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28 Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento TERAPIA G˚NICASAÚDE Vetores para terapia gŒnica Sergio U. Dani MØdico pela Universidade Federal de Minas Gerais; Doutor em Medicina pela Universidade de Hannover, Alemanha; Livre-Docente em GenØtica pela Faculdade de Medicina de Ribeirªo Preto USP; Bolsista do Programa Jovem Pesquisador em Centro Emergente, da FAPESP; Diretor de Pesquisa & Desenvolvimento da Genon ltda. sudani@rgm.fmrp.usp.br erapia gŒnica Ø o tratamento de doenças baseado na trans- ferŒncia de material genØti- co. Em sua forma mais sim- ples, a terapia gŒnica consis- te na inserçªo de genes fun- cionais em cØlulas com genes defeituosos, para substituir ou complementar esses genes causadores de doenças. A maioria das tentativas clínicas de terapia gŒnica atualmente em curso sªo para o tratamento de doenças adquiridas, como AIDS, neo- plasias malignas e doenças cardiovascula- res, mais do que para doenças hereditÆrias. Em alguns proto- colos, a tecnologia da transfe- rŒncia gŒnica vem sendo usada para alterar fenotipicamente uma cØlula de tal modo a tornÆ-la antigŒnica e assim desencadear uma resposta imunitÆria. De maneira anÆloga, um gen estra- nho pode ser inserido em uma cØlula para servir como um marcador genotípico ou fenotí- pico, que pode ser usado tanto em protocolos de marcaçªo gŒ- nica quanto na própria terapia gŒnica. O panorama atual indica que a terapia gŒnica nªo se limita às possibilidades de subs- tituir ou corrigir genes defeituo- sos, ou eliminar seletivamente cØlulas marcadas. Um espectro terapŒutico muito mais amplo se apresenta à medida em que novos sistemas sªo desenvolvi- dos para permitir a liberaçªo de proteínas terapŒuticas, tais como hormônios, citocinas, anticorpos, antígenos ou novas proteínas recombinantes. A terapia gŒnica Ø a esperança de tratamento para um grande nœmero de do- enças atØ hoje consideradas in- curÆveis por mØtodos convenci- onais, das hereditÆrias e dege- nerativas às diversas formas de câncer e doenças infecciosas. A tecnologia bÆsica envolvida em qual- quer aplicaçªo da terapia gŒnica Ø a trans- ferŒncia gŒnica. VÆrios mØtodos atuais de transferŒncia gŒnica e suas vantagens e desvantagens estªo listados nas Tabelas 1 a 3. A maneira mais simples de transferir genes para cØlulas e tecidos Ø por meio da inoculaçªo de DNA puro, com tØcnicas de microinjeçªo; eletroporaçªo e o mØtodo biobalístico. MØtodos mais elaborados e mais eficientes incluem a administraçªo de DNA encapsulado (e.g., liposomos); ou atravØs de vetores virais, que podem ser fragmentos de DNA de vírus contendo o DNA a ser transferido; ou mesmo a partí- cula viral formada por proteínas virais empacotando um DNA viral modificado de maneira a tornar o vetor menos tóxico, menos patogŒnico ou nªo-patogŒnico. A palavra vetor, que deriva do Latim vector (aquele que carrega, entrega) de- fine o agente que constitui ou contØm os genes a serem transferidos e expressos em uma cØlula receptora. Os diversos tipos de vetores sªo utilizados com o objetivo de levar o DNA terapŒutico ao nœcleo das Tabela 1 MØtodos Químicos para Introduçªo de Genes em CØlulas de Mamíferos MØtodo Vantagens Desvantagens DNA-fosfato de cÆlcio Morte celular durante Só ex vivo; transfecçªo Ø o procedimento Ø mínima; baixa; baixo nível de importante na produçªo de expressªo do transgen; vetores virais recombinantes; simples e barato; expressªo pode ser transitória ou estÆvel; DNA-DEAE dextran Mais reprodutível que o mØto- Só