0, 36 1 1/ 1 12 56 ,4 6 53 ,1 9 53 ,1 9 4, 27 12 ,1 9 3, 35 14 72 0, 66 0 0, 90 6 0, 72 9 0, 89 2 0, 74 0 -0 ,3 0 9, 53 4, 35 3, 33 37 40 12 0, 27 0 2/ 2 11 28 5, 29 27 3, 41 27 3, 41 24 ,9 9 43 ,7 4 10 ,9 7 97 20 0 0, 72 2 0, 99 5 0, 72 6 0, 79 7 0, 90 6 0 9, 7 4, 64 6, 25 3, 99 34 40 0 20 ,4 0, 20 3 1/ 1 10 20 1, 47 19 2, 02 19 2, 02 13 ,7 9 27 ,4 3 10 ,4 0 43 40 0 0, 77 2 0, 98 6 0, 78 4 0, 85 4 0, 90 4 +1 ,9 0 5, 98 7, 00 2, 64 15 00 0 16 ,5 0, 19 6 1/ 1 Em ba rc aç õe s 9 33 5, 28 32 3, 09 32 3, 09 26 ,3 1 54 ,2 5 20 ,3 9 30 87 00 0, 84 2 0, 99 6 0, 84 5 0, 91 6 0, 91 9 +2 ,7 0 8, 9 5, 96 2, 66 35 00 0 15 ,2 0, 13 9 1/ 1 C ar ac te rís tic as LO A [m ] LB P [m ] C om pr im en to p ar a os C oe fic ie nt es [m ] Po nt al M ol da do [m ] B oc a M ol da da [m ] C al ad o M ol da do p ar a os C oe fic ie nt es [m ] D es lo ca m en to M ol da do [t on ] C oe fic ie nt e de B lo co C oe fic ie nt e de S eç ão M es tr a C oe fic ie nt e Pr is m át ic o C oe fic ie nt e de L in ha D ’á gu a C oe fic ie nt e Pr is m át ic o Ve rt ic al C en tr o Lo ng itu di na l d e Fl ut ua çã o, % d e L a pa rt ir da M ei a N au Á re a de B ul bo , % d a Á re a de M ei a N au C oe fic ie nt e Vo lu m ét ric o L/ B B /T Po tê nc ia N or m al n o Ei xo Ve lo ci da de [k no ts ] N úm er o de F ro ud e N úm er o de p ro pu ls or es , l em es Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 44 O coeficiente de seção mestra, , dá uma relação entre a área da seção mestra (apenas a parte imersa), , e a área do retângulo com largura igual a boca, B , moldada e altura equivalente ao calado, T , na condição de projeto. Desta forma: MC MA TB AC MM ⋅= . Na maioria dos navios, há muito pouca diferença entre a área da seção mestra e a área da seção à meia nau, não havendo impacto significativo no valor de . Em geral o coeficiente de seção mestra assumirá valores entre 0,750 e 0,995, exceto no caso de navios muito esbeltos, cujos costados a meia nau praticamente partem da quilha, onde o coeficiente de seção mestra pode atingir valores baixos, da ordem de 0,620. Há, ainda, embarcações que podem apresentar apêndices do tipo “blisters” e que, portanto, podem apresentar valores de superiores à unidade. MC MC Um adimensional de particular interesse para os hidrodinâmicos é o coeficiente de prismático longitudinal,, ou simplesmente coeficiente prismático, que estabelece uma razão entre o volume de deslocamento e o volume de um prisma imaginário dado pelo produto entre a área da seção mestra, , pelo comprimento da embarcação (LWL ou LBP), ver PC MA Figura 26. Numericamente: M P AL VC ⋅= O coeficiente prismático dá uma idéia da distribuição longitudinal da flutuação do navio. Se dois navios com iguais comprimentos e volumes de deslocamento apresentarem valores diferentes do coeficiente prismático, aquele com menor valor de terá uma maior área de seção mestra (PC MCTB ⋅⋅ ) e, portanto, uma maior concentração de volume de deslocamento à meia nau. Através de um trabalho algébrico simples, é possível mostrar que existe uma relação direta entre os três coeficientes até aqui apresentados, qual seja: M B P C CC = . Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 45 Figura 26: Esquema para o cálculo do coeficiente prismático. Fonte: Benford, 1991. O quarto adimensional importante é o coeficiente de linha d’água, , definido como a razão entre a área de flutuação (na calado de projeto) e a área do retângulo imaginário dado pelo produto do comprimento pela boca, ver WPC Figura 27: BL AC WPWP ⋅= . Figura 27: Esquema para o cálculo do coeficiente de linha d’água. Fonte: Benford, 1991. