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54 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II Unidade II Nesta unidade, apresentaremos as linhas específicas de um projeto de pesquisa, sua organização e estrutura, trabalhando os métodos de pesquisa, visto que não há somente um método a seguir. Nesse sentido, você terá contato com assuntos relacionados à estrutura do trabalho de pesquisa, sua escolha e delimitações do assunto, bem como com os tipos de pesquisa (estudos de caso, bibliográficas, descritivas, correlacionais), a análise, o tratamento e a interpretação dos dados. A unidade avança para os movimentos, formatos e possibilidades de publicação da pesquisa, partindo, portanto, do projeto ao relatório da pesquisa, suas formas da apresentação dos resultados, não deixando de considerar as normas de citações e referências. 5 Métodos de pesquisa: estruturação e organização O que chamamos de ciclo da pesquisa e aprendizagem privilegia a dimensão didático-pedagógica na própria prática social da pesquisa, principalmente, no âmbito universitário, em que ocorre o aprendizado metodológico e em que é produzida grande parte das pesquisas. Neste tópico, o foco recai na estrutura e na organização da pesquisa, de seu planejamento, bem como nos aspectos específicos do projeto. Continuamos com o assunto dos métodos de pesquisa, agora esclarecendo o modo pelo qual os métodos se articulam num fio condutor como síntese. Síntese esta proporcionada pelas dimensões subjetiva do pesquisador (abarcando de desejos a crenças); e objetiva dos recursos e instrumentos reunidos pela experiência, assimilação e reflexão, num método, nele combinados; o que supõe articulação de raciocínios e procedimentos que, sozinhos, não nos levam muito longe, por serem incompletos. Recorremos, continuamente, de diferentes modos, à pergunta fundamental: o que é pesquisa, afinal? 5.1 a pesquisa Pesquisar é, de forma bem simples, procurar respostas às indagações. Procurar o que não se tem: uma resposta satisfatória. É a insatisfação que motiva a pesquisa; que somente ocorrerá se a curiosidade não estiver satisfeita, e as dúvidas, por ora, não justificarem novas buscas. Da pesquisa em geral passamos à pesquisa acadêmica e científica, em particular. Pesquisa científica é, portanto, realização teórica e prática de uma investigação ordenada, desenvolvida e redigida de acordo com as normas da metodologia consagradas pela ciência para a avaliação desse processo de aprendizagem. Trata-se de uma atividade voltada para a solução contínua de problemas, por meio do emprego de procedimentos científicos. Os problemas não terminam, tornam-se mais complexos, 55 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa assim como os instrumentos utilizados para resolvê-los. Esse movimento do conhecimento que se vai escapando quando se lhe parece agarrar reúne conjuntos de procedimentos sistemáticos, baseados em raciocínios lógicos, que têm por objetivo formular problemas e encontrar sucessivas soluções, mediante o emprego de métodos científicos. A pesquisa tem sua linguagem própria, que chamamos metodológica, e integra os momentos do processo. A integração ocorre desde o âmbito teórico e conceitual das representações e visões de mundo das formas prescritas pelas normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) até as relações por elas visadas (atividades acadêmicas, em sua maioria), desdobrando-se em técnicas e instrumentos coerentes de coleta de dados e validação das informações. Antes do detalhamento do projeto, cabe apresentarmos os motivos da pesquisa científica. 5.1.1 As razões de ser da pesquisa científica Por qual motivo se faz uma pesquisa científica? Há vários deles, para diferentes pessoas e diferentes oportunidades. Basicamente, a pesquisa científica serve para que o pesquisador busque respostas para aquilo que o inquieta, aquilo que o “incomoda”. O incômodo aqui colocado é aquele gerado pela necessidade de buscar respostas para aquilo de que ainda não se tem certeza ou para o qual a certeza não seja permanente. Enfim, afora aqueles motivos que fazem da pesquisa a evolução das ciências, as razões de ser da pesquisa científica, dentre outras tantas, podem ser expressas por: • exercitar e estruturar a inquietude, os impulsos, a curiosidade do estudante (pesquisador), indo além do lugar em que se está, procurando coisas novas, novos olhares e novos usos para aquelas existentes; • descobrir, inventar e melhorar técnicas e tecnologias; • explorar o conhecido, estimulando a intuição do pensamento científico quanto ao desconhecido, assumindo-o; • aprender sobre a natureza e geri-la de modo representativo, responsável e sustentável; • entender os sistemas socioambientais; • produzir democraticamente inovações; • buscar o desenvolvimento endógeno e comunitariamente sustentável; • aumentar produtividade e competitividade, garantindo retorno à sociedade, em geral; • gerar universalmente investimento, emprego e renda; • buscar coletivamente soluções para os problemas sociais; • procurar caminhos diferentes (novas variáveis e novos valores para os debates, segundo a visão sistêmica) para antigos e novos problemas. 56 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II Exemplo de aplicação E você: qual sua razão de efetuar uma pesquisa? Quais suas motivações? Já pensou nisso? 5.1.2 O que convém pesquisar? Escolher o que pesquisar não é uma tarefa das mais fáceis. Envolve decisão, ora motivada pelo próprio pesquisador, ora a ele imposta. O fato é que, como aluno-pesquisador, de que forma se escolhe o tema de um projeto de pesquisa? Há várias formas de escolher o tema de um projeto de pesquisa: • escolha motivada pela paixão por assunto ou fato específico; • escolha motivada pelo simples incômodo e mesmo por uma insatisfação com as respostas até então oferecidas; • escolha pela instituição; • escolha baseada na área de especialização do pesquisador; • escolha decorrente de lacuna na formação; • escolha baseada na relevância para uma determinada área; • escolha visando à revisão de aspectos teóricos ou práticos; • escolha baseada na aplicabilidade. O tema é o ponto de partida do trabalho de pesquisa. Delimita um campo de estudo no interior de uma grande área de conhecimento e deve ser escolhido de acordo com as tendências e aptidões do pesquisador. Encontrada uma área do conhecimento de interesse, deve-se identificar um tema plausível. Para avaliar a consistência de um tema, podem-lhe ser dirigidas perguntas: • Trata-se de um problema original e relevante? • Ainda que seja ”interessante”, é adequado para mim? • Tenho hoje possibilidades reais para executar tal estudo? • Existem recursos (financeiros, materiais, humanos...) para o estudo? • Há tempo suficiente para investigar tal questão? • Quais são as partes do seu tema? • Qual é o contexto do tema? 57 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa • Qual é a importância do seu tema? • Quem deu contribuições relevantes ao tema? Como outros autores abordaram o assunto? • O que resta por investigar no tema? A aferição da consistência de um tema pode iniciar com tais perguntas e prosseguir na construção da problemática, ou problematização do tema da pesquisa, como exemplificado na seção específica do projeto. Conforme bem explica Severino (2000, p. 74), [...] tratando-se de trabalhos acadêmicos, com finalidades didáticas e propedêuticas, o tema escolhido ou delimitado deve deixar margem para a pesquisapositiva, bibliográfica, ou de campo, com a necessária aprendizagem desses métodos de pesquisa, não sendo, portanto, o trabalho uma pura criação mental do aluno. Por isso, escolhe-se um tema já abordado por outros, anteriormente, embora de outras perspectivas, para que haja obras a respeito dele, podendo o aluno pesquisar e consultar documentação para a realização do seu trabalho. Por outro lado, a visão clara do tema do trabalho, do assunto a ser tratado, a partir de determinada perspectiva, deve completar-se com sua colocação em termos de problema. O raciocínio – parte essencial de um trabalho – não se desencadeia quando não se estabelece devidamente um problema. Em outras palavras, o tema deve ser problematizado. Toda argumentação, todo raciocínio desenvolvido num trabalho logicamente construído, é uma demonstração que visa solucionar determinado problema. A gênese dessa problemática dar-se-á pela reflexão surgida por ocasião das leituras, dos debates, das experiências, da aprendizagem, enfim, da vivência intelectual no meio do estudo universitário e no ambiente científico e cultural. 5.1.3 O porquê da pesquisa ou as suas justificativas Toda pesquisa deve apresentar uma justificativa, pois, do contrário, a atividade não faria sentido. Não se pesquisa por nada. A justificativa mostra a relevância da pesquisa baseada no tema e nos objetivos propostos, identificando quais serão as contribuições principais e secundárias ao entendimento e à intervenção na realidade pesquisada. É a parte em que o pesquisador demonstrará o alcance e a efetividade da proposta de investigação. A relevância que se estabelece pela coerência de um projeto nunca estará somente nele mesmo, apenas na vontade do pesquisador ou no ineditismo do trabalho; deve-se cumprir com as intenções, um circuito que vai até os frutos, os benefícios sociais do trabalho de pesquisa tomado como processo. De outra forma, uma pesquisa não deve prestar-se somente à realização do pesquisador, mas, sim, apresentar-se com um apelo aplicativo, que dela alguém possa fazer uso em benefício da evolução da ciência. 