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RESUMO DO LIVRO “FILOSOFIA DO DIREITO” DE ALYSSON MASCARO 2ª FASE TJ/SP FILOSOFIA DO DIREITO – ALYSSON MASCARO1 Sumário FILOSOFIA GRECO-ROMANA. SÓCRATES. ..................................................................................... 4 Sócrates. .................................................................................................................................... 4 FILOSOFIA GRECO-ROMANA. PLATÃO. ..................................................................................... 5 FILOSOFIA GRECO-ROMANA. ARISTÓTELES. ............................................................................. 7 FILOSOFIA MEDIEVAL. ................................................................................................................... 9 Santo Agostinho. ..................................................................................................................... 10 São Tomás de Aquino. ............................................................................................................. 11 FILOSOFIA MODERNA.................................................................................................................. 12 Contextualização ..................................................................................................................... 12 Thomas Hobbes. ...................................................................................................................... 17 John Locke. .............................................................................................................................. 18 Jean-Jacques Rousseau. .......................................................................................................... 19 KANT ........................................................................................................................................ 20 JEREMY BENTHAM .................................................................................................................. 28 Hegel ....................................................................................................................................... 30 Karl Marx ................................................................................................................................. 36 A Filosofia do Direito de Marx (1818 — 1883) – Sobre Marx ..................................................... 36 FILOSOFIA DO DIREITO CONTEMPORÂNEA ................................................................................ 43 Filosofia do direito Juspositivista ............................................................................................ 46 Miguel Reale (1910-2005) ................................................................................................... 46 Kelsen (1881-1973) ............................................................................................................. 49 HABERMAS .......................................................................................................................... 54 Filosofia do Direito não positivista .......................................................................................... 55 Heidegger ............................................................................................................................ 55 Gadamer .............................................................................................................................. 60 Schimitt ............................................................................................................................... 65 Filosofia do Direito Crítica ....................................................................................................... 70 Gramsci (1891 a 1937) ........................................................................................................ 70 Escola de Frankfurt .............................................................................................................. 73 1 Organizado por Bibiana Veríssimo Bernardes Lukács (1885 – 1971) ........................................................................................................... 77 BLOCH (1885-1977) ............................................................................................................. 80 FILOSOFIA GRECO-ROMANA. SÓCRATES2. Introdução. Nascido em Atenas, Sócrates é tradicionalmente considerado um marco divisório na história da filosofia grega. Por isso os filósofos que o antecederam são chamados de pré-socráticos e os que o sucederam, de pós-socráticos. Sócrates, no entanto, não deixou nada escrito. O que dele e de seu pensamento se sabe vem de textos de seus discípulos e de seus adversários. Período pré-socrático. O período pré- socrático foi dominado, em grande parte, pela investigação da natureza (cosmologia). Nessa especulação inicial, muito ligada à physis, à natureza, buscava- se entender a relação do homem com os deuses, o funcionamento do mundo, o ciclo da vida etc. Os gregos, porém, não se limitavam ao pensamento da natureza. Ocupavam-se de questões sociais. O homem não é considerado como algo diferente do mundo. Ele está mergulhado indissociavelmente no mundo. Assim, a cosmologia não é uma reflexão somente da natureza física, mas também é uma preocupação sobre os arranjos e princípios políticos e sociais dos homens. Sofistas. Seguiu-se a esse período uma nova fase filosófica, caracterizada pelo interesse no próprio homem e nas relações do homem com a sociedade. Essa nova fase foi marcada pelos sofistas, que etimologicamente significa “sábio”. Entretanto, com o decorrer do tempo, 2 Por Henrique... ganhou sentido de “impostor”, devido, sobretudo, às críticas de Platão. As lições dos sofistas tinham como objetivo o desenvolvimento do poder de argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento de doutrinas divergentes etc. Eles transmitiam, enfim, todo um jogo de palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado na arte de convencer as pessoas, driblando as teses dos adversários. Todas essas características dos ensinamentos sofistas favoreceram o surgimento de concepções filosóficas relativistas sobre as coisas. Para os sofistas, as opiniões humanas são infindáveis, diversas e não podem ser reduzidas a uma única verdade. Não existem valores ou verdades absolutas. Sócrates se recusa a considerar os sofistas filósofos, justamente pelo desamor destes aos conceitos e ideias, na medida em que possibilitavam a venda das próprias ideias. Tal moralidade socrática, que considera a filosofia como o amor ao saber, e, portanto, orienta a busca filosófica das argumentações, sempre foi muito apreciada pela filosofia medieval e moderna. Sócrates. (469-399 aC) Desenvolvia o saber filosófico em praças públicas, conversando com as pessoas. Contrariamente aos sofistas, ele se opunha ao relativismo em relação à questão da moralidade e ao uso da retórica para atingir interesses particulares. O essencial, para Sócrates, é a sede de razão, a busca pela consciência intelectual e consciência moral. É isso que distingue o ser humano dos outros seres da natureza. “Conheça-te a ti mesmo” era a recomendação básica de Sócrates. Sua filosofia era desenvolvida mediantediálogos críticos em seus interlocutores. Esses diálogos podem ser divididos em dois momentos: ironia e maiêutica. #CAISEMPRE A ironia, no grego, quer dizer interrogação. Sócrates questionava as pessoas sobre o que elas pensavam saber. No decorrer do diálogo, atacava a resposta de seus interlocutores. O objetivo era demolir o orgulho, a arrogância e a presunção de saber. A virtude era a consciência da ignorância. “Sei que nada sei”. Libertos do orgulho, era possível iniciar o caminho da reconstrução das ideias. Sócrates transportava para o campo da filosofia o exemplo de sua mãe, Fenareta, que, sendo parteira, ajudava a trazer crianças ao mundo. Por isso, essa face do diálogo socrático, destinado à concepção de ideias, era chamada de maiêutica, termo grego que significa “arte de trazer à luz”. ATENÇÃO. O ato do jurista muito se assemelha ao sistema dialético socrático, pois exorta-se o diálogo, normalmente num caso concreto; indaga-se sobre os institutos e a sua aplicação; por fim, o juízo final é apresentado, nascendo uma ideia jurídica. A mais importante fonte a respeito do pensamento de Sócrates sobre o direito e o justo está em Platão. São quatro os mais importantes textos platônicos ligados a esse assunto: Eutífron, Apologia de Sócrates, Críton e Fédon. Nos três primeiros, Sócrates dá a ideia de respeito às instituições jurídicas e à pólis. No último, Sócrates reflete sobre a morte e a alma. De acordo com os textos, o fato de Sócrates não ter fugido não quer representar uma admiração aos mecanismos de aplicação imediata das normas jurídicas. Pelo contrário, Sócrates declara a injustiça da pena que contra ele se impõe. Contra a ausência de rigidez moral e de alcance da verdade dos cidadãos ateniense é que ele se opõe, e sua submissão à sentença é, na verdade uma ação política de abalo e incômodo. Morte. Sócrates desenvolveu uma bela filosofia da ética. No entanto, os gregos não tinham esta ética. Sócrates foi acusado e condenado à morte. Síntese. Pré-socráticos; natureza; sofistas; relativismo; Sócrates; homem; sociedade; razão; consciência intelectual; consciência moral; diálogo; ironia; maiêutica; pós- socráticos. FILOSOFIA GRECO-ROMANA. PLATÃO. 