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VII OS CARACTERES RACIAIS Characters are neither equally heritable nor equally important. -. LUSH 1 O Indivíduo e a Raça Vimos, em capítulo anterior, como deve ser encarado o indivíduo, sob o ponto de vista zootécnico: o indivíduo pode ser decomposto em genótipo e fenótipo. Também vimos que o fenótipo é o que mais interessa ao explorador do animal doméstico, como máquina viva. Do exterior e da atividade fisiológica dessa máquina viva é que depende o êxito de sua exploração, por parte do criador industrial. O genótipo só indiretamente interessa aquele que apenas explora a utilidade do animal doméstico. Interessa, sim, ao criador propriamente, pois o melhoramento só se processa com êxito quando baseado no genótipo. Isto é, naquilo que passa a outra geração. A seleção dos animais é, então, feita tendo-se em vista sua herança biológica, seu genótipo, seus caracteres hereditários ou raciais. O estudo, pois, dos caracteres raciais, dos indivíduos, é indispensável, a fim de se poder distingui-los e agrupá-los em raças. É que a raça constitui, na verdade, o agrupamento zootecnicamente fundamental, para o melhoramento da população. Ao criador industrial interessa o indivíduo, considerado como fenótipo. Ao criador melhorista, já interessa o indivíduo como genótipo, quanto as suas possibilidades de dar origem à outra geração. Isto é, quanto à raça e à linhagem. Os indivíduos, dentro da espécie, variam: daí as raças e variedades; mas dentro destas há ainda diferenças nos indivíduos, mais em umas espécies do que em outras, podendo-se mesmo estabelecer uma escala do máximo de diferenciação individual ao mínimo: galinos, ovinos, caprinos, suínos, bovinos, eqüinos e asininos. 2 Natureza dos Atributos Animais Os atributos, que os seres vivos apresentam, e que constituem seu fenótipo, variam de uns para os outros, de tal modo que o homem, a fim de estabelecer uma ordem no estudo deles, procurou fazer grupos, reunindo aqueles com caracteres semelhantes. Daí a classificação ou divisão dos animais em ramos, classes, ordens, famílias, gêneros e espécies, como vimos, ao fazer-se a nomenclatura dos animais domésticos. De acordo com o grupo considerado, assim será o caráter ou atributo distintivos. Os caracteres que mais nos interessam são os raciais, porquanto, como se sabe, em zootecnia nos baseamos, quase sempre, no grupo chamado raça. Mas acontece que os caracteres raciais nem sempre são apenas raciais. Podem ser confundidos com os caracteres da espécie. Mas sendo grande sua variabilidade, dentro desta, isso possibilita a divisão dos animais em raças, de acordo com maior ou menor intensidade do caráter específico, que assim se torna racial. Um exemplo: a produção de lã é um caráter especifico, mas pode tornar- se racial, conforme venha a manifestar-se. A produção de leite - caráter a bem dizer da classe – Mammalia - toma, praticamente, nos bovinos, um sentido específico e racial. 97 É que não convém esquecer - raça é uma concepção mais convencional do que natural, como já foi anteriormente esclarecido. Mas, embora convencional, com ela é que lida o criador, na prática da criação, dai à necessidade de considerar e estudar os chamados caracteres raciais. Esses tributos raciais ou étnicos são, todavia, de natureza diferente. Biologicamente podem ser distribuídos em dois grupos: morfológicos e fisiológicos, incluindo nestes as faculdades de produção que, como se sabe, mais interessam à zootecnia. Todavia, ainda podemos encará-los sob o ponto de vista zootécnico, e neste caso teremos três grupos de caracteres raciais: 1 – exteriores 2- fisiológicos 3 - econômicos ou zootécnicos Os atributos exteriores, que mais interessam, são: conformação e proporções, porte, peso, coloração, pelagem, pele, pelos e mucosa, chifres, orelhas, crista e plumagem. Os atributos fisiológicos, propriamente ditos são: constituição orgânica, temperamento, odor, faro e os caracteres morais ou psíquicos. Os atributos chamados econômicos são atributos fisiológicos dos quais o homem tira vantagens, dai sua maior importância e por isto serão tratados em capítulo próprio a seguir. São eles: a prolificidade, o crescimento, a precocidade, a engorda, a lactação, a aptidão lanígera, a aptidão oveira, a aptidão dinâmica. 3 Os Atributos Exteriores Os atributos, que dizem respeito ao exterior do animal, são os mais importantes na caracterização das raças. É que eles são mais prontamente distinguíveis mais fáceis de serem classificados, e em geral também os de maior força hereditária. Todavia, somente em casos especiais é que apresentam valor econômico intrínseco, ou, ainda, importância indireta. Seu valor é intrínseco no caso dos animais de utilidade ornamental, nas raças de luxo (função afetiva do animal), nos quais o que se procura é determinado exterior ou determinados atributos exteriores, tais como pelagem, plumagem. Seu valor é indireto quando se procura, por meio deles, descobrir ou determinar o valor econômico do animal, atribuindo-se uma correlação entre exterior e produção. Não se pode discutir que as raças se distinguem pelos caracteres exteriores, visíveis, palpáveis, e que são mais vezes menos influenciáveis pelo ambiente, apresentando maior constância e fixidez. É pela pelagem ou coloração dos animais, pelos atributos como conformação de certas regiões, como a cabeça, é pelos chifres, orelhas, crista, porte, que se identificam ou que se descrevem as raças. Chega-se mesmo a pretender classificar mestiços por certos caracteres exteriores, que eles apresentam. É que certos atributos morfológicos dos animais domésticos são, muitas vezes, verdadeiras marcas de fábrica. A importância dos caracteres exteriores precisa, porém, ser limitada em face do valor que devemos dar aos caracteres de natureza econômica. Na apreciação destes, indiretamente, através de certos atributos exteriores, também devemos ser cautelosos. A observação empírica de uma correlação entre exterior e produção 98 não tem sido confirmada pela observação experimental. Por isso a escolha dos animais, apenas pelo que estão mostrando, exteriormente, não pode oferecer muita segurança na indicação de certas faculdades econômicas, nem também como garantia precisa, para se prever como serão seus descendentes. No exame do exterior de um animal é preciso, portanto não confiar demais, e em cada caso considerar a importância a ser conferida aos caracteres examinados. 