Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
C A P Í T U L O 1 5 DOENÇAS AUTO-IMUNES O sistema imune evoluiu no sentido de reconhecer estruturas presentes em bactérias, vírus, células tumorais e células transfundidas ou transplantadas. Os linfócitos T auxiliares são as principais células reguladoras da resposta imune, porque pela interação com as outras células, modula as suas funções. O reconhecimento efetuado pelos linfócitos T é de alto risco para o organismo porque o TCR reconhece estruturas próprias do MHC associadas com peptídeos oriundos das moléculas estranhas (Capítulos 6 e 9). A seleção tímica é um dos principais mecanismos que impede que células T auto-reativas circulem no organismo; no entanto, muitas células auto-reativas não morrem e tornam-se anérgicas, ou seja, não respondem para os antígenos (Capítulo 14). Estas células em determinadas circunstâncias (infecção, desequilíbrio na produção de mediadores) podem perder a anergia e serem ativadas. O organismo normalmente produz percentuais baixos (5%) de anticorpos que reconhecem estruturas próprias; por exemplo, anticorpos anti - citocinas parecem fazer parte de um mecanismo de controle destas moléculas. No entanto, a produção de anticorpos auto-reativos pode se tornar desequilibrada e levar a doenças de auto-agressão, as doenças auto-imunes (DAI). Estas doenças podem ser limitadas a um determinado órgão, como no caso da Doença de Graves, cujo órgão alvo é a tireóide ou pode ser sistêmica como no Lupus Eritematoso Sistêmico (LES) em que vários órgãos (cérebro, pele, articulações, vasos e rins) podem ser afetados. FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 178 RELAÇÃO ENTRE AS DOENÇAS AUTO-IMUNES E O MHC A importância que as moléculas do MHC têm na resposta imune levou os cientistas a tentar correlacionar a expressão destas moléculas e as doenças auto-imunes. A existência ou não desta correlação é dada pelo cálculo do Risco Relativo, que é realizado de acordo com a seguinte fórmula: Risco Relativo = Onde: ! p+ = número de pacientes com a DAI que expressam um determinado gene do MHC. ! p- = número de pacientes com a DAI que não expressam este gene do MHC. ! c+ = número de pessoas normais que expressam este gene do MHC. ! c- = número de pessoas normais que não expressam este gene. Na tabela 1, estão listadas algumas doenças auto-imunes e os riscos relativos correspondentes a um determinado tipo de MHC. Como se pode notar a única doença que têm um alto valor de RR (87,4) é a espondilite anquilosante, doença que envolve as articulações sacro-ilíacas, espinhal e articulações periféricas maiores. Esta correlação têm sido associada à reação cruzada entre epítopos do HLA-B27 e da Klebsiella pneumoniae. No caso da artrite reumatóide têm sido observadas reações cruzadas entre epítopos do HLA- DR4 e Proteus mirabilis. p+ X c- p- X c+ CAP. 16 - DOENÇAS AUTO-IMUNES 179 Tabela 1 – As doenças auto-imunes, o HLA e o Risco Relativo Doença Alelo HLA Risco Relativo Razão Sexual (F/M) Espondilite anquilosante B27 87,4 0,3 Uveíte anterior aguda B27 10,04 < 0,5 Síndrome de Goodpasture DR2 15,9 ? Esclerose Múltipla DR2 4,8 10 Doença de Graves DR3 3,7 4-5 Miastenia gravis DR3 2,5 ≅≅≅≅ 1 Lupus eritematoso sistêmico DR3 5,8 10-20 Diabetes melitus insulino dependente DR3 e DR4 3,2 ≅≅≅≅ 1 Artrite reumatóide DR4 4,2 3 Pênfigo vulgar DR4 14,4 ? Tireoidite de Hashimoto DR5 3,2 4-5 Alterações na seqüência de aminoácidos do MHC têm sido detectadas no caso de pacientes com diabetes. Estas alterações ocorrem na posição 57 da cadeia beta do HLA-DQ: em indivíduos normais, o aminoácido presente nesta posição é o ácido aspártico enquanto que em diabéticos os aminoácidos podem ser a Valina, a Serina ou a Alanina (Tabela 2). Estas alterações também ocorrem em camundongos NOD (diabéticos não obesos) que são usados como modelo experimental de diabetes. Estes camundongos apresentam na posição 57 o aminoácido Serina enquanto que os animais