428 – 348 a.C. Introdução. Nascido em Atenas, Platão foi discípulo de Sócrates. A maior parte do pensamento platônico foi transmitida por meio da fala de Sócrates, nos diálogos socráticos, escritos por ele mesmo, Platão. Um dos aspectos mais importantes da filosofia de Platão é a sua teoria das ideias, que tenta explicar como se desenvolve o conhecimento humano. Segundo ele, o processo de conhecimento se desenvolve por meio da passagem progressiva do mundo das sombras e aparências para o mundo das ideias e essências. #TEMQUESABER Método dialético. A primeira etapa do processo de conhecimento é dominada pelas impressões ou sensações advindas dos sentidos. Isso gera a opinião. A opinião representa o saber que temos sem tê-lo procurado metodicamente. O conhecimento, entretanto, para ser autêntico, deve ultrapassar a esfera das impressões sensoriais e penetrar na esfera racional da sabedoria, o mundo das ideias. O método proposto por Platão para atingir o conhecimento autêntico (epistéme) é a dialética. Somente no mundo das ideias é que moram os seres totais e perfeitos: justiça, a bondade, a coragem, a sabedoria etc. Fora do mundo das ideias, tudo o que captamos por meio de nossos sentidos possui apenas uma parte do ser ideal. O mundo sensível, portanto, é um mundo de seres incompletos e imperfeitos. Reis-filósofos. Para Platão, somente os filósofos, eternos amantes da verdade, teriam condições de libertar-se da caverna das ilusões e atingir o mundo luminoso da realidade e sabedoria. Por isso, no seu livro, A república, imaginou uma sociedade ideal, governada por reis- filósofos. Seriam pessoas capazes de atingir o mais alto conhecimento do mundo das ideias, que consiste na ideia do bem. Tal ideia limita a liberdade, é autoritária, pois cria a figura do soberano, clarividente, que direciona a atividade dos demais. É inviável numa sociedade populosa e plural. Mito da caverna. Platão criou uma alegoria, conhecida como mito da caverna, que serve para explicar a evolução do processo de conhecimento. A maioria dos seres humanos se encontra prisioneira dentro duma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosa e de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna, o prisioneiro contempla na parede a projeção dos seres que compõem a realidade. Acostumado a ver somente essas projeções, assume a ilusão do que vê como se fosse a verdadeira realidade. Se escapar da caverna e alcançar o mundo luminoso da realidade, fica livre da ilusão. Ao chegar ao exterior, cega-se, num primeiro momento, com a luz solar que brilhava. Mas, após se acostumar a enxergar sob a claridade da luz, passa a compreender que as sombras que via projetadas na caverna, na verdade, eram imagens distorcidas. A verdade não estava naquilo que suas percepções corrompidas viam a partir das sombras. A luminosidade do ser só brilhou quando da libertação das imagens e dos conceitos imperfeitos. Prisão. Platão desenvolveu uma bela filosofia da ética. No entanto, os gregos não tinham esta ética. Platão foi acusado e preso. Síntese. Platão; diálogos socráticos; teoria das ideias; mundo das sombras; mundo das ideias; dialética; opinião; conhecimento; reis-filósofos. FILOSOFIA GRECO-ROMANA. ARISTÓTELES. 384-322 a.C. Introdução. Aristóteles representa o apogeu do pensamento filosófico grego, e o mesmo se pode dizer para a filosofia do direito. Após a sua morte, durante toda a Antiguidade e a Idade Média, suas reflexões foram tidas como o mais alto patamar de ideias sobre o direito e o justo já construídas. Justiça universal e particular. A justiça universal é a manifestação geral de uma virtude. É possível que uma lei se aproprie dessa virtude. A lei produzida na pólis a partir de um princípio ético é diretamente relacionada ao justo, mas não por conta de sua forma, mas sim em razão de seu conteúdo. Para Aristóteles, uma má lei não é lei. Sendo a lei somente a lei justa, a justiça tomada no seu sentido universal não deixa de ser, também, o cumprimento da lei. No entanto, estudar o que vem a ser justiça em si é tomá-la então no seu sentido particular. Aristóteles considera a justiça a ação de dar a cada um o que é seu, sendo essa a regra de ouro sobre o justo. No livro Ética a Nicômaco, Aristóteles chama a atenção para duas grandes manifestações da justiça particular: a justiça distributiva e a justiça corretiva, que se subdivide em voluntária e involuntária. A justiça distributiva trata da distribuição de riquezas, benefícios e honrarias. O critério fundamental para tal distribuição justa é o mérito. A justiça distributiva utiliza como parâmetro o dar a cada um de acordo com o seu mérito, ainda que Aristóteles reconheça que o critério do mérito possa ser variável. Ex.: Um professor, quando aplica uma prova a uma turma de alunos, será considerado justo em sua correção quando distribuir notas de acordo com uma proporção, tendo por vista o mérito. De uma prova com cinco questões valendo cada qualdois pontos, o aluno que acerta quatro questões merece a nota oito. O aluno que acerta duas questões merece a nota quatro. Qualquer outra nota diferente dessa para cada um desses alunos rompe com a proporção entre seus méritos e suas notas, e, portanto, a distribuição meritória de notas demonstra a justiça do professor. A justiça corretiva, por sua vez, é bem menos complexa que a distributiva. A justiça é tratada como uma reparação do quinhão que foi, voluntária ou involuntariamente, subtraído de alguém por outrem. Por isso as questões de ordem penal são tratadas como justiça corretiva, na medida daquilo que representou a perda e o ganho. No caso penal, mais do que a pena, a justiça corretiva trata da reparação civil dos danos causados pelo crime. Também no caso das transações entre sujeitos privados a justiça corretiva se apresenta. Os contratos, a troca, a compra-e-venda, e mesmo a responsabilidade civil, podem ser pensados a partir da justiça corretiva. À perda de alguém corresponde uma correção equivalente. Aristóteles, no entanto, chama a atenção para uma outra forma de justiça, que ele não enquadra nem na justiça distributiva nem na corretiva, e que denomina reciprocidade. A sua aplicação mais importante se dá no caso da produção. As trocas entre um sapateiro, um pedreiro, um médico e um fazendeiro, para serem consideradas justas, devem alcançar uma certa reciprocidade. Não se pode imaginar que a produção de um sapato valha o mesmo que a construção de uma casa, ou que a colheita de um quilo de determinada planta equivalha a uma certa cirurgia. Aristóteles, para isso, aponta que o dinheiro faz o papel de uma equivalência universal entre produtos e serviços. Ele possibilita a reciprocidade entre tais elementos. No entanto, a justiça, enquanto proporção, somente se dá entre os semelhantes. Aristóteles, com isso, afasta os escravos, os filhos, as mulheres etc. do âmbito de aplicação do justo. A justiça se mede, para Aristóteles, entre os cidadãos da pólis. Tal posição é altamente conservadora. Mas, afastando-se a aplicação que fazia ao seu tempo, a ideia aristotélica revela, por via reversa, um grande potencial crítico. Entre os desiguais, a justiça não é meramente matemática. Não se pode auferir por mérito. Assim sendo, Aristóteles dá margem a construir uma outra manifestação de justiça, ativa e transformadora, que limite os excessos e que abrande as carências, a fim de que, posteriormente, em uma situação mínima de igualdade, se faça valer uma régua de justiça de tipo matemático. Equidade. Para Aristóteles, acima da justiça da lei, há a justiça do caso, do bom julgamento de cada caso concreto, e a essa adaptação do geral ao específico dá ele o nome de equidade. O pensamento jurídico moderno e contemporâneo constitui-se num modelo exacerbado de juspositivismo. A lei posta pelo Estado deve ser obedecida, sem grandes discussões. Para Aristóteles, o sentido da lei é outro. Na estrutura política dos gregos, e em especial dos atenienses, a lei era a manifestação básica da unificação da vontade dos cidadãos, que, ao tempo da democracia, deliberavam coletivamente, e de maneira direta, em razão de suas intenções concretas. Por isso, para Aristóteles, a lei é boa. Segui-la é fazer concretizar o interesse de todos, da pólis. Desrespeitá-la é fazer com que o interesse particular desarranje a organização Justiça em Aristóteles Distributiva Corretiva Reciprocidade política. Aristóteles reconhece que, no