58 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II observação A justificativa de um projeto está na contribuição para o conhecimento sobre um tema, entretanto não podemos apenas ser guiados pelo utilitarismo que se esquece da participação das ciências básicas no edifício. Para que fique claro, na redação da justificativa, o pesquisador deverá lançar mão da bibliografia principal e da motivação (pessoal ou não), que ampara a iniciativa. Na justificativa, apresenta-se o que foi obtido, bem como as faltas, nos estudos até então realizados. Sua contribuição será preencher tais lacunas ou demonstrar, de forma crítica, confirmando aquilo que se entendia até então, como certo ou errado, dependendo dos resultados da pesquisa. O teor básico das justificativas de pesquisa passa pelas seguintes questões: • Que motivos justificam um projeto de pesquisa? • Qual é a atualidade do tema, sua inserção no contexto atual? • Há ineditismo do trabalho ou agregação de valor aos estudos sobre o tema? • Qual é o interesse e quais os vínculos do autor com o tema e os objetivos declarados? • Qual é a relevância, a importância científica, social, educacional do tema? • Qual é a pertinência, a contribuição do tema para a solução de um problema atual? Oferecemos a você um exemplo de justificativa do tema de pesquisa. Quadro 1 – Tema e sua justificativa Problema de pesquisa do projeto Justificativa Estudo sobre as perdas sociais com a redução das experiências do gosto (consideradas, principalmente as possibilidades modernas não realizadas) na sociedade moderna e as transformações do sabor. Há necessidade de se estabelecer a importância cultural da experiência da dúvida filosófica no aprendizado infanto-juvenil, com reflexão constante, abandonando a saciedade com as informações dadas sobre serviços, mercadorias e objetos, em geral. Mostrar caminhos de aprendizado tradicional para valorizar a história das experiências e resgatar valores que podem nos ensinar a rever a natureza da relação dos seres humanos com seus produtos. O resultado desse trabalho poderá ultrapassar os limites acadêmicos, tornando-se uma efetiva contribuição para a elaboração de políticas que regulem a educação formal, além de criar programas que estimulem sua via informal. 59 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa Para Salomon (2000, p. 221), a justificativa é um elemento que jamais poderá faltar num projeto de pesquisa. Para ele: [...] frequentemente, justificação e objetivos formam uma só fase do projeto, tal a afinidade de sua relação. Mas é possível quase sempre distingui-los, reservando, para objetivos, os fins teóricos e práticos que se propõem alcançar com a pesquisa, e para justificação, as razões, sobretudo teóricas, que legitimam o projeto como trabalho científico. Em justificação, entra a defesa do projeto, cujo referencial há de ser a relevância do problema: a teórica, a humana, a operacional, a contemporânea. Completa a justificação a exposição de interesses envolvidos (os teóricos, os pessoais, os da equipe de pesquisadores), como os relacionados com “iniciação científica”, “aperfeiçoamento”, “especialização”, “titulação acadêmica”, “descoberta científica” etc. 5.1.4 Para que pesquisar? Os objetivos Toda pesquisa deve ter um objetivo determinado para saber o que se vai procurar e o que se pretende alcançar. [...] O objetivo torna explícito o problema, aumentando os conhecimentos sobre determinado assunto. [...] Os objetivos podem definir a natureza do trabalho, o tipo de problema a ser selecionado, o material a coletar. [...] Respondem às perguntas: por quê? Para quê? Para quem? (LAKATOS; MARCONI, 2007, p. 158-9). Desta forma, os objetivos da pesquisa procuram: • propiciar avanços e eficiência nas atividades científicas, valorizando também as perguntas pendentes, demandantes por respostas; • responder a perguntas do interesse da comunidade científica, que deve estar alinhada às necessidades da sociedade que integra, de modo geral; • oferecer novos pontos de vista e permitir que se retome aqueles que foram precocemente descartados, sem a pretensão de resolver plenamente os problemas ou apenas confirmar hipóteses; • empreender pesquisas de relevância e interesse social, principalmente, no caso das tecnologias; • ineditismo em sua área do conhecimento. A contribuição pode ser tanto teórica, nas denominadas ciências básicas ou puras, quanto baseada em experimentação ou melhoria de técnicas existentes, as aplicadas, desde que os casos tenham seus resultados generalizados. 60 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II Os objetivos são o que não temos e que esperamos que a pesquisa nos dê. Indicam aonde queremos ir, o que queremos conhecer, melhorar e/ou transformar, adotando metas para monitorar e medir progressos no andamento. Lembrete Os objetivos são a face da moeda que do outro lado tem a hipótese; enquanto esta é “o que eu tenho” (o que eu acho ou penso, com aquilo que já sei, até com muito de preconceitos), o objetivo é o “não tenho” do objeto de interesse. Dividem-se os objetivos em duas frentes, empregando-se a terminologia de objetivos gerais e específicos. Os objetivos gerais indicam uma ação muito ampla, resultado pretendido, por exemplo: • Melhorar o desempenho do estudante universitário nas várias dimensões (aulas, exercícios e atividades extrassala) do aprendizado escolar. Já os objetivos específicosprocuram descrever ações pormenorizadas ou aspectos detalhados que levarão à realização dos objetivos gerais, por exemplo: • Identificar fatores que dificultam a aprendizagem e em qual aspecto ou dimensão. • Propor mecanismos que mitiguem, minimizem esses fatores. • Aplicar procedimentos metodológicos que garantam a melhoria da aprendizagem. • Descrever o perfil dos alunos que utilizam computadores. Os objetivos dependem do tipo de pesquisa que é realizada, e, como foi dito, da concepção de mundo (nível teórico). Por exemplo, um projeto realizado pelo Ministério da Saúde, cujo problema estaria em procurar caracterizar o perfil social das comunidades em que há casos de cólera, teria como objetivo orientar a política pública na área de saúde, visando conter a doença. No caso de pesquisa acadêmica, o objetivo maior será trazer uma contribuição ao tema. Isso posto: • Objetivos gerais: referem-se a uma contribuição teórica que se espera alcançar com a pesquisa (por exemplo, revisão de um conceito). • Objetivos específicos: apresentam o resultado imediato do trabalho científico (apresentação de uma bibliografia atualizada sobre o tema, compilação de novos dados sobre um assunto). 61 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa Seguimos oferecendo exemplo de declaração de objetivos. Quadro 2 – Declaração dos objetivos da pesquisa Objetivo geral Objetivos específicos Este trabalho sobre métodos de pesquisa deseja recuperar os saberes e os fazeres esquecidos, o conhecimento que “está nas coisas”. • Refinamento dos principais conceitos, questões, momentos e instrumentos da pesquisa. • Alcançar consistência com uma proposta diferente, partindo das situações descritas e analisadas na Unidade I. • Criar um fórum de discussões para os resultados práticos e retorno por parte dos alunos. Leitura obrigatória Convidamos você a acessar a Minha Biblioteca e ler o livro Elaboração de Pesquisa Científica, de José de Sordi (São Paulo: Saraiva, 2013). O link que o levará à obra é: <http://online.minhabiblioteca.com.br/ books/9788502210332>. Acesso em: 22 maio 2014. 5.1.5 Como pesquisar? O método é orientado metodologicamente A metodologia é o empreendimento de avaliação que deve situar minuciosamente toda ação prevista e desenvolvida no trabalho de pesquisa. Para Lakatos e Marconi (2007, p. 83), Todas as ciências caracterizam-se pela utilização de métodos científicos; em contrapartida, nem todos os ramos de estudo que empregam estes métodos são ciências. Dessas afirmações podemos concluir que a utilização de métodos científicos não é da alçada exclusiva da ciência, mas não há ciência sem o emprego de métodos científicos. Assim, o método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros –, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista. O método descreve, com vistas ao aprimoramento e à eficiência, as estratégias de pesquisa, desde sua concepção à coleta de dados necessários, a fim de averiguar as proposições, testar a hipótese ou hipóteses formuladas. Isto é, aceitar e colocar os preconceitos como ponto de partida para o diálogo, que é a própria pesquisa. Em outras palavras, trata-se do estabelecimento dos parâmetros metodológicos da pesquisa que norteia: 62 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II • a escolha do tema e a identificação dos campos sociais (áreas, interesses e agentes) envolvidos; • os detalhamentos e a avaliação da escolha e dos procedimentos para a identificação, tomando como critério a coerência com os objetivos declarados; • o acompanhamento da hipótese, questões ou dúvidas colocadas, de modo que as racionalize e facilite a execução da pesquisa no que se refere a recursos e tempo; • crivar os instrumentos de coleta de dados e informações arrolados ou elaborados para utilização com indagações de fiabilidade e adequação entre concepção teórica e técnicas e procedimentos propostos; • confrontar todos os passos de realização da pesquisa com seu projeto, propondo parâmetros e promovendo ajustes, quando necessário; • checar a reprodutibilidade dos resultados. Exemplo: no estabelecimento dos parâmetros metodológicos de uma pesquisa sobre o papel dos movimentos sociais urbanos na luta pelo direito universal à moradia e nas políticas públicas de moradia, podem-se combinar métodos e técnicas qualitativos, como a história de vida, com métodos quantitativos, como a elaboração de um índice de casas atendidas pelo sistema habitacional correlacionado ao índice de membros dos movimentos, a partir de dados retirados de uma amostra de moradores dos bairros A, B e C. A metodologia ordena: • o tipo de pesquisa; • o instrumental utilizado (questionário, entrevista, entre outros); • o cronograma; • a equipe de pesquisadores e a coordenação do trabalho; • a escolha e a utilização dos recursos; • as formas de tabulação e tratamento dos dados; • tudo aquilo que se utilizou no trabalho de pesquisa. 