4 Conformação, porte, peso, proporções A conformação é um característico étnico de grande importância, na divisão dos animais em raças. As diversas regiões, em que se divide o animal, apresentam diferenças de conformação. Assim a cabeça, por exemplo, pode ser de perfil reto, ou convexo, ou côncavo. A marrafa do boi pode ser alta ou baixa. O pescoço - piramidal rodado ou de cisne; a garupa - simples ou dupla horizontal ou inclinada, ou obliqua; os membros e suas partes - curtos ou longos. A proporção entre as linhas de comprimento, altura e largura dão margem a diferentes formatos do animal: longilíneo, mediolíneo, brecilíneo. O porte, que indica o desenvolvimento do animal, varia etnicamente, servindo até para separar grupos raciais, em determinados casos; assim é que temos, por exemplo, o porco Yorkshire “grande”, “médio” e “pequeno”, constituindo três variedades estabelecidas fundamentalmente por essadiferença de tamanho. Trata-se de um atributo por demais sensível aos fatores do meio. O peso, que de algum modo varia com o porte, permite distinguirem-se os animais em eu métricos - de peso médio; hipométricos, de peso abaixo da média da espécie, e hipermétricos, acima. Mais importante do que isto é o peso ao nascer, e ainda o peso a desmama - dois atributos de fundo hereditário, que variam de certo modo conforme o indivíduo e a idade. O peso ao nascer das primíparas, por exemplo, é menor do que de vacas adultas1. O mesmo acontece com o peso da vaca, em relação ao de seu bezerro. Quanto mais pesada, maior será a tendência da vaca produzir bezerros mais pesados (Mahadevan, 1958). Segundo BELLE (1939), o peso dos bezerros corresponde a 1/14 do peso vivo da vaca. Essa é uma influência materna, que colabora com a carga genética. Há, todavia uma influência paterna, esta sim, fundamentalmente genética, embora "nenhum gen. definido tenha sido identificado" (Mahadevan, 1958). Há também certa influência da raça, assim com as observações de vários pesquisadores brasileiros2 é admissível concluir-se que, entre os zebuínos, a média mais alta do peso ao nascer é do Indubrasil: 30,0 kg (machos) e 28,9 kg (fêmeas). Enquanto isto o Gir é o que apresenta média mais baixa: 22-24 kg (machos) e 21-22 kg (fêmeas). Mas de modo geral o Indubrasil, o Nelore e o Guzerá apresentaram médias mais ou menos equivalentes. O Caracu, raça nativa melhorada, tem bezerros machos com 27 kg ao nascerem, e fêmeas com 26,4 kg (JORDÃO e VEIGA, 1939). Segundo EKLES, ANTONY e PALMER (1934) o bezerro Jersey é 6,3 % do peso da vaca; o Holandês – 7,8%; o Guernsey - 7,1%, o Schwyz 8,9 % . Como se vê, diferenças algo sensíveis. 1 Ver de A. “O Gado dos Tópicos”, pág. 73. 2 Veiga, Chieffi & Abreu (1948). Villares, J. B. (1948). Veiga, Chieffi & Paiva (1948). 99 Da observação desse atributo chega-se a três conclusões (DOMINGUES, 1961): a) sua variabilidade, seja nas raças tropicais, seja naquelas dos climas temperados; b) seu fundo genético indiscutível: influência paterna e materna, e da constituição genética do próprio feto, e do seu sexo; c) sua variabilidade depende também sensivelmente dos fatores ambientes, além da influência da própria fêmea gestante: seu desenvolvimento e peso, e suas condições fisiológicas. Quanto ao peso a desmama devemos considerá-lo de certo modo mais importante do que o peso ao nascer. É o mais importante tendo-se em vista ser, esse peso, o mais barato de todos, em se tratando de gado de corte, ou seja, para os que vendem garrotes para recria. O peso a desmama depende de duas coisas: da carga genética do bezerro e da capacidade criadeira, da vaca-mãe, que por sua vez é um atributo hereditário, visto como o principal, para isto, é a lactação. No gado de corte, na criação do qual não se considera a lactação - esta pode reduzir-se a ponto de embaraçar a criação dos bezerros. Pesquisas de KNAPP (1941) e colaboradores mostraram não existir correlação entre o peso a desmama e o ganho-de-peso posteriormente. Chegaram mesmo a admitir a existência de certa correlação negativa, de sorte que os bezerros menos pesados, a desmama, é que seriam os mais capazes de ganhar peso, posteriormente. O mesmo observaram KOCH e CLARK (1955). A conclusão a tirar não deve ser, porém, a preferência por esses bezerros menos pesados ao serem desmamados. Os mais pesados são mais vantajosos por dois motivos: ganharam peso a baixo custo (somente ou quase com o aleitamento) e tal seja esse peso alcançarão mais cedo determinado peso, para consumo, pela vantagem inicial apresentada. 5 Coloração e pelagem A cor dos animais é atributo básico na distinção das raças, com poucas exceções, como por exemplo, na espécie eqüina, cujas raças não se diferenciam, propriamente, pela pelagem. Nas outras espécies é ela, porém, um caráter por vezes típico, e de marcada fixidez. Daí ser possível na maioria das vezes, promover-se a determinação étnica do animal, pela sua pelagem. Ela é também muito importante quando se trata da adaptação de certas raças a determinados climas. Em geral, sabemos que as pelagens claras (de pele rosada ou não), ou às escuras, são mais próprias das regiões temperadas; e quanto mais nos aproximamos do Equador, tanto mais favorecidas se mostram às pelagens de coloração amarela, de tonalidade clara ou escura, sempre com pele pigmentada, nunca rósea. BONSMA (1940) chegou, após experiências na África do Su1, com o gado Africânder, Hereford, Shorthorn e Polled Angus, à conclusão de que pelos brancos, amarelos ou vermelhos sobre pele preta constituem uma combinação ideal para a resistência às altas temperaturas e as irradiações infravermelhas e ultravioletas. A pelagem preta é mais indicada para as regiões onde estas últimas é que são mais intensas. Nos climas quentes, a pele clara predispõe às irrupções epidérmicas. A pelagem totalmente preta, nos bovinos por exemplo, pode não se mostrar muito favorável, por facilitar o ectoparasitismo, além de dificultar a reflexão do calor corporal, como adiante veremos. O amarelo e o cinza, pelo contrário, parecem ser 100 colorações ideais para os trópicos. No estudo objetivo da adaptação do gado bovino aos climas tropical e subtropical, uma das conclusões de RHOAD (1940) é que “o pelo curto, a pele pigmentada e a coloração dos pelos são fatores importantes”. E explica: “Com respeito à pelagem, as pesquisas na Fazenda Experimental de Ibéria tem mostrado que, com a insolação de 10.000 velas de intensidade, a pelagem clara (pele preta) como a dos zebuínos, reflete cerca de 22% do calor solar, enquanto as pelagens amarelo-claro, mediana ou escura, do Jersey, refletem cerca de 14%, 9% e 5%, respectivamente; o vermelho do Santa Gertrudis reflete cerca de 4% e o preto do Aberdeen Angus, cerca de 2%. A importância da pelagem, como fator influente na adaptabilidade, é demonstrada na preponderância das colorações cinzento-claras e amarelas, nas raças nativas dos