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MMaarrcceelloo CCaammbbrraaiiaa ddee AAllvvaarreennggaa EEEssstttuuudddooosss TTTeeerrrrrriiitttooorrriiiaaaiiisss III CCuurrssoo aa ddiissttâânncciiaa ddee AAddmmiinniissttrraaççããoo PPúúbblliiccaa 2 SUMÁRIO Introdução ......................................................................................................... 5 Compreendendo a disciplina ................................................................................................................ 5 Ementa ..................................................................................................................................................... 5 Objetivos ................................................................................................................................................. 5 Programa ................................................................................................................................................ 6 Bibliografia ............................................................................................................................................ 6 Importância do território para o administrador público ......................................................... 7 UNIDADE 1 – Conceitos básicos relacionados ao território .............. 9 Espaço ............................................................................................................................................................ 9 Espacialidade ..................................................................................................................................... 11 Lugar ............................................................................................................................................................ 11 Território ................................................................................................................................................... 13 Sistema territorial ............................................................................................................................ 18 Territorialidade ................................................................................................................................ 19 Região .......................................................................................................................................................... 19 Regionalidade e regionalismo ..................................................................................................... 20 Paisagem .................................................................................................................................................... 21 Atividade de aprendizagem ............................................................................................................... 22 UNIDADE 2 – O território e suas dimensões ........................................ 24 Dimensões territoriais ......................................................................................................................... 24 Abordagem territorial .................................................................................................................... 24 Cultura e território .......................................................................................................................... 25 Identidade e território ................................................................................................................... 26 Poder no território ................................................................................................................................. 28 Territorizalização e suas variações ................................................................................................. 32 Desenvolvimento territorial .............................................................................................................. 33 UNIDADE 3 – Planejamento territorial .................................................. 38 Introdução ao planejamento .............................................................................................................. 38 Planejamento territorial ...................................................................................................................... 39 Planejamento público ........................................................................................................................... 39 Ordenamento do território................................................................................................................. 40 Governança territorial .......................................................................................................................... 41 Planejamento participativo ................................................................................................................ 42 3 UNIDADE 4 – Políticas públicas no território ...................................... 44 Estado e território .................................................................................................................................. 44 Ordenamento do território urbano .......................................................................................... 45 Por uma visão estratégica de inovação pública ......................................................................... 47 Sistemas de acompanhamento e avaliação de políticas públicas ....................................... 48 Monitoração de dinâmicas urbanísticas e territoriais ............................................................ 50 Referencial bibliográfico ............................................................................ 51 4 Introdução Objetivos de aprendizagem Conhecer o conteúdo e funcionamento da disciplina. Sensibilizar para a necessidade de o administrador público desenvolver uma visão territorial. Introdução Compreendendo a disciplina A disciplina Estudos Territoriais I Bacharelado em Administração Pública da UFVJM. O PPC foi adaptado por professores da partindo de um modelo fornecido pela UAB Programa Nacional de Formação para a UFVJM foram incluídas pela UAB para as instituições Consideramos que a importância des compreensão contemporânea e holística desenvolverem uma visão aplicável a várias gestão, seja ela de qualquer tipo de organização. A visão territorial que dará ao administrador econômica, política, ambiental etc. do mundo atual. O Moodle apresenta o cronograma e a distribuição de frequência da disciplina, incluindo as avaliações que serão realizadas. Ementa Conceituação de território. Território, identidade e poder. Fundamentos do processo de planejamento territorial. Sistemas de acompanhamento e avaliação de políticas Monitoração de dinâmicas urbanísticas e territoriais. Avaliação de programas regionais comunitários. Gestão e avaliação de projetos de desenvolvimento sustentável. Observação: Esta ementa é a que consta no Projeto Pedagógico do Curso Objetivos � Sensibilizar o administrador público sobre a importância da visão territorial. � Demonstrar a importância e contemporaneidade da aplicação dos conceitos territoriais. � Explicar como os aspectos relacionados ao território que influem na sua gestão. � Compreender os fenômenos da territorialização, desterritorialização e reterritorialização sobre os indivíduos e organizações. � Discutir sobre a influência d Para saber mais http://moodl 5 Compreendendo a disciplina Estudos Territoriais I foi incluída no Projeto Pedagógicodo Curso de Administração Pública – modalidade a distância (EaD) da primeira turma foi adaptado por professores da instituição em dezembro de 2008 fornecido pela UAB – Universidade Aberta do Brasil e e Formação de Administradores Públicos. Na adequação do para a UFVJM foram incluídas esta e outras duas disciplinas, dentro da flexibilidade dada instituições participantes. Consideramos que a importância desta disciplina está em oferecer uma compreensão contemporânea e holística do território, instigando os estudantes a aplicável a várias áreas do conhecimento e, principalmente, de qualquer tipo de organização. A visão territorial será ao administrador público uma compreensão ampla da complexidade social, econômica, política, ambiental etc. do mundo atual. O Moodle apresenta o cronograma e a distribuição de frequência da disciplina, incluindo as avaliações que serão realizadas. Conceituação de território. Território, identidade e poder. Fundamentos do processo de planejamento territorial. Sistemas de acompanhamento e avaliação de políticas Monitoração de dinâmicas urbanísticas e territoriais. Avaliação de programas regionais comunitários. Gestão e avaliação de projetos de desenvolvimento sustentável. é a que consta no Projeto Pedagógico do Curso administrador público sobre a importância da visão territorial. Demonstrar a importância e contemporaneidade da aplicação dos conceitos Explicar como os aspectos relacionados ao território que influem na sua gestão. os fenômenos da territorialização, desterritorialização e reterritorialização sobre os indivíduos e organizações. a influência dos aspectos territoriais na administração pública. Para saber mais moodle.ead.ufvjm.edu.br foi incluída no Projeto Pedagógico do Curso de da primeira turma em dezembro de 2008, Universidade Aberta do Brasil e PNAP - adequação do projeto flexibilidade dada a disciplina está em oferecer uma os estudantes a e, principalmente, na será uma habilidade uma compreensão ampla da complexidade social, O Moodle apresenta o cronograma e a distribuição de frequência da disciplina, Conceituação de território. Território, identidade e poder. Fundamentos do processo de planejamento territorial. Sistemas de acompanhamento e avaliação de políticas públicas. Monitoração de dinâmicas urbanísticas e territoriais. Avaliação de programas regionais comunitários. Gestão e avaliação de projetos de desenvolvimento sustentável. administrador público sobre a importância da visão territorial. Demonstrar a importância e contemporaneidade da aplicação dos conceitos Explicar como os aspectos relacionados ao território que influem na sua gestão. os fenômenos da territorialização, desterritorialização e administração pública. 