ex vivo; transfecçªo Ø do anterior; baixa e transitória; só funciona em alguns tipos celulares DNA-lípide (liposomos) Nªo se integram ao genoma Baixa eficiŒncia de transfec- hospedeiro; uso in vitro e in çªo em relaçªo aos sistemas vivo; carregam grandes peda- virais; expressªo transitória ços de DNA (tªo grandes como do transgen; leve toxicidade cromossomos inteiros); direcio- celular; podem ser inibidos nÆveis; nªo-imunogŒnicos; por componentes sØricos preparaçıes livres de contami- nantes (cf. vetores virais); alto grau de pureza; padronizaçªo DNA-proteína Maior direcionamento - DNA-lípide-proteína HACs (cromossomos Nªo se integram no genoma; Em desenvolvimento artificiais) inserçıes maiores sªo possíveis; melhor controle transcricional Fotos cedidas pelo autor Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento 29 cØlulas-alvo. Outra forma de transferŒncia da mensagem genØtica envolve a entrega de RNA diretamente ao citoplasma das cØlulas, mas o RNA Ø mais instÆvel que o DNA, o que limita a aplicaçªo dessa moda- lidade de transferŒncia gŒnica. O uso de mitocôndrias ou DNA mitocondrial (mtD- NA) como vetores gŒnicos citoplasmÆticos tem aplicaçªo potencial na reposiçªo do mtDNA a cØlulas com deficiŒncia no meta- bolismo energØtico da fosforilaçªo oxida- tiva causada por mutaçıes no mtDNA. Afora o nœcleo, a mitocôndria Ø a œnica organela que possui seu próprio DNA. Uma questªo-chave da terapia gŒnica Ø a escolha do vetor adequado a cada situaçªo. Um vetor ideal seria aquele que pudesse acomodar um tamanho ilimitado de DNA inserido, fosse disponível em uma forma concentrada, pudesse ser facilmen- te produzido, pudesse ser direcionado para tipos específicos de cØlulas, nªo per- mitisse replicaçªo autônoma do DNA, pu- desse garantir uma expressªo gŒnica a longo prazo e fosse nªo-tóxico e nªo- imunogŒnico. Tal vetor ainda nªo existe e nenhum dos sistemas de entrega de DNA atualmente disponíveis para transferŒncia gŒnica in vivo Ø perfeito com respeito a qualquer um desses pontos. AtØ a presente data, quatro sistemas de transferŒncia gŒ- nica (DNA plasmidial complexado, veto- res retrovirais, vetores adenovirais e veto- res baseados no virus adeno-associado) foram os mais usados em tentativas de terapia gŒnica em humanos, totalizando uma experiŒncia clínica de cerca de trŒs mil pacientes em todo o mundo. DNA Plasmidial Complexado Um vetor plasmidial Ø uma molØcula de DNA circular purificada, construída por meio de tØcnicas do DNA recombinante para conter, alØm do gen terapŒutico de interesse, sequŒncias regulatórias tipo pro- motores e intensificadores, para facilitar e controlar a expressªo do gen. Vetores de DNA plasmidial podem ser introduzidos nas cØlulas por uma variedade de mØto- dos. O mais óbvio deles, conceitualmente, Ø a injeçªo direta, que exige tØcnicas sofisticadas para injeçªo em escala micros- cópica. Essa tØcnica, entretanto, Ø limitada pelo fato de que somente um nœmero relativamente pequeno de cØlulas pode ser injetado em um determinado momen- to. Apesar das tentativas de automatizar as tØcnicas de microinjeçªo, o pequeno nœ- mero de cØlulas que podem ser injetadas por vez continua sendo uma grande limi- taçªo. Esse mØtodo de transferŒncia gŒnica poderÆ ter interesse e de utilidade clínica se um pequeno nœmero de cØlulas purifi- cadas da medula óssea forem injetadas e condiçıes de cultivo celular forem encon- tradas para expandi-las substancialmente. Entretanto, ainda existirÆ o problema da expressªo transitória, pois a maioria das cØlulas injetadas com o