climas tropicais”. O que se confirmou com as observações de BONSMA (1955), na África do Sul. A coloração típica do Hereford, com sua cabeça branca, pode dificultar a adaptação aos climas de intensa insolação, visto ser comum a presença de câncer em torno dos olhos, se estes não forem protegidos por um anel vermelho. É o que a observação e a experiência têm ensinado, como se conclui ainda dos trabalhos de BONSMA. Os práticos pretendem que as pelagens claras, ou mesmo a despigmentação parcial do pelo, sejam uma causa indicativa de diminuição do vigor, da vitalidade, do valor do indivíduo como reprodutor. É possível dizer que a despigmentação é um característico que pode desvalorizar o animal para reprodução. Falta, contudo a palavra da experimentação, ou uma observação rigorosa nesse sentido. O que se sabe é haver certa tendência para escolher reprodutores dentre os mais escuros, mais pigmentados, livres de qualquer suposta aproximação com o albinismo. A pelagem também é atributo de grande importância quando se trata, por exemplo, de espécies cujo valor econômico reside nela quase exclusivamente. Assim temos o Carneiro, cuja lã escura ou preta não apresenta o mesmo valor da lã branca, devido à facilidade com que esta recebe os corantes; o Coelho, cuja pele é tanto mais preciosa quanto mais se aproxima do tipo comercialmente mais procurado; os animais de luxo, Cães eGatos, cuja qualidade e coloração da pelagem têm o seu quê de precioso, pelo que se faz necessário fixá-las de acordo com a exigência do mercado consumidor. O mesmo acontece com as Galinhas de utilidade ornamental, cuja plumagem constitui um dos caracteres que mais as valorizam. Pelo contrário, em se tratando de animais, cujo valor se baseia em outras funções produtivas - nos animais de produção econômica, propriamente - então quase que desaparece a importância da pelagem, na sua exploração deles. Esta se restringe a orientar o criador sobre a origem racial do indivíduo, sobre a pureza de sangue: mas sem se lhe dar demasiado merecimento. 6 A pele, os pelos e a mucosa A pele, que já estudamos como elemento da pelagem, deve ainda ser considerada quanto a sua espessura, sua extensão e sua riqueza em glândulas. A espessura da pele é característico que, até certo ponto, pode ser considerado como étnico. Em geral as raças melhoradas têm pele fina, enquanto que as rústicas têm-na mais grossa. Há, contudo raças que conservam a pele grossa apesar de melhoradas em suas funções produtivas: a Charolesa, por exemplo. A pele grossa é, pois atributo que raças aperfeiçoadas conservam, por herança, de seu tipo étnico originário rústico. 101 Essa apreciação da espessura da pele convém lembrar, e puramente empírica. Uma tentativa conhecida de medir rigorosamente a espessura de couros verdes, de bovinos, e zebuínos, e seus mestiços, por meio de um calibrador especial, não deu indicações que servissem para uma conclusão definitiva, segundo seus autores3. Antigamente, pensava-se que a finura e suntuosidade da pele eram características de raças inclinadas à produção leiteira, e de leite gordo; mas isso não foi ainda confirmado experimentalmente. A frouxidão da pele quer dizer abundância de tecido conjuntivo, e, portanto de aptidão para engorda. Verifica-se variação no peso dos couros, entre as espécies domésticas de Bovinae. Assim o Búfalo parece ter o couro mais pesado (mais grosso também) do que o dos bovinos. Observação feita no matadouro de Belém dá para o couro de Búfalo de Marajó o peso de 49 kg (média de 433 indivíduos), enquanto que para os mestiços de Zebu, sob as mesmas condições, esse peso variou de 30 a 40 kg. Outros dados tomados de abate, no mesmo matadouro, dão à média de 56,3 kg - o que nos permite generalizar, dizendo que o couro de búfalos pesa em torno de 50 a 60 kg. Os zebuínos se caracterizam por apresentarem uma pele cuja área é bem maior do que a superfície corporal, parecendo ter sido talhada para um animal maior. Ela se mostra solta, formando dobras no pescoço, e estendo-se em forma de barbela e de "umbigo". WORSTELL e BRODY (1953) verificaram que a área da superfície corporal do Zebu é 12% maior do que a do Jersey do mesmo peso. Sua barbela se mostra, então, muito desenvolvida, assim como o umbigo e a bainha dos machos. Isto parece favorecer a adaptação do animal ao clima quente e úmido dos trópicos, pois lhes permite dissipar mais calor, transpirar e respirar pela pele, de modo mais eficiente, para agüentar as altas temperaturas e as grandes soalheiras. Outra diferenciação, que se depara no couro, é quanto ao número de glândulas sudoríparas. KELLEY (1932) e YAMANE e ONO (1936) e outros fizeram verificações todas concludentes em admitir que, nos zebuínos, é maior o número de glândulas dessa natureza, além de serem maiores e mais ativas. Dos trabalhos de DOWLING (1955) e de NAY e HAYMAN (1956) conclui-se não somente que o Zebu tem maior número (cerca de 1 ½ vez mais) do que o gado europeu, bem como se trata de glândulas maiores 2 ½ vezes, e em forma de saco. Outra observação é que, na barbela, as glândulas são menos numerosas e ligeiramente menores do que no corpo. A coloração da mucosa, nas aberturas naturais ou mucosas visíveis, pode ser um caráter étnico. Temos, por exemplo, a mucosa clara do Si mental, a amarela do Caracu. A rósea do Devon, a pigmentada ou escura do Holandês. A qualidade e dimensão do pelo são atributos ligados a certas raças de modo caracterizaste, donde haver raças que se distinguem pela variação particular do modo de ser de seus pelos. Assim, citam-se o Cão dos Esquimós e o das populações da cordilheira andina, de pelo longo, duro e áspero; o Coelho e o Gato Angorá de pelo longo e sedoso; a Cabra Angorá de pelo longo e crespo; o Carneiro Karakul de lã crespa quando nova, e lisa, quando adulto; o Carneiro Merino de lã fina e tamanha médio, e ondulada; o Carneiro Lincoln de lã comprida; certas raças de cavalo, como a Belga, a Clydesdale, com pelos nas extremidades dos membros, típicos. 3BLACK, SEMPLE & LUSH (1939) – Beef production and quality as influenced by crossing Brahman with Hereford and shorthorn Catle. Washigton. U. S. Dep. Of. Agriculture. 102 7 Os chifres Os chifres constituem também atributo racial importante, seja pela sua ausência, seja pela variada conformação que apresentam certas raças de bovinos e zebuínos. Como extremos, citemos as nossas duas raças nativas, a Mocha (sem chifres) e a Junqueira (de chifres desenvolvidos ao máximo). O modo de inserção dos chifres permite classificar as raças bovinas em retilíneas, convexilíneas e concavilíneas, como propôs BARON (1888). Nos zebuínos, é flagrante a diferenciação étnica por meio desses apêndices córneos, que se mostram bem diversos quanto à implantação, direção e forma, nas raças Gir, Nelore, Guzerá e Indubrasil. Ainda, a seção do chifre varia hereditariamente: há chifres de seção oval e de seção circular. Enfim, há chifres finos e curtos, finos e médios, grossos e curtos, e grossos e longos. Há chifres brancos com pontas escuras (Holandês), chifres claros com pontas afogueadas (Caracu), chifres escuros (raças indianas). 