6 Programa Introdução 1. Conceitos básicos sobre território 2. O território e suas dimensões 3. Planejamento territorial 4. Políticas públicas no território • Sistemas de acompanhamento e avaliação • Monitoração de dinâmicas urbanísticas e territoriais • Avaliação de programas regionais comunitários • Gestão e avaliação de projetos de desenvolvimento sustentável Bibliografia Esta é a bibliografia que consta no Projeto Pedagógico do Curso. ARAUJO, F. G. B. de; HAESBAERT, R. Identidade e Território: questões e olhares contemporâneos. Rio de Janeiro: Acess, 2007. CASTRO, Iná E, de. Geografia e Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. CASTRO, Iná E. de. et al. Explorações geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. COSTA, Wanderley M. Geografia Política e Geopolítica. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1992. ELIAS, Denise. Globalização e Agricultura. São Paulo: Edusp, 2003. GOMES, Paulo C. da C. A condição Urbana – ensaios de geopolítica da cidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. GRAY, John. Falso amanhecer: os equívocos do capitalismo global. Rio de Janeiro: Record, 1999. RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. SANTOS, Milton. O Espaço Dividido. São Paulo: Edusp, 2004. SANTOS, Milton e Silveira Maria L. O Brasil – Território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro – São Paulo: Editora Record, 2001. SANTOS, Milton. Da política dos Estados à política das empresas in Cadernos da Escola do Legislativo, v.03, n. 06, Belo Horizonte, p. 09-23, 1997. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000. SILVEIRA, M. L. Globalización y circuitos de la economia urbana em ciudades brasileñas. Caracas: Cuadernos del CENDES, v.3, n.57, p. 1-21, 2004. SPÓSITO, Eliseu S. e Spósito M. E. B. Cidades Médias – produção do espaço urbano e regional. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 7 Importância do território para o administrador público A relação do conceito de território com o de espaço é necessário, pois é no espaço que se organiza o “campo operatório” de qualquer sociedade ou grupo de indivíduos, é onde ocorrem as interações políticas, econômicas, sociais e culturais. O território se expressa na dimensão espacial, mas é muito mais do que isso, pois possui as dimensões temporal, psicológica e econômica. O território tem sido uma forma moderna de trabalhar a dimensão espacial na gestão, seja ela pública ou privada. Na administração pública torna-se fundamental, já que o Estado é o seu principal ator, exercendo uma grande influência sobre os territórios. Evidentemente, o poder público não o único e nem sempre o maior no território, como seria de se imaginar. Em alguns territórios, seu poder pode ser mínimo. A importância da visão territorial reside no fato de que o gestor precisa conhecer as dinâmicas que ocorrem no e pelo território, que é o local de possibilidades, o espaço onde os objetos físicos existem, onde as relações sociais acontecem. Então, ele se torna condição de existência dos mesmos. As políticas públicas e ações governamentais encontram-se obrigatoriamente circunscritas a um território que, administrativamente é bem conhecido e delimitado. Porém, esse território se reconfigura dinamicamente, obrigando, continuamente, o agente público a conhecê-lo, compreendê-lo, adequá-lo e, em muitos casos, adaptar-se a ele. Compreender a dinâmica social, os hábitos e costumes de sua população, as interações dos grupos sociais em um determinado espaço geográfico etc. torna-se fundamental para que se possa analisar as condições de vida e propor intervenções. É necessário identificar os objetos geográficos, sua utilização e sua importância para os fluxos de pessoas e materiais (MONKEN e BARCELLOS, 2005). Cabe ao administrador público ter clareza na interpretação dos diversos territórios que coexistem com o seu território administrativo e das forças que interferem, para que possa exercer bem as funções de gestão: planejar, organizar, dirigir e controlar. Tudo isso deve ser feito através de projetos, em ações coordenadas com demais atores, que também detém poder no território. Raffestin (1993) demonstra a multiplicidade dimensional na análise territorial. Desenvolver (planejar, executar e controlar) projetos a partir da visão de um sistema territorial torna a tarefa menos árdua, já que oferece uma forma mais ampla e diferenciada de compreender as relações sociais, os processos produtivos, as configurações do espaço, os arranjos políticos, os posicionamentos do Estado e dos diversos agentes econômicos etc. existentes dentro do território específico em que se vai trabalhar. 8 UNIDADE 1 Conceitos básicos de território Objetivos de aprendizagem Conhecer e discerniros conceitos e categorias fundamentais relacionados ao território. Compreender e diferenciar as visões clássica e contemporânea de território. Sensibilizar os estudantes para a necessidade de uso da visão territorial na administração pública 9 UNIDADE 1 – Conceitos básicos relacionados ao território Para compreendermos o território é necessário compreendermos que é um conceito, ao mesmo tempo, material de imaterial, formal e não formal, concreto e abstrato, tangível e não tangível. Milton Santos, um dos principais cientistas brasileiros, no livro Espaço e Sociedade, de 1979, explica a materialização das formas sociais mais abstratas. As formas, sem as quais nenhuma função se perfaz, são objetos, formas geográficas, mas podem também ser formas de outra natureza, como por exemplo, as formas jurídicas. No entanto, mesmo essas formas sociais não geográficas terminam por espacializar-se, geografizando-se, como é o caso da propriedade ou da família. Assim, as funções se encaixam, direta ou indiretamente, em formas geográficas. Território foi, inicialmente, definido pela geografia clássica, através dos seus aspectos físicos, relacionados ao espaço ocupado pelo homem sobre a superfície do planeta. Recentemente, a geografia pós-moderna trouxe vários avanços na concepção do território. Essa visão tornou-se multidisciplinar e complexa. Iniciaremos pelos conceitos que definem território, para depois compreendermos as dinâmicas a que ele está sujeito. As principais categorias relacionadas a território serão vistas a seguir. São elas: espaço, espacialidade, região, lugar, paisagem, além do próprio conceito de território. Espaço O conceito de espaço é um tanto concreto, pois é bem definido e delimitado por dimensões físicas. Ele pode ser bidimensional, indicando uma área, ou tridimensional, indicando volume. Ele é anterior ao território, pois, quando ainda livre, infinito, ilimitado, não é território. Quando delimitado é separado em porções, áreas, zonas por meio de linhas, ser circunscrito e configurado por meio de limites. Ele pode ser definido por um conjunto de coordenadas, tornar-se área, meio, âmbito, ambiente, recipiente, recinto, contorno, circunscrição que pode conter estruturas e forma e conter seres e coisas. Ele passa a ser um meio de coexistência, um local de relações espaciais entre objetos. O espaço possui propriedades: extensão, posição, área e volume. A extensão é composta por comprimento, largura, superfície, volume. A posição é relativa: distância, longe, perto, acima, abaixo etc. A dimensão é composta de: tamanho, proporções, grandeza. O espaço pode ser preenchido, ocupado, utilizado, conquistado, comprado, apossado, enfim, apropriado. Porém, é a utilização que dá sentido ao espaço, que torna-o útil. O valor do espaço está na forma como se organiza ou na possibilidade de ser organizado. Dessa forma ele passe a ter valor de uso ou de troca. Há também um tipo muito específico de espaço, relacionado ao tempo, o espaço de tempo ou espaço-tempo. Nessa dimensão se materializam o trabalho e as relações 10 dos/entre os homens. São os chamados: espaço social e tempo social. Nele se caracteriza a relação social, materializando no espaço e no tempo as relações de produção e de dominação, de acumulação desigual de espaço e de tempos (RIBEIRO, 1986 apud ESPINDOLA, 2009). Milton Santos confirmou a existência das dimensões social (relacional) e temporal (histórica) nas suas descrições de espaço: “o espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, entre sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 2008, p.63). “O espaço não é nem uma coisa, nem um sistema de coisas, senão uma realidade relacional: coisas e relações juntas” (SANTOS, 1988, p.7). “Espaço é um campo de forças multidirecionais e multicomplexas, e o mundo, considerado como conjunto de possibilidades, todas interligadas e interdependentes” (SANTOS, 1988, p. 34-35). Essas coisas, que Santos também chama de objetos técnicos, podem ser usinas hidroelétricas, estradas, fabricas etc. têm importância na história das