vetor nªo serÆ capaz de manter a expressªo por longo prazo. Isso exige outras melhorias na sequ- Œncia do vetor, de modo a aumentar, por exemplo, a eficiŒncia de sua integraçªo. Aumento da eficiŒncia de transfecçªo do DNA plasmidial purificado pode ser obtido com a formaçªo de algum tipo de complexo: lipídico, protØico, ou misto. Após a aplicaçªo desse complexo nas cØlulas em cultura ou in vivo, uma porçªo substancial das cØlulas endocita o DNA e Ø capaz de transportar pelo menos parte dele para o nœcleo, onde o DNA Ø expres- so transitoriamente por alguns dias (Figu- ra 1). A nªo ser que o DNA plasmidial tenha a capacidade de integraçªo dirigida, apenas uma fraçªo muito pequena (geral- mente muito menos de 1 por cento) das cØlulas retŒm o DNA permanentemente, incorporando-oem seus cromossomos e continuam a expressar os genes introduzi- dos. Vetores Virais Vírus sªo vetores gŒnicos por excelŒn- cia e vŒm evoluindo hÆ milhıes de anos na natureza em associaçªo com virtualmente todos os organismos, de bactØrias atØ plan- tas e animais. Os sistemas biomoleculares específicos de transferŒncia, recombina- çªo e expressªo gŒnica adotados pelos virus constituem instrumentos poderosos para a construçªo de vetores mais eficien- tes e seguros, com indicaçıes precisas de uso. Bacteriófagos, baculovirus, retrovi- rus, adenovirus e virus adeno-associados sªo exemplos de virus que foram modifi- cados com sucesso pelas tØcnicas do DNA recombinante e jÆ possuem aplicaçıes na pesquisa, na agricultura e na medicina. Conceitualmente, nªo Ø surpreendente que virus de animais estejam sendo usados como vetores para a transferŒncia de ge- nes para cØlulas de mamíferos. Conforme listado na Tabela 3, vÆrios virus vŒm sendo explorados desta maneira. Vetores Retrovirais Um retrovirus murino, o virus da leu- cemia murina de Moloney (MoMuLV), foi o primeiro sistema vetorial desenvolvido para aplicaçıes clínicas da terapia gŒnica. Os conceitos gerais da produçªo e uso desse tipo de vetor estªo ilustrados na Figura 2: Por meio de tØcnicas de DNA recombinante, os genes no genoma viral necessÆrios para a reproduçªo do Mo- MuLV, genes gag, pol e env, sªo removidos e substituídos por um gen de interesse. O que sobra do retrovirus sªo seus elemen- tos regulatórios: as repetiçıes terminais longas (LTR), que funcionam como sinais de integraçªo do provirus e promotores da transcriçªo e um sinal de empacotamento, para permitir que o RNA transcrito seja acomodado em uma partícula viral. Para a produçªo dos vetores retrovirais contendo o gen de interesse, Ø utilizada uma linha- gem celular de empacotamento contendo os genes gag, pol e env incorporados ao genoma destas cØlulas. Os vetores sªo produzidos em altos títulos nas cØlulas de empacotamento e a seguir purificados e injetados no paciente (terapia gŒnica in vivo) ou postos em contato com cØlulas colhidas do paciente e mantidas em codi- çıes de cultivo celular (terapia gŒnica ex vivo). Os vetores tŒm a habilidade de entrar nas cØlulas-alvo, transcrever seu RNA na forma de DNA (graças à atividade da enzima transcritase reversa), e se inte- grar estavelmente em um cromosomo da cØlula como resultado da presença das sequŒncias regulatórias retrovirais rema- nescentes. Uma vez integrado, o gen inse- rido pode ser expresso para produzir a proteína terapŒutica desejada. O vetor re- troviral, desprovido dos genes para a repli- caçªo viral, nªo Ø competente para a replicaçªo (diz-se que o vetor Ø defecti- vo), e por isso nªo Ø capaz de produzir mais virus competentes dentro