normais da mesma linhagem apresentam o ácido aspártico. Várias hipóteses existem para explicar a relação entre a expressão de um tipo de aminoácido e a presença de uma doença auto-imune. Como o aminoácido 57 é importante na formação da cavidade que se associa ao antígeno, a alteração deste aminoácido pode modificar a ligação do peptídeo, sua conformação espacial e levar ao reconhecimento de moléculas próprias como estranhas. FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 180 Tabela 2 Alterações no aminoácido 57 da cadeia ββββ HLA-DQ CAUSAS PRINCIPAIS DO SURGIMENTO DAS DAI As doenças auto-imunes podem ocorrer em decorrência da alteração de vários mecanismos que regulam a resposta imune (falha na tolerância central e periférica), pela reação cruzada entre epítopos próprios e os de origem externa, pela exposição de antígenos seqüestrados (escondidos) ou pela alteração de epítopos em decorrência de infecções ou contato com agentes físicos ou químicos. Falha na tolerância central Existem poucas evidências clínicas e experimentais para esta hipótese; no entanto, existe a possibilidade de que células T com receptores de alta afinidade para antígenos próprios associados ao MHC escapem da ocorrência de apoptose no timo por não entrarem em contato com quantidades suficientes de auto-antígenos. Esta idéia é sugerida no caso da esclerose múltipla, em que os antígenos estão presentes na bainha de mielina no cérebro, órgão em que há uma maior seletividade na passagem de células do sistema imune através da barreira hemato - encefálica. Falha na tolerância periférica Neste caso a perda da tolerância ocorre em células T ou B que já migraram para os órgãos linfóides secundários. Existem evidências experimentais e clínicas da falha na tolerância principalmente de LT. As principais causas da perda da tolerância de células T são: HLA-DQββββ Aminoácido 57 Indivíduos normais ácido aspártico Indivíduos diabéticos caucasóides Val/ Ser/ Ala camundongos NOD (I-Aββββ) Ser camundongos não obesos normais ácido aspártico CAP. 16 - DOENÇAS AUTO-IMUNES 181 1. Falha na anergia de LT Para que as APCs ativem linfócitos T, estas precisam expressar moléculas co-estimulatórias, tais como CD40 e B7 (Capítulo 9). Macrófagos, linfócitos B e células dendríticas teciduais normalmente expressam estas moléculas co-estimulatórias em baixos níveis; no entanto, durante uma infecção, inflamação ou necrose tecidual, estas células passam a expressar um maior número destas moléculas podendo levar à perda de tolerância e doenças auto-imunes. Exemplos deste tipo de mecanismo são os modelos experimentais de esclerose múltipla, tireoidite e diabete dependente de insulina em que ocorre indução de B7 nos macrófagos quando antígenos próprios são administrados com adjuvantes. Nestes casos, outras células além das tradicionais APCs podem passar a apresentar antígenos, pela indução pelo IFN-γde moléculas do MHC classe II e moléculas co-estimulatórias. A inibição da ativação dos linfócitos T é dependente da expressão de CTLA-4 que se associa a B7 expressa nas APCs (Capítulo 9); a falha na expressão desta molécula pode levar a doenças auto- imunes com infiltração de linfócitos T no pâncreas, coração e outros órgãos. 2. Falha na morte celular induzida por ativação por antígenos próprios Quando os antígenos às quais as células estão expostas encontram-se em altas concentrações, a estimulação repetitiva causa a morte celular por apoptose (Capítulo 14). Falhas neste mecanismo têm sido evidenciadas em modelos experimentais de LES: camundongos de duas linhagens isogênicas, lpr/lpr (linfoproliferação)e gld/gld (doença proliferativa generalizada) apresentam defeitos nos genes que codificam Fas e Fas-Ligante, respectivamente, impedindo a morte dos linfócitos T induzida por ativação. Os linfócitos T nestes camundongos proliferam e reagem com antígenos próprios ainda não identificados. FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 182 3. Falha na supressão de LT auto-reativos por citocinas regulatórias A supressão de LT auto-reativos pode ocorrer pela produção de citocinas tais como a IL-10 e o TGF-β, que tornam estas células anérgicas. Apesar de não existirem evidências experimentais ou clínicas deste tipo de mecanismo, esta possibilidade existe. 