sociedades, nas ações técnicas (de produção), nos aspectos formais (legal, econômico, científico) e nos simbólicos (emotivos, afetivos, rituais). Apesar dessa descrição, Santos (1985) explica que a essência do espaço é social, assim, que ele não pode ser reduzido às coisas e objetos geográficos, naturais ou artificiais. Os elementos ou variáveis do espaço devem ser classificadas: homens, firmas, instituições e o suporte ecológico. Cada uma das variáveis estabelece múltipla interação com o espaço e podem interagir entre si. A sistematização classificatória faz aparecer as relações sociais presentes em cada “espaço” e, consequentemente, as relações espaciais (SANTOS, 1985). Raffestin explica de forma clara a relação entre espaço e território: É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao apropriar de um espaço concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator "territorializa" o espaço (RAFFESTIN, 1993, p. 143). O espaço é, de certa forma, "dado" como se fosse uma matéria-prima. Preexiste a qualquer ação. "Local" de possibilidades, é a realidade material preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática dos quais será o objeto a partir do momento em que um ator manifeste a intenção de dele se apoderar. Evidentemente, o território se apoia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção, a partir do espaço (RAFFESTIN, 1993, p. 144). A relação entre território e espaço é muito próxima, pois é no espaço que se organiza o campo operatório de qualquer sociedade ou grupo de indivíduos, é onde ocorrem as interações políticas, econômicas, sociais e culturais. O território se expressa na dimensão espacial, mas é muito mais do que isso, pois possui as dimensões temporal, psicológica e econômica. De fato, a variável espacial passou a obter grande destaque e ser apontada por alguns estudiosos como de fundamental relevância para se compreender o dinamismo de determinadas regiões e suas relações com o desempenho dos atores e das instituições. Esse dinamismo é explicado com base na ideia de que a maior proximidade dos atores que atuam em determinado espaço geraria ações coletivas e cooperadas (troca de experiências, redes de colaboração) que ampliariam a espessura e a 11 densidade das relações sociais e, como consequência, favoreceriam o surgimento de oportunidades inovadoras de desenvolvimento (SCHNEIDER e TARTARUGA, 2005, p. 100). Espaço é o conceito mais abrangente de todos, por isso, é o mais abstrato e, por isso, abrange conceitos mais operacionais como: paisagem, lugar, região e território. Espacialidade A espacialidade é uma categoria do espaço, que traz consigo a dimensão tempo. Ela exprime a organização de um determinado espaço em um determinado tempo. Formas de organização de tempos diferentes podem coexistir no mesmo espaço. Assim, a espacialidade trata o espaço num processo histórico. Nessa visão, o espaço se torna relacional. Ela é social e histórica, vincula agentes concretos em fenômenos sociais, que dependem da articulação entre natureza e sociedade, através das leis sociais que se sobrepõem às leis naturais. Lugar Lugar é uma categoria relacionada à Geografia Humanística (tem como expoentes: Yi-Fu Tuan, Anne Buttimer e Armand Frémont), que trabalha com a relação dos indivíduos com seu ambiente. O lugar está relacionado à experiência humana, ao vivido, à afetividade, ao simbólico, ao idealismo.Expressa a particularidade ou singularidade do local onde o indivíduo cria significados. Assim, o lugar é cheio de simbolismo, dando ao indivíduo sensações emotivas, sentimento de segurança, de pertencimento, boas recordações. Essas dimensões simbólicas, emocionais, culturais, políticas e biológicas são criação humanas. Por isso, o tempo é necessário para criar a experiência (TUAN, 2013). A identidade e o significado criados dependem das intenções que as pessoas têm e da relação dessas intenções com os atributos do lugar. Essa intencionalidade está, então, ligada a afetividade com o lugar. Por isso, nem sempre, o enraizamento ocorre. Algumas pessoas vivem por longo tempo em lugar, mas não criam raízes. Pela sua subjetividade, o lugar não é muito bem definido geograficamente. A tendência de quem detém o poder é organizar e limpar os lugares, muitas vezes descaracterizando-os. Os técnicos ignoram a subjetividade do lugar, só consideram os objetos geográficos. Um exemplo é a construção de uma barragem, onde há preocupação apenas com as famílias, atividades, coisas e bichos. Ao produzir desenvolvimento ignorando os aspectos subjetivos do lugar criam um conflito de perda, uma crise de identidade e um desenraizamento dos moradores. O ser humano precisa de identidade com o espaço para se sentir seguro. O lugar é onde isso acontece. Nossa identidade é relacional, nossa construção própria depende do outro, da relação. O individual e o coletivo são inseparáveis. Lugares têm dimensões históricas, decorrentes da prática cotidiana, que se desenvolvem no plano do vivido. Eles têm tradição, uma trama de relações, identidade, passado e presente. A história singular de um lugar é uma combinação dos seus aspectos particulares – cultura, tradição, língua, hábitos próprios – com tudo aquilo que vem de 12 fora. O resultando dessa relação é um contexto muito mais amplo, dentro do processo de constituição do mundial. A particularidade do lugar não anula o fato de estarem interligados o local e o global. Quanto mais os lugares se mundializam, mais se tornam singulares e específicos, isto é, "únicos". Isto se deve à especialização desenfreada dos elementos do espaço - homens, firmas, instituições, meio ambiente -, à dissociação sempre crescente dos processos e subprocessos necessários a uma maior acumulação do capital, à multiplicação das ações que fazem do espaço um campo de forças multidirecionais e multicomplexas, onde cada lugar é extremamente distinto do outro, mas também claramente ligado a todos os demais por um eixo único, dado pelas forças motrizes do modo de acumulação hegemonicamente universal (SANTOS, 1988, p.34). Cada lugar, ademais, tem, a cada momento, um papel próprio no processo produtivo. Este, como se sabe, é formado de produção propriamente dita, circulação, distribuição e consumo (SANTOS, 1985, p.13). Os lugares são nós na rede de fluxos de informações, pessoas e coisas. Com a evolução das Tecnologias de Informação e Comunicação está ocorrendo uma compressão no espaço e no tempo. A velocidade de comunicação e transporte reduz as distâncias físicas e psicológicas. Por oposição ao conceito de lugar, surge o neologismo deslugar, que seria o não- lugar, um espaço público de rápida circulação, asséptico, com os quais as pessoas não têm laços emocionais, ou essas relações são fracas (Ex.: aeroportos, shopping centers, conjuntos habitacionais, parques de diversão etc.). O não-lugar, em oposição ao lugar, é não identitário, não relacional, não histórico, não antropológico. Os não-lugares não substituem os lugares. A modernidade e as tecnologias acabaram por criar os não-lugares virtuais. Os telejornais e vários sites (a tradução é local, lugar, sítio) de internet poderiam ser chamados de não-lugares. Os não-lugares são feitos fundamentalmente de imagens e sua atração é inversa à exercida pelo lugar, pelo ausência do peso da tradição. As novas tecnologias de comunicação e transporte criam a rede de lugares e, em sua conexão, se formam os entre-lugares. Os lugares são os nós da rede e os entre-lugares são as vias de passagem dos fluxos, das conexões entre os nós. Esses entre-lugares acabam gerando novos lugares ou novos não-lugares, dependendo dos processos identitários de cada um. Quando os relacionamentos nos entre-lugares são acontecimentos agenciados artificialmente, produzidos para não durar, tornam-se apenas um espaço de trânsito, ou um não-lugar. Por outro lado, alguns lugares tiveram sua história transformada por um processo de revitalização, uma transformação estética e fatual. Isso causou uma artificialização e desenraizamento (Ex.: Cidade de Tiradentes, Pelourinho etc.). Há também os lugares míticos, em que não se vive, devido á distância, mas sobre os quais as pessoas imaginam, sonham, desejam. Mais próximos estão os lugares concebidos, que são acessíveis, mas conhecidos apenas por informações de outras pessoas. Na economia internacional cada nação e cada lugar possui uma função dentro da divisão internacional do trabalho. O lugar é o ponto de tensão ante a globalização, que quer homogeneizar, com as características ocidentais, todos os lugares, em sua lógica hegemônica. O lugar representa concretude, particularidade, singularidade contra a totalidade, a globalidade. 