da cØlula- alvo. Portanto, o vetor age como um agen- te final de transferŒncia gŒnica, deixando uma cópia de sua sequŒncia no genoma da cØlula-alvo. Vetores Adenovirais Os adenovírus humanos sªo DNA- vírus, nªo envelopados, com um genoma dupla-fita linear de, aproximadamente, 36 kb, encapsulado em um capsídeo icosaØ- drico medindo 70-100 nm de diâmetro. O capsídeo contØm em seus vØrtices espícu- las por onde se dÆ a interaçªo com recep- tores celulares. Na natureza, os adenovirus sªo capazes de infectar cØlulas do trato respiratório e gastrointestinal, causando gripes, gastroenterites em crianças ou con- juntivites epidŒmicas. As glândulas ade- nóides sªo um de seus alvos e de onde se originou o nome adenovírus. Infecçıes envolvendo o trato urinÆrio, vias hepÆticas e o sistema nervoso central podem ocorrer esporÆdicamente. A maioria, senªo a tota- lidade dos adultos jÆ foi exposta ao adeno- virus e jÆ possui anticorpos anti-adenovi- rus. Ao contrÆrio dos retrovirus, os adeno- virus se replicam independentemente da divisªo da cØlula hospedeira, e seu cromo- somo raramente se integra ao genoma da cØlula, permanecendo episomal na maio- ria das vezes. A integraçªo parece ocorrer somente na presença de altos níveis de infecçªo em cØlulas em divisªo, mas esse evento nªo contribui significativamente para a utilidade destes virus como vetores. Os vetores adenovirais possuem um largo espectro de infectividade celular que in- clui virtualmente todas as cØlulas pós- mitóticas e mitóticas (Figura 3), e tambØm podem ser produzidos em elevados títu- los. 30 Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento A estrutura genômica dos adenovirus Ø mais complexa que a dos retrovirus. O genoma adenoviral codifica aproximada- mente 15 proteínas. A expressªo gŒnica viral ocorre de uma maneira ordenada e Ø dirigida, em grande parte, pelos genes E1A e E1B, localizados na porçªo 5’ do genoma adenoviral. Esses genes possuem funçıes de transativaçªo para a transcriçªo de vÆrios genes virais e da cØlula hospedeira. Como estes genes da regiªo E1 estªo envolvidos na replicaçªo do adenovirus, sua remoçªo torna o virus incompetente para replicaçªo ou defectivo. A remoçªo tambØm cria espaço para a inserçªo de um gen de interesse terapŒutico. A regiªo E3, cujo produto estÆ envolvido na habilidade do virus de escapar do sistema imunológi- co do organismo hospedeiro, tambØm pode ser substituída por um DNA exógeno. Para a produçªo de vetores adenovi- rais, Ø necessÆrio utilizar, a exemplo do que ocorre com vetores retrovirais defec- tivos, uma linhagem de cØlulas empacota- doras contendo genes virais que transcom- plementam o vetor defectivo a ser produ- zido. As etapas principais de produçªo e uso de um vetor adenoviral estªo ilustra- das na Figura 4. Uma das modalidades começa pela produçªo de um plasmídeo ou cosmídeo contendo o genoma do ade- novirus com deleçıes em algumas regiıes especiais, como a regiªo E1. A deleçªo de E1 torna o virus defectivo. O gen de interesse pode ser clonado nestas regiıes deletadas, e o plasmídeo ou cosmídeo pode ser multiplicado em uma cultura de bactØria. O plasmídeo ou cosmídeo purifi- cado Ø entªo transfectado para as cØlulas empacotadoras onde ele Ø empacotado na forma de partículas adenovirais defectivas. Os vetores adenovirais assim produzidos sªo isolados do meio de cultivo das cØlulas empacotadoras, e purificados por ultra- centrifugaçªo em gradiente de cloreto de cØsio, que tambØm concentra o vetor em suspensıes com elevada titulaçªo (mais de 1013 UFP ml-1), ou