sentido geral, a lei é justa. No entanto, há uma manifestação de justiça ainda mais alta que a lei, a própria equidade. Dirá Aristóteles que a equidade, sendo justa, não é distinta da própria lei, sendo esta justa também. Não perfazem duas espécies de justiça opostas, mas, pelo contrário, são complementares. O equitativo é justo não como negação da justiça da lei, mas sim como corretivo da justiça legal. Sendo a lei uma previsão ampla, que alcança uma série de fatos e hipóteses, a lei só pode tratar desses casos num nível amplo. Nessa casuística, que em geral não consegue se previamente regulada, dada a generalidade da lei, a equidade faz um papel de corrigir omissões, estendendo o justo até as minúcias. Aristóteles compara o ofício do juiz, na equidade, àquele de quem julga conforme a Régua de Lesbos. Nessa ilha do mundo grego, os construtores se valiam de uma régua flexível, que se adaptava à forma das pedras, sem ser rígida. Também a equidade demanda do jurista uma flexibilidade. Não pode ser o homem justo um mero cumpridor cego das normas, sem atentar para as especificidades de cada caso concreto. Na filosofia do direito de Aristóteles, o juiz revela-se um humilde artesão, que abandona a universalidade objetiva e fria, e trata do caso concreto, reconhecendo o justo com humildade. Prudência. Para Aristóteles, a justiça se manifesta e se completa com prudência. A prudência é uma virtude prática. Não se trata do cumprimento do dever pelo próprio dever, como será o caso, na modernidade, com Kant, para quem o imperativo do dever se apresenta como categórico, sem possibilidade para flexibilização. Exílio. Aristóteles desenvolveu uma bela filosofia da ética. No entanto, os gregos não tinham esta ética. Aristóteles foi acusado e exilado. A maior filosofia ética feita naquele tempo o povo não aceitava. Há certo descolamento da realidade histórica e o pensamento daquilo que é a ética na realidade histórica. #ALYSSONAMAARISTÓTELES FILOSOFIA MEDIEVAL. Introdução. Em meio ao esfacelamento do Império Romano, decorrente, em grande parte, das invasões germânicas, a Igreja católica conseguiu manter-se como instituição social. Surgiram diversos pensadores que, com apoio na filosofia grega, difundiam o pensamento cristão. Não se trata, porém, de um diálogo, mas sim de uma subordinação da filosofia à religião. O cristianismo se constitui, a princípio, não como um pensamento filosófico, mas como uma visão de mundo, que pode encontrar na filosofia um apoio. Nota-se uma diferença fundamental entre o cristianismo e a filosofia grega: para esta, a verdade deve ser buscada livremente. O amor ao saber leva o filósofo a especular sobre tudo, podendo refletir a partir de qualquer ângulo sobre qualquer questão. Já para o cristianismo há uma verdade revelada, oriunda de Deus e de seus enviados, sendo Jesus Cristo o enviado maior. Ela não comporta crítica nem indagação. O Deus aristotélico é perfeito, estável e não interfere no mundo. O Deus judaico-cristão, também reputado perfeito, é construído, no entanto, a partir de atributos humanos: interfere na realidade do mundo, julga, persegue, faz alianças, salva e condena. Paulo de Tarso. De modo indireto, Paulo de Tarso, São Paulo, será o primeiro responsável por toda a filosofia cristã do final da Idade Antiga e de toda a Idade Média. Sua mais importante afirmação sobre o poder se encontra na Epístola aos romanos. Nela, Paulo reconhece a justiça a partir de uma visão distinta daquela da filosofia grega. O homem justo não é o que age com justiça, e sim aquele que está sob a graça de Deus. Paulo de Tarso, assim sendo, instaura, para o cristianismo, a noção da submissão à autoridade, o que ocasionará, para o direito medieval, um efeito altamente conservador.Não se trata mais de discutir o bom governo, a justa ação do soberano, aquilo que é melhor ou pior para a sociedade. Ao contrário de Aristóteles, para quem o bom regime de governo é aquele que faz o bem a todos, para Paulo de Tarso não há que se pensar em um agir político buscando o justo. A submissão aos poderosos, escolhidos por Deus, é o sinal dessa nova justiça. Santo Agostinho. (354-430) Na sua principal obra, A cidade de Deus, Agostinho estabelece uma distinção entre a cidade humana, eivada dos vícios, instabilidades e injustiças próprios dos homens, que são pecadores a partir do pecado original de Adão e Eva, e a cidade de Deus, que se estabelece na vida pós- morte, junto aos santos e salvos. Por conta dessa distinção, na Terra, sua ordem, seus arranjos sociais, sua lei e seus julgamentos são injustos, na medida da falibilidade e do pecado dos homens. Em Deus reside a justiça. A chave para o justo passa a ser, então, a fé, a justiça não dos atos, mas do íntimo do crente. Direito natural. Inaugura-se, com Agostinho, uma outra visão daquilo que se possa chamar por direito natural. Para os gregos, o direito natural era a busca da natureza das coisas, flexível, histórica, social, de cada caso. Para a tradição medieval, o direito natural – se é que assim se pode chama-lo na visão agostiniana – é um rol de regras inflexíveis, não naturais no sentido de que não se veem na natureza nem na sociedade, mas que são oriundas do desígnio divino Poder e obediência. Sendo a justiça uma expressão divina e os homens pecadores, as ações do homem, na Terra, são injustas. O mesmo se pode então pensar sobre as leis humanas. Por extensão, os poderes humanos são defeituosos. Isso levaria a uma insubordinação à ordem terrena, mas será justamente o contrário que proporá Agostinho. Assim sendo, a escravidão e a servidão, na prática imediata, encontram- se respaldadas e legitimadas por Agostinho. Pela vontade de Deus, os homens têm certa posição na sociedade, e os mais altos devem mandar, e os subordinados devem se submeter. São Tomás de Aquino. (1225-1274) Para Alysson Mascaro, Tomás de Aquino foi o encarregado de aristotelizar o cristianismo. Se para Agostinho a razão era um substrato menor no concerto da salvação, sempre ofuscado pela fé e pela graça, para Tomás de Aquino os atos e a razão passam a ter um papel relevante. Agostinho não deixava margem à ação política e social dos homens. Para ele, o homem, pecador por natureza, estava eivado de um vício mortal. Tomás de Aquino, reabilitando os atos, considera o pecado original não uma condenação, mas sim uma doença, da qual se pode conseguir cura. Os homens podem, ainda que decaídos pelo pecado original, se soerguer tanto pela graça quanto pelos atos bons e justos. Assim sendo, Tomás de Aquino, embora não retorne plenamente à filosofia das virtudes do mundo antigo, atenua o afastamento teológico em relação às ações do homem na sociedade. O tratado das leis. Sem abandonar a graça e a fé, Tomás insiste no fato de que há possibilidade de o homem descobrir, na natureza, atos, comportamentos e medidas justos. Tais apreciações da natureza são mensuráveis pelo homem, mas se devem indiretamente a Deus. Assim, além dos mandamentos divinos obtidos por meio da revelação e da fé, há um espaço para leis naturais, que são divinas porque a natureza é criação de Deus, mas são passíveis do conhecimento humano. Tomás de Aquino distingue os seguintes tipos de lei, que dirigem a comunidade ao bem comum: a) lei eterna. É a expressão da razão divina, que governa todo o universo, de ninguém conhecida inteiramente em si, mas da qual o homem pode obter conhecimento parcial através de suas manifestações; b) lei divina. É a verdade revelada, ou seja, expressão da lei eterna; c) lei natural. Pode ser conhecida pelo homem por meio da razão; d) lei escrita. É a lei humana que determina o justo com base na lei natural e dirigida à utilidade comum. O tratado da justiça. Ao lado das leis, há a questão da justiça. Tomás de Aquino segue, em linhas gerais, a esse respeito, o De acordo com Alysson Mascaro, nessa época, todo o poder nasce de Deus. Deus faz um contrato com os monarcas e com a Igreja. Trata-se de um contrato de procuração ou mandato, sem reserva de poderes, pelo qual Deus delega poderes ao monarca e à Igreja. O contrato de procuração foi criado para justificar os poderes absolutistas. Sendo assim, o absolutismo só se sustenta em sociedades cujos súditos creiam num Deus de raiz cristã que delega as coisas pensamento de Aristóteles na Ética a Nicômaco. A justiça será por ele considerada o bem do outro, e sua manifestação específica é distributiva e retributiva. Nesse ponto, Tomás de Aquino ressalta o caráter casual e não taxativo do direito natural. Não é um direito extraído diretamente da teologia. É aprendiz da natureza. Tomás de Aquino, com resgate de Aristóteles, mantém a ideia de que o direito natural é distribuição do justo entre os iguais. FILOSOFIA MODERNA. Introdução. De acordo com Alysson Mascaro, a filosofia do direito na Idade Moderna tem três grandes movimentos: o renascimento, o absolutismo e o iluminismo. Renascimento. O final da Idade Média marca, para a filosofia e para