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deve ser desligado. Na primei- r;i riiaueira deve-se entender Cristo, a saber: "Tudo o que Pedro tiver desliga- do enquanto estava na terra, terá sido desligado também nos céus." Talvez elas queiram [dizer] que se ele também desligasse o diabo (desde que esteja na icrra na qualidade de quem desliga), este seria desligado no céu. Pois quem diz: "Tudo o que"mi e nada acrescenta para restringir [isso], certamente indica iluc tiido pode ser desligado. Não sei com que palavras invectivar essa gros- scira c imbecil superstição, sim, temeridade. Esse autor mereceria a cólera e a cloqiiência de um Jerônimo, para que fosse punida tão audaz violência e cor- i i ip~ão das santas palavras de Cristo. Estou deixando de lado a gramática qiic, incsmo sozinha, poderia ensinar-lhes que essa sua compreensão não po- de sirbsistir com essas palavras [de Cristo] (mas eles seguem mais as novas dia- ICiices do que a verdadeira gramática). Parece que a sabedoria dessas pessoas clicya ao ponto de saber que Cristo teria como que temido que algum dia Iioiivcssc iiin Pedro ou papa que, mesmo morto, quereria ligar e desligar, e qiic, por csla razão, lhe foi necessário prevenir tão insigne ambição e tirania de pontifices mortos, proibindo-os de ligar ou desligar exceto enquanto esti- vessem vivos e na terra. E (para ridicularizar dignamente tão dignos intérpre- tes da Escritura) talvez não tenha sido sem razão que Cristo temeu que, al- gum dia, acontecesse que um pontifice morto ligasse alguma coisa e que seu sucessor vivo desligasse essa mesma coisa. Então haveria uma grande confu- são no céu, e Cristo, ansioso, não saberia qual desses dois ofícios confirmar, pois temerariamente teria confiado a ambos o mesmo ofício, sem acrescentar "na terra" para conter o pontifice morto. Se não é assim que eles compreen- dem, por que se agitam? Por que se esforçam por demonstrar que "na terra" diz respeito a quem desliga? Eis ai um opúsculo verdadeiramente áureo, de um áureo mestrem2, digno de áureas letras e, para que tudo seja áureo, a ser transmitido a áureos discipulos, a saber, aqueles a cujo respeito é dito: "Os ídolos das nações são ouro e prata; têm olhos e não vêem", etc. [Sl 135.15s.I Esses caminham em linha reta contra Cristo. Pois Cristo acrescentou "na ter- ra" para que o pontifice, que não pode estar senão na terra, não tenha a pre- sunção de ligar ou desligar o que não está na terra. É como se Cristo delibera- damente se antecipasse e se opusesse aos repugnantes aduladores de nosso tempo, que começam a entregar o reino dos mortos ao pontifice contra a vontade deste e a despeito de sua recusa. Por causa de seu fervor, S. Jerôni- mo chamaria essa gente de "teólogos", isto é, faladores de Deus203, mas da- quele deus que, em Virgilioz", inspira uma grande loucura a seus vates. Mes- mo assim, procedamos contra eles. 1. Se por essa compreensão as chaves desligam os mortos, então elas também ligam, porque em ambos os casos é acrescentado "na terra", quan- do ele diz: "Tudo o que ligares na terra." Portanto, também aqui precisamos distinguir com a mesma diligência e agudeza, entendendo "na terra" de duas maneiras: de uma maneira que diz respeito a quem liga, de outra que diz res- peito ao que deve ser ligado. Assim, eles têm de nos concluir que o pontífice pode ligar debaixo da terra no purgatório, só que temos de cuidar (certamen- te com a ajuda de médicos) para que o faça em vida e enquanto estiver na ter- ra, pois, uma vez morto, não pode ligar. Se a primeira parte das palavras de Cristo não admite essa distorção e violenta zombaria, como eles mesmos, por mais sem juizo que sejam, afirmam, com que cara se atrevem a fazer essa vio- lência á segunda parte, visto que é em tudo construida segundo o mesmo es- quema? A menos, talvez, que, a sua maneira, Ihes fosse permitido falar tudo univocamente e equivocamente, cometer anfibologias e paralogismos, como e onde Ihes aprouvesse. Por conseguinte, eles podem dizer que, na primeira par- te, "na terra" diz respeito ao que deveser ligado, mas, nasegunda, aquemdes- liga, já que, segundo seu louvável costume, também arrastaram monstruosida- 202 Trata-se de Henrique de Segusio, o Ostiense (v. p. 114, nola 175). 