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Acréscimo ao Texto de Brecht “O efeito de estranhamento na interpretação do teatro chinês”

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Um acréscimo ao texto de Brecht:
“o efeito de estranhamento na interpretação do teatro chinês” 
Huang Zuolin
Publicado em Tatlow, A. Brecht and East Asian Theatre. The proceedings of a
Conference on Brecht in East Asian Theatre. Hong Kong University Press. 1982.
pg. 96-110.
Tradução: Robson Corrêa de Camargo
apostila para o curso de Direção Teatral/UFG 2008
Como todos nós sabemos, Brecht escreveu seu ensaio sobre o teatro
clássico chinês em 1935, depois de ter visto uma representação do grande
artista chinês – o ator da Ópera de Pequim Mei Lanfang1. Eu estava estudando
na Inglaterra naquela época, e seu ensaio publicado na língua inglesa despertou
um grande orgulho sobre meu país. Em seu artigo Brecht escreve sobre Mei
Lanfang com grande admiração.
A aguda capacidade de observação de Brecht merece nosso respeito. Ele
descobriu, numa primeira olhada, que o teatro chinês tinha um rico tesouro, ou
seja a qualidade teatral que ele estava procurando. Ele chamou, mais tarde, esta
qualidade de verfremdungseffekt, o efeito de estranhamento2. Brecht tinha
dado apenas uma olhada rápida na Ópera de Pequim, e assim fez algumas
observações sem muita precisão. Por exemplo, ele disse “é sabido que o teatro
chinês faz considerável uso do simbolismo. Por exemplo, um general usa tantas
fitas nas suas ombreiras quantos sejam os regimentos que ele comanda
(16.619). Isto não é correto. Realmente o que ele usa são quatro pequenas
bandeiras seja qual for o tamanho de seu exército. No teatro clássico chinês, a
roupa que um general usa é chamada o kao, e as quatro pequenas bandeiras
nas costas são chamadas Kaoqi. Entretanto estas pequenas falhas não são
importantes. Brecht é certamentente um grande artista e seus comentários sobre
a refinada interpretação de Mei Lanfang são uma indicação de sua penetrante
1 É importante que se destaque que Brecht assistiu a Ópera de Pequim em Moscou, em 1935,
junto com o diretor teatral Tairov, Eisenstein, o cineasta e outras personalidades do mundo
artítico soviético.
2 A tradução ao inglês deste termo brechtiano, optou por traduzi-lo como ‘alienation effects’ este
termo impreciso sugere o oposto do pretendido pelo autor alemão, na verdade seria um efeito de
desalienação. 
olhada no teatro chinês.
Ele observa que a Ópera de Pequim exibe aquilo que ele chama o efeito
de estranhamento, utilizando-o habilmente. Ele destaca que o palco do teatro
chinês “não tem uma quarta parede”, o que o distinguia da tradição teatral
europeia da época, que buscava a ilusão da vida cotidiana3.
Ele percebe que o ator chinês, enquanto atuava, era constantemente
envolvido numa ‘auto observação”. Brecht notava que esta ‘auto-observação’ é
um ato artístico de ‘auto- estranhamento’(16.622) o que impedia a platéia de
identificar-se emocionalmente com a representação feita no palco, isto criava
uma distancia entre os dois com excelentes resultados.
Emoções�
Brecht também destaca que a Ópera de Pequim não rejeita a expressão
das emoções. Ele cita yaofa (pegando um punhado de cabelo com a mão e
mordendo) e bianlian (uma repentina troca de maquiagem do rosto) como
exemplo, comentando que estes gestos estilizados são designados para
expressar uma violenta emoção. O que mostra que o teatro clássico chinês leva
em conta a interpretação de estados de agitação profunda. Entretanto, os atores
chineses diferem de seus colegas ocidentais naquilo que é “obviamente
reproduzido por um narrador”, que o ator não é exigido a “se transformar-se
completamente em sua personagem”, nem “entrar num estado completo de
transe”.
A opinião de Brecht é que esta forma de atuação é “mais saudável”. Exige
uma experiência considerável da vida humana e um agudo entendimento dos
valores sociais. Naturalmente aqui também temos um processo criativo
processando-se, e seu valor é maior porque emerge no plano do ‘consciente’.
Não podemos senão admirar estes comentários precisos de Brecht, que era um
estrangeiro e teve um contato muito limitado com a arte de representação
3 O autor fala apenas em ilusão de vida, ora, o teatro também é vida. Tentando aclarar o conceito
do autor do artigo estou traduzindo por vida cotidiana. 