a filosofia do direito, uma dupla frente de reflexões. De um lado, o debate teológico, que dominou o mundo medieval europeu, ainda prospera. De outro lado, no entanto, uma liberdade crescente em face da teologia, somada ao resgate do pensamento clássico grego e romano, dá surgimento a uma filosofia muito distinta, o Renascimento. Chama-se renascentista a esse movimento por conta da inspiração buscada junto aos clássicos, que, parecendo terem sido mortos pelos medievais, renasciam então pelas mãos dos novos pensadores. Em termos filosóficos, o Renascimento representou um deslocamento do eixo dos 3 Por Nayla Costa fundamentos teóricos, de Deus para o homem. Por tal razão, costuma-se denominar tal movimento também por Humanismo. Absolutismo. Representa uma solução político-jurídica original lastreada em uma longa trajetória de apoio filosófico. A noção de que o poder humano é derivado do poder divino volta à carga. Tal teoria, na Idade Média, serviu como respaldo do poder do senhor feudal. Agora, servirá ao poder dos reis. Ao contrário dos renascentistas, para quem a preocupação era com a explicação humana e social do poder, o Absolutismo parte de uma teoria da legitimação do poder real por meio teológico. O monarca soberano, por essa teoria, tem dois corpos, um secular, humano, e outro teológico, divino. Iluminismo. Toda essa etapa absolutista da filosofia moderna terá um contraponto posterior com os movimentos filosóficos dos séculos XVII e XVIII, com Locke na Inglaterra, Voltaire, Rousseau e Montesquieu na França e Kant na Alemanha, dentre outros. Trata-se do Iluminismo. Contextualização3 INTRODUÇÃO A filosofia direito da idade moderna vão dos séculos XV ao XVIII, sendo que durante esse período há três grandes movimentos. (1) Renascimento – séc. XV | (2) Absolutismo – séc. XVI; (3) Iluminismo séc. XVII ao XVIII. Renascimento: No final da idade média marca para filosofia do direito epara filosofia duas frentes de reflexões: 1ª- Debate teológico (teologia é usada para limitar os problemas filosóficos e jurídicos); 2ª Liberdade (resgate do pensamento clássico grego e romano). – Surge o renascimento. Renascimento Deslocamento dos eixos fundamentais teóricos: De Deus para o Homem, por isso, o movimento também é chamado de humanismo. O poder pertence ao homem, ao seu engenho astúcia e a capacidade! #HomemNoCentro Nicolau Maquiavel (1469 a 1527): Nasceu em Florença, obra de destaque O Príncipe. Rompe a visão tradicional da teologia metafísica. O eixo da filosofia política passa para campo da ação humana. A ação o político é a diretriz do governo, o agente político por suas qualidades, capacidades e empreendimento é que determina o encaminhamento da sociedade. PODER NÃO É MAIS DÁDIVA DIVINA! #HomemNoComando. A ordem social e o bom governo são seus horizontes; mas os meios, ao invés de teológicos, são humanamente realistas. OBS.: O propósito de Maquiavel é pautado pelo renascimento e pelo humanismo, no entanto, a sua tentativa de aconselhar o príncipe a manter a ordem e o poder é o marco para o absolutismo. Absolutismo Marca o retorno de que o poder humano é derivado do poder divino, o poder monarca é legitimado pelo meio teológico. O rei é soberano, pois possui dois corpos (1) Humano e (2) Teológico/Divino. O rei está acima dos reclames morais, uma vez que o seu poder era advindo de Deus de modo absoluto #ReiPodeTudo. Consequências: 1ª- Deslocamento da filosofia do direito do campo da moral política prática (do Renascimento) para o campo da fundamentação moral do poder. 2ª - A discussão sobre a moral e a justiça da filosofia do direito se desloca do conteúdo para a forma Iluminismo – Séc. XVII a XVIII Não é um movimento unificado, porque os seus pensadores não compactuavam sempre com premissas comuns. Caracteriza grandes modos abertos de pensar sobre determinados problemas. No Iluminismo os pensadores debatem entre si sobre pontos fundamentais, mas entre eles há uma identidade: a busca pela razão. Outra característica comum é a base econômico-social que se desenvolvem os pensamentos filosóficos e jurídicos: a do surgimento e da consolidação do capitalismo. Consequentemente, o Estado que antes era enaltecido pelos primeiros pensadores (Hobbes) acaba sendo limitado por outros. O individualismo reflete nas relações entre a sociedade e do Estado. Fica evidenciado o interesse da burguesia, época que assenta no arrojo individual na busca do lucro, propriedade individual, privada. O Capitalismo e a modernidade A atividade mercantil deu a base ao capitalismo e dessa atividade, o comércio está estritamente relacionado. Todavia, a sociedade feudal não permitia a sua prática, devido ao segregacionismo dos feudos. Por isso, a formação dos Estados era útil à burguesia, pois poderia propagar as atividades comerciais. – Inicialmente, o Absolutismo foi de interesse da burguesia (o fortalecimento do Estado, por meio das unidades territoriais, ampliaria a atividade burguesa). Conclusão De início, o ABSOLUTISMO foi útil: à nobreza e à burguesia. Absolutismo: É formado pelo direito divino e por estamentos – nobreza, clero e o povo – A burguesia está incluída na noção de povo e por não ter privilégios, impedia os avanços capitalista. O excesso de poder que o monarca detinha e os privilégios dado apenas aos nobres, ocasionou a reflexão sobre a liberdade individual burguesa, sobre as possibilidades do indivíduo em face do Estado, engendra toda uma tradição a respeito dos direitos (noção de direito subjetivo) e, consequentemente, o início do absolutismo. A luta da burguesia e as liberdades burguesas contra os privilégios absolutistas darão início ao Iluminismo, que por sua vez, ressaltará como termo teórico os direitos individuais, bem como permitirá a noção de direitos subjetivos, a qual será fundamental para o desenvolvimento do capitalismo, bem como permitiram a limitação aos poderes do Estado e de seu governo. Johannes Althusius (1557-1638) foi um dos primeiros teóricos modernos a manifestar-se contra o absolutismo. Afirmava que a soberania é do povo reunido, não do rei, por isso, a poder do Estado não deveria ser ilimitado e absoluto. Nas palavras do autor: “Reconheço no príncipe o administrador, o supervisor e o governador dos direitos de soberania. Mas o proprietário e usufrutuário da soberania não pode ser diferente do povo total. Quem permitiria que em tal estado perfeito se concedesse ao rei esse pleníssimo poder de mandar chamado de absoluto? Já dissemos que o poder absoluto é tirânico”. Na Idade moderna, com o Capitalismo permite grande matrizes do pensamento filosóficos: (1) individualismo; (2) direitos subjetivos; (3) limitação do Estado pelo direito; (4) universalidade de direitos; (5) antiabsolutismo (6) Contratualismo. Conclusão! A filosofia moderna tem início no século XVI, com o Absolutismo (unificação do Estado). O Iluminismo, fará crítica ao Estado em sua forma absolutista, cuja a finalidade será o combate de privilégios. A limitação do Estado passa a ser o corolário final da filosofia do direito, no século XVIII. Para a burguesia, o Estado deve estar subordinado ao interesse individual, e não o indivíduo jungido absolutamente pelo Estado. O individualismo É umas das ideias mais importantes da filosofia iluminista. O indivíduo é a origem do fenômeno político. O Estado está em função do indivíduo e de seus direitos fundamentais (propriedade privada), portanto, as leis morais e jurídicas deverão ser pensadas racionalmente pelo homem, visando atender o individualismo ILUMINISMO Ascensão da burguesia Direitos individuais + direitos subjetivos Desenvolvimento do CAPITALISMO originário, de igualdade formal entre todos, em atenção à liberdade individual. O individualismo pode ser visto como: a) Programa político da burguesia b) Filosofia moderna iluminista: Defesa da propriedade privada. Acumulação de bens é um direito do indivíduo sendo oponível erga omnes – A riqueza não é compartilhada por todos. O individualismo está interligado ao capitalismo. A filosofia moderna iluminista institui problemas que só foram típicos de seu tempo. A filosofia política e suas características peculiares (em especial o contratualismo), a filosofia do direito (principalmente o tema do direito natural racionalista) e a questão do conhecimento (seus métodos de apreensão: empirismo e racionalismo) constituem três grandes objetos de análise da filosofia moderna. A questão do conhecimento A marca da filosofia moderna é a preocupação da razão. Teoria do conhecimento é um problema criado fundamentalmente pelos modernos. Para os modernos o conhecimento não se situa na natureza (filosofia antiga) e nem no campo da fé (filosofia medieval). O problema específico do conhecimento está no próprio sujeito. A razão está centrada no sujeito, apresenta mais uma exigência para os modernos: precisa ser universal. Como conhecemos? Os filósofos modernos levantaram duas respostas: a do empirismo e a do racionalismo. – O ponto comum entre ambas é que sempre formulam métodos que se centralizam no indivíduo, o sujeito do conhecimento. 