5.1.6 Quanto às classificações e aos tipos de pesquisa Toda classificação é, a um só tempo, processo intelectual e expressão de poder, posto que sua vigência seja em si uma consequência de posição social de seu autor ou grupos de autores. 63 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa São exemplos os argumentos de autoridade (uns “nomes” sustentam, mais que outros, os sistemas de classificação, tipologias e tipificações) e os projetos políticos dos eleitos (têm respaldo na escolha, e não na estritamente na lógica); respectivamente amparados na racionalidade de escolas ou grupos e na representatividade do sufrágio. Ou seja, em algumas vezes serão processos internos à própria ciência; em outras, não. Ademais, a classificação que segue, e de resto todas as outras, deve ser objeto de reflexão e mesmo de contestação, antes que seja adotada. Reflexão para enxergar além de sua consistência (eficiência, bom funcionamento), procurando testar também sua coerência (eficácia, o cumprimento de metas e objetivos estabelecidos pelo projeto). Contestação quanto à adequação dos aspectos do modelo que não servirem à sua pesquisa, o que confere personalidade à pesquisa. Trazendo mais luz ao conceito, classificação, para Tristão, significa: [...] ordenar e dispor em classes. Uma classe consiste de um número de elementos quaisquer (objetos e ideias) que possuem alguma característica comum pela qual devem ser diferenciados de outros elementos e, ao mesmo tempo, constitui sua própria unidade. A determinação e a seleção das classes que compreendem um esquema de classificação estão essencialmente relacionadas com as necessidades de utilização de cada esquema (apud BEZERRA, 2006, p. 13). As classificações seguem a lógica exposta por Fabíola Maria Pereira Bezerra, com base em Prithvi N. Kaula e Ingetraut Dahlberg (BEZERRA, 2006, p. 13-4): Kaula considera a ”classificação como um dos mais importantes ramos do conhecimento” e justifica sua afirmação quando diz que a mente humana, de uma forma consciente ou inconsciente e independente do fim, desenvolve a ação de classificar objetos, quando reúne coisas semelhantes e separa os outros não diretamente relacionados. Neste processo mental, natural e automático de classificação dos “entes, dos fatos e dos acontecimentos”, Pombo definiu como “pontos estáveis”, que permitem ao ser humano uma orientação em relação ao mundo à sua volta, estabelecendo hábitos, afinidades e divergências.Possibilita ainda “reconhecer os lugares, os espaços, os seres, os acontecimentos; ordená-los, agrupá-los, aproximá-los uns dos outros, mantê-los em conjunto ou afastá-los irremediavelmente”. Kaula afirma ainda que a utilização da classificação já era aplicada por grandes filósofos no processo de compreensão e análise do conhecimento. Refere que Aristóteles (382-322 a.C.) concebeu a classificação como um processo mental, dividindo originalmente o conhecimento em 5 categorias. Posteriormente estas categorias iniciais foram desenvolvidas e reconhecidas por Aristóteles e seus seguidores, em outras 10 categorias, em 64 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II que representaram ou “qualificaram” as diversas áreas do conhecimento. Enquanto Kaula, em seu artigo, associa o começo do estudo da classificação, a partir de Aristóteles, Dahlberg já afirma que a história das classificações é tão antiga como a história da humanidade, citando como exemplo a enciclopédia do egípcio Amenope no ano 1250 a.C., embora, na época, fosse reconhecida apenas como a “arte de classificar”, não podendo ser considerada ainda como ciência, pois não havia um embasamento teórico. Segundo o autor, todos os trabalhos desenvolvidos na época foram “organizados sistematicamente, i. e., o conhecimento neles apresentado era organizado segundo alguma ideia preconcebida”, sendo que a sistematização do conhecimento não era feita da maneira esquemática como hoje se apresenta. Estabelecidas as concepções e as possibilidades da classificação nesse trabalho, seguimos com os critérios de classificação das pesquisas; e com relação às pesquisas, há o emprego genérico da classificação com base em seus objetivos gerais. Desse modo, classificam-se as pesquisas em exploratórias, descritivas e explicativas, como segue, com base em Gil (2002). • Exploratórias: cujo objetivo é “tatear” o quanto possível em busca de quaisquer elementos que possam esclarecer questões (hipóteses), problemas, mostrando algo ainda não apontado. Envolvem, geralmente, levantamento bibliográfico e documental, muito utilizadas como etapa inicial de um processo de pesquisa, já que se caracterizam por esclarecer certos temas e assuntos. observação As pesquisas exploratórias são realizadas para atender a diferentes objetivos, que vão da busca por conhecimento sobre determinado assunto, para avançar sobre bloqueios e limites à aproximação de um fato ou tema, conhecer aspectos obrigatórios de nosso entorno. • Descritivas e observacionais: foco na observação, no levantamento e no inventário de questões (dados e informações) com vistas à integração e à articulação dos elementos dos conjuntos estudados, de modo que confira sentido às relações aparentemente disparatadas nos momentos anteriores à pesquisa. A descrição é o momento mais rico do conhecimento, pois assume a imensa influência que recebe das visões de mundo particulares, assim como a grandeza do real, apresentando-o por dentro, de modo dinâmico e inacabado; pesquisas que chamamos de descritivas requerem muita maturidade pessoal e acadêmica, posto que não dão a última palavra, como quer o discurso explicativo. Aqui, há o predomínio da “razão subjetiva”, conforme foi definida. • Explicativas: coração da pesquisa positiva moderna, posto que o termo já remete a certo distanciamento do pesquisador, “mostrando como as coisas funcionam”. Nas pesquisas denominadas explicativas, pesquisamos para descobrir os fatores que determinam os fatos ou colaboram para sua ocorrência, que serão apresentados como sistemas os mais fechados e controlados possível. Aqui, há o predomínio da “razão objetiva”, conforme foi definida. 65 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa Também é possível classificar as pesquisas conforme o emprego de instrumentos, que devem ser alinhados aos procedimentos técnicos, segundo Gil (2002, p. 43), que inspira as descrições seguintes. • Bibliográficas: assim como a pesquisa documental, a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de textos (laicos, religiosos, leis diversas, cartas, livros, artigos científicos etc.). É passo inicial em quase todos os estudos, havendo pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Documentos, para a pesquisa documental, são fontes originais que não sofreram intervenção, cujos sentidos serão reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa, enquanto o objeto da pesquisa bibliográfica é variado e já reproduzido, conforme as pesquisas que dele decorreram. • Estudos de campo: são levantamentos qualitativos que colocam o pesquisador em meio ao objeto pesquisado, sejam relações sociais, sejam aspectos físicos e biológicos; há certa comunhão entre sujeito e objeto, que nos extremos podem variar dos casos em que as fronteiras entre ambos são bem visíveis àquelas em que desaparecerão. Há uma marca subjetiva nesses estudos, com preocupação com a objetividade. Trabalhos de campo são levantamentos de imersão, de participação, enquanto os levantamentos de dados para tabulação são instrumentos quantitativos, sendo usados, um e outro, conforme a fundamentação teórica (visão de mundo) e a metodologia (encadeamento eficiente dos passos no trabalho) da pesquisa encaminhada. Os levantamentos estatísticos oferecem maior distanciamento dos fatos, sendo mais ao gosto da ciência tradicional e do planejamento, em particular, em virtude de seus atributos matemáticos. Porém, seu uso adequado não deve vir da preferência pelo instrumento, mas das determinações e coerência metodológicas. • Estudos de caso: indicam o privilégio da profundidade e do detalhe, numa escala de observação de objeto