13 Uma comunidade não é um lugar, mas está contida nele. Algumas comunidades podem conviver em um mesmo lugar sem se relacionarem diretamente, mas com uma interação diária em um ambiente físico. Esses lugares são alterados, por exemplo, pela concentração de populações de etnias diferentes, formando bairros ou enclaves étnicos. Nesses territórios, há a sobreposição de lugares e comunidades (CASTELLS, 2005). Território Os conceitos de território surgiram com os estudos dos naturistas sobre a territorialidade animal. A territorialidade humana surgiu com Sack (1986) em Human territoriality: its theory and history, que examinava a perspectiva das motivações humanas, como a base do poder. Em sua visão, o território influencia o comportamento das pessoas através do controle de acesso de seus limites, com maior permeabilidade, ou acessibilidade, às pessoas, aos objetos ou aos fluxos. O poder estava no esforço constante para influenciar e controlar o acesso. Sposito (2004) fala de três concepções territoriais: (1) Naturalista - clássica, justifica conquista através da história; (2) Individual - abstrata, psicológica, relacionada aos sentidos e pertencimento e (3) Espacial - base da ciência da geografia, sistemas de objetos e sistemas de ações. Para ele, os objetos técnicos e seus formalismos jurídicos, econômicos, científicos ou simbólicos são indissociáveis dos objetos de ações. Friedrich Ratzel, geógrafo e etnólogo alemão, definiu território no contexto histórico da unificação alemã em 1871, e institucionalização da disciplina geografia nas universidades europeias. Território, para ele, é uma parcela da superfície terrestre apropriada por um grupo humano, coletividade esta que teria uma necessidade imperativa de um território com recursos naturais suficientes para sua população, recursos que seriam utilizados a partir das capacidades tecnológicas existentes. E, mais importante, o conceito de território ratzeliano tem por referencial o Estado (SCHNEIDER e TARTARUGA, 2005, p. 101). Ratzel criou a divisão da geografia em política, biogeografia e antropo-geografia. Por se dedicar ao aspecto humano da geografia, buscou compreender as influências das circunstâncias naturais sobre a humanidade, vendo o território como espaço vital, em que existe um povo (vivo) em uma terra (estática). O território ratzeliano tem o Estado como referência, constituindo sua expressão legal e moral. Essa visão geopolítica justificava a defesa e expansão territorial do estadoalemão da época e, posteriormente, do regime nazista. Para os geógrafos clássicos, território é uma parcela do espaço definida por limites, com sistema de leis e unidade de governo (MONKEN e BARCELOS, 2005). A partir disso, a localização e as características internas são descritas e explicadas. Essa é a descrição do parcelamento do mundo (partitioning) dentro da história. Apesar da influência de Ratzel, o francês Paul Vidal de La Blache, fundou a Escola Francesa de Geografia, conhecida como escola possibilista de geografia. O possibilismo acreditava na relação mútua homem-natureza e que essa última fornece um conjunto de possibilidades a qualquer grupo humano de transformar a paisagem. Assim, seu pensamento diferenciava-se do determinismo ambiental da escola alemã. O espaço é a "prisão original'', o território é a prisão que os homens constroem para si (RAFFESTIN, 1993, p. 144). 14 Naquela época o conceito de região tinha uma primazia, contrapondo ou desacreditando o conceito de território, como explicação da realidade (SCHNEIDER e TARTARUGA, 2005). O conceito de território volta a ser discutido pelo geógrafo francês Jean Gottmann em The significance of territory (1973). O conceito de território volta a ser utilizado na década de 1970, principalmente, por ampliar seu sentido, com a visão do controle espacial ou simbólico, atribuindo maior peso às relações sociopolíticas que levam à apropriação, configuração e controle do espaço, distinguindo da visão puramente estatal ou nacional. A evolução tecnológica do século XX trouxe fluidez na ocupação territorial e integração entre os países. A organização das nações e entre nações; quebraram a concepção exclusivamente, orientada para o território estatal. Alguns autores como: Claude Raffestin, Milton Santos, Regério Haesbaert, Sergio Schneider, Bertha Becker dentre outros, esforçam-se para quebrar a visão puramente positivista e cartesiana buscando refletir sobre o lado simbólico do território, que está relacionado com o tempo, a história, a cultura, o poder etc. Essa visão mais atual se expande, rompendo as fronteiras epistemológicas, permeando as mais diversas áreas do conhecimento, lançando o território na base de vários estudos multidisciplinares. O francês Claude Raffestin, em seu livro Por uma geografia do poder critica a "geografia unidimensional", que referencia o território exclusivamente ao poder estatal. Para ele, no território há múltiplos poderes e conflitos que não só o do estado, como colocava Ratzel. Para Rafestin, a geografia política ou geopolítica de Ratzel é uma geografia do Estado todo-poderoso, do Estado totalitário. Ele explica território como uma formação que acontece, a partir de um espaço físico, definido pela apropriação física ou abstrata das pessoas. Para ele, a visão geográfica homogeneíza a sociedade porque ignora os contextos sócio-histórico e espaço-temporal. É nesses contextos sócio-histórico e espaço-temporal que os diversos atores se interligaram em incontáveis conexões, tecendo malhas ou redes de relacionamentos, que ele chama de sistema territorial. Esse sistema vê o território como um campo de poder balizado e modificado pelas redes, circuitos e fluxos que nele se instalam (rodovias, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, rotas aéreas etc.). Existem múltiplos poderes, inferiores, em uma escala dada pelo próprio Estado, hierarquicamente, para organizar, controlar e gerenciar seu território e sua população. Esses poderes se manifestam nas estratégias regionais ou locais. A verdadeira geografia, então, seria a geografia do poder (ou poderes) já que o Estado não é o único detentor de poder no território. Podemos considerar que a definição de Schneider e Tartaruga resume o conceito de território: Portanto, a conceituação, aqui defendida, é aquela em que o território é definido como um espaço determinado por relações de poder, definindo, assim, limites ora de fácil delimitação (evidentes), ora não explícitos (não manifestos), e que possui como referencial o lugar; ou seja, o espaço da vivência, da convivência, da co-presença de cada pessoa. E, considerando ainda, o estabelecimento de relações, internas ou externas, aos respectivos espaços com outros atores sociais, instituições e territórios (SCHNEIDER e TARTARUGA, 2005, p.106-207). Santos (2008) explica que o desenvolvimento e conformação dos territórios ocorre de forma heterogênea, devido às suas feições naturais, seus processos sociais (formas 15 herdadas), que hoje definem a divisão territorial do trabalho, mas também pelas formas artificiais (meio ambiente construído), principalmente após a inclusão de objetos técnicos. Gottmann (1973 apud Schneider e Tartaruga, 2005) coloca que o conceito de território evoluiu desde o final do século XX. Com as novas tecnologias, que trouxeram maior rapidez às comunicações e aos transportes, a percepção de território ganhou fluidez. Castells (2005) afirma que a Sociedade em Rede1 acelerou a globalização, encolheu o mundo, acabou com as fronteiras e encurtou as distâncias. Com isso as dimensões circulação e relação ganham nova importância. Nas dimensões espacial e temporal acontece a circulação de pessoas e mercadorias em escala planetária, criando novas relações entre os países, repercutindo em novas configurações territoriais. A análise territorial oferece uma forma diferenciada de visualizar as relações existentes dentro de uma combinação espaço-tempo específica. É uma nova forma de estruturar a realidade sob o ponto de vista das forças que atuam em um espaço físico. Este “novo território” é muito mais abrangente conceitualmente e, ao mesmo tempo, mais detalhista, por apresentar uma maior variedade de propriedades. [...] pode-se falar em abordagem, enfoque ou perspectiva territorial quando se pretende referir a um modo de tratar fenômenos, processos, situações e contextos que ocorrem em um determinado espaço (que pode ser demarcado ou delimitado por atributos físicos, naturais, políticos ou outros) sobre o qual se produzem e se transformam (SCHNEIDER e TARTARUGA, 2005, p. 107). Eles demonstram a multiplicidade dimensional na análise territorial, em categorias diversas que se relacionam com o território: espaço, espacialidade, região, fronteiras, sociedade, local, lugar, paisagem, ambiente, Estado, política, governo, nação, população, migração, língua, religião, etnias, nodosidade, centralidade, marginalidade, regionalidade, regionalismo, redes, recursos, atores, trunfos, resistência, influência, autoridade, territorialidade, territorialização, desterritorialização, reterritorialização, espaço-tempo relacional, dentre outras. Para Santos (1988) o uso conceitual do território pelos diversos cientistas que lidam com o espaço: economistas, sociólogos, etnólogos, politicólogos, historiadores, demógrafos etc. retirou a exclusividade dos geógrafos e lhes criou uma ameaça. A visão territorial passou a ser, nos últimos anos, a referência para o planejamento e a atuação dos poderes público e privado, devido à sua característica interdisciplinar, conferindo-lhes maior abrangência e efetividade. Ela tem a capacidade de descrever melhor a realidade, extrapolando o mero particionamento espacial do mundo. O território deve ser gerido sob uma visão sistêmica. Monken e Barcellos (2005) se referem a Santos (1988) para demonstrar isso. Com a técnica – conceito-chave da obra de Santos –, o indivíduo em sociedade forma um conjunto de meios instrumentais e sociais com os quais realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço. Essa concepção de espaço leva em conta todos os objetos existentes numa extensão contínua, supondo a co-existência desses objetos como sistemas e não apenas como coleções: a utilidade atual dos objetos, passada ou futura,vem exatamente do seu uso combinado pelos grupos humanos que 1 O termo “sociedade em rede” foi descrito por Castells (2005) definindo um novo paradigma de organização social em que as relações econômicas, sociais, de trabalho etc. são realizadas em uma rede global, alterando a nossa percepção de tempo e espaço. 