1) Do racionalismo: conhecimentose faria por métodos ou categorias racionais que todo sujeito, por si próprio, formularia por meio do mero uso de sua razão. (Filósofo Descarte). Busca pela verdade estável, eterna e universal, racional. Para Descartes, todos teriam a aptidão de bem julgar e de conhecer o verdadeiro do falso. Por isso, então, seria possível a universalidade do conhecimento: 2) Do empirismo: o conhecimento advém da experiência originada na percepção concreta das coisas e dos fatos (Filósofo Hume). O método só vem depois da experiência, e não antes. O conhecimento se faz das coisas reais, sentidas, experienciadas. O que representa a questão do conhecimento, racionalista ou empirista, para a filosofia do direito? • Racionalista: A burguesia moderna buscava a afirmação dos direitos naturais, também, fossem direitos universais. Desse modo, o justo não está no arbítrio da vontade ou do bel-prazer. Traz a ideia de universalidade – a classe burguesa objetiva universalizar o próprio interesse. O conhecimento deve se fundar em esquemas universais, que se originam ou que estejam disponíveis aos indivíduos, isoladamente; um a um, mas a todos. – A conjugação da dupla exigência das teorias do conhecimento modernas – individual e universal. É abominado o uso da cultura RAZÃO Sujeito Universalidade como fonte da razão. Busca-se o direito subjetivo universal O racionalismo dá mais ênfase às normas impostas pela razão que aos fatos e os costumes. A perspectiva filosófica adotada por toda a Europa continental e por outros país, inclusive o Brasil. No campo jurídico consolidou a civil law (instrumentalização das normas criadas e estabelecidas) • Empirismo: O conhecimento é prévio e direto. Valoriza mais o que é conhecido pela experiência, do que as novidades legislativas (costumes e fatos). Movimento filosófico característico da Inglaterra. No final da Idade Média e início da Idade Moderna, foi-se consolidando: a common law (direito costumeiro, - baseado na existência dos precedentes). PONTO EM COMUM Busca sempre a justiça universal e inflexível do interesse burguês. Filosofia Política Moderna Conceito oposto ao de Aristóteles, que defina a sociedade como uma ampliação dos laços familiares. – A base natural do homem é a natureza individual (zoon politikon). Para os filósofos modernos a sociedade é união de indivíduos (nota-se a presença do individualismo). – Surge a teoria do contrato social. A vida social é uma mera deliberação de vontade, sendo nesse caso a vida social um acidente e não necessária. A base natural do homem é a natureza individual. Três grandes filósofos marcam a explicação do contrato social: Hobbes, Locke e Rousseau (deixo a explicação para a abordagem futura do tema). A vida social é artificial, gerada que foi por um contrato e não por um dado natural, impõe-se um respeito mútuo às regras acordadas, por isso, para a filosofia política moderna iluminista, somente a vontade dos indivíduos pode gerar o poder político legítimo. Filosofia do Direito Moderna Na visão iluminista o tema mais importante é a postulação de um direito natural da razão, também chamando de jusracionalismo (jusnaturalismo moderno). Os modernos iluministas se preocupam com a questão do direito natural buscando proceder, nesse tema, tal como os cientistas com as leis da natureza, como a Física, ou então como a Matemática – todas ciências com leis estáveis. O individualismo é uma das características mais relevantes do direito natural moderno. O direito natural é um direito do sujeito, sua razão está no indivíduo e não na coisa ou na sociedade. São direitos que delimitam o interesse do indivíduo. O caráter do direito natural é ser individual, colocando-se de antemão contra o Estado e contra a sociedade, e não um resultante destes (“erga omnes”), por exemplo, a sociedade privada que é um direito subjetivo e erga omnes. O jusnaturalismo moderno, sendo tipicamente um jusracionalismo, presume-se apenas um direito de resultantes racionais OBS.: A tolerância em face do que seja distinto é um impasse com o jusnaturalismo moderno. Há uma tensão irresoluta entre a tolerância e o direito à distinção, o que leva à dificuldade de se fincar uma razão jurídica que se pretenda universal. A tolerância justificaria o relativismo, todavia, o relativismo de direito em face de circunstância variáveis não é oportuno para filosofia moderna, pois poderia trazer de volta o Absolutismo. Por isso, a necessidade de um direito natural – a existência de um direito único e racional. O qual se possa julgar o Absolutismo e dele dizer-se injusto, porque irracional. CERTEZA RACIONAL DE CERTOS DIREITOS Liberdade Igualdade Formal Propriedade privada Segurança das relações jurídicas A filosofia moderna se relaciona com a filosofia do direito por meio de duas implicações: (1) A filosofia como método do conhecimento: Alicerçando-se fundamentalmente na razão, fará com que a filosofia do direito também abandone os antigos corolários romanísticos ou as definições aristotélico-tomistas e passe a estabelecer fontes novas para os princípios e normas de direito, dando forma individual, laica, cerebrina, universalista e a- histórica ao modelo de direito que se formava. (2) A filosofia política – de cunho liberal, individualista e burguês: Centrada no sujeito apartado do objeto e no indivíduo apartado da natureza e da sociedade – redundará numa filosofia do direito também de matriz burguesa liberal, afirmadora dos direitos subjetivos da liberdade negocial e da igualdade formal (isonomia), os dois principais alicerces teóricos nos quais se 4 Por Henrique... funda o direito da passagem da época moderna para a contemporânea CRÍTICA DO ALYSSON O combate à visão de mundo teológica e absolutista fez da filosofia do direito moderna iluminista uma filosofia progressista em face do passado. Ao mesmo tempo, seu individualismo formalmente universalista e seu caráter burguês dela fizeram uma filosofia conservadora em face do futuro. Thomas Hobbes.4 (1588 a 1679) Se o fundamento do pensamento político de Aristóteles era o de considerar o homem um ser social, e, portanto, por natureza tendente a um viver em conjunto com os demais, Hobbes inicia sua filosofia política de um ponto exatamente contrário: não é natural que cada homem tenha por fim a associação com outros homens. Se assim o é, somente um contrato, um pacto, enseja que os homens, que vivem em função de seus interesses pessoais, passem a viver em conjunto. E não é devido à virtude que os homens se associam, mas sim devido ao medo. Como a vida solitária gera preocupações, fragilidades e medo, porque não é possível sempre se defender sozinho de todos, então, por causa desse medo, os homens se associam, para que seja mais difícil a sua destruição por outrem. Nas palavras de Hobbes, “o homem é o lobo do próprio homem”. A associação entre os homens, assim, leva a uma renúncia de seus plenos poderes em favor da paz. Ocorre que as pessoas não agem com constância ou suficiência para alcançarem a paz duradoura. Há discórdia, e, por isso, é necessário mais que um pacto: é preciso transferir todo o poder a um homem ou uma assembleia,de tal modo que seja feita então uma só vontade e ela seja a vontade única, levando à paz e à segurança. O direito natural hobbesiano. Para Hobbes, a mais alta expressão de justiça é o cumprimento das determinações do soberano, na medida em que os homens alienaram seus interesses pessoais àquele, que lhes dá em troca a segurança e a paz. Mas, ao mesmo tempo, essa submissão ao poder estatal não nega o fato de que haja uma lei da natureza: o direito à própria existência. Caso o soberano se volte contra o indivíduo, é possível que este haja em desobediência civil. Crítica. A postura política hobbesiana é muito peculiar e original. Em sua obra, o soberano, como vontade única acima da sociedade, é o representante mais cristalino do regime absolutista vigente ao seu tempo. Hobbes assim desponta como um dos mais importantes teóricos do Absolutismo. No entanto, ao mesmo tempo, a origem do poder absoluto não é divina. Toda a tradição absolutista hauria a fonte do poder dos reis de um mandato divino. Por procuração, o poder terreno era representante do poder divino. Nesse ponto, Hobbes inova. O poder absoluto é extraído de um contrato social. Os indivíduos, que vivem em natureza uma situação de medo e conflito, submetem-se voluntariamente ao poder do Estado. Síntese. Medo; contrato; alienação de parte da liberdade; liberdade regrada; soberano; Estado de Direito; paz; segurança. John Locke. (1632-1704) Para ele, assim como não existem ideias inatas, também não deve existir poder inato (ou de origem divina), como defendiam os adeptos do absolutismo monárquico. Contrato social em Locke. Revelando preocupação com a liberdade, defendia que o poder social deveria nascer de um