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O Princípio Constitucional da Proporcionalidade
Fabiana Duarte Raslan
Especialista em Direito Público e Privado
Professora de Direito Constitucional 
Introdução
Pretende-se, com este trabalho, fazer com que o leitor reflita sobre suas considerações acerca do tema, sem querer trazer uma solução definitiva sobre o que vem sendo amplamente debatido pelos estudiosos do mundo inteiro, nem mesmo derrubar qualquer tese proposta por eles, mas simplesmente trazer alguns questionamentos a partir de uma breve análise histórica, dogmática e jurídico-filosófica sobre o tema.
	Por sua amplitude e alcance constitucional, o princípio da proporcionalidade contribui para a realização dos fins do Direito, qual seja promover a Justiça, e, portanto torna-se necessária a análise incansável de sua origem, seus elementos e de sua trajetória ao longo do tempo, até se chegar a sua delimitação, pois chegando-se a um terreno mais sólido, será possível evitar que o princípio da proporcionalidade tenha seu conteúdo esvaziado. Deste modo, evita-se a utilização arbitrária do instituto e o afastamento dos demais princípios de Direito por excessiva abstração de seu conteúdo.
1. Origem e desenvolvimento
O princípio da proporcionalidade, por sua natureza flexível, é mais fácil de ser compreendido do que conceituado. Numa acepção lata, o instituto impõe obediência tanto do poder público quanto dos administrados. Em sentido estrito, faz presumir a existência de uma relação de proporcionalidade entre os fins a serem atingidos pelo Estado e os meios escolhidos para realizá-los�. Toda vez que a desproporção entre os fins e os meios for manifesta, haverá violação do princípio.
	A idéia de um controle material dos atos do poder público remonta meados do século XVIII, surgindo na Inglaterra (reasonableness), na Prússia (verhältnismässigkeit), na França (détournement du pouvoir) e na Itália (eccesso di potere).
A base do instituto foi retirada pela doutrina dos trabalhos de Von Ihering: O fim do Direito e a Luta pelo Direito. Mais tarde, a doutrina acrescentou um terceiro elemento, estabelecendo uma relação triangular entre fim, meio e situação, para responder as lacunas deixadas pela teoria anterior.�
	O instituto tem aplicação clássica no Direito Administrativo, no qual se utiliza a máxima de Jellinek: “não se abatem pardais disparando canhões”. Foi adotado para resolver o problema da limitação do poder executivo, sendo considerado no século XVIII como medida para limitar a atuação do poder estatal quando interferisse na esfera da liberdade individual. No século XIX, foi introduzido como princípio geral do direito de polícia, sendo mais comumente denominado de proibição do excesso�. A expressão proporcionalidade somente foi utilizada anos mais tarde, já no séc. XX, sendo tratada como princípio geral de direito constitucional. 
No Direito Processual, o instituto foi introduzido na doutrina das medidas liminares, e, mais tarde foi adotado no campo do Direito Tributário. Desde o fim do século passado, vem sendo utilizado como critério de controle da constitucionalidade das leis, como regra de apoio e proteção dos direitos do cidadão. Neste sentido, se revela um princípio essencial à Constituição, na medida em que autoriza um controle mais eficaz dos atos estatais, caracterizando um novo Estado de Direito.
	O instituto tem maior destaque no campo dos direitos fundamentais, por meio dos quais se vincula ao Direito Constitucional. A partir da afirmação feita por um importante doutrinador alemão, Herbert Krueger, há cinqüenta anos, segundo a qual a ordem jurídica deveria se moldar aos direitos fundamentais, importantes transformações constitucionais ocorreram, vários mecanismos de proteção destes direitos se desenvolveram, e, sem dúvida, o mais importante na ordem constitucional da atualidade é o princípio da proporcionalidade.�
	Por meio deste princípio, é possível ampliar a matéria de defesa dos direitos fundamentais perante o poder do Estado. Entretanto, a proporcionalidade não está restrita a este campo, mas alcança, também, os direitos de segunda e terceira geração, como afirma a doutrina e jurisprudência nacional e estrangeira.
	Os países que adotam o princípio, nem sempre utilizam a mesma terminologia. Não há consenso nem mesmo entre os alemães, que são os mais avançados na matéria. Fala-se em proibição do excesso, vedação do excesso, vedação do arbítrio e menor ingerência possível. Todavia, o que vem predominando mais recentemente, inclusive entre outros países europeus como França, Suíça, Áustria e Espanha, é simplesmente “proporcionalidade”, uma vez que é adotada pelos maiores publicistas europeus: R.v. Krauss, um dos precursores da sistematização do instituto�, Konrad Hesse, Zimmerli, Muller, Hans Shneider, entre outros.�
	A proporcionalidade surgiu da necessidade de controlar os atos do Poder Legislativo, numa época em que o princípio da legalidade era considerado o mais importante. Durante a primeira fase do Estado de Direito, o legislador gozava de extrema liberdade, podendo definir as medidas aptas à realização dos fins da Constituição de forma quase totalmente desvinculada. Na segunda fase, o legislador já não é soberano, mas torna-se passível de ter seus atos controlados por outro Poder do Estado. O princípio da legalidade dá lugar ao princípio da constitucionalidade, abrindo espaço para o controle material dos atos legislativos.