controlado, num lugar concreto ou no plano teórico, que pode ser um bairro, uma empresa e até mesmo um traço de personalidade, desde que o enfoque esteja cravado. Os estudos de caso têm larga utilização nas ciências biomédicas (casos clínicos), com emprego nas ciências sociais aplicadas (administração e economia). observação É preciso não confundir o tratamento banal de qualquer caso com estudos de profundidade, que levam tempo para maturar e se desenvolver; meses, pelo menos. • Experimental: de modo geral, o experimento representa o melhor exemplo de pesquisa científica. Essencialmente, a pesquisa experimental consiste em determinar um objeto de estudo, selecionar as variáveis que seriam capazes de influenciá-lo, definir as formas de controle e de observação dos efeitos que a variável produz no objeto. O cientista manipula diretamente as variáveis relacionadas ao objeto de estudo, procurando identificar causas e efeitos e modalidades de ocorrência do evento; cria situações de controle para evitar interferências nas relações de causa-efeito identificadas na amostra, como o uso do placebo. Resumindo, a 66 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II pesquisa experimental consiste em determinar um objeto de estudo, selecionar as variáveis que seriam capazes de influenciá-lo e definir as formas de controle e de observação dos efeitos que a variável produz no objeto. A pesquisa experimental pode ou não ser feita em laboratório, desde que preencha os requisitos de: 1) manipulação de algum aspecto ou variável do objeto; 2) controle da situação experimental, sobretudo, criando um grupo de controle (de referência, para comparação e análise); 3) distribuição aleatória dos elementos que farão parte dos grupos experimentais e de controle. Os estudos ocorrerão com grupos coordenados ou com sujeito único. • Estudos de coorte, prospectivos,longitudinais ou de incidência: o conceito de coorte é empregado, na maioria das vezes, na área da saúde, em observações clínicas, na descrição de um grupo de indivíduos que possuem algo em comum, normalmente, a idade, mas também residência, permanência, exposição a agente contaminante etc. São, assim, reunidos e passam por observação durante períodos determinados, a fim de que sejam avaliadas as ocorrências em cada indivíduo. A periodização das observações deve ser criteriosa, e os dados pertinentes à história natural do problema em questão devem ser considerados (doença, vetores de contaminação, entre outros). Os estudos de coorte podem ser prospectivos (contemporâneos) e retrospectivos (históricos). O estudo de coorte prospectivo é elaborado no presente, com previsão de acompanhamento determinado, segundo o objeto de estudo. Segundo Gil (2002), sua principal vantagem é a de propiciar um planejamento rigoroso, o que lhe confere um rigor científico que o aproxima do delineamento experimental. O estudo de coorte retrospectivo é elaborado com base em registros do passado com seguimento até o presente. Só se torna viável quando se dispõe de arquivos com protocolos completos e organizados. • Análise dos dados, tratamento estatístico ou levantamento: segundo Gil (2002), as pesquisas desse tipo caracterizam-se pela interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer. Basicamente, procede-se à solicitação de informações a um grupo significativo de pessoas acerca do problema estudado para, em seguida, mediante análise quantitativa, obterem-se as conclusões correspondentes aos dados coletados. • Pesquisa ex post facto e correlacionais: a tradução literal da expressão ex post facto é “a partir do fato passado”. Conforme Gil (2002, p. 49), a pesquisa ex post facto é uma investigação sistemática e empírica, na qual o pesquisador não tem controle direto sobre as variáveis independentes, porque já ocorreram suas manifestações, ou porque são intrinsecamente não manipuláveis; significa que nesse tipo de pesquisa o estudo foi realizado após a ocorrência de variações na variável dependente no curso natural dos acontecimentos. Também segundo Gil, uma importante modalidade de pesquisa ex post facto, muito utilizada nas ciências da saúde, é a pesquisa caso-controle. Apesar das semelhanças com a pesquisa experimental, o delineamento ex post facto não garante que suas conclusões relativas a relações do tipo causa-efeito sejam totalmente seguras. O que geralmente se obtém nessa modalidade de delineamento é a constatação da existência de relação entre variáveis. Por isso é que essa pesquisa, muitas vezes, é denominada correlacional (GIL, 2002, p. 49). 67 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa O propósito básico dessa pesquisa é o mesmo da pesquisa experimental: verificar a existência de relações entre variáveis. Seu planejamento também ocorre de forma bastante semelhante. A diferença mais importante entre as duas modalidades está em que, na pesquisa ex post facto, o pesquisador não dispõe de controle sobre a variável independente, que constitui o fator presumível do fenômeno, porque ele já ocorreu. O que o pesquisador procura fazer nesse tipo de pesquisa é identificar situações que se desenvolveram naturalmente e trabalhar sobre elas como se estivessem submetidas a controles. • Pesquisa-ação: quando o pesquisador não é apenas observador exterior aos fatos, mas assume a necessidade de fazer parte deles. Nas palavras de David Tripp (2005, p. 445-6): É importante que se reconheça a pesquisa-ação como um dos inúmeros tipos de investigação-ação, que é um termo genérico para qualquer processo que siga um ciclo no qual se aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhoria de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação. • Pesquisa participante: a pesquisa participante, assim como a pesquisa-ação, caracteriza-se pela interação de pesquisadores e membros das situações investigadas. saiba mais Convidamos a ler o livro: ADORNO, R. C. F. et al. O conhecimento e o poder: de quem é a palavra. Relato de uma experiência de pesquisa participante. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 21, n. 5, out. 1987. Disponível em: <http://www.scielosp.org/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101987000500006&lng=pt &nrm=iso>. Acesso em: 23 mar. 2014. Há autores, como Serva (1995, p. 69-70) que também tratam da pesquisa participante: A observação participante refere-se, portanto, a uma situação de pesquisa em que observador e observados encontram-se numa relação face a face, e em que o processo da coleta de dados se dá no próprio ambiente natural de vida dos observados, que passam a ser vistos não mais como objetos de pesquisa, mas como sujeitos que interagem em um dado projeto de estudos. [...] 68 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II Ao resgate da subjetividade, pela inserção do pesquisador numa relação direta e pessoal com o observado, corresponde a abertura para a emoção, o sentimento e o inesperado. [...] [...] a opção pela utilização da observação participante dá primazia à experiência pessoal vivida no campo, evitando o aprisionamento do pesquisador em apriorismos. Por outro lado, isso não significa, em absoluto, que não se disponha de quadros referenciais teóricos sólidos. observação É muito importante esclarecer que, na prática, esses tipos não devem anteceder as escolhas e decisões de pesquisar, posto que são consequências do exercício real do método como fio condutor das ações; exceção no caso de propostas de temas e procedimentos de terceiros como condição à pesquisa. 5.1.7 A formulação do problema de pesquisa Muitos estudantes consideram inconveniente a assertiva que lhes dirigimos nas aulas: “até para não sabermos, é preciso saber alguma coisa”, isto é, quando alguém afirma que nada sabe sobre algo, no contexto da pesquisa científica, a condição para tal “desconhecimento” é a de que tenhamos conhecimento prévio acerca desse assunto e, desse modo, percebamos que o trabalho de formular problemas e hipóteses, bem como a tarefa de descrever e/ou explicar as variáveis com as quais trabalhamos como pesquisadores, pede certo conhecimento sobre o assunto que queremos aprender e manejar. Normalmente, os pesquisadores já acumulam conhecimento suficiente para elaborar problemas e hipóteses. Quando eles imaginam pesquisar determinado assunto, já leram e refletiram sobre o tema o suficiente para, com segurança, elaborar o seu problema e a hipótese da sua investigação. No caso de trabalhos escolares, muitas vezes, o próprio professor da disciplina dá aos alunos algumas informações básicas sobre o tema proposto para uma pesquisa mais aprofundada, complementar e mesmo suplementar às aulas. Como deveremos proceder se nos for solicitada uma pesquisa sobre um assunto que desconhecemos? E se devemos elaborar um problema de pesquisa e hipóteses pertinentes a esse problema, no caso de um tema que não dominamos? É recomendação básica, e requisito fundamental, que façamos um estudo prévio sobre o tema de nosso interesse, para que possamos formular um problema de pesquisa que seja pertinente, mas, sobretudo, coerente. 