pacto entre as pessoas. O fundamento da vida em sociedade civil é, portanto, o consentimento dos próprios cidadãos. Nesse aspecto, aparenta com a filosofia de Hobbes. No entanto, dela também se diferencia. Em Locke, o estado de natureza é pacífico, pois o homem, mesmo nessa condição, tem meios de compreensão da lei natural. O homem não tem, no pensamento de Locke, uma inclinação de natureza a ser o lobo do homem. Para Locke, os homens, em estado natural, são iguais e desfrutam da liberdade. Não são irrefreáveis, porém, no uso da liberdade. A liberdade natural não impede que exista guerra, resultado do desrespeito a essa lei natural. Para evitar isso que os indivíduos escolhem viver em sociedade. A guerra é um risco e não uma realidade. Adversário da tirania, do abuso de poder, Locke, em razão de suas ideias políticas, é considerado por muitos historiadores como o “pai do iluminismo”. Propriedade. A finalidade precípua do contrato social é, para Locke, a garantia da propriedade privada: “o fim maior e principal para os homens unirem-se em sociedades políticas e submeterem-se a um governo é, portanto, a conservação de sua propriedade”. #ABurguesiaAma Sociedade política. O contrato social dá ensejo à formação da sociedade civil (sociedade política, por Locke designada) e esta gerará, por escolha da comunidade, uma determinada forma de governo. Em qualquer forma de governo deve-se buscar a conservação da propriedade. Locke também estabelece uma distinção entre os poderes na sociedade política, destacando três: o legislativo, o executivo e o federativo – este, um poder encarregado das relações exteriores. Para Locke, no balanço entre tais poderes, o poder legislativo, escolhido pela maioria, tem um poder supremo em relação aos demais: “Em todos os casos, enquanto subsistir o governo, o legislativo é o poder supremo. Pois o que pode legislar para outrem deve por força ser-lhe superior”. A divisão de poderes é fundamental como modo de evitar a concentração de poderes nas mãos de um apenas. Jean-Jacques Rousseau. (1712-1778) Ele critica os contratualistas. De acordo com ele, na vida natural, a apropriação de bens da natureza era possível a todos os homens. Pescar, talhar, fazer cabanas etc. Mas a associação dos homens, com a metalurgia e a agricultura – conhecimentos que alguns passaram a ter e outros não –, e a consequente divisão do trabalho fazem com que haja soberba, poder de uns sobre os outros, e a partir daí os bens da natureza passam a ser propriedade de alguns. Nesse momento, vê-se germinar a escravidão e a miséria. Com esse estado instaurado, os próprios ricos pensam em ludibriar os pobres, dando-lhes a promessa de que instituições seriam construídas para dar garantias a todos. O Estado e o direito daí então se levantam, como enganação coletiva possibilitada por um contrato social. O contrato social. Pensa na possibilidade de se levantar outra ordem política, jurídica e social. Trata-se, então, de um movimento de transformação da sociedade já existente. Vendo-se os homens em condições sociais prejudiciais à sua própria conservação, só lhes resta uma associação de forças, a fim de que possam, conjuntamente, eregir uma instituição que se direcione ao bem comum. O contrato social de Rousseau permitirá que todos os homens constituam um corpo no qual sua força individual passa a ser força da coletividade. Indivíduos associam-se, no todo, como legisladores, e, ao mesmo tempo, passam a ser súditos desse mesmo todo. O homem é legislador de si mesmo. Ele está submetido à lei que é fruto de sua própria vontade. Liberdade e obediência encontram uma fórmula de conjugação no pensamento de Rousseau. A originalidade do pensamento de Rousseau, em face da tradição contratualistas moderna, está no fato de que o homem não é mais tratado como um indivíduo isolado, mas sim um membro do todo. Isso porque ninguém renuncia a seus direitos para dar a um monarca ou a um soberano. A teoria de Rousseau não é absolutista; pelo contrário, é radicalmente democrática. Sendo membros de tal coletividade surgida do contrato, os indivíduos entregam os seus direitos a uma totalidade da qual são parte, portanto sendo elementos ativos dessa mesma entidade política. Trata-se da cidadania ativa. Ao contrário de Hobbes e Locke, que enxergam o indivíduo como uma espécie de elemento isolado, cujos direitos lhe seriam atribuídos ou retirados passivamente (por meio de um soberano que seria um terceiro), Rousseau enxerga o indivíduo como membro ativo da comunidade. Trata-se de um súdito das leis do Estado, mas, ao mesmo tempo, de um cidadão, que participa ativamente da autoridade soberana. A lei. Será a lei que consubstanciará a vontade geral. Não é a vontade de um indivíduo com poderes absolutos que ditará as regras do bem comum. A vontade geral é fixada em conjunto pelos membros do Estado. Rousseau aponta o caráter de universalidade necessário às leis, a fim de 5 Por Gabriel Texeira e Juliana Silva Freitas que se orientem em busca da vontade geral. Devem as leis ser impessoais, gerais e universais. Ao mesmo tempo, não bastam seus atributos meramente formais. É necessário que as leis, para serem instrumentos diretivos da vontade geral, atendam para determinados objetivos. Rousseau exprime tais objetivos na fórmula da busca da liberdade e da igualdade. KANT5 (1724-1804) A Filosofia do Direito em Kant Kant produziu um sistema de pensamento liberal que deriva emnosso legalismo. É admirador confesso de Rousseau e das ideias do Iluminismo. O pensamento filosófico kantiano. Kant formulou suas ideias num momento de ascensão da burguesia e dos ideais liberais na Europa, em que o Iluminismo já havia entrado na Alemanha. No início da sua trajetória, Kant tinha estabelecido uma ligação com as ciências naturais. Ele criticou o idealismo alemão, dominado por sistemas metafísicos. Privilegiava as comprovações empíricas, em detrimento dos sistemas filosóficos. O despertar crítico da filosofia kantiana ocorre a partir de seu contato com a obra de Hume, que o despertou de seu “sono dogmático”. Nessa linha, Kant passa a criticar aqueles que defendiam que o conhecimento derivaria de ideias plenas ou de sistemas de pensamento, afirmando a experiência como única fonte de apreensão de conteúdos e demonstrando a impossibilidade de um conhecimento ideal e prévio dos fenômenos. Já que, pela premissa do empirismo, só seria possível extrair “leis” do conhecimento perceptível, Kant passou a se interessar pelo modo como o homem construía conhecimento, a partir da percepção. A razão pura. A obra de Kant contempla uma reflexão sobre o conhecimento (Crítica da razão pura), e sobre os juízos de valor e sua aplicação à realidade, incluindo-se a questão da justiça (Crítica da razão prática). Para conhecer, precisamos utilizar estruturas de pensamento. Por isso, Kant refuta a ideia de que a mera percepção possa permitir o conhecimento das coisas “em si”. As estruturas de pensamento não são da coisa, e sim do sujeito que conhece. Por isso, não podemos conhecer uma coisa diretamente, porque ela, sozinha, não nos mostra a sua essência quando a apreendemos. Além disso, o que conhecemos sobre as coisas não é descolado das nossas estruturas de pensamento. Aquilo que conhecemos, como um fenômeno da realidade, na verdade, é a relação que o sujeito de conhecimento tem com a experiência. “Já que não há o conhecimento das coisas em si, só dos fenômenos, não há a possibilidade de universalização do conhecimento por meio da realidade objetiva, na medida em que esta não pode ser conhecida em si mesma.” Portanto, há que ser encontrada outra forma de universalização do conhecimento, que não através da realidade objetiva. Kant passa a explicar quais seriam as condições de possibilidade de um conhecimento universal. O conhecimento implica não somente apreender os fenômenos mas, sobretudo, pensar sobre eles, com a ajuda de categorias de intelecção (por ex.: quantidade, qualidade). “A apreensão dos fenômenos só é racional porque há no sujeito estruturas prévias, chamadas então por a priori, que possibilitam perfazer o conhecimento. Qualquer fenômeno que seja percebido só o será porque há essas estruturas apriorísticas no sujeito do conhecimento.” O ato de aplicação das categorias de intelecção, para Kant, é um ato de julgamento da empiria. “Por isso, todo pensamento, para Kant, é na verdade um julgamento, é um juízo.” Entre os juízos de conhecimento, há os juízos sintéticos (a priori e a posteriori) e os juízos analíticos. Os juízos analíticos não são de interesse da filosofia. “Ao contrário desses, no entanto, os juízos sintéticos, que juntam elementos e que, portanto, produzem conhecimentos novos, a priori ou a posteriori, têm mais interesse para a filosofia.” Os juízos sintéticos a posteriori são aqueles que acrescentam algum predicado, como resultado da percepção do objeto, pelo sujeito. Juízos sintéticos a priori são as categorias universais que possibilitam