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 46 Os coeficientes adimensionais até aqui apresentados dão uma boa idéia da distribuição longitudinal das formas do casco, no entanto, disponibilizam pouca informação a respeito de sua distribuição transversal, importante para a estimativa da velocidade e da potência requerida na propulsão. Uma tentativa no sentido de caracterizar essa distribuição transversal pode considerar uma das seguintes razões: 3 3 3 V L ou ou V L L V , onde L é o comprimento característico e V o volume de deslocamento na condição de projeto. Mediante estes argumentos, engenheiros navais que trabalham com o sistema britânico de unidades preferem o que se chama de razão deslocamento- comprimento, ou seja: 3 100 ⎟⎠ ⎞⎜⎝ ⎛ Δ L , onde o deslocamento Δ é medido em toneladas e o comprimento L em pés. Obviamente esta relação é dependente do sistema de unidades adotado, merecendo correções para o Sistema Internacional – SI, ou mesmo quando se tratar de uma embarcação operando em água doce. A Tabela 4 mostra uma comparação dessa relação para três embarcações distintas. Uma definição mais moderna, intimamente relacionada com a razão deslocamento-comprimento, é a do coeficiente volumétrico, . Trata-se da razão entre o volume de deslocamento e o cubo de um décimo do comprimento característico da embarcação, ou seja: VC 3 10 ⎟⎠ ⎞⎜⎝ ⎛ ∇= L CV . Desta forma, prescinde-se de considerações acerca do sistema de unidades adotado e o coeficiente volumétrico acaba expressando o deslocamento da embarcação em termos do seu comprimento. Portanto, um navio esbelto (por exemplo, um destróier) apresentará coeficiente volumétrico baixo, Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 47 aproximadamente unitário, enquanto outro, de formas cheias (por exemplo, uma traineira), será caracterizado por um alto valor desse coeficiente, aproximadamente 15. Tabela 4: Comparação entre as razões deslocamento-comprimento para três exemplos de embarcações distintas. Embarcações Navio Oceanográfico de Pesquisa Lancha Navio Cargueiro para Operação nos Grandes Lagos Características Largo e arredondado Esbelto e linhas afiladas Esbelto e linhas cheias (como uma caixa) BC 0,580 0,560 0,870 3L V 0,01520 0,00566 0,00281 3 100 ⎟⎠ ⎞⎜⎝ ⎛ Δ L 433 162 80 4.2.3 Velocidade Relativa Um outro coeficiente importante relaciona a velocidade de deslocamento da embarcação com o seu comprimento, através do número de Froude, Fn. Esse adimensional foi definido por William Froude, 1868, como elemento importante da teoria1 sobre as formas do casco e sua velocidade de avanço e potência requerida. Reflete um balanço entre forças inerciais e forças gravitacionais associadas à superfície da água (ação das ondas na superfície livre). Lg UFn ⋅= , onde: U é a velocidade da embarcação, em ][ sm ; 1 Baseada em estudos experimentais com modelos em escala reduzida. Mais adiante, em seção subseqüente deste primeiro módulo, esta teoria será melhor apresentada. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 48 g é a aceleração da gravidade, em ][ 2sm ; L é o comprimento característico, em ][m . Desta forma, altos valores do número de Froude geralmente são indicativos de altas velocidades. Por exemplo, uma embarcação militar de navegando a (aproximadamente m4,152 Knots35 sm18 ) tem um número de Froude de aproximadamente . Por outro lado, se sua velocidade baixar para , então . Comparativamente, uma navio oceanográfico de pesquisa navegando aos mesmos apresentará 45,0 Knots10 13,0≅Fn Knots10 24,0≅Fn , visto que caracteriza-se por um comprimento menor. 4.2.4 Proporções do Casco Há muitos outros coeficientes que quantificam as características da forma do casco, entre eles: A relação comprimento-pontal, DL , útil para o dimensionamento estrutural; A relação comprimento-boca, BL , relacionada com a esbeltez e que impacta sobre a manobrabilidade da embarcação; A relação comprimento-calado, TL , indicativo importante para os estudos acerca do “slamming” durante condições severas de mar; A relação boca-calado, TB , com implicações sobre a estabilidade transversal e de geração de ondas. Além desse, no entendimento do mecanismo pelo qual a embarcação se mantém flutuando, balanço entre peso próprio e peso do volume de fluido deslocado, os engenheiros navais necessitam localizar o centro de carena, ou centróide do volume de fluido deslocado (posição vertical e longitudinal, análoga ao centro de gravidade). É em torno dos eixos transversal e longitudinal que passam pelo centro de carena que a embarcação realizará seus movimentos de rotação. O VCB – do inglês “vertical center of buoyancy”, é medido com relação à linha de base. Por sua vez, o LCB – “longitudinal center of buoyancy” pode ser medido Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 49 com relação a uma das perpendiculares, AP ou FP, mas é comumente apresentado com relação à seção de meia nau. É importante que não se confunda o LCB com o LCF – “longitudinal center of flotation”, que é o baricentro da área de flutuação, rever Figura 27. Finalmente, define-se ainda o número cúbico, , que dá uma estimativa das dimensões globais do casco. Em estágios preliminares do projeto, este número é utilizado para se estimar a capacidade volumétrica interna do casco, bem como seu peso em aço, por exemplo, e seu custo aproximado. CN 100 DBLWLCN ⋅⋅= . Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 50 4.3 Curvas Hidrostáticas Durante sua operação o navio pode assumir diferentes condições de calado e trim. Desta forma, tem-se a constante necessidade de se conhecer as formas imersas do casco, mediante o intervalo de condições possíveis de carregamento. Isto se faz através do cálculo de cada um dos parâmetros até aqui discutidos em diferentes condições de calado, portanto, diferentes linhas d’água. Em geral, essas linhas d’água são tomadas paralelas à linha de base, mas parâmetrosde ajuste podem ser incorporados de tal forma que se possam efetuar correções para as condições de carregamento com trim de proa ou popa. Os resultados dos cálculos podem, então, ser apresentados em uma forma gráfica, cuja coletividade dá origem ao conjunto conhecido como curvas hidrostáticas. Na Figura 28 tem-se um exemplo dessas curvas. Note que o eixo das ordenadas corresponde aos diferentes calados para os quais inúmeros parâmetros foram calculados. Por conveniência, em muitos casos as curvas hidrostáticas também são acompanhadas de tabelas, o que facilita a utilização. Entre outras aplicações, extensamente exploradas no próximo módulo do curso, as curvas hidrostáticas podem, por exemplo, serem incorporadas a computadores de bordo, permitindo o acompanhamento do processo de carga e descarga do navio. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 51 Figura 28: Exemplo de curvas hidrostáticas. Fonte: PNA, 1988. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 52 5. ESTABILIDADE ESTÁTICA O conceito de estabilidade estática é fundamental na engenharia naval. Por estabilidade entende-se a capacidade que a embarcação tem de retornar à condição de equilíbrio inicial quando lhe é imposto um pequeno deslocamento. Diz-se, então, que a embarcação é estável (ou dotada de estabilidade estática positiva) quando, dado este pequeno deslocamento, surge uma força hidrostática restauradora que tende a levá-la de volta à situação de equilíbrio original. Caso contrário, a embarcação é dita instável (ou dotada de estabilidade estática negativa). Nesta seção serão discutidos, de forma breve, os principais parâmetros que controlam as características de estabilidade estática de uma embarcação. Como será visto, tais parâmetros se relacionam basicamente à geometria do casco e à distribuição de massa da embarcação. Tratar-se-á da chamada “estabilidade transversal”, relacionada a inclinações em torno do eixo longitudinal. Todos os conceitos apresentados, todavia, se aplicarão igualmente ao problema de “estabilidade longitudinal”, relacionada a inclinações em torno de um eixo transversal. É importante ressaltar que toda a discussão a seguir se refere a situações “estáticas”, ou seja, não serão considerados efeitos dinâmicos (acelerações) sobre a embarcação. Ao estudo de estabilidade sob movimentos induzidos, por exemplo, por ondas, dá-se o nome de “estabilidade dinâmica”, e o mesmo será abordado na próxima seção. Considere-se então, um navio2 cujo deslocamento em massa seja dado por Δ (lembremos que o deslocamento indica simplesmente a massa do navio). Pelo Princípio de Arquimedes, este navio flutuará em uma condição de equilíbrio na qual o volume de água deslocado (correspondente ao volume imerso do casco, 2 Por simplicidade, na apresentação dos conceitos de estabilidade as referências serão sempre feitas a um “navio”, mas os mesmos princípios são válidos para qualquer tipo de embarcação de superfície, seja ela um navio, um veleiro ou uma plataforma de petróleo. Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 53 ∇ ) apresente massa equivalente à massa do navio, ou seja, ∇=Δ ρ , onde ρ representa a densidade da água. Essa é a condição que definirá o calado no qual o navio flutuará. A força peso do navio tem módulo dado por gW .