4. Ativação policlonal de linfócitos Clones anérgicos podem ser ativados por ativadores policlonais tais como o LPS (lipopolissacarídeo bacteriano) ou superantígenos (presentes em estafilococos e estreptococos) (Capítulo 14). Os superantígenos associam-se diretamente às moléculas do MHC sem a necessidade de serem processados pelas APCs e além disso, não se ligam à fenda de associação do antígeno nas moléculas do MHC. Por este tipo de associação com o MHC, os superantígenos são reconhecidos por vários TCRs e por isso ativam policlonalmente as células T. Reação cruzada entre antígeno próprio e estranho. A semelhança entre antígenos próprios e antígenos de origem externa podem levar também a doenças auto-imunes. Na febre reumática, infecções de garganta com alguns sorotipos de estreptococos beta-hemolíticos levam à produção de anticorpos contra uma proteína da parede célular (proteína M) (Figura 1). Alguns destes anticorpos reagem de forma cruzada com proteínas do sarcolema do miocárdio e miosina, levando à inflamação local (cardite). CAP. 16 - DOENÇAS AUTO-IMUNES 183 Figura 1 – Reação cruzada dos anticorpos anti - Streptococcus com proteínas do sarcolema Exposição de antígenos sequestrados por trauma, infecções Existem alguns locais no organismo que estão sequestrados (escondidos) do sistema imune e as proteínas próprias destes tecidos não são apresentadas no timo e não induzem tolerância. Exemplos destes antígenos são as proteínas intraoculares e proteínas dos espermatozóides. Alterações locais tais como inflamação seguida ou não de infecção, injúria isquêmica ou trauma podem levar à exposição destes antígenos próprios, que ativam linfócitos, induzindo uma resposta auto-imune. Doenças auto- imunes tais como uveíte pós-traumática, orquite associada ou não com vasectomia parecem ocorrer pela liberação de antígenos próprios sequestrados e indução de uma resposta de auto-agressão. LTh1 Streptococcus Céls. do miocárdio FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 184 Alteração de epítopos após infecção ou lesões físicas ou químicas. A liberação de moléculas tóxicas durante uma infecção, o contato com substâncias químicas ou radiação pode levar às alterações em algumas moléculas presentes nas células e levar a uma resposta de auto-agressão. É o caso das anemias hemolíticas, da púrpura trombocitopênica e da agranulocitose associadas à ingestão de determinados medicamentos ou de infecções. MECANISMOS IMUNOLÓGICOS PRESENTES NAS DOENÇAS AUTO-IMUNES. Os mecanismos imunológicos presentes nas doenças auto-imunes podem ser associados a reações de hipersensibilidade (Tabela 3): ! citotóxica, com a produção de anticorpos e conseqüente ativação do sistema complemento e lise celular, opsonização e ADCC (Capítulo 12). ! do complexo imune, com a produção de anticorpos em altas concentrações na presença de baixas concentrações de antígenos, gerando o depósito de pequenos complexos em locais de alta pressão sanguínea e indução do processo inflamatório a partir da ativação local do sistema complemento (Capítulo 12). ! tardia, com a ativação de células Th1 e macrófagos, responsáveis pela secreção de citocinas que perpetuam a resposta inflamatória na presença constante do antígeno gerador do processo (Capítulo 13). CAP. 16 - DOENÇAS AUTO-IMUNES 185 Tabela 3 - Doenças auto-imunes mediadas por mecanismos de hipersensibilidade Hipersensibilidade tipo II Síndrome Autoantígeno Conseqüências Anemia hemolítica auto- imune Rh, Ag I Hemólise, opsonização, anemia Púrpura trombocitopênica Integrina plaquetária lise de plaquetas, anomalias no sangramento Síndrome de Goodpasture colágeno