o conhecimento dos fenômenos. Tais juízos são universais e necessários, embora não sejam inatos. “As estruturas que possibilitam o conhecimento empírico direto, Kant as denominará formas da sensibilidade. As estruturas que possibilitam o conhecimento intelectivo, o entendimento, Kant as denominará categorias.” São exemplos de categorias apriorísticas: quantidade, qualidade, causalidade, necessidade. “Justamente porque [os juízos sintéticos] são categorias necessárias, Kant dirá que são universais. Todos, para perceberem os fenômenos, hão de se valer de juízos sintéticos a priori. Se as categorias são as mesmas a todos, o conhecimento é universal, não porque a coisa em si seja a mesma, mas porque as ferramentas do conhecimento são universais.” “Como os indivíduos, sozinhos, podem conhecer de modo igual, universal? A resposta tradicional diria isso ser possível ou porque todos nasceriam com as mesmas ideias inatas – racionalistas – ou porque o objeto é em si o mesmo para todos – empiristas. (…) Em face de tal dilema, propõe Kant que o conhecimento é universal porque as ferramentas do conhecimento são universais a todo sujeito do conhecimento. (...) Kant constrói, ao cabo de sua empreitada na Crítica da razão pura, um conhecimento que é calcado na subjetividade mas que é universal, com categorias prévias à experiência. A universalização de Kant, antes que pelo objeto, que não se alcançava, era pelo sujeito do conhecimento, porque contava este com categorias necessárias e universais.” A razão prática. A teoria kantiana sobre a valoração e o julgamento humano tem por base a crítica da razão prática, passando pela análise do dever e da moralidade, até a formulação dos imperativos categóricos, núcleo do pensamento kantiano sobre a moralidade, uma “orientação para o agir moral racional”. Boa vontade e dever. O dever se distingue da moralidade, consiste em seguir os trâmites de uma determinada legalidade; nada tem a ver com a moral. Moralidade, por sua vez, é a predisposição para cumprir um dever, tendo por único fundamento o querer. A moralidade não se mede pelo seu resultado. A moralidade, portanto, se instaura no campo da vontade. Esse querer que atende a uma determinada legalidade, sem qualquer outro fim, a não ser o de cumprir um dever, é a boa vontade. O imperativo categórico. #ÉFamoso Kant distingue entre os imperativos hipotéticos e os imperativos categóricos. Imperativo hipotético é uma técnica, que visa a certo fim. Trata-se de um modo de ação típico do pragmatismo. O imperativo categórico é uma diretiva que tem em vista a ação. É mais que um saber que orienta a moral e é mais que um dever. “A vontade, se dominada pela inteligência, será conduzida então por meio do imperativo categórico.” “É um dever que obriga sem condicionantes nem limitações nem finalidades outras que o cumprimento desse próprio dever.” Independe de condicionantes concretas e, por isso, é universal. Vale dizer que somente poderão ser universalizadas as ações boas, isto é, as ações dirigidas pela boa vontade, orientadas tão somente ao cumprimento do dever. “O imperativo categórico é portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal. [...] Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da razão. [...] Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.” Tanto o indivíduo que pensa o imperativo, como aquele que sofre os seus efeitos são pensados como fins, e não como meios. Observação: a doutrina jurídica aponta que a definiçãode “dignidade da pessoa humana” tem origem na formulação de Kant, de que o indivíduo é um fim em si mesmo. Kant não admite a possibilidade de flexibilizar o imperativo categórico na vida prática. Apreende-se daí, a forma como Kant trata a moralidade. Na visão do autor (Mascaro), a construção da moralidade, em Kant, é frágil, porque se sustenta em premissas ideais e não permite reconhecer as situações de sujeitos que se encontrem em diferentes posições. “A transposição da filosofia prática de Kant para o problema moderno do direito natural é imediata: somente poderão ser de direito natural (somente poderão ser direitos justos e racionais) os imperativos universalizados. Representa tal concepção, ao mesmo tempo, uma postura revolucionária – o fim dos privilégios do Absolutismo, tendo em vista que tais privilégios são particulares a um só estamento – e uma postura conservadora – a legitimação da universalidade sem qualquer flexibilização ou contestação dos direitos subjetivos burgueses, principalmente o Direito e moralidade Na filosofia de Kant, o direito possui um papel que é próximo, mas que não se confunde com o da moralidade. O campo do direito independe da motivação pessoal do sujeito. As razões pelas quais alguém cumpre a lei não são tão importantes quanto o simples fato de cumpri-la; por sua vez, no campo moral, não importa apenas cumprir, mas sim querer cumprir. Para Kant, o direito se distingue da moral porque esta última busca uma espécie de prática da lei por si mesma, tendo seu âmago na vontade interna do sujeito, enquanto o direito se impõe como uma ação exterior, concretizando-se no seu cumprimento, ainda que as razões do sujeito não sejam morais. Embora tal distinção, há, no entanto, um núcleo comum ao direito e à moralidade. Para Kant, a forma do direito é semelhante à forma da moralidade, o que é tratado na obra "Metafísica dos Costumes". No pensamento kantiano, não há diferenciação entre o direito racional e a moral no que diz respeito ao conteúdo das normas em si, tendo em vista que as normas jurídicas racionais e as morais são pensadas todas a partir de uma mesma forma – imperativos categóricos Os imperativos categóricos são base da moral. O seu lastro está na universalidade das normas. Também o direito é pensado a partir de uma universalidade. Somente as normas universais podem ser pensadas como justas. Há uma articulação entre deveres, de forma que poderíamos dizer que os deveres de virtude e os jurídicos subordinam-se aos ético-gerais. Direito e virtude participam da doutrina dos costumes e têm os mesmos fundamentos últimos, o que é consequência da unidade da razão prática, pois as duas legislações são provenientes da autonomia da vontade. Esta é o fundamento das duas legislações; o princípio supremo da doutrina dos costumes é o imperativo categórico. Com base nessa forma comum, Kant propõe um direito da razão, que se pode considerar legítimo, servindo de contraste ao direito posto, quando este afrontar os ditames da própria racionalidade. Trata-se, ainda, do direito natural ao molde moderno, agora elevado às últimas consequências: também para Kant, o direito natural não é o da natureza. Como os demais burgueses modernos, para ele o direito natural é da razão, extraído como possibilidade do pensamento do sujeito. Não é necessário que se o meça na realidade. Basta a sua forma pensada, apriorística, para que se afirme. Por isso, Kant representa a mais radical ruptura com o pensamento jurídico antigo, clássico, cujo maior propositor fora Aristóteles. Para este, a natureza ensinava, servia de guia e mensuração. Para Kant, o direito justo é pensado, e não necessita nem de confirmação nem de correções na realidade. O direito justo e racional para Kant não visa ao bem comum nem à felicidade daqueles aos quais se destina, mas é identificado pela pura razão de justiça que se possa pensar. Apenas a forma da relação entre livres e iguais é o que importa Em um decisivo trecho da Metafísica dos costumes, Kant conceituará o direito como uma esfera exterior do dever (e não interior, como no caso da moralidade), e dirá que o direito não se mede pelos proveitos, necessidades e explorações concretos da relação, e sim apenas pela forma que seja presumida livre e igual da própria relação. O direito é, portanto, a soma das condições sob as quais a escolha de alguém pode ser unida à escolha de outrem de acordo com uma lei universal de liberdade. Ainda, para Kant, sendo o imperativo o mesmo para a moralidade e para o direito, a moral se cumpre por um querer interior ao sujeito e o direito se revela por meio da coerção externa ao sujeito, promovida pelo Estado. Os deveres jurídicos, no entanto, não são apenas promovidos pela coerção. Eles também podem ser indiretamente éticos. Como divisão da doutrina dos costumes (da moral), o direito se opõe à ética (doutrina da virtude), e não à moral, que é mais ampla que esta. Para Kant, alguns conceitos são comuns às duas partes da metafísica dos costumes, entre eles, os conceitos de Dever e de Obrigação. Há deveres que são diretamente éticos, mas os deveres jurídicos, na medida em que também são deveres e dizem respeito também à legislação interior, são indiretamente éticos. Por exemplo, cumprir um contrato. A grande dificuldade da filosofia do direito burguesa moderna, que era a de conciliar a liberdade do indivíduo com a coerção estatal, é resolvida por Kant sem qualquer embaraço: há uma necessidade imperiosa da coerção