	Esta forma de controle requer para o aplicador do Direito, ou seja, o juiz, maior liberdade para interpretar, já não basta um controle formal, mas torna-se imprescindível uma análise substancial dos atos legislativos. Surge assim o princípio da proporcionalidade, permitindo ao juiz corrigir os excessos do legislador, antes impossível apenas com base na legalidade.
	Poderia se cogitar que o espaço conferido ao juiz com fundamento no princípio da constitucionalidade importaria em violação do dogma da separação de poderes, por conferir excessiva liberdade ao aplicador da norma para controlar atos próprios de outro Poder do Estado. Haveria violação somente na hipótese do princípio ser aplicado isoladamente, desrespeitando outro postulado do direito. Não se trata de utilizá-lo como único instituto a ser observado, mas sim de aplicá-lo como medida de justiça, levando em consideração o princípio do estado de direito e todos os seus elementos concretizadores. Ademais, o poder dado ao legislador pelo povo por meio do contrato social, não foi um poder geral, mas limitado e específico.� A liberdade extremada do Poder Legislativo abre amplo espaço para a violação dos direitos fundamentais; é incontestável a necessidade do controle do arbítrio. Ressalte-se a brilhante observação de Paulo Bonavides:
	As limitações de que hoje padece o legislador, até mesmo o legislador constituinte de segundo grau – titular do poder de reforma constitucional - configuram, conforme já assinalamos, a grande realidade da supremacia da Constituição sobre a lei, a saber, a preponderância sólida do principio de constitucionalidade, hegemônico e moderno, sobre o velho princípio de legalidade ora em declínio nos termos de sua versão clássica, de fundo e inspiração liberal.
	O conceito de proporcionalidade encontra-se ainda em evolução. E não poderia ser diferente, dada a natureza flexível do instituto. Ademais, a aplicação em matéria de controle de constitucionalidade é muito recente, embora a lesão ao princípio já vem sendo considerada grave, pelo menos nos países cujo sistema hermenêutico funda-se na teoria material da Constituição.
2. Os subprincípios constitutivos da proporcionalidade
	2.1. Princípio da conformidade ou adequação dos meios
	Por este elemento impõe-se que a medida a ser tomada para a consecução dos fins a que se pretende deva ser apropriada, adequada, em última análise, para a realização do interesse público. Esta exigência pressupõe a investigação e a prova de que o ato do poder público para atingir os fins que justificaramsua adoção. Trata-se de controlar a adequação da relação entre a medida e o fim. Este controle vem sendo muito debatido pela doutrina e pela jurisprudência relativamente ao poder discricionário da administração pública. Torna-se ainda mais complexo quando se trata de ato legislativo, uma vez que o legislador goza de grande liberdade de conformação.
	2.2. Princípio da necessidade
	Diz respeito ao direito que o cidadão tem à menor desvantagem possível. Isto requer sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, era impossível adotar um meio menos oneroso para o cidadão. A doutrina acrescenta quatro elementos para facilitar a aplicação prática do princípio: a exigibilidade material, que impõe a menor limitação dos direitos fundamentais; a exigibilidade espacial, que diz respeito à limitação do âmbito da intervenção; a exigibilidade temporal, que pressupõe um rigorosa delimitação do tempo da medida coativa do poder público, e, por fim, a exigibilidade pessoal, que impõe a limitação da medida às pessoas cujos interesses devem ser sacrificados. O princípio da necessidade implica em aferir se o legislador poderia ter adotado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos.
	2.3. Proporcionalidade em sentido estrito
	Após examinar a adequação e a necessidade da medida adotada pelo poder público para alcançar determinado fim, impõe-se examinar se o resultado obtido é proporcional à desvantagem imposta, ou seja, deve-se pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim. O sacrifício, em razão da interferência estatal na esfera dos direitos, deve ser compensado pelos benefícios alcançados por meio da medida.
3. Natureza Jurídica
	Trata-se de um princípio não escrito que visa proteger as liberdades públicas, garantindo a inviolabilidade dos direitos fundamentais, por meio do controle de constitucionalidade dos atos estatais. Para esta doutrina trata-se de um dogma do Estado de Direito, cuja observância independe de estar ou não explicitado na Carta do país que o adota.
