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Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● TÉCNICA OPERATÓRIA 1 www.medresumos.com.br PRINCÍPIOS DA CIRURGIA PLÁSTICA A cirurgia plástica (do grego, plastikós = moldar, plasmar, reparar) é eminentemente um tipo de procedimento cirúrgico que tem como finalidades a estética ou a reparação tecidual, seja por meio de enxertos ou por retalhos. Desta forma, temos duas grandes escolas da cirurgia plástica: Cirurgia estética ou cosmética: tem a pretensão de trazer as variações da normalidade para o mais próximo possível daquilo que se concebe como padrão de beleza de uma cultura em um determinado momento, além de corrigir alterações evolutivas do tempo, promovendo o rejuvenescimento. Cirurgia reparadora ou reconstrutiva: tem a finalidade de promover a reparação dos tecidos, reposição de substâncias perdidas, reabilitação das funções dos órgãos, em geral, decorrentes de traumas, doenças ou defeitos congênitos. Esta reconstrução pode ser obtida por meio de retalhos e enxertos. É justamente sobre os enxertos e os retalhos que este capítulo tem a finalidade de detalhar. HISTÓRICO A cirurgia plástica, apesar de ter entrado em maior evidência na mídia nos últimos anos, é um procedimento bastante antigo. Papiros egipícios datados entre 3000 a 2500 a.C. já relatavam o uso de procedimentos para o tratamento e reparo de fraturas nasais. Sushruta (800 a.C.) fez uso de técnicas de reconstrução nasal e de lóbulo de orelha. Celsus e Galeno também desenvolveram técnicas de reconstruções. Taggliacozzi, em 1597, divulgou mundialmente reconstrução nasal, servindo como um marco histórico para a cirurgia plástica. De fato, o século XX ficou marcado como o Século da Cirurgia Plástica. PRINCÍPIOS BÁSICOS DA TÉCNICA EM CIRURGIA PLÁSTICA Os princípios básicos para a realização da técnica em cirurgia plástica têm como fundamento comum as bases da técnica cirúrgica e anestésica, isto é: anti-sepsia e assepsia rigorosa, uso de anestesia adequada, desbridamento cirúrgico e hemostasia. Para a realização de uma efetiva e bem sucedida cirurgia plástica, deve-se somar às bases da técnica cirúrgica e anestésica o cuidado e conhecimento das linhas de forças da pele. Este conhecimento é fundamental para que haja a realização de um processo cicatricial harmonioso, de forma que a cicatriz seja o mais invisível possível. Estas linhas são formadas pelos tecidos conjuntivos, fibras elásticas e colágenas que formam feixes perpendiculares no sentido dos músculos. A linha de tensão mínima da pele é sempre perpendicular ao sentido de contração dos músculos subjacentes. Isto significa que: para saber qual a linha de tensão da pele da região manuseada, imagina-se o sentido de contração do músculo subjacente a esta porção da pele e realiza-se as incisões de forma perpendicular ao sentido da contração. A intenção maior de qualquer reparo de lesões cutâneas consiste, portanto, na busca de uma cicatriz esteticamente aceitável e com preservação das funções anatômicas e fisiológicas. Para isso, além do conhecimento das linhas de tensão da pele, deve-se realizar uma técnica minimamente traumática e com a escolha adequada de agulhas e fios cirúrgicos (ver tabela abaixo): quanto maior o fio, maior o trauma. A opção pela sutura também influencia no processo de cicatrização e, portanto, pode influenciar no sucesso da cirurgia plástica. Esta escolha deve ser fundamenta nos seguintes parâmetros que devem ser estritamente seguidos pelo cirurgião plástico: Buscar sempre a cicatrização primária; Fechar a ferida cirúrgica evitando tensão das bordas; Ajuste da altura das bordas com uma boa simetria; Optar pela colocação de pontos nos planos profundos (músculo, fáscia e derme). Região Pele Subcutâneo, músculos e fáscia Face 6-0 e 5-0 3-0 , 4-0 e 5-0 Couro cabeludo 3-0 e 4-0 2-0 , 3-0 e 4-0 Tronco e membros 3-0 , 4-0 , 5-0 e 6-0 2-0 e 3-0 Retalhos 4-0 e 5-0 2-0 , 3-0 e 4-0 Mucosas 3-0 , 4-0 e 5-0 3-0 e 4-0 Arlindo Ugulino Netto. TÉCNICA OPERATÓRIA 2016 Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● TÉCNICA OPERATÓRIA 2 www.medresumos.com.br Os tipos de sutura mais utilizadas para a cirurgia plástica são: ponto simples; em “U” vertical (Donnatti); em “U” horizontal ou colchoeiro; ponto semi-intradérmico (Guinle); sutura contínua simples (Chuleio); sutura