4 Subtítulos feitos pelo tradutor, para fins didáticos, não existem no original.
chinesa. Então como é que o teatro chinês deve ter algo em comum com a
teoria brechtiana do efeito de estranhamento? Qual é a causa que está contida
nesta coincidência? Eu espero explorar estas questões e fazer alguns
acréscimos nesta discussão.
Vamos começar examinando a observação de Brecht que o tradicional
teatro chinês não tem quarta parede, que a performance é claramente dirigida
aos espectadores. Assim esta forma de representação se distingue da estética
do moderno teatro ocidental realista, a qual tenta criar uma ilusão da vida
cotidiana no palco. Brecht atinge o ponto central, sua observação chama nossa
atenção na diferença fundamental entre o tradicional teatro chinês e o moderno
teatro ocidental. O teatro chinês tradicional reconhece completamente a
natureza assumida do palco, e francamente admite que nós estamos atuando.
Há um antigo dito entre a velha geração dos atores chineses: “Fingir-lutar
constrói o teatro [feign-fight makes up theatre]; uma ilusão artística do falso e do
verdadeiro preenche nosso gosto”. O que acontece no palco, embora
originando-se na vida, não é uma reprodução da vida verdadeira; embora
desenvolvendo-se de acordo com a lógica do emocional e do racional, não
procura produzir uma ilusão da vida real no palco. O teatro tradicional chinês se
distingue fundamentalmente do teatro ocidental porque bane a ilusão da vida
real cotidiana enquanto o outro o produz. Foi exatamente “o banimento de uma
ilusão de vida cotidiana” que Brecht viu. Eu mesmo sinto que seria mais claro e
direto traduzir o efeito de estranhamento como “artisticamente abolir a ilusão de
vida”. Qualquer um que tenha observado por alguma vez o teatro chinês
tradicional fica fortemente impressionado por uma de suas características
principais, nomeadamente o reconhecimento de que ‘atuar é atuar”.
Precisamente porque toma isto como seu ponto de partida, é capaz de dar asas
à imaginação, ousa abandonar similaridades superficiais, consegue apresentar a
essência da vida numa maneira intangível. Pela mesma razão é livre de
empregar cada possível técnica para servir ao propósito da criação artística.
Desde que o teatro chinês tradicional não procura criar uma ilusão da
vida, as técnicas de construção da quarta parede para esconder o ator são
superficiais. Atuar tem a importância central enquanto tais coisas como cenário,
luz e tudo o mais na qual o teatro ocidental depende para criar a ilusão da vida
cotidiana, torna-se insignificante ou irrelevante Em muitas representações
clássicas não há cenário, uma mesa e duas cadeiras são suficientes para
desenvolver as necessidades de qualquer ambiente. Certamente a atuação
também é o centro de atenção do teatro ocidental. Entretanto no teatro
tradicional chinês a interpretação torna-se o centro de interesse absoluto. Nossa
forma de colocar isto é: “o ambiente é criado pelo ator; o cenário, a atmosfera,
tem que ser construído pela interpretação do ator. Tão logo o ator surge no
palco vazio do teatro chinês tradicional, o ator cria o ambiente apropriado em
volta dele. O teatro ocidental tem dificuldade em realizar esta espécie de efeito.
Felizmente, estando livres e confrontando nossa criação artística nos
resolvemos satisfatoriamente este problema.
É importante que se destaque que atores do teatro tradicional chinês são
exigidos a desenvolverem-se nas quatro artes: canto, fala, interpretação,e luta
marcial, que envolve musica, dicção, gestos teatrais [histrionics] e euritmia5
(dança mais acrobacia). Isto é muito diferente no teatro ocidental, onde a ópera
enfatiza o canto com pouca fala e dança, o balé não tem fala e canto e a peça
teatral depende da fala com alguma dança e canto incidental. Se nos dizemos
que teatro é uma forma de arte integrada, o teatro chinês ocidental se dirige a
uma maior amplitude de fontes artísticas, e assim é provido com uma maior
riqueza de técnicas artísticas armazenadas. 