por cromatografia. O virus purificado Ø estÆvel em uma varieda- de de tampıes aquosos e pode ser conge- lado por períodos prolongados sem perda de atividade. Uma estratØgia alternativa de produ- çªo de vetores adenovirais consiste em preparar um plasmídeo no qual o gen de interesse Ø flanqueado por seqüŒncias de DNA adenovirais. Estas sequŒncias servem como regiıes controle e contŒm sinais de empacotamento e sítios para a recombina- çªo com DNA genômico adenoviral, que serÆ usado para reconstituir adenovirions defectivos dentro da cØlula empacotadora. A transfecçªo desse plasmídeo para cØlu- las empacotadoras, juntamente com o DNA genômico de adenovirus com deleçıes selecionadas (e.g., E1, E3) leva, por meio de recombinaçªo homóloga, à formaçªo de partículas adenovirais com o(s) transgen(es) substituindo as regiıes previ- amente deletadas. Portanto, tanto a clona- gem direta, quanto a recombinaçªo homó- loga podem ser usadas para produzir ade- novirions defectivos. Com o desenvolvi- mento de novas linhagens de cØlulas de empacotamento contendo um nœmero cada vez maior de genes adenovirais para a transcomplementaçªo, jÆ Ø possível pro- duzir vetores adenovirais contendo um nœmero cada vez menor de sequŒncias adenovirais e um nœmero cada vez maior de sequŒncias exógenas. Um vetor adeno- viral all deleted foi produzido recente- mente. Esse vetor possuía 28 kb de DNA exógeno (gen da distrofina) e apenas 8 kb de sequŒncias adenovirais. Vetores Adeno-Associados Algumas características desfavorÆveis dos vetoresadenovirais e retrovirais revis- tas na Tabela 3 incluem a incapacidade de integraçªo do DNA dos vetores adenovi- rais ao genoma da cØlula hospedeira, oca- sionando uma expressªo instÆvel e a inte- graçªo aleatória do DNA dos vetores retro- virais ao genoma hospedeiro, podendo acarretar mutagŒnese insercional ativado- ra de proto-oncogenes celulares humanos ou inativaçªo de genes supressores de tumor. AlØm disso, esses vetores podem provocar resposta imunológica dos tipos humoral e celular e podem ser patogŒni- cos. Vetores alternativamente indicados para contornar esses problemas sªo baseados no virus adeno-associado (AAV, adeno- associated virus), um pequeno vírus de DNA, nªo envelopado, nªo patogŒnico, pertencente à família Parvoviridae. O AAV possui uma œnica molØcula de DNA fita simples de 4681 bases, com repetiçıes terminais invertidas (ITRs, inverted termi- nal repeats). Os ITRs sªo sequŒncias palin- drômicas de 145 pares de bases envolvidas na regulaçªo do ciclo celular do AAV, dispostas nas porçıes terminais 5’ e 3’ do genoma viral, que servem como origem e iniciadores para a replicaçªo do DNA. Flanqueadas pelas ITRs, duas amplas mol- duras abertas de leitura codificam uma proteína regulatória e outra estrutural de- nominadas rep e cap, respectivamente. A regiªo de leitura situada na porçªo 5’ (gen rep) codifica quatro proteínas nªo-estrutu- rais envolvidas com a replicaçªo genômi- ca. A porçªo 3’ contØm o gen cap, que codifica trŒs proteínas estruturais para a formaçªo do capsídeo viral. O AAV Ø considerado um dependovi- rus porque somente Ø capaz de se replicar em uma cØlula na presença de um virus auxiliar (adenovirus ou virus da herpes), que lhe forneça, em transcomplementa- çªo, os fatores auxiliares essenciais para sua replicaçªo. Na ausŒncia do vírus auxi- liar, o genoma do AAV integra-se, prefe- rencialmente, em um sítio específico (AAVS1) no braço curto do cromossomo 19, entre q13.3 e qter, utilizando para isso os ITRs, com alta freqüŒncia e estabilidade, para