	Na Alemanha e Suíça, prevalece o entendimento doutrinário e jurisprudencial segundo o qual o princípio da proporcionalidade é um princípio geral de Direito Constitucional, ao lado do princípio do Estado de Direito. Afirmam os constitucionalistas que o instituto é da mesma natureza dos direitos fundamentais.�	Entretanto, parte da doutrina mais moderna já afirma tratar-se de um princípio geral de direito. 
	Vê-se que o instituto rege todas as esferas do Direito, compelindo o Estado a utilizar os meios que dispõe de modo compatível com os fins que pretende e com os efeitos de seus atos. A violação desta proporção obrigatória importa em ilegalidade.
Conclusão
É o princípio da proporcionalidade um critério da Hermenêutica?
	Para responder à questão proposta, convém distinguir entre princípios hermenêuticos e princípio jurídicos. Os primeiros desempenham permitem denotar a ratio legis de uma disposição normativa, e, também, revelam normas que não são expressas por um enunciado legislativo, possibilitando o desenvolvimento, a integração e a complementação do direito.� São, por exemplo, os critérios de interpretação histórica e axiológica, que permitem a integração da norma ao momento em que está sendo aplicada, atendendo à necessidade do caso concreto.
	Os princípios jurídicos têm a qualidade de verdadeiras normas, distinguindo-se das regras jurídica apenas em seu aspecto qualitativo. São normas que estão na base do ordenamento jurídico, e constituem a ratio, o fundamento das regras jurídicas.� Os princípios não necessitam estar positivados para terem valor normativo, mas têm que ser reconhecidos pelo ordenamento jurídico constitucional, ou seja, devem estar introduzidos na consciência jurídica.� Não constituem critérios para interpretação e integração do direito positivo, mas servem de fundamento para o exercício destas funções. A vinculação com critérios de interpretação hermenêutica decorre do fato de que os princípios de direito tem a função de nortear o exercício dos poderes do Estado, sejam eles legislativos, executivos ou jurisdicionais.
	Nesta linha de raciocínio, a proporcionalidade é considerada um princípio jurídico, mais precisamente um princípio geral de direito, pois está diretamente ligada á idéia de justiça. Todo ato emanado pelo Estado que não for adequado, necessário e proporcional, antes de tudo, um ato injusto, e, portanto, contrário ao direito.
	Grande parte da doutrina moderna vem adotando este entendimento. Robert Alexy, na sua obra sobre a teoria dos direitos fundamentais, ressalta a conexão existente entre a teoria dos princípios e a proporcionalidade, afirmando que o caráter de princípio implica o de proporcionalidade e vice-versa. Convém transcrever a brilhante colocação:
Que o caráter de princípio implica o princípio de proporcionalidade, significa que o princípio de proporcionalidade com seus três princípios parciais de pertinência, necessidade ou mandamento do uso do meio mais brando, e proporcionalidade em sentido estrito, aliás, mandamento de ponderação ou avaliação, logicamente resulta da natureza de princípio, a saber, deste se deduz.� 
	Partindo desta idéia, é possível fundamentar a aplicação do princípio da proporcionalidade, não só no que diz respeito ao controle de constitucionalidade, mas em todos os casos levados à apreciação do Poder Judiciário. Convém ressaltar que o juiz deve observar os princípios específicos da matéria apreciada, para somente depois verificar a compatibilidade com os princípios gerais de direito. O uso da proporcionalidade como fundamento para toda e qualquer decisão, implica no esvaziamento do conteúdo do instituto, além de desvirtuá-lo de sua verdadeira função.
	 A partir desta breve análise, pode-se inferir que a proporcionalidade é uma idéia afeta ao próprio Direito, caminha ao lado da Justiça. Todo ato estatal, seja legiferante, administrativo ou jurisdicional, que não for absolutamente necessário, adequado e proporcional em sentido estrito, não pode ser, ao mesmo tempo, justo. 
� A doutrina é de Pierre Miller, um estudioso da matéria, citado por Paulo Bonavides em Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 13 ed., 2003, p. 392.
� Felix Ermacora foi quem forneceu as bases da proporcionalidade por meio de suas reflexões a partir das ricas obras realizadas por Ihering. Braibant, outro tratadista da matéria, forneceu o terceiro elemento, corrigindo as insuficiências da teoria anterior. 
� CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 4 ed., 2002, p. 265.
� BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 13 ed., 2003, p.394.
� Von Krauss é autor da importantíssima obra O Princípio da Proporcionalidade de 1953.
� BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 13 ed., 2003, p.403.
�CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 4 ed., 2002, p. 73. 
� BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 13 ed., 2003, p.401.
� CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 4 ed., 2002, p.1125.
� Idem.
� Idem, p. 1128.
� BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 13 ed., 2003, p. 401.

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