O teatro tradicional chinês reconhece abertamente a natureza assumida
da arte teatral, artistas talentosos através dos séculos criaram toda uma série de
convenções – gestos euritmicos que foram removidos há muito da vida real
cotidiana onde eles tiveram sua origem. Estes gestos estilizados são
tecnicamente difíceis de executar e complexos para o ator em termos de suas
5 Euritmia ou eurritmia, o dicionário aurélio define como justa proporção, regularidade entre as
partes de um todo. O radical grego eurys significa amplo. Mas a melhor tradução neste contexto,
seria a composição de uma rotina padrão de elementos físicos e gestuais que comporiam a
atividade cênica do ator em determinada cena, podendo ser composta também por danças e
acrobacias. Euritmia, como escola, está também intimamente ligada ao trabalho de Emilie
Jaques-Dalcroze (1865-1950) sobre o corpo, o ritmo e movimento. Este dirigiu uma escola de
euritmia na Alemanha, onde também trabalhou com o diretor Adolph Appia (1862-1928). 
habilidades. Entretanto, o trabalho do ator em cena está intimamente atado, nas
palavras de Brecht, “ao selo do treinamento longo” e “da longa preparação”. Isto
irá auxiliar precisamente ao ator à opor-se a tendência da platéia de ser
carregada pela “ilusão da vida cotidiana”.
O teatro chinês tradicional tem um rico vocabulário de gestos euritmicos.
Levaria um livro inteiro para explicá-los de uma forma sistemática. Neste
trabalho citarei apenas alguns exemplos. Uma das categorias destes gestos
convencionais está dirigida a sugerir uma grande variedade de ações, como
abrir e fechar uma porta, ir acima ou abaixo de uma escada, remar um
barco, ou sentar-se numa liteira6 (sedan chair). Ao lado destes gestos
usualmente mencionados existem muitos outros; eles podem incluir uma cena
tão grande quanto uma batalha ou uma atividade simples como tomar chá ou
vinho. 
Como exemplo, giba é uma rotina completa de movimentos coreográficos
que mostra generais antiquados tentando ajustar as armaduras de seu
exército antes de ir para o campo de batalha; zoubian é um conjunto de
habilidosos movimentos coreográficos mostrando um herói das florestas
(como Robin Hood) caminhando secretamente a noite entre as montanhas;
Tangma no qual um ator, mostra, através de golpes e complexos
movimentos um galope extremamente rápido nas costas de um cavalo.
Estes gestos convencionais permitem um ator “criar um específico
ambiente em volta dele”. Eles permitem uma quebra de limites de tempo e
espaço num pequeno palco, fazendo possível representar qualquer um e
qualquer coisa. Um gesto pode simbolizar uma subida aos céus (na histórica
lenda Desordem no Céu (Havoc in Haven), a qual mostra uma paródia do Rei
dos Macacos e batalhas com os deuses, o ator gira, em uma série de piruetas,
para indicar sua ascensão ao céu). Outro gesto pode simbolizar a descida ao
oceano. Na Caverna atrás da Cascata (The Cave Behind the Waterfall), outra
história do Rei dos Macacos, há cenas de jogos com as ondas. Outro gesto
pode sugerir uma batalha em larga escala feita pela cavalaria, ou uma grande
6 Os negritos visão a destacar a história dos textos mencionados, não existem no original.
batalha oceânica. No Monastério da Montanha Dourada (The Golden Mountain
Monastery), Bai Suzhen, que é uma grande serpente imortal transformada numa
linda garota, exige o retorno de seu amor Xu Xian, que foi raptada pelo abade.
Uma batalha feroz acontece quando ela ordena a um exército de dragões,
peixes e caranguejos para lutar contra a armada da Corte Encantada, que
havia vindo a pedido do abade. Além disto tudo, gestos euritmicos são
capazes de sugerir diferentes planos no espaço plano do palco. Os gestos de
abrir e fechar uma porta dividirão o palco em “dentros” e “foras”. Um gesto de
ascender ou descender nas escadas indicarão escadas acima e abaixo. Há
casos onde o acontecimento que ocorre escada acima e abaixo tomam lugar no
nível do palco. Na peça da Ópera de Pequim O Prédio dos Leões (The Lions
Building), há uma batalha mortal entre Wu Song, o herói de Liangshan, e Ximen
Qing, um déspota local. Em certo ponto um grita “ Eu o desafio a vir aqui em
cima”. Realmente os dois estão no mesmo plano do palco, interpretando. E
mais, no teatro tradicional os pensamentos e sentimentos das personagens que
estão em diferentes planos podem ser misturados dentro do mesmo padrão de
ação e apresentados no mesmo plano do palco ao mesmo tempo.
A Esposa Emprestada (The Loaned Wife) é um ótimo exemplo. A história
se desenvolve mais ou menos assim: O decadente Zhang é um desempregado.