69 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa Esse estudo prévio pode envolver leitura de jornais, enciclopédias, sítios da internet e orientação ou conversas com pessoasque sabemos dominar o tema (ou que possuem um conhecimento mais aprofundado sobre o assunto que vamos investigar). Muitas vezes, dada a vastidão do tema e o nosso desconhecimento sobre o assunto estudado, esse estudo prévio acaba se transformando em uma pesquisa bibliográfica, momento de qualquer pesquisa, além de modalidade importantíssima quando o objetivo for levantamento dos atributos (propriedades físicas, químicas, sociológicas, médicas etc.) e exploração das diversas dimensões de temas (históricas, geográficas, econômicas, culturais, políticas, ambientais, entre outras). Pesquisamos a fim de descobrir respostas para problemas. No campo da metodologia científica (conjunto de técnicas e métodos consagrados pelo trabalho de pesquisa científica), definimos problemas como questões não resolvidas e que se colocam como centro de discussão e investigação. De forma bastante simplificada, o problema da pesquisa resume o que nos inquieta, o que nos motiva a levantar informações, a respeito do que queremos saber mais. Lembrete É preciso saber algo do assunto que se deseja pesquisar. Problema de pesquisa, para Gil (2002, p. 23), com recurso ao dicionário, é “questão não solvida e que é objeto de discussão, em qualquer domínio do conhecimento, pois é a que mais apropriadamente caracteriza o problema científico”. Justifica a seleção da acepção pela clareza de que nem todo problema é passível de tratamento científico. E reitera que “Isto significa que, para se realizar uma pesquisa, é necessário, em primeiro lugar, verificar se o problema cogitado se enquadra na categoria de científico”. Esse autor reitera que: toda pesquisa se inicia com algum tipo de problema, ou indagação. Todavia, a conceituação adequada de problema de pesquisa não constitui tarefa fácil, em virtude das diferentes acepções que envolvem este termo (GIL, 2002, p. 23). Gil ajuda-nos na tarefa de classificar e manejar as questões da pesquisa em função de sua verificabilidade. Afirma ele que, nas perguntas como esta: como posso viver melhor e qual é a maneira correta de viver?, elaboram-se, respectivamente, problemas tecnológicos e morais (segundo o autor, de engenharia e de valor), contudo não são problemas científicos, porque na própria pergunta não há variáveis (acontecimentos cujo valor poderia mudar em função de inúmeros fatores) que possam ser testadas objetivamente (2002, p. 24). Em outras palavras: Problemas de valor ou de engenharia não podem ser problemas científicos. Eles não são cientificamente testáveis. Não conseguimos levantar evidências fortes o suficiente que possam responder às questões formuladas dessa maneira. Podemos até nos aproximar de respostas 70 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II prováveis, mas dificilmente podemos chegar a uma conclusão com segurança e neutralidade (GIL, 2002, p. 24). Mais: Um problema científico é um problema que apresenta uma situação que pode ser testada. Se um problema é uma questão que mostra uma situação necessitada de discussão, investigação, decisão ou solução temos que ter condições efetivas de discuti-lo, investigá-lo e solucioná-lo (GIL, 2002, p. 24). Segundo vários pesquisadores e cientistas, a etapa mais difícil e trabalhosa do processo de pesquisa é a definição do problema. Vamos pesquisar o quê? Vamos responder a qual questão? É desse momento que depende todo o restante do trabalho de pesquisa. Se não formulamos adequadamente o problema, toda a nossa pesquisa está comprometida. Se não definimos o rumo, vamos com certeza nos perder. O erro mais comum em pesquisa é iniciá-la sem ter claro o problema a ser resolvido. Temos tantas ideias, queremos saber tantas coisas, que erroneamente consideramos que está claro o que queremos saber. Esse é o maior engano. Muitas vezes, não está claro nem para nós mesmos. Imaginem então para os outros. Seguem alguns exemplos de formulação de problemas de pesquisa. Quadro 3 – Exemplos de problemas de pesquisa Temática Problematização do tema de pesquisa proposto no projeto. Qualidade de vida Avaliar se a educação escolar com preceitos médico-ambientais, jurídicos, políticos, logo nos primeiros anos do Ensino Fundamental, transforma hábitos alimentares e de higiene pessoal (profilaxia médica); conhecimento das normas essenciais, das leis básicas (começando pela Constituição Federal), participação nas decisões, na vida institucional das organizações, principalmente as públicas (participação política). Tudo isso de modo lúdico, brincando, jogando. Projeto de longa duração, com “grupo-controle”. A utilização da informática no aprendizado escolar. Verificar a eficácia da utilização de jogos eletrônicos (games variados, feitos com propósito educativo ou não) no aprendizado das diversas disciplinas, como sociologia, política, estatística, ecologia e todas as demais áreas de estudo. Projeto de curta duração, com possibilidades de testes qualitativos sobre o aprendizado. A crise da hegemonia das áreas de denominação geográfica controlada, da vitivinicultura europeia. Verificar se a presença de ótimas condições ambientais e culturais dos terroirs (clima, relevo, nutrientes no solo, saberes, tradições etc.) na vitivinicultura realmente são únicas, ou se as variedades de uvas viníferas podem ser cultivadas em quaisquer áreas cujas condições sejam aproximadas e artificialmente produzidas (varietais dos Estados Unidos, Chile e Nova Zelândia, por exemplo). Exemplo da champagne, que é o único vinho espumante que pode receber esse nome por ser da região de Champagne, sendo o vinho que passa por processos similares denominado simplesmente espumante. Projeto de média duração e interdisciplinar, de instrumental múltiplo, para escapar das amarras tecnicistas. Pesquisa bibliográfica, videográfica (documentários e dramas) e cartográfica. A distribuição espacial da renda nas regiões metropolitanas brasileiras, associada aos problemas ambientais e de infraestrutura. Verificar se a concentração de renda, além de estar associada ao acesso às melhores áreas das cidades (também do campo), também explica a distribuição dos benefícios e problemas ambientais. 71 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa saiba mais Você pode buscar as seguintes fontes para obter mais conhecimento sobre o assunto: CASTRO A. A. Formulação da pergunta de pesquisa. In: CASTRO, A. A. Revisão sistemática com e sem metanálise. São Paulo: AAC, 2001. Disponível em: <http://www.metodologia.org>. Acesso em: 20 maio 2014. Esse capítulo faz parte de uma série de manuscritos que originou o curso, aberto e gratuito, de revisão sistemática e metanálise, disponibilizado pela Unifesp Virtual. (<http://www.virtual.epm.br/cursos/metanalise>.). HEGENBERG, L. et al. (Org.). Métodos de pesquisa: de Sócrates a Marx e Popper. São Paulo: Atlas, 2012. LIMA, T. C. S.; MIOTO, R. C. T. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Katálysis, Florianópolis, v. 10, 2007. Número especial. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802007000300004&lng=en&nrm =iso>. Acesso em: 23 mar 2014. Algumas considerações sobre o problema de pesquisa são necessárias: • Uma pesquisa só será necessária se existir uma insatisfação com as soluções oferecidas, dúvida ou dúvidas a serem esclarecidas. • A problemática é a evolução metodológica do encaminhamento da dúvida inicial que motiva e orienta a pesquisa; não podemos perder de vista essa origem, que, segundo os preceitos filosóficos geralmente aceitos, deve sempre sediar seu ciclo no senso comum, isto é, estabelecerseus horizontes no mundo da vida humana. • Deve ser escrito de forma clara e argumentativa: qual é a questão, e seus parâmetros, para a qual se busca uma resposta? Pode-se, ainda, qualificar os problemas quanto: • À relevância: isso quer dizer que o problema de pesquisa precisa, de alguma forma, representar uma indagação ou questionamento que tenha importância no contexto histórico na construção do conhecimento, não podendo ser medido apenas pela aplicação das “conclusões” às quais chegarmos. É, então, uma questão de coerência de todo o “ciclo da pesquisa”, desde as concepções teóricas, técnicas, às éticas, que devem ser fundantes da ação. 72 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II • À clareza: isso significa que não pode haver dúvidas no encaminhamento da pesquisa sobre a questão da pesquisa que se irá realizar. • À possibilidade de realização: devemos nos propor trabalhos factíveis, praticáveis, no que diz respeito a alcance dos objetos de interesse, acesso aos recursos em geral, além de ambiente de pesquisa. • Aos interesses e preferências do pesquisador: sempre que pudermos, devemos escolher nossos temas de pesquisa. Na vida escolar (também na profissional), principalmente quando as pesquisas são exercícios de aprendizagem metodológica, os temas são secundários ou restritos à prática exploratória e ao domínio da reprodução do assunto antes de nele criar. Ou melhor, temos de fazer pesquisas em temas que não são os de nossa preferência, apesar de estarmos mais interessados em outros assuntos. Devemos procurar escolher assuntos que nos sejam interessantes, a respeito dos quais temos muita curiosidade. • À especificidade: na definição do problema principal de nossas pesquisas, temos de ser bastante específicos quanto ao estabelecimento dos objetivos e de sua hierarquia, pois devem ser precisados os aspectos (as variáveis) que poderão (deverão) ser verificados. Os temas muito amplos e fracionados podem apresentar-se como de difícil solução, e, se não definirmos exatamente o que queremos, provavelmente perderemos o foco em meio ao material bibliográfico (gráficos em geral, documentos, enciclopédias e artigos científicos). Devemos continuamente ajustar a problemática (o questionamento) da pesquisa como se fosse a busca pelas lentes adequadas que nos permitirão enxergar melhor nosso alvo; mais ou menos como fazemos naqueles exames oftalmológicos. Logo, quanto mais específico for o problema formulado, mais fácil será empreender buscas e aferir a consistência das soluções encontradas. Quanto mais específico for o problema, mais sentido terá nosso trabalho de pesquisa. Esse é um trabalho que costumamos denominar “recorte do tema”. Como se estivéssemos diante de uma enorme folha de jornal recheada de assuntos interessantes e resolvêssemos “recortar” um artigo sobre determinado tema. • À forma, como pergunta: por uma questão de precisão e controle lógico, formulamos o problema como pergunta na forma interrogativa; precisão, em virtude da necessidade da linguagem como instrumento; e controle na verificação das variáveis; isto é, os “termos acessórios do problema” que deverão ser checados. A título de exemplo, seguem alguns problemas que podem ser considerados científicos, bem como seus motivos: • O horário eleitoral gratuito (e demais modalidades de campanha) repercute no voto do eleitor? — Procura-se aqui inquirir a assistência e avaliar a extensão de impactos. 73 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa • Os índices de desemprego, de déficit habitacional, da fome e de acesso à escola são responsáveis pelo crescimento da violência urbana? — O propósito é avaliar pelo método comparativo de amostras com diferentes combinações dos fatores. • Que fatores determinam o aumento ou a diminuição dos níveis de poupança de famílias de classe média? — Aferir os períodos com menores afluxos de depósito em poupança relacionados a variáveis socioeconômicas de renda, escolaridade, segmentação de mercado etc., conforme as hipóteses. • A escolha da dieta básica (e de alimentos particulares) dá-se conforme o grau de instrução? — Averiguação das dietas básicas de grupos pesquisados da população total segundo estratos de escolaridade. • Quais os fatores (psíquicos, sociais) influenciadores do hábito de amamentar? — Pesquisa bibliográfica e entrevistas com grupos de estratos sociais de renda, educação, domicílio distintos; escolhas com base nas hipóteses. • Os exames vestibulares refletem o nível de iniciação à leitura dos candidatos? — Aferir a relação dos candidatos com a prática da leitura. • Na realização de atividades por indivíduos isolados ou por grupos coordenados, qual é modo mais eficiente ou produtivo de execução do trabalho? — Aferir e comparar os ciclos de atividades por modalidade. • Qual é o impacto das atividades humanas no assoreamento dos rios urbanos? — Mapear e mensurar os impactos da ocupação do território (atividades) na dinâmica hidrológica e no perfil hidrográfico da região estudada. Os problemas mencionados anteriormente são científicos, específicos, atendendo aos requisitos mencionados. Formulado o problema da pesquisa, a elaboração da hipótese é a tarefa que, em seguida, faz-se necessária. Já dissemos que “se trata daquilo que achamos”, nossa “solução precária” para o problema proposto; é o que já temos sobre o objeto da pesquisa, o outro lado do objetivo. 74 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II 5.1.8 A elaboração das hipóteses de pesquisa A hipótese é, então, uma resposta (provável) ao problema a ser investigado. Em algumas pesquisas, essa elaboração é dispensável, ao menos em termos da sua explicitação formal (quer dizer, da sua declaração). Isso ocorre principalmente nos casos de estudos exploratórios ou descritivos. De forma simplificada, podemos dizer que problemas, objetivos e hipóteses estão relacionados. Percebemos diferenças nos seguintes aspectos: • enquanto os problemas são sentenças interrogativas, os objetivos são incertos, as hipóteses são afirmativas; • as hipóteses são tão específicas quanto os objetivos e mais do que os problemas; • as hipóteses apresentam uma maior preocupação com a operação da pesquisa propriamente dita; assim, se o problema apresenta a questão da pesquisa, a hipótese deve deixar claro qual a forma a ser utilizada para resolver o problema foco de investigação. As hipóteses são consequências dos objetivos e dos problemas formulados. Elas funcionam como afirmações, procurando deixar evidente como serão respondidas algumas das questões pertinentes aos problemas. Isso ocorre porque, como as hipóteses são mais específicas, elas podem estar relacionadas a determinados aspectos do problema. Portanto, um mesmo problema pode gerar várias hipóteses, e a construção de uma determinada hipótese é escolha pessoal do pesquisador em relação a várias possibilidades. Vamos a alguns exemplos, tomados dos que já foram apresentados. • Exemplo 1: O tema é: a crise da hegemonia das áreas de denominação geográfica controlada, da vitivinicultura europeia. Problema formulado: é possível manter a qualidade original de vinhos de regiões especiais nos vinhos que mantenham a variedade de uvas em outras partes do mundo? Argumento: verificar se ótimas condições ambientais e culturais dos terroirs (clima, relevo, nutrientes no solo, saberes, tradições etc.) na vitivinicultura realmente são únicas, ou se as variedades de uvas viníferas podem ser cultivadas em quaisquer áreas cujas condições sejam aproximadas e artificialmenteproduzidas (varietais dos Estados Unidos, Chile e Nova Zelândia, por exemplo). Exemplo da champagne, que é o único vinho espumante que pode receber esse nome por ser da região de Champagne; sendo o vinho que passa por processos similares denominado simplesmente espumante. Projeto de média duração e interdisciplinar, de instrumental múltiplo para escapar das amarras tecnicistas. Pesquisa bibliográfica, videográfica (documentários e dramas) e cartográfica. 75 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa Podemos formular várias hipóteses tomando o problema “É possível manter a qualidade original de vinhos de regiões especiais nos vinhos que mantenham a variedade de uvas em outras partes do mundo?” como ponto de partida. Portanto, de um mesmo problema, podemos formular duas ou mais hipóteses diferentes. São várias as possibilidades. Numa delas, ambos os exemplares de vinhos devem ser comparados. A título de exemplo, vamos formular duas hipóteses: — Hipótese 1: um dos dois é melhor, a partir dos critérios convencionais empregados pela arbitragem, desmoralizando um dos argumentos do debate. — Hipótese 2: os dois são de alta qualidade, e caem por terra os mitos. Como é possível observar, as hipóteses são afirmações que se fazem na tentativa de obter respostas para a solução de um determinado problema. Seja lá qual for a hipótese escolhida, sua confirmação ou não auxilia na descoberta da resposta ao problema que formulamos. O pesquisador deve escolher aquela hipótese que mais o agrada e que lhe parece mais próxima de responder ao problema formulado. • Exemplo 2: O tema é: a distribuição espacial da renda nas regiões metropolitanas brasileiras e associação aos problemas socioambientais e de infraestrutura. Problema formulado: a distribuição territorial da renda é causa principal de processos sociais que afirmam ou negam a qualidade de vida da população? Argumento: verificar se a concentração de renda, além de estar associada ao acesso às melhores áreas das cidades (e do campo), também explica a distribuição dos benefícios e problemas ambientais. Para cada um dos fatores, podemos formular uma hipótese correspondente. — Hipótese 1: o poder aquisitivo; a renda determina o acesso às melhores áreas dos espaços urbanos e agrários. — Hipótese 2: a concentração de renda é acompanhada de mobilização e solução política (lobbies) dos problemas e atendimento de demandas. — Hipótese 3: as condições socioambientais em geral expressam o comportamento dos grupos com associação direta a esses espaços. As hipóteses anteriores são afirmações que fazemos na tentativa de obter respostas para a solução de um determinado problema, qual seja, o da descoberta dos fatores que estão relacionados ao crescimento da violência urbana. Seja lá qual for a hipótese escolhida, sua confirmação ou não nos permite descobrir se o fator selecionado pode ou não estar vinculado ao crescimento da violência. O pesquisador deve 76 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II escolher a hipótese de sua preferência e a que lhe parece mais próxima de responder ao problema formulado. 