intradérmica contínua. A retirada dos pontos depende muito da localização da sutura e do aspecto da ferida cirúrgica. Os valores da tabela abaixo são baseados em médias da literatura. Contudo, pode variar a depender de vários aspectos. O cirurgião deve ter pelo menos a noção que, quanto maior o tempo de permanência da sutura na ferida, maior será a cicatriz. ENXERTOS A utilização de enxertos consiste na retirada de tecido de uma região (doadora) e a sua transferência para uma outra área (receptora), recebendo, nesta nova área, suprimento sanguíneo, o que garantirá a sua integração. Os seguintes tecidos podem servir como enxertos para a cirurgia plástica: pele, cartilagem, osso (uso da fíbula ou de parte do osso do quadril), nervo (uso do nervo sural), gordura, músculo, fáscia (uso da fáscia lata da face lateral da coxa), tendão. CLASSIFICAÇÃO Atualmente, assim como existem os bancos de sangue, já existem os chamados bancos de pele. A pele, nestas unidades, é oriunda de cadáveres devidamente examinados quanto a possíveis patologias infecto-contagiosas (como AIDS) e armazenada para possível uso de homo-enxerto, quando necessário. Os enxertos de pele – tipo mais utilizado de enxerto na propedêutica da cirurgia plástica – podem ser classificados da seguinte maneira: Quanto à fonte de obtenção: o Auto-enxerto (enxerto autólogo): doador e receptor são o mesmo indivíduo. o Homo-enxerto (aloenxerto): doador e receptor são indivíduos diferentes, porém da mesma espécie (como de um cadáver, por exemplo). Contudo, a pele é bastante antigênica e muito provavelmente, mesmo neste tipo de enxerto, por causar rejeição. Por esta razão, o homo-enxerto servirá apenas como um curativo biológico, de modo que, por volta de 10 dias, será totalmente rejeitada. O médico deve, então, intervir e aplicar outro tipo de curativo. o Xenoenxerto: doador e receptor são de espécies diferentes. O índice de rejeição é alto e também só funciona como curativo biológico para evitar infecções. Quanto à espessura: o Parcial: envolve apenas a epiderme e parte da derme. Permite cobertura de grandes áreas corporais. É o mais utilizado. o Total: envolve a epiderme e a totalidade da derme. Tem uma qualidade estética superior, mas tem seu uso e áreas doadoras limitadas às mãos, dedos e face. Região Dias Pálpebras 2 a 5 Face 5 a 7 Tronco e MMSS 7 a 14 MMII 10 a 15 Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● TÉCNICA OPERATÓRIA 3 www.medresumos.com.br Tipos de enxertia: o Estampilha: enxertos de pele parciais são colocados como se fossem selos. o Malha: utiliza-se enxerto de pele parcial e um expansor de pele, que consegue expandir a pele de 1,5 a 9 vezes. Tem mau resultado estético. o Tiras CONSIDERAÇÕES QUANTO À ÁREA DOADORA A área doadora, isto é, a região do tecido que será retirada para servir de enxerto em outra parte do corpo, apresenta algumas propriedades e características que devem ser levadas em consideração. A escolha vai depender do tamanho da lesão; Enxertos de pele parcial podem ser retirados de qualquer lugar do corpo; Quanto mais próximo estiver a área doadora da receptora, melhor será a qualidade estética; Na retirada de pele parcial, a regeneração ocorre pela migração epitelial dos anexos da pele. Na retirada de pele total, ocorre fechamento primário; Pode-se retirar mais de uma vez enxerto da mesma área, tanto enxerto de pele total como parcial; As principais áreas doadoras são as regiões retroauricular, supraclavicular, pálpebras, inguinal,abdome, dobras articulares, aréolas e grandes lábios. MECANISMOS DE INTEGRAÇÃO DO ENXERTO A integração, isto é, a readaptação do enxerto ao seu local de inserção é um processo longo e que requer estrita atenção médica. Os seguintes mecanismos ocorrem com a utilização de enxertos: Embebição: ocorre nas primeiras 48 horas e é caracterizada pela absorção das secreções liberadas na ferida pelo enxerto. Inosculação: após 48 horas, estabelecem-se conexões vasculares entre o enxerto e o leito receptor, tendo início o fluxo sanguíneo. Neovascularização: após 6° dia de enxertia, ocorre a formação de novos capilares e diz-se, na nomenclatura médica, que o enxerto “pegou” (funcionou) e respeitou todos os mecanismos de integração. CUIDADOS COM O PACIENTE NO PRÉ-OPERATÓRIO Boas condições gerais do paciente; Preparo da área receptora