tipo IV vasculite, insuficiência renal, hemorragia pulmonar Pênfigo vulgar Caderina epidérmica Vesiculação cutânea Febre reumática aguda Ag de parede de estreptococos-reação cruzada com células do músculo liso artrite, miocardite, cicatrizes tardias das válvulas cardíacas Hipersensibilidade tipo III Síndrome Autoantígeno Conseqüências Endocardite bacteriana subaguda Ag bacteriano Glomerulonefrite Crioglobulinemia esssencial mista Complexos de fator reumatóide IgG (associado ou não com Ags da hepatite C) Vasculite sistêmica Lupus eritematoso sistêmico DNA, histonas, ribossomos glomerulonefrite, vasculite, artrite Hipersensibilidade tipo IV Síndrome Autoantígeno Conseqüências Diabetes melito insulino dependente Ag pancreático das células ββββ Destruição das células ββββ Artrite reumatóide Ag desconhecido das articulações sinoviais Inflamação e destruição das articulações Encefalomielite auto- imune experimental (EAE), esclerose múltipla Proteína básica da mielina, proteína proteolipídica Invasão cerebral pelos LT CD4, paralisia FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 186 MECANISMO IMUNOLÓGICO DE ALGUMAS DOENÇAS AUTO-IMUNES Lupus eritematoso sistêmico O Lupus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença auto-imune crônica, multi-sistêmica, com períodos de exacerbação e remissão. É uma doença que afeta predominantemente mulheres (Tabela 1). O LES desenvolve-se na dependência da associação entre fatores genéticos, hormonais e ambientais. Quanto ao aspecto genético, o surgimento do LES tem sido correlacionado a expressão de determinados alelos das moléculas do MHC-II: nos indivíduos caucasianos, do alelo HLA-DR3 e nos orientais do alelo HLA-DR2. Quanto aos aspectos ambientais, o LES tem sido associado à exposição à luz ultravioleta (UV), principalmente a UV-B, e a medicamentos tais como procainamida, hidralazina, clorpromazina, isoniazidas, practolol e metildopa. Estes fatores provavelmente levam a um desequilíbrio na regulação da resposta imune e à produção de diferentes anticorpos auto-reativos. Estes anticorpos reagem, com maior frequência, contra constituintes nucleares, particularmente DNA, ribonucleoproteínas, histonas e antígenos presentes nos nucléolos. Os complexos imunes formados por estes anticorpos e os respectivos antígenos não são removidos da circulação e são depositados nos glomérulos renais, nas articulações, na pele e nos vasos, levando a um processo inflamatório local (Hipersensibilidade do complexo imune). A redução nos níveis de C4 observada com freqüência nos pacientes com LES pode contribuir para a não retirada dos complexos imunes da circulação pelos macrófagos presentes no fígado e baço. A produção de anticorpos anti-hemácias e anti-plaquetas pode levar também respectivamente à anemia hemolítica e trombocitopenia, observadas nestes pacientes. O mecanismo de produção de anticorpos anti-DNA ocorre provavelmente pelo reconhecimento pelos linfócitos B do DNA próprio alterado associado a proteínas nucleossomais. A endocitose das Igs de membrana dos linfócitos B associadas com o DNA-proteína leva ao processamento deste complexo e a apresentação de peptídeos para os linfócitos T auxiliares. Os LT auxiliares ativados estimulamos CAP. 16 - DOENÇAS AUTO-IMUNES 187 Linfócitos B que passam a produzir autoanticorpos que reagem contra o DNA e outros componentes do complexo. Ainda não se sabe se o defeito patogênico primário ocorre nos linfócitos B (falha na tolerância periférica ou central) ou nos linfócitos T auxiliares ou em ambos. A maior população de LT auxiliares presentes em pacientes com LES reage com peptídeos derivados de proteínas nucleossomais. Pacientes com lupus apresentam um aumento na expressão das moléculas CD40L e FasL. Embora o CD40L seja um marcador de LT, nos pacientes com lupus este também está aumentado na superfície dos Linfócitos B e como os dois tipos de linfócitos expressam CD40, a interação CD40- CD40L pode aumentar