16 os criaram ou que os herdaram das gerações anteriores (MONKEN e BARCELLOS, 2005, p. 4). Assim como a visão sistêmica criou novos paradigmas descritivos nas ciências, em geral, a visão territorial criou um arcabouço conceitual para auxiliar nos planejamentos, nas pesquisas, e em tudo mais que trabalhe com a dimensão espacial, sem deixar de lado a dimensão temporal. É a evolução de um modelo mecanicista cartesiano que analisava regiões sob óticas restritas para uma visão holística, sistêmica, ambiental. Santos (2008) explica que a ação humana no território não é puramente racional e enfatiza a noção do território composto por aspectos abstratos e concretos, mas alertando que estes últimos não podem ser relegados. Apenas, o espaço é um misto, um híbrido, formado como já o dissemos, da união indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações. Os sistemas de objetos, o espaço-materialidade, formam as configurações territoriais, onde a ação dos sujeitos, ação racional ou não, vem instalar-se para criar um espaço. Este espaço – o espaço geográfico – é mais que o espaço social dos sociólogos porque também inclui a materialidade (SANTOS, 2008, p. 199). Castells (2005, p. 512) explica que a sociedade contemporânea está organizada em espaços de fluxos e espaços de lugares. Para ele “um lugar é um local cuja forma, função e significado são independentes dentro das fronteiras da contiguidade física”. Porém, a função e o poder estão organizados em espaços de fluxo, e alteram a dinâmica e o significado dos lugares, isto é, onde as pessoas moram. Para Santos (1988) a evolução científica e tecnológica causou a especialização funcional das áreas e lugares, causando o aumento das cidades grandes e médias e a estagnação e desaparecimento das pequenas. A diversificação e o barateamento dos transportes criou um aumento do fluxo de pessoas e mercadorias entre cidades e regiões, aumentando a importância das trocas. Na pós-modernidade, o território torna-se mais mutante, flexível, as sensações de espaço e tempo não são mais as mesmas. Os territórios podem ser de tamanhos variados, sobrepostos, contíguos, simultâneos, concretos, psicológicos, virtuais etc. As fronteiras são menos definidas e o poder mais disperso. Território é espaço coletivo e, por isso mesmo, é tecido por relações, que visam resolver “o problema fundamental da repartição das coisas entre os seres humanos” (RAFFESTIN, 1993, p. 34). Essas relações podem ser unilaterais, bilaterais ou multilaterais, simétricas ou dissimétricas. Mas, essas classificações são teóricas, pois na maioria dos casos elas são multilaterais e dissimétricas. As relações são criadas pelos atores e por suas políticas, que são as estratégias que eles utilizam para atingir seus fins. Em todo processo relacional, devido à assimetria inerente a eles, existe um componente fundamental que é o poder (RAFFESTIN, 1993). O poder econômico, gradualmente, está se sobrepondo ao político, ao qual interessa “dividir para reinar”, criando disjunções e evitando a difusão, para conseguir manter o controle centralizado. Mas, o poder econômico quer um território isotrópico, sem obstáculos, que facilite a difusão e permita mudanças rápidas. Raffestin (1993) complementa que existem inúmeros poderes em escala inferiores e superiores ao Estado. Este autor confronta o conceito de zona com o de fronteira. Segundo ele fronteira está relacionada aos aspectos administrativos e políticos que, pela sua natureza, são mais estáticos e determinados; enquanto zona se relaciona com o econômico que é mais dinâmico, flexível e indefinido. 17 Territórios encerram noções de poder, ordem, contexto geográfico, significância subjetiva do mundo. Possuem regras de conduta e convivência cultural e política em diferentes escalas, desde a dimensão mundial, até territórios indígenas, territórios sagrados, ou territórios domésticos proibidos. Para Becker (1983) o território é usado para fins políticos, expondo questões do terceiro mundo. Ela fala da multidimensionalidade geopolítica do poder, em poderes que estão em escala inferiores e superiores ao Estado, das organizações supranacionais (empresas multinacionais) confrontando o poder do Estado. Suertegaray (2001) explica que o território leva a relações de poder e que a multiplicidade de relações de poder no território – incluindo suas origens e intencionalidades – afetam qualquer ação de planejamento. “Observa-se que, historicamente, a concepção de território associa-se a ideia de natureza e sociedade configuradas por um limite de extensão do poder”. Mas, para ela, ocorre uma flexibilização do conceito de poder, não o restringindo à dominação-apropriação. Castro (1995) fala de duas escalas para a definição territorial: (1) Escala local – onde a informação é factual, há a valorização do vivido, uma tendência à heterogeneidade, com dados individuais desagregados, ligados a fenômenos manifestos. (2) Escala regional ou global – cuja informação é estruturante, há a valorização do organizado, uma tendência à homogeneização e os dados são agregados e ligados aos fenômenos latentes. Apesar da expansão da mundialização e das relações capitalistas de produção, a dimensão local é a base para o poder territorial – ideal para movimentos reivindicatórios e para política espacial do Estado. Assim, o local torna-se um espaço de tensão, de contestação e resistência do local contra o global, que quer impor a homogeneização dos costumes, usos, consumos etc. O local não é totalmente autônomo nem totalmente heterônomo, ou seja, tem sua autonomia sofrendo influência do globalismo, gerando situações híbridas e assimétricas. Nessa discussão, Sposito (2004) apresenta dois caminhos ou tendências para os territórios. A primeira seria a redução das distâncias, através das redes tecnológicas de informações, dificultando a manutenção de identidades territoriais, podendo chegar até o fim dos territórios ou à desterritorialização. O segundo caminho seria a volta ao indivíduo e sua escala cotidiana, ao conceito de lugar (visto anteriormente). Haesbaert (2005a, 2005b, 2006 e 2007) criou uma tipologia dos territórios, considerando diversos autores nacionais e internacionais, formando um quadro razoavelmente extenso para a compreensão dos territórios, sob os seguintes aspectos: Jurídico-política espaço controlado por um determinado poder, às vezes, o Estado. Simbólico-cultural produto da apropriação simbólica de uma coletividade. Econômica o território serve como fonte de recursos. Dinâmica relações sociais dinâmicas são projetadas no espaço estático criando territórios dinâmicos. Flexibilidade territorialidade flexível, cíclica, sazonal ou móvel. Territórios de baixa definição superposição de territórios levando à novas relações de poder ou a novos territórios. 18 Continuidade territórios podem ser contínuos, descritos por suas superfícies ou descontínuos, chamados territórios-redes, descritos por pontos. Sistema territorial Raffestin (1993) descreve território através de um sistema territorial, uma forma mais ampla e mais abstrata que a definição tradicional cartográfica cartesiana oriunda da geografia. A visão geográfica homogeneíza a sociedade porque ignora os contextos sócio-histórico e espaço-temporal. A partir daí ele coloca o conceito de “territorialização do espaço” com o uso de um sistema que se baseia emnós (que representam os atores biossociais, ou seja, indivíduos ou grupos) e redes (ligações entre atores criando interações) gerando a tessitura de malhas. Os agentes são os nós (pontos) e suas relações (retas) são tecidas em redes (plano) que “organizadas hierarquicamente permitem assegurar o controle sobre aquilo que pode ser distribuído, alocado e/ou possuído”. As ações organizadas espacialmente são a “produção territorial” e interferem na tessitura, nó e rede. As relações de produção revelam as relações de poder, que aparece também na noção de limite territorial (e delimitação por consequência), que é a manifestação do poder em uma área precisa, exprime o domínio de uma porção de espaço por um grupo. Delimitar é isolar, tecer malhas, é “a forma mais elementar da produção de território”. Outro aspecto importante é a diferenciação de imagem e estrutura. As imagens (redes urbanas de uma cidade, por exemplo) exprimem uma estruturação do modelo urbano (distribuição populacional, por exemplo) orientado por objetivos e ações econômicas, políticas, sociais e culturais. Dessa forma, elas explicitam as relações de poder na hierarquia: Estado, organizações e indivíduos. Todos esses atores sintagmáticos produzem “territórios”. Podemos dizer que os atores sintagmáticos são aqueles que detêm poder sobre o território, de organizá-lo, por exemplo. A tessitura pode otimizar o uso do território pelo grupo (tessitura “desejada”) ou otimizar o controle do grupo no território (tessitura “suportada”). Resumindo a tessitura ou limites definem a área de exercício ou de capacidade dos poderes. “As tessituras se superpõem, se cortam e se recortam” dependendo da atividade (econômica, cultural etc.). Redes são imagens e instrumentos de poder porque podem assegurar a comunicação de alguns e impedir a comunicação de outros. Esse é o paradoxo do sistema territorial: “tessituras, nodosidades e redes criam vizinhanças, acessos, convergências, mas também disjunções, rupturas e distanciamentos”. Santos (2008) acredita que a