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Senso comum e massa (1)

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07/08/13 Folha de S.Paulo - Colunistas - Francisco Daudt - Eichmann e os patetas - 07/08/2013
www1.folha.uol.com.br/colunas/franciscodaudt/2013/08/1322740-eichmann-e-os-patetas.shtml 1/2
francisco daudt
07/08/2013 - 03h00
Eichmann e os patetas
Li uma coluna de Contardo Calligaris sobre o desejo humano de abdicar de sua capacidade de
pensamento, delegando-a para alguém ou algo mais elevado. Justamente quando estava
enfronhado na leitura do livro "Eichmann em Jerusalém", de Hannah Arendt. Sua agudeza
jornalística é admirável. Deveria ser leitura obrigatória para qualquer profissional da área.
Discordo de Calligaris em dois pontos: Eichmann não foi o responsável pela logística do
genocídio, foi dele uma peça menor. Os responsáveis nazistas por aquela logística foram geniais.
Subdividiram as tarefas como numa linha de montagem, cooptaram líderes da comunidade
judaica sem os quais o tamanho e a eficiência do genocídio não teriam sido possíveis.
Produziram um escalonamento de etapas, até a câmara de gás, que sempre dava a ilusão de
esperança, tanta era a burocracia envolvida.
Eichmann não poderia ter feito isso porque --aí concordo com Calligaris-- era um pateta. Mas aí
vai a outra discordância: um pateta que nunca decidiu por não pensar. Por ser pateta, já não
pensava por si mesmo nem antes nem depois, mesmo dentro do tribunal.
O partido apenas lhe forneceu os meios e as oportunidades de exercer a patetice. Como no
Brasil um "partido-mãe" tentava, até que a soberba de pensar que tinha o povo e os políticos no
bolso fez com que extrapolassem os abusos. Aí a turma foi para as ruas.
O que escapa (ou não) a Calligaris é o fato de que a imensa maioria da população mundial é
composta de patetas como Eichmann. Diria que são 97% --um percentual "impressionista", não
"cientificamente embasado".
São simplórios, pessoas reativas, sem capacidade de reflexão, imediatistas. Deixam que a vida
(ou o pastor, o partido ou a opinião dos outros) as leve. Quem chegou até aqui na leitura não
está com eles, e sim nos outros 3%.
Agarram-se de maneira inconsciente ao que "já está decidido, resolvido e pensado", por isso
"não esquentam a cabeça". Mas qual a fonte dessas "sábias decisões inquestionáveis"? Com o
nome de Transcendente Forte, uma força maior a que se submetem sem refletir --pode ser a
religião, os livros sagrados, os líderes populistas e, principalmente, "aquilo que todo mundo sabe
que é assim": o senso comum.
Às vezes, essas pessoas abandonam o Transcendente Forte, não para refletir, mas para
encarná-lo, tornar-se seu próprio deus, como aconteceu com Lula.
O "politicamente correto" (o novo senso comum) impõe a ideia de que todos são iguais, mas a
"égalité", o ideal da revolução francesa sempre foi o de que todos deveriam ser iguais perante a
07/08/13 Folha de S.Paulo - Colunistas - Francisco Daudt - Eichmann e os patetas - 07/08/2013
www1.folha.uol.com.br/colunas/franciscodaudt/2013/08/1322740-eichmann-e-os-patetas.shtml 2/2
"égalité", o ideal da revolução francesa sempre foi o de que todos deveriam ser iguais perante a
lei. A democracia busca igualdade de oportunidades. Jamais houve nem haverá igualdade entre
os seres humanos, já que uns são mais, outros menos.
Essa é a realidade incômoda não mencionada: somos a minoria da minoria, a aberração, os
esquisitos, os solitários (falar com quem?), os ETs que têm, como saída, aceitar-se como tal e
viver da melhor maneira possível, fazendo bem aquilo que estiver ao nosso alcance.
*
"A Natureza Humana Existe --E Como Manda Na Gente". Meu livro novo na praça (Casa da
Palavra).
www.franciscodaudt.com.br
Francisco Daudt, psicanalista e médico, é autor de "Onde Foi Que Eu Acertei?",
entre outros livros. Escreve às quartas, a cada duas semanas, na versão impressa
do caderno "Cotidiano".
Leia as colunas anteriores
 
www1.folha.uol.com.br
 
 
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/franciscod
audt/2013/08/1322740-eichmann-e-os-patetas.shtml
http://goo.gl/ffgS

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