5.1.8.1 Papel das variáveis Como dissemos, na hipótese, estamos imaginando a existência de alguma relação entre coisas ou fatos. Por exemplo, vamos imaginar o seguinte problema de pesquisa: • Problema: a ocorrência de cáries está relacionada ao acompanhamento odontológico preventivo?. Estamos nos perguntando se o hábito de consultar com frequência o dentista pode estar relacionado à frequência com que surgem cáries. Para esse problema, podemos formular a seguinte hipótese: • Hipótese: a frequência com que surgem cáries está relacionada à frequência de acompanhamento odontológico preventivo. Nessa afirmação, estamos procurando investigar se “frequência de acompanhamento odontológico” e “frequência de ocorrência de cáries” estão relacionadas. Para efeito da nossa pesquisa, “frequência de acompanhamento odontológico” e “frequência de ocorrência de cáries” serão as nossas variáveis. São as coisas ou os fatos que procuraremos estudar. Quando o pesquisador elabora a hipótese de pesquisa, ele deve esclarecer exatamente o que significam as variáveis com as quais ele irá trabalhar. No exemplo anterior, acompanhamento odontológico pode ter significados diferentes para pessoas diferentes. Da mesma forma, pode haver diferentes maneiras de entender o que significa “ocorrência de cáries”. As variáveis (as coisas e os fatos sobre os quais iremos trabalhar) necessitam ser definidas, detalhadamente, pelo pesquisador. No exemplo, as nossas variáveis podem ser explicadas da seguinte maneira: — Frequência de acompanhamento odontológico preventivo: deve ser entendido como número de consultas preventivas (excluídos os tratamentos) a um profissional especializado em saúde dentária (dentista ou ortodontista), no período de um ano. — Frequência de ocorrência de cáries: deve ser entendida como o número de vezes, ao longo de um ano, correspondente ao surgimento de cáries. A partir da definição das nossas variáveis, deixamos claro o que iremos pesquisar. A partir da definição das nossas variáveis, qualquer pessoa pode compreender exatamente qual afirmação procuraremos confirmar ou negar. 77 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa Vamos retomar um exemplo anterior. • O problema formulado é: “será que a propaganda eleitoral influencia decisivamente o voto do eleitor?”. • Hipótese 1: no caso de eleitores indecisos, assistir ao programa eleitoral durante os três meses anteriores à eleição pode ajudá-los a definir a intenção de voto. As nossas variáveis são: • Variável 1: exposição ao programa eleitoral, que será entendida como o número de vezes que o eleitor assistiu/esteve exposto à propaganda partidária especialmente elaborada para o período de eleições, veiculada por meio da televisão. • Variável 2: intenção de voto, que será entendida como a declaração espontânea de qual será o voto quando da eleição. Fica claro também, na nossa formulação hipotética, que estaremos investigando essa possível relação dentre as pessoas declaradamente indecisas (quer dizer, que em um primeiro momento declararam não ter candidato definido). Também estamos esclarecendo que estudaremos a influência da propaganda eleitoral nos três meses anteriores ao pleito (período usual em que a propaganda eleitoral é veiculada). Vejamos mais um exemplo: • O problema formulado é: “quais os fatores que contribuem para o crescimento da violência urbana?”. • Hipótese 1: quanto maior o desemprego, maior será a violência urbana. As nossas variáveis são: • Desemprego, que será compreendido como a inexistência de vínculo empregatício formal do indivíduo durante um ano (quer dizer, iremos definir que o indivíduo será considerado desempregado se não tiver tido algum trabalho com “registro em carteira” no período de doze meses). • Violência urbana, que será entendida como o número de crimes (assaltos, roubos, assassinatos) na cidade durante o período de um ano. Definidas as variáveis, podemos mencionar que as estudaremos a partir de estatísticas fornecidas por determinadas entidades de pesquisa ligadas ao governo municipal. Nosso trabalho será o de analisar se existe uma associação entre desemprego e violência urbana, por meio da comparação dos números que tivermos disponíveis. 78 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II Exemplo de aplicação Retome outros exemplos de problemasmencionados anteriormente. Para cada um deles, formule uma hipótese e defina as variáveis de forma que seja possível confirmar ou não a hipótese formulada. Que fatores determinam o aumento ou diminuição dos níveis de poupança de famílias de classe média? O grau de instrução determina a escolha de determinado tipo de alimento? A condição social dos alunos está relacionada aos resultados de exames vestibulares? A realização, em grupo, de determinada tarefa pode estar relacionada com a diminuição do tempo de execução e finalização da tarefa? Exercício de aplicação Oferecemos mais uma oportunidade de colocar em prática aquilo que estamos tratando. Veja o roteiro da atividade proposta: 1. A partir da bibliografia recomendada (a seguir), apresente a definição de “problema de pesquisa” (também denominada problemática e questão de pesquisa), destacando sua importância no conjunto do projeto. 2. Diferencie um problema científico de um não científico. 3. Formule um problema científico seguindo as sugestões (“dicas” dos autores recomendados) e as regras (condições estritas). 4. Responda às questões correlatas àquelas da problematização do tema, tais como: qual é a relação entre a problematização e os instrumentos e técnicas de pesquisa? Qual é a relação entre problemática e resultados da pesquisa? Observações: o exercício deve ter redação direta, contemplando justificativas, devendo ser apresentado nas condições mínimas estabelecidas para trabalhos acadêmicos, no que diz respeito à indicação de fontes e referências, começando a empregar ao menos as normas mais elementares, isto é: ABNT NBR 6023:2002 – Informação e documentação – Referências – Elaboração (original); ABNT NBR 10520:2002 – Informação e documentação – Citações em documentos – Apresentação (original). 79 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa saiba mais Bibliografia para o exemplo de aplicação: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR-10520: informação e documentação – Citações em documentos – Apresentação. Rio de Janeiro, 2002a. ___. NBR-6023: informação e documentação – Referências – Elaboração. Rio de Janeiro, 2002b. Ou: GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002. HEGENBERG, L. et al. (Org.). Métodos de pesquisa: de Sócrates a Marx e Popper. São Paulo: Atlas, 2012. MEDEIROS, J. B. Redação científica: a prática de fichamentos, resumos e seminários. São Paulo: Atlas, 2013. SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2000. p. 63-71. 5.1.9 Quando pesquisar? Tempo coberto pelo projeto Toda pesquisa tem um início, um meio e um fim. Não falamos somente em termos de conteúdo, mas também de tempo de execução. Quando a pesquisa começa, em quanto tempo se desenvolve e quando será finalizada? Tratamos, portanto, de um calendário, de um cronograma. saiba mais Convidamos você a ler o artigo “Origem e Evolução do Nosso Calendário”, escrito por Manuel Nunes Marques. Está disponível em: <http://www.mat. uc.pt/~helios/Mestre/H01orige.htm>. Acesso em: 22 maio 2014. Temos certeza de que apreciará a leitura. 80 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II Figura 18 – O calendário O cronograma deve obedecer a um calendário predeterminado pelo agente pesquisador e descrever o tempo necessário para a realização de cada uma das partes propostas no projeto. Conforme Salomon (2000, p. 223), “um projeto que não se reduz a mero ’projeto de intenções‘, uma vez que tem de ser tecnicamente redigido, não pode deixar de conter cronograma e orçamento”. No cronograma estão representados os elementos constitutivos do processo de pesquisa, tomando como referenciais o tempo e a natureza das atividades. Além disso, ainda para Salomon (2000, p. 223-4): a concepção do cronograma é dinâmica e flexível e pode ser mostrada: a) definindo-se a priori que início, duração, término de uma fase ou de uma atividade não hão de ser entendidos rigidamente e de maneira estanque; b) nem sempre o término de uma fase é condição necessária para o início de outra subsequente; há possibilidade de imbricação de fases e [de] projeção de uma fase iniciar-se concomitantemente com outra. As etapas podem ser coincidentes, mas não excludentes. Por exemplo, é possível fichar um texto e levantar dados secundários no mesmo mês, mas não é possível fazer uma análise comparativa das entrevistas sem tê-las terminado. Salomon (2000, p. 223) ensina que: A forma mais racional de se fazer um cronograma é assumir o modelo cartesiano de cruzamento de coordenadas ou da tabela cruzada, em que as colunas mostram os períodos e momentos do tempo reservado a cada fase da pesquisa, e as fileiras delineiam as fases e tarefas a cumprir. Lá vai um exemplo: 81 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa Quadro 4 – Exemplo de cronograma Etapas Jan Fev Mar Abr Mai Jun Leitura e fichamento Levantamento de dados em campo Entrevista com operários Entrevista com dirigentes Análise comparativa Redação do texto saiba mais Consulte o livro de Délcio Vieira Salomon, Como fazer uma monografia (São Paulo: Martins Fontes, 2000). O Capítulo 8 apresenta outro bom exemplo de como se elaborar um cronograma. 