Ele tenta enganar sua esposa pegando uma trouxa com as roupas dela para
vender. Ao tentar vender as roupas na rua, ele encontra seu cunhado, Li
Tianlong, cuja esposa falecera recentemente. Li está necessitando de dinheiro
para fazer uma viagem a Pequim. Ele quer ir a Pequim fazer um exame para
tentar tornar-se um oficial. Seu sogro recusa-se a dar a ele a prometida herança
até que ele ache uma nova esposa. Zhang, num estranho disfarce, decide
emprestar sua mulher a Li, na condição que eles dividam a fortuna. Mas o plano
fracassa. A mulher de Zhang passa a noite com Li na casa do sogro. Zhang leva
Li ao tribunal. O juiz decide casar a mulher de Zhang com Li. Assim Zhang
acaba sem mulher e sem fortuna. Num ponto da história, a mulher de Zhang
está passando a noite na casa de Li, e Zhang, no seu caminho à casa de Li,
tentando exigir o retorno de sua mulher, é pego na rua depois do toque de
recolher. O que se segue ocorre em dois lugares diferentes, mas os atores estão
interpretando no mesmo palco e no mesmo ritmo, ao contrário da ilusão da vida
cotidiana usual nas quatro paredes do teatro ocidental. Enquanto Li e a mulher
de Zhang se preocupam com a desgraça sobre o inevitável da descoberta de
seu affair, Zhang lamenta-se seu engano com o falso amigo; enquanto a mulher
de Zhang culpa Zhang por emprestá-la, Zhang reclama a si mesmo de sua
mulher por ter perdido a oportunidade. Enquanto a mulher de Zhang se deixa
enamorar por Li por causa de sua linda aparência, Zhang acorda do sonho
imaginando que o céu está vermelho e deve haver um fogo em algum lugar.
Esta divertida cena não é possível de ser vista no teatro ocidental.
Agora vamos dar uma olhada em alguns gestos convencionais que dão
uma expressão aberta a emoções escondidas. Brecht menciona yaofa (tomar
um punhado de seu cabelo e o morder) e bianlian (uma repentina troca de
maquiagem). De fato há numerosos gestos nesta categoria. Vamos dar uma
olhada em alguns deles.
Por exemplo ruanwoyu o gracioso peixe mergulhador, uma postura
graciosa e feminina que é usada por uma atriz para dobrar suas costas para
pegar uma flor com os lábios ou para pegar uma borboleta. Ou a yingwoyu,
o brusco peixe mergulhador, usado por uma atriz para expressar uma rápida ou
abrupta queda no chão. Ações similares para personagens masculinas são
giangbei e diaomao. Dawaya é usada por personagens brutas que gritam muito
alto Wawaya ao inimigo antes do saque. Rankou Kung é uma técnica de pular,
levantar, chacoalhar, e jogar uma longa barba postiça para demonstrar
determinados estados de emoção. Os gestos simbólicosmereceriam um
detalhamento maior que eu poderia dar aqui. Mas eu tenho que seguir adiante.
Este numerosos gestos euritmicos torna possível para o teatro tradicional
chinês atravessar a platéia num caminho claro e intenso sejam quais forem as
ideias e sentimentos que deseja representar. Isto coincide com as idéias
brechtianas de que todas as idéias devem ser reveladas numa forma aberta, ou
seja, devem ser transformadas em ações.
Auto observação
Comentando o teatro clássico chinês, Brecht prestou especial atenção à
auto-observação no curso da atuação. Ele destaca que “o truque do ator de auto
observar-se (um artificial ato artístico de auto-estranhamento) previne a
completa entrega do espectador às emoções. Brecht está perfeitamente certo.
Para prevenir esta entrega completa do espectador aos acontecimentos do
palco, o ator deve manter-se destacado de sua personagem. O autocontrole
consciente que o teatro clássico chinês impõem a si mesmo naturalmente o
mantém a distância de sua personagem. O treinamento e a interpretação que
nós vemos no teatro chinês tradicional claramente demonstra que estes gestos
estilizados são uma convenção artística de alto grau e de grande precisão. Eles
podem ser executados apenas depois de um treinamento extenuante, e que
cada gesto é deliberado, requerendo do ator uma atenção completa para sua
execução.