estatal para a garantia da liberdade individual. A liberdade plena do indivíduo é perdida em favor do Estado para que este, então, guarde-a e a permita: tudo que é injusto é um obstáculo à liberdade de acordo com leis universais. Mas a coerção é um obstáculo ou resistência à liberdade. Consequentemente, se um certo uso da liberdade é ele próprio um obstáculo à liberdade de acordo com leis universais (isto é, é injusto), a coerção que a isso se opõe (como um impedimento de um obstáculo à liberdade) é conforme à liberdade de acordo com leis universais (isto é, é justa). Ao campo do direito, a legislação tem por motivo não a moralidade em si mesma, mas um princípio externo, vale dizer, lastreado em último caso pela sanção, e isso é diverso do campo da moral, no qual o bem tem um fim em si e para si. Assim sendo, a relação entre o direito e a moralidade, para Kant, é estreita e complementar, para o que isso aponte de mais frágil na própria moralidade, que não consegue se assentar como campo fundamental da sociabilidade, e também no próprio direito, que está preso aos ditames da moralidade individualista burguesa. Por isso, o despotismo, embora se organize a partir de um Estado, não é artífice suficiente do Estado de direito. O contratualismo kantiano Na ideia do contrato social, e na verdade na pressuposição da vontade O modelo de direito de Kant merece críticas, pois a mera forma da relação presumida livre e igual corresponde ao apogeu da legitimação da relação de exploração capitalista, sem considerações maiores a respeito da sua injustiça estrutural. As necessidades concretas das pessoas e da sociedade não orientam o direito segundo sua visão filosófica geral do povo, é que reside para Kant a legitimidade do direito.Sua teoria não pressupõe o contrato social como realidade histórica. Não se o há de buscar em algum evento concreto do passado. Pelo contrário, o contrato social é uma necessidade do pensamento, tendo em vista que o Estado de direito se funda nesse nível de racionalidade que pressupõe o resguardo institucional da liberdade dos indivíduos em convívio. Para Kant, não há um estado de natureza como um fato. Ele também é uma ideia. A justiça tem dificuldade de se assentar no estado de natureza, pois a possibilidade do direito não se faz presente nessa hipótese de pensamento. A superação do estado de natureza, no entanto, não é simplesmente o estabelecimento do Estado. Para Kant, somente numa forma republicana se alcança uma soberania da organização social e política tal que a liberdade seja garantida. O arbítrio, para Kant, é o fundamento de sociedades anárquicas e despóticas. O direito é o fundamento das sociedades republicanas. Para Kant, peculiarmente, o Estado de direito garante apenas a justiça para todos, não o bem-estar dos seus cidadãos ou direito de cidadania ativa. Numa posição altamente liberal, os indivíduos, por si próprios, são responsáveis pela sua felicidade. O Estado apenas garante as possibilidades da liberdade dos indivíduos, por isso sua função é assegurar, nas palavras de Kant, apenas a justiça. Para Kant, em uma perspectiva muito refratária ao que se possa pensar como crítica das desigualdades sociais, o direito não deve se ocupar do eventual sofrimento do povo. O contrato social, na sua opinião, é tão somente uma ideia que organiza a concretização da justiça enquanto garantia da liberdade. O direito privado e o direito público Na Metafísica dos costumes, Kant expõe sua “Doutrina universal do direito” em duas partes, sendo a primeira delas sobre o direito privado e a segunda sobre o direito público. Tal apresentação não é aleatória: para Kant, o fundamento do direito reside primeiro no direito privado, e só depois no direito público. A propriedade privada e o contrato são elementos inscritos já no estado de natureza, antes mesmo da posterior transformação de tal situação natural em civil. Para Kant, não há de se indagar sobre as origens de cada propriedade específica, devendo antes haver, como corolário da razão, o respeito absoluto à posse originária já constituída. Veja que esse pensamento de Kant serve aos interesses burgueses e conservadores. Kant erige a garantia da propriedade privada como um inabalável direito da razão, um direito natural. Para Kant, a posse, que é um pressuposto verificado já no estado de natureza, somente se torna propriedade privada quando de sua garantia por meio do Estado. Assim sendo, em Kant, o direito público é uma decorrência necessária da própria atividade e dos interesses privados – de modo radicalmente burguês, o privado fala mais alto que o público. O direito público é aquele haurido do Estado, que dá condições para a liberdade dos indivíduos na convivência entre si, dos povos entre si e mesmo dos Estados e de seus indivíduos entre si. Por isso, Kant estrutura-o, na Metafísica dos costumes, em três partes: direito do Estado; direito das gentes; direito cosmopolita. No que diz respeito à sua visão sobre a cidadania, Kant reconhece, no poder legislativo, uma ligação com a vontade do povo, que se expressa por meio das eleições. Ocorre que, na sua teoria, eleitor deve ser o proprietário, aquele que tem meios próprios para viver e não se submete ao trabalho controlado por um terceiro. Trata-se, surpreendentemente, de uma visão absolutamente não universalista. O próprio Kant busca matizar sua posição, ressaltando que o trabalhador subordinado é também um cidadão, mas, não sendo proprietário nem dono de seus próprios meios de subsistência, é um cidadão passivo, ao contrário do cidadão ativo, aquele apto ao voto. Kant, em termos políticos, expõe ao máximo suas fragilidades teóricas, com uma teoria da democracia muito mais conservadora que a dos demais filósofos burgueses modernos. Em sua concepção restrita, a cidadania é somente um atributo formal, ou seja, meramente a aptidão a votar. Além disso, sua abominável distinção entre cidadãos ativos e passivos – que segrega o trabalhador e a mulher – revela o quanto sua filosofia política e do direito não representa um marco de rompimento, mas sim de conservação do já dado. Além da questão da cidadania, Kant, na sua reflexão sobre o direito público, trata também a respeito do poder do soberano e do direito à revolução. Também aqui demonstrará sua visão filosófica conservadora. Para Kant, ainda que o soberano seja um tirano, injusto, não há um direito de resistência do povo, que deve se conformar à condição jurídica dada, sem postular uma revolução. Se o direito natural se consubstancia num direito positivo que garanta a liberdade recíproca dos indivíduos, atentar contra tal ordem é injusto. O direito das gentes e o direito cosmopolita O direito das gentes e o direito cosmopolita O projeto kantiano de fundar uma sociedade calcada no direito público que respeita a liberdade individual não para apenas no plano interno de cada Estado - projeto de paz perpétua. No seu projeto de paz perpétua, Kant estatui as convenções e as normas a serem seguidas pelas nações entre si a fim de que o projeto jusnaturalista racionalista levasse à harmonia universal sustentada pelo direito. Apesar disso, ele reconhece criticamente que essa paz perpétua nunca se completará. São artigos desse projeto: Primeiro Artigo – A Constituição civil em cada Estado deve ser republicana. Segundo Artigo – O direito das gentes deve fundar-se numa federação de Estados livres. Terceiro Artigo – O direito cosmopolita deve limitar-se às condições da hospitalidade universal. No que tange ao direito das gentes, Kant constata que os Estados encontram- se nas relações entre si, muitas vezes numa situação ou de guerra ou de hostilidade, semelhante ao estado de natureza entre os indivíduos. A fim de superar tal estágio, não se há de pensar num poder soberano por sobre os Estados, pois isso acabaria com suas independências e se encaminharia a uma tirania de um Estado mais forte sobre os outros. A proposta kantiana é de uma federação de Estados. Muitos vislumbram, em tal proposta kantiana, o primeiro embrião teórico de uma entidade supranacional como a Organização das Nações Unidas. Além de um direito das gentes, Kant aponta em direção a um direito cosmopolita. Pode-se dizer que o direito cosmopolita é um avanço proposto por Kant em relação ao já tradicional direito das gentes. Não se trata apenas de analisar o direito que é dado a cada cidadão a partir de seu Estado. Trata-se do direito do cidadão numa sociedade internacional. O direito cosmopolita aponta, ao mesmo tempo, para os Estados e os indivíduos. Direito, história e paz perpétua Perpassa, pela filosofia de Kant, um certo otimismo do direito como potencial futuro de melhoria da sociedade, a partir 6 Por Carina e Felipe de certas proposições, a partir das quais Kant propõe uma leitura das possibilidades humanas tendo em vista o uso da razão, sem se basear em fatos empíricos ou buscar um percurso histórico.
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