a ativação destas células. Por outro lado, a morte por apoptose induzida por ativação também está reduzida nestes pacientes, que apresentam redução na produção de TNF-α e na expressão do CD3ζ, importantes neste mecanismo de morte. Artrite reumatóide A artrite reumatóide (AR) é uma doença auto-imune caracterizada por inflamação crônica das articulações sinoviais com destruição progressiva de estruturas cartilaginosas e ósseas. As principais articulações afetadas são as das mãos, punhos, joelhos e pés e geralmente de forma simétrica. Em 20- 25% dos pacientes, ocorrem manifestações extra-articulares, como vasculite e nódulos subcutâneos. Fatores hormonais provavelmente estão envolvidos pois a incidência maior ocorre em mulheres (3:1) de 35 a 50 anos de idade. Além dos fatores hormonais, agentes infecciosos têm sido associados ao surgimento desta doença, sendo eles: micoplasma, vírus da rubéola, citomegalovírus, herpes vírus, parvovírus B19, o vírus Epstein-Barr e o Mycobacterium tuberculosis. Existe associação entre a expressão das moléculas HLA-DR4 e HLA-DR1 e a artrite. O estudo de seqüências peptídicas associadas à molécula HLA-DR4 demonstrou que estas são similares àquelas da Proteína de Choque Térmico 65 (Hsp 65) em micobactérias e do colágeno α1 humano. Estes dados são sugestivos de que possa ocorrer uma reação cruzada entre antígenos de micobactéria e do colágeno. FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 188 O líquido presente em uma articulação sinovial normal é acelular; no entanto, quando a artrite reumatóide se desenvolve, este fica enriquecido predominantemente de neutrófilos embora macrófagos, linfócitos T e células dendríticas estejam presentes. A membrana sinovial composta de 1-2 camadas celulares torna-se infiltrada por células provenientes do sangue e passa a apresentar de 6 a 8 camadas. Estas camadas são compostas, na parte mais externa, principalmente por macrófagos ativados (denominados sinoviócitos tipo A) com uma camada subjacente de células tipo fibroblastos (sinoviócitos tipo B). As camadas mais profundas dentro da membrana sinovial têm folículos linfóides que circundam os vasos sanguíneos e linfócitos esparsos entre eles. Ocorre neovascularização e as células endoteliais apresentam-se ativadas. Na membrana sinovial predominam macrófagos e linfócitos T mas estão presentes plasmócitos, células dendríticas e fibroblastos ativados. O local de maior lesão na articulação ocorre na junção da membrana sinovial com a cartilagem e o osso, uma região denominada pannus, uma área rica em macrófagos. As células do pannus migram para a cartilagem subjacente e o osso subcondral, causando erosão tecidual. A destruição da cartilagem deve-se a produção de metaloproteinases, enzimas produzidas pelos macrófagos e fibroblastos ativados pela IL-1 e TNF-α. Além das metaloproteinases, a catepsina B, uma endopeptidase também pode contribuir para a clivagem de proteoglicanos e colágenos (I, II, IX, X e XI) presentes nas cartilagens e ossos. Os linfócitos T na membrana sinovial das articulações de pacientes com AR são na sua maioria células CD4+Th1 e a presença de IL-12 nestes locais sugere que as células ativadas estão induzindo a resposta Th1, durante a fase inicial, e contribuindo para a sua manutenção, em períodos mais tardios da resposta inflamatória. Outro tipo de Linfócito T abundante na membrana sinovial são os com TCR γ/δ, sugerindo que proteínas de choque térmico (Hsps) reconhecidas por estas células possam estar envolvidas na patogênese. As citocinas envolvidas na hiperplasia dos fibroblastos da membrana sinovial são produtos da ativação crônica de macrófagos: PDGF, FGF e TGF-β. O TGF-β está associado tanto com o reparo das lesões quanto com a fibrose nas articulações. O TGF-β, produzido na membrana sinovial, estimula a produção de colágeno tipo I e XI e inibe a produção de metaloproteinases contribuindo para a inibição dos mecanismos de destruição dos