O ator chinês não está em transe enquanto ele atua. É inimaginável que
um ator em transe possa interpretar o papel de rei dos macacos e dar uma série
de piruetas para indicar sua ascensão aos céus; assim como imaginar que uma
atriz agitada possa representar gestos estilizados com inibição e charme
enquanto se permita ser carregada pelas emoções. Mesmo gestos comuns
como “abrir e fechar uma porta” ou ir “acima ou abaixo de escadas” devem ser
feitos com limitações. É interessante notar que os gestos estilizados do teatro
chinês não são apenas simbólicos mas exigem a elaboração do detalhe. Há uma
história acerca de um conhecido ator que subiu nove degraus, mas desceu
apenas oito para descer. Este erro foi detectado pela platéia que o vaiou. Claro
que um ator maduro é capaz de usar o vocabulário de sua arte tão naturalmente
quanto se mova na sua vida diária, como se não se exigisse nenhum esforço
consciente. Entretanto a criação artística é antes de tudo criação artística, e não
deveria ser manuseada sem que se dê a ela ao menos um pensamento como é
o caso de nossa vida cotidiana. Os difíceis gestos estilizados em particular, são
o resultado de um controle consciente. Brecht admirava a “auto observação”
resultante da expressão controlada que é achada no teatro chinês. Sua ênfase
está ao destacar o ator da personagem, com o fim de evitar as inconveniências
resultantes da necessidade do teatro ocidental de “transformar-se em outra
pessoa sem reservas”. Na opinião de Brecht, esta transformação sem reservas,
é muito difícil porque ‘habitualmente o ator não consegue por muito tempo
realmente sentir-se como a personagem que ele está representando”. O ator
chinês não sabe nada sobre esta dificuldade. Ele renuncia à idéia de
transformar-se ou confinar-se a si mesmo simplesmente citando a sua
personagem. Eu concordo com Brecht. Aquela misteriosa transformação sem
reservas é extremamente difícil em realidade e deveria ser deixada de lado.
PRESCRIÇÕES BRECHTIANAS
Brecht prescreve uma solução de três pontos para a prevenção da
transformação total:
1 - uso da terceira pessoa
2 - uso do passado
3 – a enunciação das anotações, rubricas e explicações.
Brecht acreditava que estas três soluções deveriam auxiliar o ator a se
manter a distância da personagem que se tentava representar. O que ele
descreve é muito similar a shuoxi na tradição chinesa. Shuoxi é a explicação de
uma peça pelo professor-ator para seu aluno. Ele deve dizer: “aqui a
personagem faz isto desta forma”. O teatro chinês é muito particular sobre xili –
a lógica do texto. Uma peça deve estar em concordância com a lógica do senso
comum e com a lógica do pensamento das personagens. O dever do professor-
ator no shouxi é não apenas dar um resumo da peça a ser encenada, mas
também representar os pensamentos e sentimentos da personagem no contexto
precedente e a sequência em relação a toda a história. Nossas peças
tradicionais tem sido trabalhadas repetidamente por gerações de atores e
espectadores. Personagens como Zhang Fei, Li Kui, Zhuge Liang e Guan Yu
tornaram-se figuras muito conhecidas e suas histórias são muito conhecidas
pelos espectadores. O que o espectador procura neles é a interpretação e a
atuação. Desde que há diferentes interpretações e escolas de atuação, é
imperativo que o ator transmita informações completas da parte que ele deve
interpretar. “ O que ele está fazendo agora?” “Não deveria ele fazer isto ou
aquilo naquela hora”? Estas perguntas trazem o ator muito perto das
recomendações brechtianas.
Outro fator a ser considerado é contribuição da narrativa dramática escrita
à narrativa da performance teatral. Tudo o que pode ser apresentado na
literatura em forma escrita numa forma narrativa, pode também ser apresentado
no palco chinês. Isto deve-se a dois fatores: Primeiro, o teatro chinês tem gestos
simbólicos e estilizados que superam o limite da noção de tempo e espaço do
palco. Segundo, a escrita dramática chinesa tem um modelo estrutural particular.
No teatro chinês há partes bem determinadas; a auto- introdução, o aparte e o
bangchan, ou canto coral. Eles são incorporados na estrutura geral e introduzem
o espectador na história da peça de uma forma direta. Na auto-introdução a
personagem não apenas se dirige à platéia para contar sua história pessoal,
como pode mesmo destacar acontecimentos da peça. No aparte e no solilóquio
ele pode mesmo ter um diálogo com os espectadores, no qual ele dá suas
opiniões sobre as personagens e acontecimentos da representação. Numa
palavra, esta forma única de escrita dramática torna possível ao personagem da
peça tomar um tempo fora da trama e mesmo colocar-se ao lado da
personagem e assumir o papel de narrador da história. O especial estilo desta
escrita dramática tem seu impacto na representação do palco, tornando-o
caracteristicamente “uma narrativa de terceira pessoa do que acontece”, ou, em
outras palavras, uma distorção ou desvio (bend) narrativo da representação. Isto
mantém forçosamente uma distância entre o ator e sua personagem,
prevenindo-os de tornarem-se um.