203 Deum loquen~es, no original. 204 As palavras mognum vofibur inspiro1 furorem (inspira uma grande loucura a seus vares) provavelmente são imitacão de Eneido (Vl,llss.), na qual é dito do herói que procura a si- hila de Curnae: »i<in'rtt,in rui i>zrnrrm ior~imtrrnque Il<,lirr,s i,i.spirur vol<:r uppril<lt'<- / U I I I ~ U . 125 des ainda maiores para dentro das Sagradas Escrituras. Por isso, como todos negam que as chaves podem ligar no purgatório, é necessário negar que elas podem desligar, pois esses dois poderes são iguais e dados por Cristo a sua Igreja deigual maneira. Dessa opinião são alguns juris- tas que não são dos piores; se são mais sensatos do queos demais, eles que o ve- jam. 2. Essa opinião também é refutada a partir de soa própria antítese. Pois assim como "nos céus" em todo caso se refere ao que deve ser desligado nos céus, da mesma forma é necessário que "na terra" se refira ao que deve ser desligado na terra. E, inversamente, "nos céus" se refere ao queé ligado, ra- zão pela qual também "na terra" deve referir-se ao que é ligado. Dai é que Cristo, como que deliberadamente, não disse: "Eu desligarei nos céus", mas: "Será desligado nos céus", para que, se alguérri, através da prirrieira palavra - a saber, "tudo o que desligares na terra" -, buscasse a fraude de uma fal- sa compreensão, fosse retundido no que se segue e não lhe fosse permitido aplicá-la ao que deve ser desiigado2o', pois o que é desligado nos céus certa- mente precisa ser compreendido como desligado na terra, rião em referência a quem desliga, e o que é ligado nos céus precisa ser compreendido não com re- ferência a quem liga, mas ao que é ligado na terra, ou, pelo menos, em rela- ção a ambos. 3. Se a chave se estende ao purgatório, por que se esforçam eles em vão? Por que não suprimem a palavra "intercessão"? Por que não persuadem o pontifice a dizer que desliga e liga por meio do poder e da autoridade e não por meio da intercessão? Com efeito, tudo o que ele desligar (ele apenas tem que tomar cuidado para não estar morto) será desligado. Por que nos impor- luna com a palavra "sufrágio"z", sob a qual ninguém entende um poder, mas todos entendem uma intercessão'? Sim, deveríamos fazer mais e pedir ao papa que faça o purgatório desaparecer completamente. Pois se as chaves da Igreja, ainda que apenas no que diz respeito ao desligar, se estendem até lá, todo o purgatório está em suas mãos. Provo isto da seguinte maneira: que ele dê remissão plenária a todos os que nelezo7 estão. Em segundo lugar, que dê, sciiielhantemente, a mesma remissão a todos os cristãos moribundos. Então será certo que ninguém permanecerá nele, que ninguém entrará nele, mas que iodos sairão voando e o purgatório deixará de existir. Mas ele deve fad-10, e Lpiira tal] existe uma causa justissima, a saber, o amor, que deve ser buscado 1ji1i- tudo, sobre tudo e em tudo. Não se deve temer que a justiça divina seja ofeiidida pelo amor, para o qual, antes, ela mesma nos urge. Quando isso ti- ver sido feito, abandonaremos todo o oficio dos mortos, hoje em dia muito iiiolcsio c iicgligenciado, e o transformaremos em ofícios festivos. 4. t1iii quarto e último lugar: se a pena do purgat6rio é castigadora e afli- iiva, coiiio dissemos acima na tese 5, então é certo que ela não pode ser desli- i .,I,/ a ~ i v i ~ r i r l i i , , ~ , rio <iiigiiial. I'arece-rios quc se trata de iiiri lapso. Pela ibgica da argiioicrita- v;h! de I irlei<,, devcri;i cuil$t;ji ; i q i > i o~l.wlv<.nl<~,ri, "a qiiein desliga" (nota do ~ r a < l a l i , r ) . 2iUi ,S~,j/;.~tx;!!,r~, c>~!gin:hI, l'rn )pcbv~~tg<!C\, ' ' \ t t I