mobilidade se tornou uma regra. Para ele a circulação é mais criadora que a produção. Os homens mudam de lugar, mas também produtos, mercadorias, imagens e ideias. Essa dinâmica leva ao estranhamento e desculturização e culmina na luta identitária e em processos de territorializações e reterritorializações. Claude Raffestin Geógrafo francês, Raffestin escreveu o livro Por uma Geografia do Poder em que discute a visão pós-moderna, diferente da geografia clássica que enxergava o território apenas pelo aspecto geopolítico. Analisa as diversas fontes de poder no território, que podem ser, por exemplo: a população, o próprio território, os recursos existentes no território, os símbolos, a comunicação e as relações. Territorialidade A territorialidade está ligada à dinâmica de apropriação do território e seus recursos, o que está diretamente ligado ao poder. Para Sack (1986) uma estratégia geográfica poderosa geográfico, utilizado pelos humanos para controlá influenciar ou controlar recursos, pessoas, fenômenos e relações. uma autoridade define limites (fronteiras) par e acessos. Na visão de Sack, social sobre o território, inter as relações históricas entre a Para Soja (apud Raffestin três elementos: senso de identidade espacial, senso de exclusividade, compartimentação da interação humana no espaço” “Territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade possível, compatível com os recursos do sistema”. O termo “territorialização” é muito recente, segundo “derivado do verbo territorializar, que significa tornar territorial, situar em bases territoriais, ou ainda associar a um território ou distrito particular”. Para Raffestin (1993) onde ocorre, por exemplo, o consumo de bens culturais, caso em que encontram atores paradigmáticos; ou a realizados pelos atores sintagmáticos (ação). Resumindo, o ator sintagmáti seu poder, submetendo os atores paradigmáticos a se territorializem, dentro das regras e condições impostas pelo primeiro Há vários conceitos relacionados ao território (capital, fronteira, malhas interiores hierarquizadas, redes de circulação, centro superior versus inferior), mas vamos nos ater no momento outros fenômenos que ocorrem no território serão mais bem tratados na segunda unidade. Região O conceito de região é mais difícil de determinar, tendo em vista que, para sua caracterização, existe a necessidade de certa homogeneidade econômica, política, formação histórico Para saber mais Do livro Por uma Geografia do Poder Terceira Parte - Capítulo I http://www.univale.br/cursos/tipos/pos graduacao_strictu_sensu/mestrado_em_gestao_integrada_do_territorio/_downloads/por_uma_geo grafia_do_poder-claude_raffestin.pdf. 19 territorialidade está ligada à dinâmica de apropriação do território e seus recursos, o que está diretamente ligado ao poder. Para Sack (1986), a territorialidade uma estratégia geográfica poderosa, de um indivíduo ou de um grupo, sobre geográfico, utilizado pelos humanos para controlá-lo, com a finalidade de afetar, influenciar ou controlar recursos, pessoas, fenômenos e relações. Um exemplo uma autoridade define limites (fronteiras) para moldar, influenciar e controlar atividades de Sack, territorialidade está intimamente ligada ao conceito de poder social sobre o território, inter-relacionando o espaço e o tempo, ajudando a compreender as relações históricas entre a sociedade, o espaço e o tempo. Raffestin, 1993, p. 162) “a territorialidade [...] seria composta de três elementos: senso de identidade espacial, senso de exclusividade, compartimentação da interação humana no espaço”. Raffestin (1993, p. 160) complementa que “Territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo, em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema”. ialização” é muito recente, segundo Haesbaert (2006, p.21). É “derivado do verbo territorializar, que significa tornar territorial, situar em bases territoriais, ou ainda associar a um território ou distrito particular”. Para Raffestin (1993) pode ocorrer de duas formas: a territorialização passiva onde ocorre, por exemplo, o consumo de bens culturais, caso em que encontram ; ou a territorialização ativa, deslocamento físico, conexão às redes, sintagmáticos que são aqueles que realizam algum programa ator sintagmático cria um território, a partir do espaço submetendo os atores paradigmáticos a se territorializem, dentro das regras e pelo primeiro. Há vários conceitos relacionados ao território (capital, fronteira, malhas interiores hierarquizadas, redes de circulação, centro versus periferia, interior inferior), mas vamos nos ater no momento, ao que foi descrito. outros fenômenos que ocorrem no território serão mais bem tratados na segunda unidade. O conceito de região é mais difícil de determinar, tendo em vista que, para sua caracterização, existe a necessidade de certa homogeneidade sobre vários aspectos: social, econômica, política, formação histórico-econômica, comportamentos sociais, relevo etc. Por uma Geografia do Poder de Claude Raffestin Capítulo I – O que é território? http://www.univale.br/cursos/tipos/pos- graduacao_strictu_sensu/mestrado_em_gestao_integrada_do_territorio/_downloads/por_uma_geo claude_raffestin.pdf. territorialidade está ligada à dinâmica de apropriação do território e seus a territorialidade é sobre um espaço lo, com a finalidade de afetar, exemplo é quando a moldar, influenciar e controlar atividades ente ligada ao conceito de poder relacionando o espaço e o tempo, ajudando a compreender ) “a territorialidade [...] seria compostade três elementos: senso de identidade espacial, senso de exclusividade, compartimentação complementa que “Territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se originam num tempo, em vias de atingir a maior autonomia Haesbaert (2006, p.21). É “derivado do verbo territorializar, que significa tornar territorial, situar em bases territorialização passiva, onde ocorre, por exemplo, o consumo de bens culturais, caso em que encontram-se os , deslocamento físico, conexão às redes, que realizam algum programa cria um território, a partir do espaço e através de submetendo os atores paradigmáticos a se territorializem, dentro das regras e Há vários conceitos relacionados ao território (capital, fronteira, malhas interiores periferia, interior versus exterior, oi descrito. O poder e outros fenômenos que ocorrem no território serão mais bem tratados na segunda unidade. O conceito de região é mais difícil de determinar, tendo em vista que, para sua sobre vários aspectos: social, econômica, comportamentos sociais, relevo etc. graduacao_strictu_sensu/mestrado_em_gestao_integrada_do_territorio/_downloads/por_uma_geo 20 dentro de sua dimensão espacial ou territorial. Porém, não existe homogeneidade absoluta, mas um conjunto de fatores que devem ser semelhantes para que se possa definir como região. O conceito de região, na escola francesa de La Blache, é o de “uma área com propriedades homogêneas que a diferencia de áreas adjacentes”. O Estado, desde essa época, usou esse conceito de geografia regional, com sustentação acadêmica e política, para sua intervenção no espaço. O conceito de região ganhou força sobre o de território, mas perdeu prestígio a partir do seu uso pelos nazistas . A análise regional deve ressaltar as particularidades que diferenciam regiões, mas a ideia de homogeneidade não deve existir. A busca pela igualdade não deve ser para a homogeneização social, cultural etc., mas para a justiça social. As regiões político-administrativas (e seus limites) são mais bem definidas e duradouras, e quase nunca coincidem com as regiões econômicas, que são mais dinâmicas e se adaptam mais rapidamente às conjunturas (lembrando o conceito mais amplo de região). Ao poder do Estado convém dividir o território em regiões para controlá-lo melhor. Administrativamente, no Brasil, os governos usam os conceitos de microrregião, mesorregião e macrorregião. Mesmo dentre essas organizações, trabalhar sob a ótica do território tem se tornando mais interessante do que a lógica da região. Contrário ao poder político, há o poder econômico que busca a unificação e homogeneização do território, para ampliar suas possibilidades de ganho. “O objetivo da produção da subjetividade capitalista é reduzir tudo a uma tabula rasa. Mas isso nem sempre é possível, mesmo nos países capitalistas desenvolvidos” (GUATTARI e ROLNIK, 1986, p.56 apud HAESBAERT, 2006, p.82). Apesar da evolução para o enfoque territorial, região ainda é uma divisão geográfica muito utilizada instrumentalmente por organizações, políticos e militares. Regiões são recortes feitos de acordo com o interesse de quem vai atuar nela. Uma empresa define a região por rota de atendimento, o governo para organizar a descentralização administrativa. Regionalidade e regionalismo Culturalmente a região é uma entidade simbólica que cria uma identidade regional e, com ela, a noção de pertencimento. O regionalismo também é um conceito ambíguo. Interessa-nos o aspecto ligado às instituições e práticas culturais que distinguem grupos regionais. Neste caso, aspectos culturais do regionalismo (língua, grupos de parentescos, afinidades religiosas, ritos de nascimento, morte e mudança de vida, hábitos de relações sociais ou relacionamentos com o ambiente) são importantes para as noções de: identidade, cultura e pertencimento. O regionalismo fomenta o enraizamento, uma ligação forte do indivíduo com o seu lugar, além de criar resistências a mudanças diante do novo. Exemplo desse sentimento de pertencimento regional é aquele comum aos nativos dos vales do Jequitinhonha e Mucuri, por exemplo. Isso pode ser visto em frases do tipo “sou do vale” (e nem é necessário identificar qual vale, como se fosse único existente no mundo) ou “eu saí do vale, mas o vale não saiu de mim” (normalmente utilizado pelo que emigraram). O emigrante tem sempre o sonho de voltar ao seu local, mantendo-o inalterado na sua memória. Por isso, ocorre o impacto, o estranhamento quando ele retorna e percebe que o seu local faz parte de um território e que ele mudou. 