A interpretação não poderia ser diferente, seleciona-se frequentemente o
mais poderoso vocabulário para dar a impressão de fortes momentos de paixão.
Transporta fatos do cotidiano para fora de seu campo natural, daquilo que é
parte do senso comum7 para um novo plano. Assim “chocando” o espectador e
impressionando-o.
7 Devemos concluir, pelo que diz o autor, que o senso comum não é apenas o da vivência da
realidade cotidiana, por parte da platéia, mas este senso comum pode tornar-se também o senso
comum da representação artística, seja pelos códigos cênicos escolhidos, como pela
interpretação que deve tentar desfazer este senso comum do já conhecido.
Amor, por exemplo, é um assunto usualmente tratado no palco. Mas não
é fácil representá-lo numa forma em que se deveria deixar uma indelével
impressão. Eu vi um filme dos anos trinta que propagava ser uma seleção dos
“momentos imemoráveis” dos trinta filmes mais populares. Era uma grande
fileira de beijos em todas as formas. Um beijo de um casal, outro beijo de outro,
de outro e outro. Foi o mais insuportável filme que eu vi. Em Hollywood, o beijo
parece ser a única expressão aberta de amor. O teatro clássico chinês é
diferente, consegueimpressionar o espectador com todos os tipos de caminhos
inesperados. O Estratagema Entrelaçado (The Interlocking Stratagem) é um
exemplo. Durante a Dinastia Han do Oriente, o primeiro ministro Dong Zhuo
mantem o reino sob força. Sua tirania torna-se pior depois que ele toma por filho
adotivo Lü Bu, um valente general. Wang Yun, um oficial de alta patente, elabora
o “estratagema entrelaçado”. Ele escolhe Diao Chan, uma dançarina de cabaré
e a torna filha adotiva. Ele secretamente oferece Diao Chan para que se case
com Lü Bu e depois, também secretamente, oferece-a em casamento ao pai
Dong Zhuo. Isto espalha a semente da discórdia entre pai e filho. Em cena, Lü
Bu tem duas longas penas de faisão em sua coroa dourada. Ele usa a “técnica
da pena”, na primeira vez que ele encontra Diao Chan. As penas agem de
acordo com o batimento de seu coração. Quando Diao Chan fica ao seu lado
para servir uma taça de vinho, uma das penas gira, imperceptivelmente, e
tremula, acariciando levemente a face da adorável garota, Diao Chan habilmente
segura a outra ponta da pena e a coloca sob o seu nariz sentindo o perfume
com grande satisfação. Esta não é a mais requintada maneira de expressar o
amor do que o barato e comum beijo de Hollywood?
O Leque do Monastério Real (Fanwang Gong) é um outro exemplo. A
jovem Yelühanyan vai ao monastério oferecer incenso aos deuses quanto ela vê
o jovem Hua Rong atingir uma águia com seu arco e flecha. É amor a primeira
vista para os dois. Este amor brilha através da “janela da alma”. Ambos desejam
fortemente se aproximar, mas as severas leis feudais não o permitem. A
simpática aia de Yelühanyan (um papel cômico) rapidamente percebe a atração.
Colocando-se entre os dois amantes, a camareira toma o “imaginário cordão da
visão” da garota em sua mão esquerda, e o “imaginário cordão da visão” do
rapaz em sua mão direita, enlaçando os dois com um nó bem apertado. Ela
abruptamente move o cordão de sua mão direita e a garota é puxada para
frente. Ela move o cordão para baixo o nó e os amantes curvam-se um em
direção ao outro. Ela eleva os cordões e os dois dobram-se para trás. Este
invisível “cordão do amor” é tão absurdo e, ao mesmo tempo tão realista que os
espectadores nunca esquecem desta apresentação. O olhar enamorado8 é um
acontecimento de certa forma usual na vida cotidiana, mas em cena foi retirado
para fora da rotina e feito extraordinário e “inesperado”. Tivesse Brecht visto isto,
e ele estaria fascinado. Agora tomemos uma sequência de A Ponte Quebrada
(Duanqiao). Esta é também uma história de amor.