tecidos; no entanto, em lesões crônicas, quando é produzido em altas CAP. 16 - DOENÇAS AUTO-IMUNES 189 concentrações pode contribuir para a migração de macrófagos e fibroblastos e para a angiogênese, pela indução do Fator de Crescimento de Células do Endotélio Vascular (VEGF – Vascular Endothelial Cell Growth Factor). As quimiocinas-α (IL-8, Groα, ENA-78) são as responsáveis pelo acúmulo de neutrófilos no fluido sinovial enquanto que as quimiocinas-β (RANTES, MCP-1, MIP-1α) induzem a migração de linfócitos T e monócitos. As quimiocinas-α também são as responsáveis pela neovascularização. Citocinas anti-inflamatórias tal como a IL-10, que inibe a produção de IL-1 e TNF-α, estão também presentes no sangue e membrana sinovial de pacientes com AR, sugerindo que mecanismos imunoregulatórios são ativados. Isto é corroborado pelo fato de que pacientes que apresentam Igs anti- IL-1α apresentam um melhor prognóstico, com uma doença menos erosiva. Linfócitos B presentes nas membranas sinoviais produzem anticorpos contra a porção Fc da IgG. Estes anticorpos, denominados fatores reumatóides, reagem com carboidratos alterados nesta porção da IgG. O fator reumatóide mais comum é uma IgM, embora anticorpos IgG e IgA também apresentem estas características. Acredita-se que infecções ou respostas inflamatórias locais sejam as responsáveis pela alteração dos carboidratos da IgG. A presença destes anticorpos aumenta a resposta inflamatória no local pela ativação do sistema complemento e a liberação de anafilatoxinas e fatores quimiotáticos. Os níveis elevados de fator reumatóide estão associados a manifestações extraarticulares, tais como os nódulos reumatóides. Estes podem estar presentes nas superfícies extensoras e tipicamente no antebraço e também na pleura, esclerótica e miocárdio. Diabetes mellitus insulino-dependente ou tipo I. O diabetes é uma doença auto-imune na qual são destruídas as células β (Beta), produtoras de insulina, das ilhotas de Langerhans do pâncreas. A destruição das células β acarreta na diminuição da produção de insulina, resultando em hiperglicemia e na necessidade da administração de insulina exógena. O desenvolvimento desta doença como no caso de outras doenças auto-imunes, está associada a fatores genéticos, ambientais e hormonais. FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 190 Em 95% dos pacientes observa-se a expressão dos alelos das moléculas do MHC-II - HLA- DR3 e/ou HLA-DR4. No entanto, quando estes alelos são expressos associados ao HLA-DR2 ocorre uma redução na probabilidade de desenvolvimento da doença. Outro alelo importante que tem sido associado ao desenvolvimento do diabetes tipo I é o HLA-DQ. O seqüenciamento dos aminoácidos destes alelos humanos tem demonstrado que a susceptibilidade está associada à expressão de serina, alanina ou valina na posição 57 da cadeia beta do HLA-DQ enquanto que a resistência está relacionada a expressão de ácido aspártico. Esta mesma associação é observada emmoléculas análogas em camundongos NOD (nonobese diabetic), o principal modelo animal de diabetes. A hipótese que tem sido mais aceita é de que a imunidade contra as células beta decorre da similaridade entre o HLA-DQ e uma sequência de aminoácidos presente em vírus ou bactérias. Infecção pelos vírus coxsackie B-4 pode preceder o início do diabetes e supõe-se que a infecção altere moléculas próprias das ilhotas, resultando em uma resposta de auto-agressão. Infecção congênita pelo vírus da rubéola em indivíduos HLA-DR3 aumenta a prevalência do diabetes tipo-I. Este vírus apresenta uma seqüência na proteína E1 idêntica ao segmento do alelo HLA- DQ em pacientes diabéticos. Além das infecções virais, as proteínas do leite de vaca, o glúten do trigo e alguns medicamentos (penicilamina, hidralazina, metimazole) podem, também, estar associados ao aumento da incidência de diabetes tipo I. Em pacientes com diabetes a maioria das ilhotas que apresenta redução no número