8 Plumagem das Aves Nas aves, a coloração da plumagem não podia deixar de constituir elemento de distinção étnica. Mesmo dentro da raça, ela ainda pode ser um elemento, para isso, como é o caso das variedades ou sub-raças de Galinha: a raça Legorne, por exemplo, está fragmentada em variedades tais como a Branca, a Perdiz, a Preta e outras: a Orpington tem a variedade Branca, a Preta, a Amarela; a Plymouth Rock pode ser Barrada, Branca. Como se vê sempre o critério da plumagem como fundamental. Mas a plumagem pode variar ainda conforme o sexo, seja geneticamente, seja por influência harmônica. Os hormônios sexuais, que estabelecem o dimorfismo do sexo, influem na formação da plumagem, que pode ser então masculina ou feminina, conforme a carga harmônica do indivíduo, e não propriamente quanto ao sexo. A coloração diferente dos indivíduos, conforme o sexo depende da atividade de gens sex-linked (ligados ao sexo). Daí a diferença entre galo e galinha, na plumagem, que se nota em certas raças como a Wyandotte prateada, na Brown Legorne, na Dorking prateada e nas variedades de Game. 9 As orelhas Nas espécies domésticas esse é um atributo de grande variabilidade, desde sua ausência até as variedades de dimensão e forma. Indivíduos sem orelhas ocorrem entres os caprinos, daí a chamada cabra “Nambi”, cujas orelhas são ausentes ou reduzidas a rudimento. Nos coelhos verifica-se grande variação desse atributo, que normalmente mede 12-14 cm. Mas no caso da raça Bélier, as orelhas são demasiadamente grandes e largas, tendo-se medida até 69 cm de envergadura (da ponta de uma orelha à ponta da outra, passando pela nuca) e 18 cm de largura. Trata-se do Bélier inglês, raça de finalidademeramente esportiva. O que se passa com as raças zebuínas, criadas no Brasil, também constitui um exemplo da importância das orelhas como atributo étnico. O Gir, por exemplo, tem orelha grande, encartuchada, pendente, que começa em forma de canudo, abrindo-se depois em boca de sino, para terminar em ponta temos três tipos étnicos: 1- Porco céltico, de orelhas grandes e pendentes; 2- Porco Ibérico, de orelhas médias, com a ponta dobrada ou caída para frente; 3- Porco asiático, de orelhas pequenas ou em pé ou quase. 103 10 A crista dos Galinos Na Galinha, a forma da crista é um caráter étnico, que serve para distinguir certas raças e ainda as variedades. Conhecem-se, além de outras, cinco formas clássicas de cristas que são: 1 - Crista simples ou de serra, ereta no galo e dobrada na galinha, e que é típica das raças chamadas do Mediterrâneo: Legorne, Minorca, lã Bresse e outras; sua forma reduzida é encontrada nas raças de dupla utilidade de origem americana e inglesa: Plymauth Rock, Rhode Island, New Hampshire, Langshan, Orpington e outras. 2 - Crista de ervilha, reduzida a três ordens de glomérulos dispostos longitudinalmente ao eixo da cabeça, como nas raças Brahma, Indian Game, Bukeye, Aseef e outras. 3 - Crista de rosa, com uma base larga e uma cauda alongada e afilada para trás, e que encontramos nas raças Hamburguesa e Wyandotte. 4 - Crista de noz, cuja forma lembra a de uma amêndoa descascada, e que se depara na raça Malaia, afim dos dois tipos étnicos, (ervilha e rosa), cujas cristas têm os fatores genéticos fundamentais desta forma de crista. 5 - Finalmente a crista rudimentar ou ausente, como na raça Breda. 11 Os Atributos Fisiológicos Os caracteres fisiológicos são de duas ordens: os puramente fisiológicos e os que se confundem com as funções produtivas ou faculdades econômicas. O temperamento, a constituição orgânica, a precocidade, a velocidade de crescimento, a prolificidade, o odor, a imunidade, o insulto, a memória pertencem ao primeiro grupo de caracteres com uma dobra para dentro, formando o "gavião". O Guzerá tem a orelha grande e larga, acabanada, com a parte ventral voltada para dentro. E o Nelore apresenta orelhas menores, em relação às demais, em forma de concha, terminando em ponta de lança. Nos Suínos deparamos ainda as orelhas como atributo étnico, característico para distinção das raças. Assim é que propriamente fisiológicos que, embora não se confundam com as funções econômicas, apresentam importância econômica, visto servirem ao melhor aproveitamento dos animais domésticos, na sua exploração pelo homem. A lactação, a locomoção, a formação de carne e gordura, a produção de lã e a de ovos, o faro são também funções fisiológicas, mas que o homem explora como vimos e por isso mesmo passaram ao rol das funções produtivas. Os atributos desta natureza são em geral mais difíceis de serem verificados e medidos nos animais, a primeira vista, no que se distinguem dos atributos morfológicos ou exteriores, fáceis de ver, apalpar. Principalmente os caracteres econômicos, cuja presença e intensidade, no indivíduo, é preciso determinar para sua exploração mais eficiente, e que são medidos ou avaliados com o auxilio de métodos especiais de cálculo, de pesagens, mensurações, análises, para que se possa acertar com certa precisão qual a intensidade de sua manifestação. Quase sempre a simples inspeção nunca é suficiente para sua determinação exata, mesmo comparativamente: quando muito, por esse meio teremos uma avaliação apenas provável. 104 Fig. 29 – A orelha como atributo racial levado a extremos. Bezerro da raça Indubrasil. Fazendo Barreirinha. Araxá (Foto Álvaro Cardoso) Os caracteres morfológicos ou exteriores se manifestam desde cedo, com raras exceções, e podem assim ser logo pressentidos e considerados. Os fisiológicos, pelo menos os que mais nos interessam sob o ponto de vista zootécnico, são de manifestação especial e a tempo certo, e, como vimos, somente a observação cuidadosa e baseada em métodos técnicos, pode nos dizer, com rigor, da sua existência e intensidade. Acrescente-se a isso que, em geral, mais facilmente esses atributos, em sua maioria, são influenciados pelo ambiente: alimentação, trato. Fenotípicamente, bem entendido. Mas resta saber se tais atributos são de natureza étnica. São e é fácil prová- lo. Tanto os propriamente fisiológicos, como os de natureza econômica são caracteres que se transmitem de pais a filhos: nos cruzamentos de raças e linhagens diferentes dá-se a transmissão biológica de tais atributos – que algumas vezes até caracterizam, assinalam tais raças, ou linhagens - tal como se da com os morfológicos mais pronunciadamente, é verdade. Assim um descendente de um animal linfático terá temperamento linfático, o filho de um indivíduo de constituição orgânica robusta poderá ter tal constituição, o herdeiro de um touro de tendência engorda também o terá, uma descendente de boa leiteira poderá ser também boa produtora de leite. São, pois entidades étnicas, como disse ZWAENEPOEL (1922).Prova-se ainda que, de fato, os atributos fisiológicos são atributos étnicos, porque por meio deles caracterizamos ou definimos raças, linhagens, famílias de animais domésticos: assim há raças para carne, para leite, para ovos, para lã, ou raças de temperamento linfático, de constituição orgânica robusta. 