21 Paisagem O conceito de paisagem pode ser artístico ou científico. No Romantismo do século XVIII surge a tendência de representar a natureza pura. Coincidência ou não, foi nos séculos XVIII e XIX que, segundo Pozzo e Vidal (2010), ocorre a origem do conceito científico de paisagem, a partir das grandes expedições científicas realizadas à América Latina. O conceito de paisagem, em seu sentido pictórico, antecede e acompanha o surgimento e a vida da ciência geográfica, e em um sentido mais amplo, ele se liga à própria cultura burguesa em formação. Por outro lado, ele não só é fruto de uma nova concepção filosófica do mundo ou de uma nova concepção de arte (o romantismo), mas deita raízes no próprio desenvolvimento de ciências cujos avanços proporcionaram novas possibilidades à imaginação, mudando também o olhar do homem sobre o seu mundo (POZZO e VIDAL, 2010, p. 114). Para os geógrafos clássicos a paisagem é a “expressão materializada das relações do homem com a natureza num espaço circunscrito”, limitada à possibilidade visual (SUERTEGARAY, 2001, p. 4). As paisagens são manifestações espaciais, constituídas por um conjunto de elementos criados pela natureza e pelo homem (RAFFESTIN, 1993, p.16). Como bem colocou Tricart, a palavra “paisagem” apareceu na Europa com várias traduções, como Landschaft em alemão, landscape em inglês, Paysage em francês etc. Todas tinham em comum o fato de não possuírem nenhuma utilização científica em particular, até o aparecimento da escola de Geografia alemã, em que o termo se tornou erudito (SANTOS, 2006, p. 101-102). A paisagem está relacionada à necessidade humana de uso do sentido da visão, capacidade limitada de enxergar uma pequena extensão de território próxima. Mas, a paisagem não pode ser útil apenas pelos seus elementos visíveis, mas também por aquilo que nela se encerra, ou seja, na compreensão dos aspectos territoriais menos visíveis. O conceito faz parte do ramo da Geografia cultural, criada na escola norte- americana, por transmitir a ideia de relação entre as formas físicas e culturais. Para eles, a paisagem é importante quando há o interesse humano de habitá-la, se apropriar dela e de transformar a natureza. (POZZO e VIDAL, 2010). Portanto, a importância da abordagem paisagística está no fato de nos remeter a uma percepção direta da realidade geográfica; para tal, devemos considerar desde suas formas, ou seja, sua aparência visível, até os aspectos invisíveis, tendo-se em mente a relação dialética entre todos os seus elementos. Relação esta que, por sua vez, pode ser apreendida na via da compreensão da formação de um determinado território que gera uma determinada paisagem (SOUZA e PASSOS, 2009, p.9). A paisagem é “transtemporal”, pois contém objetos passados e presentes, diferente do espaço que é sempre presente. A paisagem é relativamente imutável, enquanto o espaço se transforma. A paisagem se forma pela modificação das formas pela dinâmica social. Os geógrafos consideram a paisagem para além da forma, sob duas análises: a da forma (configuração) e a da funcionalidade (interação de geofatores incluindo a economia e a cultura humana). Os elementos naturais modificados criam uma naturezaartificializada, como manifestação das ações sociais, nas suas faces econômica e cultural. Essa análise considera que há paisagens exclusivamente naturais e também paisagens culturais (humanizadas) SUERTEGARAY (2001). 22 Relacionado ao conceito de paisagem, surge o conceito de zona, que possui características geográficas similares (zonas climáticas, zona urbana, zona rural). Também, pode ser uma porção delimitada de terra onde há restrições políticas e administrativas (zona restringida a caça ou zona militar). Econômica e fiscalmente, também tem significado restritivo (zona franca, zona de processamento de exportações, zona industrial, zona turística). É importante salientar que seu conceito não pode se confundir com o do território. Atividade de aprendizagem Responda as questões abaixo considerando o seu lugar, onde você vive, inserido em uma região e em um ou mais territórios. 1. Descreva os territórios que você consegue identificar na sua região. 2. Dê exemplos de atores sintagmáticos e paradigmáticos. 3. Explique o regionalismo de onde você vive através dos conceitos descritos pelo autor e dê exemplos culturais. 4. Pode um espaço se transformar em lugar? E o contrário? Explique. 23 UNIDADE 2 O território e suas dimensões Objetivos de aprendizagem Compreender as dimensões abstratas relacionadas ao território: identidade e cultura. Conhecer as fontes de poder no território. Elucidar os conceitos relacionados ao desenvolvimento territorial. 24 UNIDADE 2 – O território e suas dimensões Dimensões territoriais Nesta unidade buscaremos refletir sobre o lado simbólico do território, que está relacionado ao tempo, à história, à cultura, ao poder etc. Essa visão é mais atual e expande a compreensão do território, rompendo as fronteiras epistemológicas, permeando as mais diversas áreas do conhecimento, lançando o território na base de vários estudos multidisciplinares. Abordagem territorial Abordagem, enfoque ou perspectiva territorial é uma forma de tratar fenômenos, processos, situações e contextos que ocorrem em territórios e que os transformam. Importante salientar que os levantamentos conceituais estudados na primeira unidade servem para esclarecer que território não deve ser confundido com espaço, lugar ou região. Essa abordagem tornou-se uma referência para a compreensão de processos, mas também uma forma de intervenção, seus objetivos são instrumentais e práticos. Estamos falando, então, das relações sociais nele existentes, de suas ações e das mudanças ocorridas nessas relações (SCHNEIDER e TARTARUGA, 2004). Os estudos de desenvolvimento territorial partem do cenário que pressupõe dois fatores. O primeiro é a crise do modelo fordista de produção, sendo reestruturado pelo modelo de acumulação flexível (denominação de Piore e Sabel, 1984), onde os processos produtivos são mais difusos, baseados na descentralização de plantas, maior flexibilização e sistemas produtivos locais (SPL’s ou clusters). O segundo fator está relacionado aos aspectos políticos e institucionais que derivam, basicamente, da crise do Estado e da perda crescente de seu poder de regulação. O território se tornou “uma variável crucial para explicar as dinâmicas econômicas relativas a diferentes espaços”, “o lugar de reencontro entre as formas de mercado e as formas de regulação social” (COULERT & PECQUEUR, 1994 apud SCHNEIDER e TARTARUGA, 2004, p. 108). O território, além de ser o suporte espacial, torna-se um elemento de organização produtiva, influindo nas estratégias dos atores. Torna-se, por si só, um sistema produtivo local, onde ocorrem reciprocidade, cooperação, concorrência, disputa etc. Nele se apresentam as dimensões econômica, material, cultural e cognitiva. 25 Cultura e território O conceito de cultura surgiu na Europa do século XVIII, relacionado ao termo civilização. Os alemães diferenciaram o significado, colocando o termo como referência ao espírito, às tradições locais, ao território. O antropólogo Y. Taylor, no livro Cultura Primitiva, definiu cultura como “todo o complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito adquiridos pelo homem na condição de membro de uma sociedade” (PERICO, 2009, p.58). Essa definição retirava da biologia (herança genética) a responsabilidade da aquisição cultural, transferindo-a para o aprendizado social. Posteriormente, outro antropólogo, Franz Buenas, evoluiu o conceito, incluindo nele a particularidade o particularismo histórico, que considerava as particularidades das cidades e regiões na formação da cultura. Essa ideia foi a base para o relativismo cultural. A antropologia americana, entre os anos de 1920 e 1950 criou 157 definições de cultura. Por isso, R. Keesing se preocupou em classificar essa definições e encontrou dois grupos distintos. O primeiro grupo, baseado na linha neo-evolucionista, considera culturas como sistemas adaptativos, com padrões de comportamento transmitidos socialmente (organização econômica e política, crenças, práticas religiosas etc.), mas ainda ligado a embasamentos biológicos, por estarem em uma linha. As teorias idealistas de cultura se dividem em três linhas, dos cientistas: Ward Goodenough, Claude Levi-Strauss e Clifford Geertz. Goodenough dizia que a cultura era algo mental, relacionada aos conhecimentos e crenças que uma pessoa precisa ter para ter um comportamento adequado em uma sociedade. Levi-Strauss era um antropólogo naturalista que estudou os povos indígenas brasileiros. Para ele as sociedades substituem a natureza pela cultura, construindo regras para seu bom funcionamento. A cultura, para ele, é um sistema simbólico estruturada na mente humana com mitos, arte, parentesco e linguagem. Geertz definiu que mecanismos de controle (planos, prescrições, regras, instruções) formam um “programa cultural” que controla nosso comportamento e o