de células β apresenta um infiltrado constituído principalmente de LT CD8+, com uma proporção variável de linfócitos TCD4+, linfócitos B, células NK e macrófagos. Observações em modelos experimentais e nos pacientes têm levado a idéia de que vários mecanismos podem contribuir para a destruição das células β. Como a maior infiltração nas ilhotas é a de LT citotóxicos, acredita-se que os mecanismos principais sejam os mediados pela secreção de perforina e granzimas e pela morte por apoptose via Fas-FasL. A ativação de mecanismos dependentes de perforina/granzima é sugerida pelo aumento da expressão das moléculas do MHC-I na superfície das células β das ilhotas. A ocorrência de mecanismos dependentes de Fas também é sugerida pelo fato das células β normalmente não expressarem Fas e no entanto, o fazerem durante o processo inflamatório nas ilhotas. Citocinas, tais como a IL-1β têm sido associadas com a produção de Óxido Nítrico local, que induz a CAP. 16 - DOENÇAS AUTO-IMUNES 191 expressão de Fas nas células β. Estes dados são corroborados pela detecção de LT FasL+ associados com células β Fas+ apresentando um fenótipo apoptótico durante o processo inflamatório nas ilhotas de Langerhans. Além dos LTc, os LTh1 também podem participar no desenvolvimento da lesão das células β da ilhota e isto é sugerido pelos seguintes fatos: a susceptibilidade está associada a alelos do MHC-II (HLA-DR3/DR4), os linfócitos Tc dependem dos LT auxiliares para serem ativados e as moléculas do MHC-II estão expressas em altas concentrações nos macrófagos, nas células endoteliais e nas células β sobreviventes. A expressão das moléculas do MHC-II pelas células pode ser induzida pelo IFN-γ produzido por LTh1 ou por células NK, aumentando a lesão local. Além dos linfócitos Th1 e LTc, anticorpos produzidos contra inúmeros antígenos das células das ilhotas estão presentes, dentre eles, os anti- insulina, anti-carboxipeptidase e anti-descarboxilase do ácido glutâmico (GAD). Durante certo tempo, estes anticorpos foram indicados como os principais responsáveis pela lesão das ilhotas. No entanto, acredita-se que as células Th1, específicas para cerca de 8 a 10 antígenos das ilhotas, são as responsáveis pela auto-agressão. Metade dos pacientes no início do diabetes apresentam linfócitos T que reconhecem GAD, que é apresentada associada ao HLA-DR4. Os anticorpos pela capacidade de ativarem o sistema complemento e as células NK podem contribuir para o agravamento das lesões. Tireoidite de Hashimoto A doença de Hashimoto é uma doença inflamatória crônica que afeta a tireóide causando hipotireoidismo. A tireóide afetada apresenta um infiltrado celular que consiste em 50% de linfócitos T numa proporção de 4:1 em relação aos linfócitos CD4+/CD8+, 20% de macrófagos e 30% de linfócitos B ou plasmócitos que podem formar folículos linfóides e centros germinativos. Os pacientes apresentam dois tipos de anticorpos: o anti-peroxidase tireoídea e o anti- tireoglobulina. A peroxidase tireoídea é uma enzima presente na borda apical das células da tireóide e cuja função está associada a iodação da tireoglobulina. Os anticorpos contra esta enzima são produzidos FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 192 em altas concentrações e além de destruir as células pela ativação do sistema complemento, interferem na ação catalítica contribuindo para o surgimento do hipotireoidismo. Os anticorpos anti-tireoglobulina são produzidos em baixas concentrações, não fixam complemento e não parecem estar associados com os mecanismos patogênicos da doença. Doença de Graves A doença de Graves caracteriza-se por hipertireoidismo, oftalmopatia infiltrativa e dermopatia infiltrativa. Ocorre um infiltrado linfocítico na glândula tireóide que se caracteriza pela predominância de linfócitos TCD4+, numa proporção de 2:1 em relação aos linfócitos TCD8+, com um percentual menor de linfócitos B (10%) do que aquele observado na doença de