 Ponte Quebrada é uma cena de A Lenda da Serpente Branca (Baishe
Chuan). A imortal serpente Bai Suzhen encontra-se junto com sua servente Xiao
Qing, quando encontra Xu Xian, no Lago Oeste. Bai Suzhen e Xu Xian são
tomados por um amor a primeira vista, casam-se e vivem felizes juntos. Abade
Fahai descobre que Bai Suzhen é uma cobra e conta a Xu Xian que ele irá ser
vitimado por ela. O abade atrai Xu Xian ao monastério e tenta persuadi-lo a
tornar-se monge. Bai Suzhen segue-o até o monastério e suplica ao abade que
o deixe sair. Uma batalha se segue. Bai Suzhen por sua gravidez é derrotada e
bate em retirada. No Pavilhão da Ponte Quebrada (Duanqiaoting), onde os dois
se enamoraram pela primeira vez, ela encontra seu amado, que havia fugido do
monastério, e sua servente Xiao Qing. O reencontro traz diferentes sentimentos
nas três pessoas. Xiao Qing está indignada e contrariada com a forma que Xu
Xian comportou-se e deseja matar aquele homem ingrato e sem coração; Xu
Xian, envergonhado e arrependido, implora para sua espôsa e Xiao Qing por
perdão; Bai Suzhen está carregada de sentimentos confusos de amor e ódio por
Xu Xian, enquanto ela tenta acalmar sua criada Xiao Qing. Este eisódio é cheio
de emoções conflituosas e violentas destas três personagens, ainda assim ela é
finamente articulada.
Em seguida vamos olhar dois episódios da Ópera de Pequim. O primeiro
8 A expressão que o autor utiliza é casting sheep’s eye, o tímido olhar enamorado .
Shaxi (O Assassinato de Yan Xijiao) que conta a história de um assassinato não
premeditado – usando as técnicas próprias da Ópera de Pequim. Mostra a
psicologia do assassino e do assassinado, seus sentimentos ambíguos, suas
hesitações, seus medos. A segunda Fazindu (A punição de Zidu), conta as
alucinações sofridas pelo suplente de um general que o assassina para tomar
seu posto.
A história de Shaxi fundamenta-se numa lenda tomada de Shuihu Zhuan
(A Margem d’água). Song Jian faz de Yan Xijiao sua concubina, mas descobre
que ela está tendo um caso com seu discípulo Zhang Wenyuan. Ele deixa sua
casa bem cedo depois de passar uma adorável noite com ela. Em sua rápida
saída, para deixar sua infiel e abusiva mulher, ele deixa cair a carta que acabara
de receber dos heróis da floresta. Xijiao fica feliz de achar a carta; esta evidencia
possibilitaria que ela condenasse Song por seus contatos com foras da lei e,
com ele fora do caminho, ela estaria livre para casar-se com Zhang.
Descobrindo que perdera a carta, Song retorna a casa de Xijiao para procurá-la.
Depois de sofrer uma série de humilhações e ameaças de Xijiao, que ele não
pode suportar, ele a mata. Aqui a cena é representada assim: quando Song
Jiang descobre que ele perdeu seu envelope, ele retorna rapidamente para
procurá-lo. Ele está tentando rememorar as condições sob as quais o envelope
pode ter caído. Enquanto ele faz isto lembra-se da forma que ele saiu da cama,
como ele colocou seu casaco, como ele pegou sua sacola, como ele abriu a
porta com as duas mãos, como ele desceu os degraus… Então repentinamente
os seus pensamentos clareiam e, enquanto ele abre a porta, a sacola cai de seu
braço direito. Isto é tudo. Não ha confusão sobre a sacola com a importante
carta dentro, se ela caiu dentro do quarto. Esta inteira sequência de movimentos
é executada toda pela mímica.
Então o que se segue é a exigência de retorno da sacola que está com
Yan Xijao. Ela joga a sacola no chão em frente a seu dono, mas sem a carta
secreta dentro. Song Jiang exige a carta, mas Xijiao se recusa a entregá-la, a
menos que Song faça o divórcio. O diálogo é lacônico e ríspido, com um tom
constante de sarcasmo. A técnica de jogar a barba e tremer todo o corpo é
aplicada aqui com toda sua força. O, ‘dar e receber’ do contato olho a olho,
reflete a troca de emoções com fineza. Tudo isto se combine na construção da
discussão entre Song e Xijiao até o clímax, resultando em que Song levanta sua
adaga e cravando-a no peito de Xijiao.