homem é o animal mais dependente desses mecanismos. Todas as pessoas nascem aptas a receber esse programa, que vai continuar existindo na sociedade após a sua morte. Porém, a Antropologia não foi a única ciência a trabalhar o conceito. Da Sociologia vem o conceito de que cultura é tudo aquilo que resulta da criação humana: ideias, artefatos, costumes, leis, crenças morais, conhecimentos adquiridos através do convívio social. Não há graus ou qualificações de cultura (melhor, superior etc.), apenas diferentes. A cultura tem as funções de satisfazer as necessidades humanas, criando limitações normativas para essas necessidades e violando, de certa forma, a condição natural do homem. A busca da beleza física ideal, de símbolos de poder e prestígio são exemplos, mas esses símbolos podem diferir muito de uma sociedade para outra. Derivados, surgem os conceitos de cultura de massa e indústria cultural. O primeiro é definido como padrões compartilhados pela maioria dos indivíduos, independente de renda, instrução, ocupação etc. e é estimulada por essa indústria, típica de sociedades capitalistas, que “fabricam” modas, gostos e outros aspectos superficiais de lazer, arte e vestuário. Nesse caso, existe um caráter de submissão a padrões culturais hegemônicos, impostos pelo poder econômico industrial e financeiro, até mesmo das outras culturas (popular, erudita, nacional e clássica). Não devemos confundir cultura popular com cultura de massa, pois essa última nivela todos os indivíduos como consumistas. 26 Mais recentemente, tem-se discutido, na antropologia, que os animais possam apresentar traços culturais, linguagem e capacidade de aprender e usar signos em processos de comunicação. Darwin já havia notado uma ética nos instintossociais, afetos entre pais e filhos e até um senso de moral. Podemos concluir que a cultura modela o comportamento dos indivíduos dentro de uma sociedade, no nosso caso as sociedades que compõem os diversos territórios que coexistem dentro dos diversos espaços. Então, as culturas territoriais coexistem, pois existem vários territórios ou ambientes, localizados em espaços próximos, contíguos ou sobrepostos (família, escola, trabalho etc.). Interessa-nos a cultura localizada em um determinado território, definida pela história e tradição dos componentes desse espaço geográfico, que construíram valores, costumes, visões compartilhadas, crenças, símbolos regras para os que vivem nesse território. Essa cultura localizada gera grupos culturais, tornando-se mais um dos elementos que definem, diferenciam e particularizam os territórios. É possível compreender a angústia gerada por essa fragmentação, que se deve aos processos sociais que acontecem dentro dos territórios. Angústia maior e mais recente vem da tentativa de homogeneização cultural do mundo, causada pela globalização, que tenta impor a cultura ocidental capitalista em todos os territórios do planeta. Ianni (1998) explica que antes mercados eram invadidos por mercadorias, mas agora culturas inteiras são invadidas por informações, entretenimentos e ideias. A instantaneidade dissolve fronteiras, desenraiza coisas, gentes e ideias, formando linguagens globais, pasteurizando a produção, as mercadorias, mas também os públicos, pela homogeneização de padrões, estilos, linguagens, modas ou ondas. Identidade e território Identidade possui uma grande diversidade conceitual, pois é descrita de forma distinta em algumas ciências: Psicologia, Antropologia, Filosofia e Sociologia. Vamos nos limitando apenas àquelas características que influem no território. Na concepção sociológica de Maraschi (2006) identidade é produto da socialização e garantida pela individualização, sendo construída na articulação entre o individual e o social. Identidade está relacionada aos aspectos subjetivos dos indivíduos, o reconhecimento de um “eu”, de uma autoconsciência ou autoimagem, de um sentimento de unicidade e durabilidade. A identidade é composta por aspectos pessoais e sociais, construída na articulação entre o indivíduo e o grupo sendo, então, moldada pela cultura. Ela possui uma dupla visão, intrínseca, de semelhança e diferença com relação ao outro, ao grupo social. Esse duplo olhar é necessário, pois não há como identificar o semelhante sem reconhecer o diferente. Então, a identidade é coletiva, com um sentido de pertencimento a um grupo com o qual se tem atributos semelhantes e ao mesmo tempo de alteridade, de estranhamento, de contraste com o diferente. Ela é a ligação entre o “eu” e o “outro”, por identificação criando o “nós”, e pela diferença definindo o “eles”. A identidade traz consigo a noção de pertencimento ou pertença, fundamental à saúde mental dos indivíduos. Costa (2002) define identidade cultural como uma experiência social que impregna os indivíduos na busca de construir traços culturais comuns entre si. Neste caso o processo é mais importante que o resultado. A identidade cultural possui uma forte base territorial. 27 Visão semelhante é a de Santos para quem as identidades culturais combinam o próprio e o alheio, o individual e o coletivo, a tradição e a modernidade. Mas, elas não são rígidas – nem as identidades mais sólidas como as de gênero, nacionalidade ou continentalidade –, são mutáveis, transitórias, num processo de negociação de sentidos, são identificações em curso (SANTOS, 1994). Campos (2003) explica que a identidade cultural de uma cidade é seu maior patrimônio, e faz questionamentos sobre sua dinâmica. Ela seria naturalmente constituída pelas etnias que compuseram a formação do território, historicamente? Ela poderia ser artificialmente criada pelos diversos organizadores políticos do município? Ou ainda, ela sofreria grande influência dos emigrantes que estão no exterior? Para ele, “isto é importante ser considerado, especialmente no momento contemporâneo em que cada vez mais o que se faz presente são signos de identificação e não sistemas de identidades herméticos” (CAMPOS, 2003, p. 64). Relacionando com o território, temos que as identidades individuais e coletivas podem ser desterritorializadas e reterritorializadas. Por isso, os territórios resistem, tentam manter suas tradições, que se originaram de um processo histórico, que pode ser recente ou mais antigo, desde a sua formação. A identidade territorial é fator fundamental, para não dizer existencial para muitos indivíduos. Para os “hegemonizados” o território adquire muitas vezes tamanha força que combina com intensidades iguais funcionalidade (“recurso”) e identidade (“símbolo”). Assim, para eles, literalmente, retomando Bonnemaison e Cambrèzy (1996), “perder seu território é desaparecer”. O território, neste caso, “não diz respeito apenas à função ou ao ter, mas ao ser”. É interessante como estas dimensões aparecem geminadas, sem nenhuma lógica a priori para indicar a preponderância de uma sobre a outra: muitas vezes, por exemplo, é entre aqueles que estão mais destituídos de seus recursos materiais que aparecem formas as mais radicais de apego às identidades territoriais (HAESBAERT, 2005, p.6777). Diante do exposto, percebe-se que o território é um dos pontos de referência cultural e identitário das pessoas, local ao qual pertencem, onde as ações acontecem e, devido a elas, são modificados para novas configurações. Esta dinâmica cria a uma inserção temporal e social na concepção puramente espacial. As redes sociais são tecidas dentro e para fora dos territórios, permitindo os fluxos internos e entre eles, criando a mobilidade humana, dentre outras. Como espaços de lugares os territórios enraízam as pessoas, como espaços de fluxo eles fomentam a mobilidade. Os dois efeitos são importantes para a compreensão de vários fenômenos sociais no território. O migrante é um sujeito com características especiais diante do território. Os conceitos de espaços de lugares e de espaços de fluxos explicam a migração e também a necessidade do retorno que vários migrantes carregam em si. Eles saem de um território em que tem uma identidade e vão para outro, onde criam (ou pelo menos tentam criar) outra identidade, adequando-se à cultura desse novo território. Muitos não criam identidade e vivem o sonho de voltar ao território original. Mas, as relações de poder nos territórios são dissimétricas, o que cria uma série de dificuldades a serem enfrentadas pelos migrantes, por exemplo. Por outro lado, Oakes (1997) defende que a na região e no território o senso de identidade é abstrato para os indivíduos, mas que no lugar, onde sua ação é imediata, onde há vivência, convivência, cotidiano, identidades significativas. Poder no territóri Raffestin trata o poder como uma categoria fundamental no território. “O poder não é uma categoria espacial nem uma ‘produção’ que se apoia no espaço e no tempo” (RAFFESTIN, 1993, p.6). geografia política clássica de Ratzel é uma geografia do Estado, onde esse figura como fonte única de poder ou com poder O termo poder é ambíguo. Com “P” maiúsculo significa o poder e soberania do Estado e sujeição de seus cidadãos, na forma de dominação legal. Como nome comum está infiltrado em todas as relações sociais. O “Poder” é mais fáci grande aparato necessário ao controle do território e de sua população e recursos. O “poder” pode estar oculto, mas está em todo lugar, gerando hierarquia, relações de força, desigualdade, dentro de um campo de poder. Baseado em Michel Foucault, Raffestin poder, que são bem elucidativas: 1. 2. 3. 4. 5. O Estado hierarquiza o poder
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