Hashimoto. Os pacientes apresentam um anticorpo que reconhece o receptor do Hormônio tireo- estimulante (TSH), e compete com este pelo mesmo sítio de ligação no receptor. A contínua ativação da tireóide pelo anticorpo leva a um aumento dos hormônios tiroxina (T4) e triiodotironina (T3) e a uma redução do TSH. Em cerca de 8% dos casos, ocorre oftalmopatia, com protuberância dos olhos, desconforto e às vezes, dor. O tecido periorbitário e os músculos são infiltrados com linfócitos mas não se sabe se esta reação inflamatória ocorre em decorrência de um antígeno comum de 64 kDa presente no olho e na tireóide ou se pela presença do receptor de TSH nos tecidos retroorbitários. Miastenia grave A miastenia grave (MG) é uma doença auto-imune que afeta a junção neuromuscular levando a fraqueza de músculos estriados. Os músculos mais susceptíveis a doença são os associados com os nervos cranianos, sendo afetados, em mais de 50% dos casos, os músculos oculares. A fraqueza muscular geralmente surge após um evento estressante tal como infecção ou anestesia. Na maioria dos casos, no entanto, o fator desencadeante da síndrome não é identificado. No entanto, em alguns casos, os indivíduos apresentam timoma (tumor do timo) ou estão submetidos ao tratamento com D- penicilamina, medicamento utilizado no tratamento da artrite reumatóide. Neste último caso, a CAP. 16 - DOENÇAS AUTO-IMUNES 193 interrupção do tratamento reduz o quadro clínico que se caracteriza pela fraqueza muscular associada a produção de anticorpos contra o receptor de Acetil-colina (rAc) presente em células musculares. O rAc é constituído de duas cadeias alfa, uma cadeia β, uma δ e outra γ. Os anticorpos anti-rAc reconhecem a cadeia alfa e quando se associam a esta molécula, além de bloquear a associação da acetil-colina, ativam o sistema complemento e levam à lesão da placa neuromuscular pela indução de uma resposta inflamatória local (Figura 2). A associação entre timoma e a miastenia gravis levou a descoberta de uma molécula presente no timo que é homóloga estruturalmente à cadeia alfa do rAc. O timo normal apresenta um tipo de célula semelhante a células musculares e que expressam rAc. Acredita-se que o tumor deva induzir a produção de anticorpos contra esta proteína presente no timo e que atuam na musculatura periférica. Indivíduos com miastenia grave não associada a timoma também apresentam uma hiperplasia tímica, com a presença de centros germinativos e células T circundantes, que lembram um folículo linfóide dos linfonodos e baço. Estas células tímicas produzem in vitro anticorpos contra o rAc. FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 194 Figura 2 – A. Junção neuro-muscular normal B. Junção neuro-muscular na Miastenia gravemúsculo Influxo de Na+ Contração muscular Sem influxo de Na+ - sem contração muscular rAcetilcolina rAcetilcolina internalizam e são degradados Neurônios IgG Anti - cadeia αααα do rAcetilcolina Acetilcolina Acetilcolina A. B. DOENÇAS AUTO-IMUNES RELAÇÃO ENTRE AS DOENÇAS AUTO-IMUNES E O MHC Tabela 1 – As doenças auto-imunes, o HLA e o Risco Relativo Tabela 2 Alterações no aminoácido 57 da cadeia ( HLA-DQ CAUSAS PRINCIPAIS DO SURGIMENTO DAS DAI Falha na tolerância central Falha na tolerância periférica Reação cruzada entre antígeno próprio e estranho. Figura 1 – Reação cruzada dos anticorpos anti - Streptococcus com proteínas do sarcolema Exposição de antígenos sequestrados por trauma, infecções Alteração de epítopos após infecção ou lesões físicas ou químicas. MECANISMOS IMUNOLÓGICOS PRESENTES NAS DOENÇAS AUTO-IMUNES. Tabela 3 - Doenças auto-imunes mediadas por mecanismos de hipersensibilidade MECANISMO IMUNOLÓGICO DE ALGUMAS DOENÇAS AUTO-IMUNES Lupus eritematoso sistêmico Artrite reumatóide Diabetes mellitus insulino-dependente ou tipo I. Tireoidite de Hashimoto Doença de Graves Miastenia grave Figura 2 – A. Junção neuro-muscular normal B. Junção neuro-muscular na Miastenia grave
Compartilhar