105 Figura 30 – Variação em Chifres, num mestiço zebuíno. Figura 31 - Espécime da raça Húngara, que pode servir para ilustrar um exemplo de “Constituição robusta”. ( Importação do M. da Agricultura, 1936). 12 Constituição Orgânica Constituição orgânica é a modalidade de reação do organismo em face das condições do meio. É, a meu ver, o estado ou condição geral do organismo como reação deste aos fatores ambientes, que possam influir sobre sua vida e sua reprodução. Ou é a sua “característica dinâmica”, para me servir das palavras de ZWAENEPOEL (1922). A longevidade – ou duração útil do animal - é uma conseqüência da constituição orgânica do animal e de sua adaptação ao meio ambiente onde vive; e que varia conforme as raças e dentro das famílias. Uma hipótese de MALSBURG (1911) pretende explicar a constituição orgânica pela forma e dimensões das células, que formam certos tecidos, do animal. As células pequenas devem possuir mais vitalidade, por apresentarem maior face de exposição exterior, em relação a sua massa, desde que consideremos que é através de suas paredes que acontecem as trocas fisiológicas. Medindo o diâmetro de suas fibras musculares estriadas, dos músculos do abdome e da perna, de alguns animais de constituição orgânica, MALSBURG pode verificar que as fibras mais grossas 106 correspondem à constituição robusta; as fibras finas e firmes, à constituição seca; as fibras finas, de estratificação delicada. Comumente fala-se de animais de “boa constituição” ou de “má constituição”. Há realmente animais de notável resistência orgânica às enfermidades, às mudanças do clima, à má ou a nutrição irregular, ao rigor das estações. São os chamados de boa constituição, são animais sempre sadios, cujas atividades fisiológicas não se perturbam. A boa constituição serve de base à rusticidade. Outros há que mal resistem àquelas causas prejudiciais a saúde. Pelo contrário, os menores males os atingem sempre de modo mais severo e devastador. Nas épocas de penúria ou de clima mais rude, tem de ser objeto de mais cuidado do que outros. São os chamados de, má constituição,são indivíduos doentes uma vez por outra, com perturbações mais ou menos freqüentes na sua fisiologia. Essa diferença, tão fácil de verificar entre os animais de um rebanho, não devemos esquecer, é de fundo genético; essa reação natural do indivíduo em face do meio: temperatura, umidade, ventos, luminosidade, pastagem, trato, agentes etiológicos (parasitos, bactérias etc.), tem origem na formação hereditária dele, é inerente a cada ser que nasce; não é adquirida. Na seleção a que se submete um rebanho, tem muita importância a consideração desse atributo fisiológico, porque sendo ele hereditário como é, transmitir-se-á de pais a filhos, e um reprodutor de má constituição só poderá procriar descendentes em maior ou menor número, com esse atributo indesejável. É difícil, contudo determinar-se, por simples inspeção, a constituição orgânica de um animal. Faz-se senhor o conhecimento da raça e a apreciação perfeita e prolongada do indivíduo considerado, e do regime no qual se criou, pois este pode falsear a nossa observação. A um animal de raça especializada, basta à permanência prolongada no campo para ficar "peludo", e isso poderá dificultar, senão impedir, nosso julgamento. O regime de criação, em geral, exterioriza as aptidões hereditárias do indivíduo, e entre estas a constituição orgânica. Finalmente, devemos lembrar que “a constituição é a base de todo rendimento econômico” (KRONACHER 1937), daí sua importância na prática da criação, daí a necessidade de se apreciar a constituição dos animais, o que, sem saber ou dize-lo, todo criador adiantado faz, ao escolher para reprodução os animais mais sadios, mais resistentes às vicissitudes do meio, mais fáceis de criar e reproduzir. Considerada do ponto de vista zootécnico, a constituição orgânica pode ser: robusta ou rústica, seca ou fina, e delicada ou débil. A constituição robusta ou rústica é aquela própria dos animais criados extensivamente, sem especialização funcional e sujeitos a uma seleção quase natural. Caracterizam-se por possuírem pele grossa, de pelos compridos, duros e mais abundantes (climas frios) ou pelos curtos, sentados, não tão abundantes (climas quentes); os ossos são grossos, o corpo volumoso (se em boas condições de criação), mas deficiente nas suas partes úteis. Segundo a teoria de MALSBURG (1811), seus órgãos devem ser constituídos por células maiores, e, pois de atividade fisiológica reduzida, dai sua baixa produção. A constituição seca ou fina é observada nos animais aperfeiçoados zootecnicamente, de funções especializadas, mas sem exagero, suas características são a pele fina, solta, de pelos finos, curtos, macios, ossos reduzidos, mas espessos, e com as partes musculares úteis mais abundantes. E consoante MALSBURG, o número de células, que constituem esses indivíduos, deve ser o mesmo que no caso de constituição robusta, mas tais elementos anatômicos serão pequenos, de função fisiológica mais ativa, pelo que serão animais mais produtivos que aqueles. 107 A constituição débil ou delicada se encontra nos animais demasiadamente especializados, e nos quais foi ultrapassado o limite de resistência do organismo, o que favorece os desequilíbrios funcionais. Suas características agravam-se no sentido da finura da pele, da quase ausência de pelos, da excessiva fineza do esqueleto recoberto por uma musculatura deficiente, ou, em outros casos, desenvolvida e degenerada pela formação excessiva de gordura, e finalmente de nervosidade às vezes exagerada. O órgão especializado, esse, pode entrar em um estado de desequilíbrio funcional, aproximando-se de um estado já patológico. 