Δ= , onde g é a aceleração da gravidade, e se encontrará aplicada no ponto conhecido por Centro de Gravidade ou Centro de Massa (G). A força de empuxo (ou, em inglês, “buoyancy”) tem módulo dado por gE ∇= ρ e seu centro de aplicação é conhecido como Centro de Carena (B), o qual, por sua vez, corresponde ao centro do volume imerso do casco. Com conseqüência do Princípio de Arquimedes, é fácil perceber que a força de empuxo terá módulo igual à força peso (E = W), e sentido contrário à mesma. Todas as características de estabilidade estática do navio serão ditadas pela posição relativa entre o centro de massa (G) e o centro de carena (B) do navio. A Figura 29, abaixo, ilustra as condições de estabilidade estática positiva (a) ou negativa (b) de um navio. Figura 29: Navio com estabilidade estática positiva (a) e negativa (b). Fonte: PNA, 1988. Quando o navio é inclinado, o seu centro de volume se desloca, como também ilustrado na Figura 29. É fácil então perceber que, na condição (a), surgirá um momento restaurador (em inglês “righting moment”) que atuará no sentido de Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 54 levar o navio de volta à condição inicial (G e B na mesma linha vertical). Já na situação (b), o momento resultante atuará no sentido de aumentar a inclinação do navio e, por esta razão, é chamado de momento de emborcamento (ou, em inglês, “heeling moment”). Assim, embora nas duas situações o navio flutue com o mesmo calado (e, portanto, mesma posição de B), na situação (a) o navio se encontrará em uma situação estável, enquanto na (b) ele será dito instável. 5.1 Altura Metacêntrica e Braço de Endireitamento Para quantificar as características de estabilidade de um navio, os engenheiros navais utilizam dois parâmetros importantes: o braço de endireitamento (GZ) e a chamada altura metacêntrica (GM). A definição destes dois parâmetros pode ser entendida graficamente através da Figura 30. Figura 30: Altura metacêntrica (GM) e braço de endireitamento (GZ). Fonte: PNA, 1988. O braço de endireitamento (GZ) corresponde ao braço do momento já discutido. Ele é dado, simplesmente, pela distância horizontal entre G e B para um determinado ângulo de inclinação. Por sua vez, o ponto M indicado na Figura 30 é denominado metacentro. Graficamente, ele corresponde ao ponto no qual a linha de ação da força de empuxo na situação inclinada cruza a linha de ação da força peso quando não há inclinação (usualmente a linha de centro do navio, em virtude da simetria de Especialização em Engenharia Naval Módulo 1 – Arquitetura Naval 55 massa da embarcação). A altura metacêntrica GM é definida pela distância entre o centro de gravidade e o metacentro (GM > 0 para M acima de G e GM < 0 caso contrário). Comparando a Figura 29 e a Figura 30, é fácil verificar que a condição de estabilidade positiva implica em GM > 0. Obviamente, a posição do metacentro depende do calado da embarcação (e, portanto, do seu deslocamento). No entanto, para uma determinada condição de calado, pode-se mostrar que, para as formas usuais de cascos, a posição do metacentro permanece praticamente constante para ângulos de inclinação pequenos (tipicamente até 7o). Nesta faixa de ângulos, tudo se passa como se, ao inclinar a embarcação, o centro de carena descrevesse um arco de círculo com centro no ponto M, fixo. Os valores de GM e GZ estão claramente associados. De fato, para um determinado ângulo de inclinação (chamemos de θ), pode-se escrever: θsenGMGZ .= . A magnitude do momento restaurador será dada, então, pelo produto entre o braço GZ e a força peso, ou seja: θsengGMGZgRM .. Δ=Δ= . A altura metacêntrica é um parâmetro fundamental no projeto de qualquer embarcação flutuante e a posição do metacentro dependerá do calado e das propriedades geométricas do casco3. Ao longo do projeto, o engenheiro naval deve garantir uma boa relação entre a geometria do casco e a distribuição de massa prevista para o navio, de forma a garantir boas características de estabilidade. Aqui vale um comentário: não se deve entender “boas características de estabilidade” como uma tentativa de garantir simplesmente valores
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