Fa Zidu ( A Punição de Zidu) é uma história da era Chunqiu. Comandante
em Chefe Kaoshu dirige o exército numa expedição. Mas Zidu, que é o segundo
no comando, mata o heróico Kaoshu com uma flecha pelas costas, e assume os
louros e honras da vitória da batalha para si. Tão logo ele chega no portão da
capital triunfante, ele vê o fantasma do Comandante Kaoshu. Ele entra em
pânico e cai do cavalo. Seu auxiliar o ajuda a ficar em pé mas ele entra em
coma. No banquete do palácio, dado em sua honra, ele está totalmente fora de
si. No seu delírio ele diz: “ O comandante em chefe foi assassinado por uma
flecha traidora. Vendo o fantasma novamente, enquanto está bebendo, Zidu cai
no chão em apavorado. O primeiro destes dois episódios mostra seu retorno
daquele estado mental, começando a sofrer de esquizofrenia. O segundo
episódio mostra-o bebendo e falando em delírio. Aqui o ator usa o gesto
‘bianlian” (uma repentina troca de maquiagem facial).
Estas representações podem dar uma idéias de como atores no teatro
chinês usam o vocabulário de suas técnicas próprias de atuação para uma
grande possibilidades de pensamentos e sentimentos – do mais violento ao mais
delicado. Nem o ator nem o espectador jamais entra em transe. O espectadorrecebe a mensagem com uma mente limpa, descarta (pass over) o julgamento
sobre as pessoas e eventos na peça, avalia os méritos da peça que está sendo
apresentada, e apesar de que ele possa estar muito impressionado por ela, ele
não é levado por ela. Isto deve ser o que mais fascinou Brecht.
Em resumo, nós poderíamos dizer que o teatro chinês tradicional tem
muito em comum com os princípio que Brecht advogava. Não tem “quarta
parede”; parte do conceito fundamental de que uma representação é atuar para
o espectador; É como ‘se tivéssemos uma terceira pessoa recontando o
acontecido”; Emprega o método de auto-observação feito pelo ator. Todas estas
semelhanças caminham para um ponto – a correta manipulação da relação
dialética entre o ator, a personagem e o espectador. Desconsidera certos
elementos misteriosos do teatro ocidental, e transporta a arte da performance ao
plano do ato consciente.
Mas a representação característica do teatro chinês tradicional e o ‘efeito
de estranhamento’ Brechtiano, não devem ser simplesmente igualados de uma
forma simples. Se o efeito de estranhamento é um caminho para abolir a ilusão,
deve ser dito que o teatro chinês tradicional, em primeiro lugar, não procura criar
a ilusão. O teatro chinês tem uma série enorme de técnicas de atuação que
fazem parte de um sistema harmonioso. É produto último surgido de uma longa
história feudal. Brecht teve em alta consideração o teatro chinês, mas em todo
seu trabalho teatral experimental depois de 1935 não fez nenhuma tentativa de
copiar o teatro chinês, nem seria possível tal tarefa. A mesma coisa aconteceu
quando Chen Yong e eu dirigimos ‘A Vida de Galileu” em 1979. Na cena 13,
Galileu renuncia de sua teoria em face da tortura física. Os sinos da Catedral de
São Marcos tocam, e ele entra. Ele está numa grande agonia mental. Se as
técnicas do teatro chinês fossem aplicadas, a personagem certamente deveria
realizar um diaomao e shuaifa, dando uma cambalhota e violentamente jogando
seu cabelo. Se ele tivesse feito isto, seria incongruente e certamente perderia a
razão. Numa análise final, podemos dizer que, apesar das muitas semelhanças
entre estas duas estéticas, a do tradicional teatro chinês e a do estranhamento
Brechtiano, são duas formas diferentes de representação.
Alguém poderia dizer porque os teatros chinês e ocidental traçaram tão
diferentes caminhos, em primeiro lugar, e desenvolveram interesses tão
distintos. Porque os dramaturgos chineses através dos anos criaram técnicas
tão particulares neste sistema teatral? Como eu vejo, a resposta deveria ser
procurada na estética tradicional chinesa. Mas eu não vou sair de nossa rota
discutindo estas questões desde que elas estão bem distantes do propósito
desta análise.
Esta foi uma exposição um tanto divagante e, certamente, devem existir
imprecisões em algumas de minhas observações. Eu apreciaria qualquer
comentário.
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