13 A Imunidade A imunidade é certa resistência natural do indivíduo a contrair determinadas moléstias infecciosas. Ela pode ser, porém, natural ou adquirida. A imunidade adquirida aparece no animal após a manifestação, nele, de uma moléstia infecciosa. É o caso da imunidade à "Tristeza", nos bovinos. Os animais, que vivem em campo onde existem carrapatos transmissores de piroplasmose e babesiose, sendo contaminados desde cedo, e paulatinamente, tornam-se imunes a estas moléstias. Trata-se de uma imunidade adquirida. A vacinação confere, também, aos animais, essa forma de imunidade. Não é ela, todavia, que nos interessa aqui. A imunidade natural é que constitui um caráter hereditário, e, portanto, dentro dos atributos étnicos que estamos estudando. A imunidade natural, como lembram KOBOZIEFF e NKOBOZIEFF (1943), é absoluta quando o organismo permanece refratário a qualquer que seja o grau de virulência do germe. E relativa quando somente uma virulência excepcional torna o animal sensível. A imunidade natural é mais vezes um caráter especifico, visto como os germes patogênicas apresentam preferência por determinada espécie e não outras. Assim a Peste bovina não ataca senão aos bovinos e não aos zebuínos; o Mormo, aos eqüinos; a Pullorose, as galinhas. Há, porém, dentro da espécie, certa imunidade que pode constituir-se atributo de determinada raça ou raças. WEBSTER (1924 - 1925) demonstrou a possibilidade de criar uma raça resistente e outra suscetível ao tifo aviário, segundo os autores acima citados, por seleção de linhagens, nas quais a mortalidade apresentava-se em 15% dos indivíduos e 85% respectivamente. Aos mesmos resultados chegaram PRITSCHETT (1925) TOPLAY (1926). COLE (1920) verificou a possibilidade de distinguir, numa população de Coelhos, indivíduos resistentes à brucelose (Brucella abortus) e outros suscetíveis, sendo que a sensibilidade se apresenta como caráter recessivo, e a resistência, como dominante. Segundo FRATER (1943) há, nas aves, uma diferença hereditária na sua resistência a difteria aviário. KRALLINGER e CHODZIERNER (1931) demonstraram que a Legorne se mostra muito resistente a Coccidiose aviária, enquanto que a Faverolles é muito sensível. Os indivíduos mestiços, da primeira geração, manifestam resistência a moléstia, comprovando ser hereditária essa resistência. Na Legorne branca há linhagens mais resistentes a diarréia bacilar (Salmonella puIlorum) do que outras, segundo LAMBERT (1932), o que demonstra a seguinte seleção através de cinco gerações comparativamente a um grupo testemunha: 108 TAXA DE MORTALIDADE Gerações Grupo selecionado (%) Testemunha (%) F1 (1927) F2 (1928) F3 (1929) F4 (1930) F5 (1931) 38,8 29,2 15,4 15,1 9,4 89,6 93,2 86,2 86,4 85,0 O Carneiro algeriano é refratário ou pelo menos muito resistente ao carbúnculo de origem européia, e, na cruza, os mestiços herdam essa imunidade. Demais, a permanência do carneiro europeu, na Algéria, não confere a este tal resistência, segundo LETARD (1925). 14 O Temperamento Chama-se temperamento ao estado geral do organismo, com relação ao seu sistema nervoso, a sua inervação, o qual se denuncia pelo modo de reação do animal as impressões exteriores. Para ZWAENEPOEL (1920) há sinonímia entre caráter e temperamento: bom temperamento significa caráter doce, brando, e mau temperamento quer dizer caráter mau. Aliás, é o que se observa na linguagem corrente. O temperamento pode se manifestar de modos diferentes: vivo nervoso e linfático. O temperamento vivo é próprio do animal esperto, de movimentos rápidos, reagindo sensivelmente às impressões exteriores. Os animais de temperamento vivo têm sempre atitude de espreita, é algo desconfiado. Interessados sempre pelo que se passa emforno deles, seu andar é mais rápido, são ligeiros, de orelhas atentas, olhos vivos, expressão de vigor e coragem. O cavalo "reparador", como diz o nosso sertanejo, é um bom exemplo, que se pode tornar clássico, do animal com esse temperamento. O temperamento nervoso já é o temperamento vivo exagerado. A nervosidade no Cavalo torna-o indomável, ou quase. Nos processos defeituosos de amansamento, os cavalos de tal temperamento exagerado adquirem, quase sempre, vícios morais, como o morder, o escoicear, o bolear. O temperamento linfático, calmo, não excitável, já é próprio dos animais dóceis, mansos, mesmo indolentes. Tais animais são morosos no trabalho, que só executam com mais ou menos atividade quando solicitados. Dificilmente empregam toda sua energia num esforço qualquer. Conservam, em geral, a cabeça baixa, orelhas indiferentes, olhar morto, inexpressivo, expressão de cansaço, por vezes, e calma completa quando em repouso. Enquanto esta forma de temperamento pertence aos animais de raça melhorada para carne, ou gordura, para leite etc., o temperamento vivo é dos animais não especializados das raças naturais. Nos cavalos, o temperamento vivo é atributo das raças velozes, enquanto o linfático já a é dos animais de tiro, volumosos, pesados, de andar e movimentos lentos. O temperamento é hereditário, caracterizando as famílias dentro de uma raça. Por isso na mesma raça é possível encontrar animais com temperamentos diferentes. Entre os cavalos de tiro há animais vivos impróprios para essa exploração econômica. Da mesma sorte entre os de corrida descobrem-se indivíduos 109 linfáticos que, para serem mais velozes, necessitam do estímulo do chicote. Há vacas leiteiras de temperamento nervoso (vacas coiceiras, indomáveis, excitadas), o que as desqualifica até certo ponto para a produção de leite. O temperamento é um atributo muito influenciado pelos fatores exteriores: os efeitos dessa influência, todavia, só se manifestam enquanto tais fatores atuam: sua ação é direta. - E tais fatos são a alimentação e o regime de criação, o trato á que se submete o animal. Uma alimentação aquosa - raízes, o verde, alimentos hidrocarbonados não concentrados - pode tornar o animal "linfático". Ao contrário, uma alimentação concentrada, excitante, produz animais "vivos" ou mesmo "nervosos", se houver propensão para isso. A influencia do regime e do trato é mais transitória. Um animal (touro, garanhão) entabulado torna-se em geral de temperamento mais nervoso. Um cavalo criado no campo, quando posto nas ruas de uma cidade, por certo que se excita, tornando-se nervoso, embora temporariamente. O amansamento imperfeito, mal conduzido, forma cavalos coiceiras, mal- criados, defeitos esses que podem ser corrigidos, neste caso, pois não se trata propriamente de uma inclinação hereditária: isto é, da própria índole do animal. Não devemos ainda esquecer que o temperamento, herdado pelo animal, pode ser modificado pelo manejo ou_ cirurgicamente pela castração. Com a castração é que temos o cavalo quartau, o boi de trabalho, o novilho de engorda, o boi chamurro4, o porco capado, o carneiro capão, o galo- capão. 