com curativos diários, retirada de tecidos desvitalizados e combate à infecção. CUIDADOS NO PERÍODO INTRA-OPERATÓRIO Avaliação da retirada de enxerto de pele parcial ou de pele total. CUIDADOS NO PERÍODO PÓS-OPERATÓRIO Como se viu, o uso de enxertos na cirurgia plástica consiste na produção de uma lesão em um determinado local (zona doadora) para a cura ou reconstrução de outra lesão (zona receptora). Portanto, devemos manter o mais rigoroso cuidado médicos com ambas as lesões. Área doadora Área receptora Curativo diário com óxido de zinco; Abrir no terceiro dia e deixar área doadora exposta; Reepitelização entre 7 dias e 6 semanas. Imobilizar o enxerto (com o uso de curativo de Brown); Curativo oclusivo com pomada (Neomicina®); Abrir curativo no 4° ou 5° dia. COMPLICAÇÕES MAIS COMUNS Não integração do enxerto; Hipertrofia da área doadora; Hipercromia; Infecção da área doadora. OBS 1 : Regiões doadoras mais utilizadas para a realização de enxertos parciais: região anterior e dorsal do tórax e abdome, região interna, anterior e posterior da coxa, região interna do braço. As regiões doadoras mais utilizadas para a realização de enxertos totais: região supra-clavicular, região cubital, região inguinal e pele do punho. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● TÉCNICA OPERATÓRIA 4 www.medresumos.com.br CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE ENXERTOS Toda vez que houver tecidos desvitalizados ou necrosados na zona receptora, deve-se realizar o desbridamento adequado para só então se aplicar o enxerto. A realização de enxerto sobre área com osso exposto só será funcionante se a estrutura óssea ainda preservar o seu periósteo, uma vez que a pele não é capaz de suprir a função do periósteo ausente. O curativo tipo-over de Brown é um tipo de curativo bastante utilizado nos enxertos, sendo associado à gaze vaselinada. Este curativo de Brown consiste na aplicação de gaze com vaselina que é suturada sob tensão acima do enxerto e de sua região doadora, sendo responsável por imobilizar o enxerto e facilitar a sua integração. RETALHOS O retalho consiste na transferência de um segmento de tecido de uma região do corpo para outra mantendo-se um pedículo vascular original, sendo esta a diferença entre o enxerto. Para a manutenção deste pedículo, é necessário o conhecimento da anatomia e da vascularização local para a manutenção correta da nutrição tecidual. Embora tenha a vantagem de manter esta irrigação arterial original, o retalho tem uma complexidade maior do que a realização de enxertos. A confecção do retalho apresenta complexidade que varia de acordo com a distância entre a área doadora do retalho para a área receptora. Portanto, assim como em todo procedimentos cirúrgico, devemos partir da opção mais simples para a mais complexa. Nesta ordem, temos: Fechamento primário da lesão Enxertos de Pele Retalhos locais Retalhos à distância. Portanto, com relação ao enxerto, o uso de retalho vem como última opção, mas não sendo menos importante. Contudo, os resultados estéticos do retalho são bem mais satisfatórios do que os de enxerto de pele e, portanto, devem ter preferência sempre que possível, a depender, é óbvio, do local e tipo da lesão e da experiência do cirurgião (ver OBS 2 ) Os retalhos podem ser classificados (1) quanto à distância: local, regional ou à distância (sendo mais utilizada na microcirurgia); e (2) quanto ao tecido utilizado: cutâneos, musculares e musculocutâneos, fáscio-cutâneos e osteomiocutâneos (utilizado para reconstrução de mandíbula). OBS 2 : Devido aos resultados estéticos melhores, os retalhos devem ser utilizados como primeira opção, substituindo o enxerto, mesmo sua técnica sendo mais simples que a do retalho. Contudo, em casos de tumores de pele, é aconselhável a retirada do tumor e a realização de enxerto no local. Este critério é importante para casos em que o resultado anatomopatológico da lesão avaliada resultou em margem cirúrgica comprometida. Caso isso ocorra e o cirurgião tenha realizado um retalho ao invés de enxerto, a margem da lesão excisionada se perde, comprometendo a saúde do paciente. Como o enxerto preserva as margens originais da área receptora, este será o local de mais probabilidade para se encontrar células tumorais remanescentes.
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