5.1.10 A pesquisa socioambiental: das ciências básicas às aplicadas O adjetivo socioambiental supõe a junção dos reinos físico, orgânico e cultural, articulando as ciências parcelares (disciplinas) em suas interfaces (intersecções), de modo que diminua as reduções e o esfacelamento da realidade. Qualquer que seja a pesquisa, sempre terá por objeto eventos sociais (relações sociais e culturais) e ambientais (trocas de matéria e energia); portanto, dirigindo-se à junção socioambiental, sejam acontecimentos empíricos (ciências sociais aplicadas, como a sociologia e a geografia), seja nos imaginados (como a geometria e a física teórica), nas ciências básicas ou nas aplicadas. Anteriormente, tratamos da importância do trabalho científico na aquisição de conhecimento e na ampliação da nossa compreensão do mundo, focando nos objetos de uso cotidiano, passando agora àqueles mais complexos, infelizmente, restritos aos especialistas. Como vimos, a pesquisa é o conjunto de atividades que tem por objetivo estudar e investigar determinado fenômeno selecionado. Isso quer dizer que, escolhidos certo tema ou certa área do nosso interesse, a todas as atividades que desenvolveremos para atingir esse objetivo (aumentar o conhecimento sobre o assunto) chamamos de pesquisa. Costumamos dizer que a pesquisa é um processo, porque envolve trabalhos desenvolvidos durante um determinado período de tempo e que, normalmente, cruzam-se e têm uma relação de interdependência. 82 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II A pesquisa científica tem características bastante definidas: • a pesquisa é um processo formal: segue regulamentos e normas claras e explícitas; • a pesquisa é um processo sistemático: é realizada de forma ordenada, com uma intenção declarada; • a pesquisa é um processo que se utiliza de metodologia específica: serve-se de procedimentos e estratégias cientificamente aprovadas. Podemos então definir pesquisa como o processo formal e sistemático que, por meio da utilização da metodologia científica, permite que ampliemos os nossos conhecimentos. A partir daí, como entendermos a pesquisa social avançada e suas ligações capilares com a pesquisa ambiental? Toda pesquisa é, a um só tempo, social eambiental, posto que é dedicada ao estudo da realidade social que se entrelaça com a ambiental (biomas e ecossistemas), realidade essa que envolve inúmeros aspectos referentes ao homem em seus relacionamentos com outros homens, com a variedade ambiental (conjunto de formas orgânicas e inorgânicas) e as instituições. Quer dizer que é o tipo de pesquisa que encontramos nas mais variadas ciências (geografia, ecologia, sociologia, antropologia, ciência política, educação, psicologia etc.). Dentre os vários temas aos quais se dedica a pesquisa socioambiental, podemos ressaltar alguns: • produção do espaço geográfico e degradação ambiental; • diagnóstico e prognóstico socioambiental; • planejamento territorial, ambiental, econômico; • estudos de políticas públicas; • personalidade humana; • família, • grupos sociais; • comportamento individual e coletivo; • mudanças sociais; • problemas sociais; • comportamento político; • organização social. 83 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa Pelas suas características e temáticas particulares, as Ciências Sociais não desfrutam do mesmo prestígio que outras áreas das ciências, porém tem havido mudanças positivas com o esclarecimento sobre as interfaces e a maior aceitação das diversas disciplinas, antes descartadas. Algumas das razões desse descarte costumam ser: • a realidade social não segue o mesmo padrão do universo físico, sendo impossível determinar a causalidade (tal fator causar tal fenômeno) e a previsibilidade (se tal fator ocorrer, termos uma chance de tantos por cento de certo fenômeno ocorrer) dos objetos estudados; • é extremamente difícil quantificarmos os fenômenos sociais estudados; • os pesquisadores sociais lidam com temas com os quais podem estar psicologicamente envolvidos, o que dificulta a objetividade nesse tipo de trabalho; • geralmente, os fenômenos sociais envolvem tantos aspectos que se torna quase impossível defini-los e controlá-los. A defesa mais fácil seria mostrarmos que os problemas anteriormente mencionados também ocorrem em diversas pesquisas das ciências naturais. No entanto, a melhor resposta para essas críticas é a demonstração das inúmeras possibilidades de executarmos pesquisa científica com o objetivo de estudarmos fenômenos sociais. Exemplo de aplicação Folheando o jornal diário, podemos listar uma série de assuntos e temas de nosso interesse. Dentre esses assuntos, podemos selecionar alguns que poderiam ser objeto de estudo de pesquisas socioambientais. Faça a leitura de algum jornal. Depois: • faça uma lista dos temas de interesse; • selecione aqueles que podem ser identificados como temas de interesse da pesquisa socioambiental; • faça um pequeno esboço das justificativas para uma pesquisa acerca do tema selecionado. 6 o projeto de pesquisa O ciclo da pesquisa constitui-se no caminho de busca calcada no projeto que descreve detalhadamente seus atributos (assunto, objeto de interesse, justificativas da escolha e motivações do sujeito, além das referências e dos recursos previstos) e no relatório monográfico, produzido em seu amadurecimento com a finalidade de expor os resultados da pesquisa em fóruns adequados. O trabalho de pesquisa pressupõe um objeto de estudo definido. Quer dizer, se vamos pesquisar, temos de definir de maneira bastante precisa o que pretendemos investigar e aonde queremos chegar; esse é o papel do projeto, organizar a ação que segue pistas e persegue um ou mais alvos. 84 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Unidade II Vamos estudar as formas mais adequadas para delimitar problemas, elaborar as hipóteses de trabalho e definir as condições variáveis que afetam o tema e, portanto, a pesquisa, que deve ser prioritariamente voltada para os interesses coletivos; em qualquer que seja a área, pois o fundamental é melhorar a vida das pessoas, não de algumas, mas de todas as pessoas. Esses procedimentos são fundamentais. Sem eles, saímos para pesquisar sem objetivo definido. Sem essa clareza, pesquisamos sem rumo. Se não estabelecemos metas, perdemo-nos em um amontoado de papéis e ideias, impossibilitados de investigar qualquer questão e sem ampliarmos o nosso conhecimento sobre o mundo que nos cerca. Essa é a diferença entre estudar temas sem comprometimento (o que até pode ser o início de uma grande pesquisa) e a pesquisa científica. O projeto de pesquisa tem uma sequência padronizada que, entretanto, não deve ser absolutamente rígida, mas aberta às transformações da realidade, às alterações das condições dadas no momento da formulação da pesquisa. Seguem duas sugestões de formatos, um de Geraldo Inácio Filho, outro de Antônio Carlos Gil. Quadro 5 – Sequência dos momentos do projeto Projeto de pesquisa Título 1. Tema 2. Tipo de pesquisa 3. Justificativa 4. Objetivos 5. Fundamentação teórica 6. Metodologia de execução do projeto 7. Cronograma 8. Previsão de recursos humanos 9. Previsão de recursos materiais Referências bibliográficas Fonte: Inácio Filho (1995). Muito próxima da sequência anterior, de Geraldo Inácio Filho, é a de Antônio Carlos Gil, que apresenta o seguinte processo de pesquisa, em seu livro sobre elaboração de projetos: 85 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 8/ 06 /2 01 4 Métodos de Pesquisa Formulação do problema Elaboração dos instrumentos de coleta de dados Construção de hipóteses Pré-teste dos instrumentos Análise e interpretação dos dados Determinação do plano Seleção da amostra Redação do relatório da pesquisa Operacionalização das variáveis Coleta de dados Figura 19 – Diagrama da pesquisa segundo Antônio Carlos Gil O diagrama ou esquema anterior é muito próximo de nossa linha de raciocínio, começando pela construção das questões que motivam e justificam nova pesquisa sobre um assunto qualquer, “encerrando-se” com a redação final da monografia. A sequência dos quadrinhos não deve ser tomada de modo rígido, pois a redação não começa no final, nem a gama de instrumentos surge depois de todo o campo da pesquisa ser demarcado (identificação de variáveis ou aspectos do tema), o que seria o correto, pois não são neutros aos nossos olhos; temos preferências que, embora devam ser domesticadas, estão presentes. Enfim, o que determinamos como a linha mais correta de raciocínio é mais um modelo de planejamento e de trabalho acadêmico do que fundação de concepção de plano linear inflexível. As perguntas da pesquisa levam à estrutura do projeto (são, portanto, estruturadoras) e, assim, o que pesquisar leva da temática (a área que se quer pesquisar, de modo bem geral) ao tema (dentre os assuntos da temática), em sua extensão ou seu recorte disciplinar dos horizontes da pesquisa. A indagação ou o porquê de se pesquisar geram as justificativas; o para quê, os objetivos; o como ou modo, a metodologia; e o quando, o cronograma. Seguem comentários sobre as fases, ou melhor, os momentos do projeto de pesquisa, juntando aquilo que os dois esquemas apresentados têm de melhor, a nosso ver. • Título: é a denominação do trabalho e uma forma de se apropriar dele; algo como um “batismo” da relação que se estabelece; em nossa cultura, tudo o que é personalizado e deve ser mostrado, partilhado, tem nome. Importante: é flexível e pode mudar durante a pesquisa, até mesmo contando a história das mudanças das ideias iniciais que culminarão no relatório monográfico. A maior regra é manter-se coerente com o produto final. • Tema: é aquilo que nos interessou ou foi imposto como de nosso interesse; todo tema
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