15 O Odor e o faro O odor, que se exala da pele de alguns animais, é também um atributo hereditário, caracterizando certas espécies e certos animais, LÉTARD (1925), cita os cães havaneses e malteses desprovidos de odor, enquanto os cães de pele nua exalam odor característico. A alimentação nenhuma influencia tem neste caso. É nas deposições orgânicas da raça, diz BERILLON (1915) que se acham as causas fundamentais das exalações odorantes. Pode-se considerar a bromidrose fétida como atributo étnico fiel em certas raças humanas. Durante a guerra, na qual diversas raças se acotovelavam, foi possível identificar, pelo odor apenas, certos ocupantes de um acampamento ou trincheira, tempos depois de sua partida, conta-nos LÉTARD (1914). O cheiro característico dos caprinos, mormente do macho, é clássico, assim como o do Pato. Todavia, entre os caprinos, a raça Nublaria é aquela onde os machos se mostram mais ou menos livres de forte odor hircino. Chama-se faro ao olfato dos animais, particularmente do Cão, no qual este sentido é acentuadamente apurado, o que permitiu seu emprego na caça. Ao lado da coragem e inteligência, foi o que o homem explorou desde cedo nessa espécie, que ele domesticou em parte por isso mesmo. Dentro da espécie, o faro varia muito, mas, comparando-se com as outras espécies animais, o Cão é aquela de faro mais fino. As raças de mais pronunciado faro são: os Bravos, especialmente o Pointer, o Setter, os Cães pastores e outros. Entre as formas brasileiras de cães é possível citar o Perdigueiro, notável pelo faro. Pela sua coragem e inteligência, aliadas ao faro agudíssimo, são 4 Diz se de bovino castrado tarde, já adulto, em geral um touro que por isto ou por aquilo deve passar a categoria de boi de trabalho ou para engorda. 110 elas todas empregadas na caça. É possível citar ainda os Basses, como de bom faro, indicado para caça especial, do Coelho, por exemplo. Ao contrário, os Dogues são de faro tão pouco sensível, que o Bull-Dog chega a não reconhecer seu próprio dono, agredindo-o, o que faz também levado pela sua extrema ferocidade. Incluem-se ainda os Lebréus como cães de pouco faro. E, como se sabe, o pouco faro desses, animais é compensado pela vista agudíssima, que lhes permite servir a caçada da Lebre, nas planícies. 16 Os Caracteres Morais ou Psíquicos Os caracteres, que dizem respeito ao sistema nervoso propriamente, são atributos fisiológicos chamados morais ou psíquicos. Os que nos interessam são o instinto e as qualidades morais, que permitem o adestramento dos animais. Os atos chamados instintivos não dependem da reflexão. Pode-se dizer que, de um modo geral, seu fim é a conservação do indivíduo, e indiretamente da espécie. Por instinto, os animais executam certos atos inconscientes, independentes da vontade, levados pela excitação exterior, por uma vontade interior cega. Podemos citar como atos chamados instintivos, os seguintes: o pinto que pica a casca do ovo para se libertar dela e nascer; os mamíferos recém-nascidos que se põem a sugar o peito materno, enfim todos os atos que os animais executam na vida, tendo como fim, na maioria das vezes, a defesa do indivíduo, e como característico a inconsciência do próprio ato. Nem sempre os atos instintivos são úteis aos animais, podendo ser-lhes indiferentes, ou nocivos muitas vezes; isto quando o animal se encontra em ambiente que não o seu, e neste caso ou ele modifica os instintos nocivos ou a espécie perecerá com ele. A manifestação dos instintos também varia como os atributas morfológicos. E, como no caso destes, persistem as variações úteis, favoráveis à espécie, ou pelo menos não prejudiciais a ela. Os atos instintivos se transmitem de pais a filhos. São atributos hereditários e não adquiridos. Seu aperfeiçoamento nos animais superiores deu origem aos atos dirigidos pela inteligência. Ora, se os instintos também sofrem variações, e se são hereditários, segue-se que no processo de domesticação houve variação do instinto dos animais, sendo então conservadas as variações úteis ao fim zootécnico da criação, ou do próprio animal posto a viver e a reproduzir-se em ambiente diferente do de sua origem. Como variaçãodo instinto pode ser citado o enfraquecimento do apego materno: as mães se tornam menos zelosas e vigilantes de seus filhos, chegando mesmo a abandoná-Ios ou a sacrificá-los por uma aberração do instinto. Os filhos, por sua vez, se mostram menos aptos, ou quase inaptos para a luta pela vida, necessitando o concurso do homem, mormente em se tratando de animais especializados, pois os instintos de defesa do animal diminuíram, ou quase desapareceram em domesticidade e na especialização de suas funções econômicas. Muito comum e conhecido é o fato das vacas, de raça especializada, facilmente se deixarem ordenhar a mão ou a máquina. Por sua vez, os bezerros destas vacas também adotam facilmente o aleitamento artificial, enquanto que os das raças rústicas não especializadas se mostram refratárias a qualquer aleitamente que não seja o natural. 111 17 Memória e Instinto de Imitação O instinto, nos animais superiores, aperfeiçoados pela experiência adquirida e pela memória, se manifesta em inteligência. De fato, "os animais superiores podem amoldar suas reações aos múltiplos excitantes do ambiente", o que afinal não é senão aperfeiçoamento dos atos instintivos, graças a experiência e a memória. A experiência adquirida pela repetição de certos atos, sempre os mesmos na qualidade e na intensidade. Quanto à memória, não podemos negar sua existência nos animais, porque psicologicamente ela não é mais do que um efeito aperfeiçoado de impressões repetidas, de excitações exteriores, sobre as células nervosas. Dentre os instintos, devemos fazer referência especial ao chamado instinto de imitação, que é indispensável na explicação do adestramento. O instinto de imitação é o ato pelo qual o individuo procura repetir o que vê seu semelhante fazer. Basta colocar um animal não ensinado ainda, para determinado serviço, junto a outro já adestrado, para que aos poucos, levado pelo instinto, ele comece a executar, embora imperfeitamente, o que percebe o outro fazer. Devido a tal instinto é que o animal novo passa, natural e paulatinamente, na criação a solta, do regime lácteo (amamentação) para o verde, vendo e imitando a própria mãe. É um atributo hereditário: animais de pronunciado instinto de imitação procriam filhos com a mesma faculdade para a imitação. Ora, o adestramento é a operação pela qual o criador torna mais úteis e eficientes os seus animais, pela aquisição de hábitos novos, com eliminação ou modificação do seu instinto natural. Aqui os hábitos são adquiridos por modificação ou educação do instinto, e não se transmitem a descendência. O que faz o adestramento é a imitação e a memória. A imitação já vimos como age e como serve ao adestramento. Temos que acrescentar que tal instinto, sob a ação do castigo e da brandura oportuna, se modifica para melhor: aquela imitação imperfeita aos poucos se aperfeiçoa se educa, e o animal de inábil passa a destro, tanto mais depressa quanto maior sua tendência à imitação. A ação da memória já é a seguinte: os atos repetidos vão sendo por ela fixados, na mesma sucessão com que são executados. Toda vez que o animal errar, em sendo castigado, é natural que depois de certo tempo associe, de memória, a lembrança de castigo a de movimento errado. Pelo contrário, sendo bem tratado (afagos, alimento de sua preferência, etc.) quando acertar, sua memória fixará, do mesmo modo, uma lembrança agradável de outros movimentos. Assim passará a temer de executar aqueles movimentos indesejáveis, com receio de ser castigado; e executará outros, na certeza de não ser castigado ou mesmo de ser recompensado com brandura e alimentos cobiçados. 18 A Orientação É fato conhecido que os animais domésticos, em geral, têm a faculdade de retornar ao lugar onde foram criados, quando dai afastados involuntariamente. O cão auxilia-se, para isso, principalmente do faro. Os bovinos, os cavalos, o jumento, o burro, e mesmo o carneiro e a cabra tem facilidade maior ou menor de regressar ao local de sua criação, perfazendo longas caminhadas, atravessando mesmo obstáculos naturais. Trata-se de um comportamento dos animais criadas extensivamente, das raças micológicas, animais que são mais o produto de seu ambiente, do que da ação do homem. As abelhas comparadamente, devem ser incluídas neste grupo. 112 Essa faculdade culmina, todavia, no Pombo-correio, que voa de longínquas distâncias, em retorno ao seu pombal. A princípio pensou-se que se tratava de uma alta sensibilidade do animal, que assim seria capaz de sentir as diferenças mínimas de temperatura, de pressão atmosférica, de umidade do ar, as quais constituiriam elementos para sua orientação; ou de uma sensibilidade mais fina ainda, capaz de perceber as correntes elétricas, ou melhor, magnéticas, ou mesmo de um "sentido magnético": e finalmente a hipótese de um instinto até certo ponto de características inexplicáveis. Hoje a suposição imparcial, sem preconceitos, é que esses animais se servem da visão e da memória para se orientarem nos seus longos vôos de retorno. E a explicação é a seguinte, segundo RABAUD (1926): logo que livres, os pombos alçam-se na atmosfera, fazendo círculos concêntricos e cada vez de raios maiores, até conseguirem divisar, no horizonte longínquo, qualquer referência que lhes lembre sua terra, quando rumam então para lá, em linha reta. Não há supôem-se como quer DUMAS a necessidade de buscar mais um sentido para interpretar essa admirável faculdade do Pombo, e semelhantemente das abelhas. Esses animais se servem de pontos de referência, simplesmente. Um autor moderno, estudando o assunto, chega a alinhar algumas razões pelas quais se pode admitir que, na orientação do Pombo, o fator primordial é a "memória topográfica", e não um sentido de orientação. Essas razões, que foram tomadas de BERLIOZ (1950), são as seguintes: Os indivíduos não exercitados não têm êxito, em geral, no seu regresso, mas há exceções, embora muito raras. Fazendo pombos ficarem cegos, estes são incapazes de acertar com o pombal, de volta (RODENBACH, 1895). No mar, eles só regressam quando afastados da costa menos de 300 km. Em terra, eles se orientam melhor nos dias claros e luminosos, quando é boa a visibilidade (SHNEIDER, 1906). Quando a região está coberta de neve, eles facilmente se perdem ou regressam com grande atraso, o mesmo acontecendo quando o tempo está encoberto ou há cerração. Quando o Pombo conhece a região, parte em linha reta; quando a região não lhe é bem conhecida, passa a fazer circunvoluções, ou descrever ziguezagues ou mesmo espirais (SHNEIDER, 1906). O número de pombos, que não regressa, é relativamente grande, mesmo a uma distância média; e a percentagem dos êxitos decresce com a maior distância a percorrer, de regresso. Tal comportamento escreveu CLAPARÉDE (1903, 1943), tende a demonstrar que a capacidade de orientação do pombo-correio consiste, em parte pelo menos, em procurar a região que ele conhece bem. Finalmente para BERLIOZ, embora seja primordial a memória topográfica, acha ele que deve haver outro fator (1950). Não se trata, pois, de instinto ou coisa semelhante. Essa faculdade de orientação é coisa mais simples: resulta de certa sensibilidade muito aguda, casada a excelente memória. 113 Questionário n° 7 1 - Que mais interessa ao criador industrial: o genótipo ou o fenótipo? E ao melhorista? Explique.2 - Distinga as três sortes de atributos animais, sob o ponto de vista zootécnico. 3 - Que sabe sobre a relação entre os caracteres exteriores propriamente, e as faculdades de produção? 4 - Fale sobre conformação, porte, peso, proporções. 5 - Valor da pelagem e coloração em face do clima. 6- Sua importância econômica. 7 - Poderá haver exagero no considerar a pelagem um caráter étnico? Explique. 8 - Considere a pele e as formações epidérmicas como atributos étnicos. 9 - Idem, mucosa e chifres. 10 - Idem, as orelhas. 11 - Idem, a crista. 12 - Cite os atributos propriamente fisiológicos e quais as produções zootécnicas? 13 - Quais os caracteres mais fáceis e os mais difíceis de determinar? 14 - Que é constituição orgânica? 15 - Explique a hipótese de MALSBURG. 16 - Que importância tem a constituição orgânica na seleção dos animais? 17 - Que é constituição robusta ou rústica? 18-Que é constituição seca e constituição débil? 19 - Que é imunidade e como classificá-la? 20 - Que é temperamento? Como pode ser distinguido? 21 - Estabeleça a distinção a fazer entre as três formas de temperamento. 22 - Qual o temperamento mais indicado para vaca leiteira, cavalo de corrida, animal de tração pesada, de tração leve e animal de engorda? 23 – O sistema de criação pode influenciar o temperamento? Como? 24 - E a alimentação? 25 – Que sabe sobre o odor e sobre o faro, como atributos raciais? 26 - Defina instinto e explique sua importância, e se pode ser caráter racial. 27 – Importância da memória e do instinto de imitação no adestramento o na exploração dos animais. 28- Quais as antigas explicações imaginadas sobre a orientação dos Pombos? 29 - Qual a explicação mais racional dessa pretensa faculdade do Pombo? 114
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