estabelecer uma infecçªo latente tan- to em cØlulas mitóticas quanto em cØlulas pós-mitóticas. Recentemente, formas epi- somais do vírus tambØm foram identifica- MØtodo Vantagens Desvantagens Microinjeçªo direta Alta taxa de transfecçªo; Só ex vivo; potencial para evita a degradaçªo cito- uso em terapia gŒnica da plasmÆtica e lisossomal linhagem germinativa do material injetado; apresenta problemas tØcnica muito trabalhosa; tØcnicos e Øticos requer cØlulas muito bem isoladas Eletroporaçªo Alta taxa de transfecçªo Só ex vivo; muita morte celular torna o procedimento pouco eficiente Injeçªo de plasmídeo Simplicidade; 2-19 kb po- Baixa porcentagem de fibras dem ser facilmente trans- expressam o transgen após a feridos para mœsculo; uso injeçªo; uso restrito a pele, em vacinaçªo gŒnica timo e mœsculo estriado Injeçªo balística de DNA Alta taxa de transfecçªo; Expressªo transitória; entrega de doses precisas; lesªo celular considerÆvel uso em vacinaçªo gŒnica no centro da regiªo atingida pelo disparo Tabela 2 MØtodos Físicos para Introduçªo de Genes em CØlulas de Mamíferos Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento 31 das e a integraçªo em sítios nªo específicos foi documentada, porØm nªo hÆ, atØ o momento, nenhuma relaçªo destas formas com oncogŒne- se insercional. O provírus latente pode ser recuperado e replicado atravØs de uma superinfecçªo com o vírus auxi- liar. O vírus adeno-associado tem des- pertado grande interesse como um vetor potencial para transferŒncia de genes em tentativas de terapia gŒnica humana. Entre as suas propriedades mais favorÆveis estªo: (I) nenhuma relaçªo com doenças humanas; (II) poder de infecçªo de uma ampla gama de linhagens celulares deriva- das de diferentes tecidos; (III) a sua habilidade de integrar dentro do ge- noma hospedeiro e estabelecer uma infecçªo latente. Este tipo de integra- çªo pode ocorrer em cØlulas que nªo estejam em processo de divisªo, em- bora aconteça com uma freqüŒncia menor que em cØlulas em divisªo. Soma-se a estas características favorÆ- veis o tipo de integraçªo proporcio- nado pelo AAV. A capacidade de transduçªo com AAV recombinante (rAAV) tem sido demonstrada em uma ampla variedade de tipos celula- res, incluindo as diferenciadas, o que sugere um grande potencial desse sistema de vetor para transferŒncia gŒnica in vivo para órgªos como mœs- culo, fígado, sistema nervoso central e pulmªo. Vetores rAAV sªo derivados de plasmídeos que carregam os ITRs flanqueando o gen exógeno de inte- resse. Esses vetores podem ser empa- cotados dentro do capsídeo do AAV pela co-transfecçªo em cØlulas infec- tadas com (I) adenovírus, e (II) um segundo plasmídeo de empacotamen- to contendo os genes rep e cap (Figu- ra 5). O rAAV Ø recuperado em cØlu- las lisadas e o vírus auxiliar Ø removido. Desta forma, quatro elementos sªo reque- ridos para o empacotamento do vetor AAV: (I) cØlulas eucarióticas em cultura, (II) as proteínas responsÆveis pela replica- çªo do genoma viral e síntese do capsídeo, (III) o DNA do vetor e (IV) o vírus auxiliar. As desvantagens de utilizar partículas rAAV como vetores de transferŒncia gŒni- ca estªo no tamanho do seu genoma (acima de 5 kb ocorre interferŒncia no encapsulamento viral), o que limita a clo- nagem de determinados genes, e a dificul- dade de produzir o vetor viral em grandes quantidades. Entretanto, vÆrios melhora- mentos tŒm sido obtidos na produçªo e uso de vetores baseados em AAV. A difi- culdade de produzir estes vetores em larga escala foi minimizada pela utilizaçªo de plasmídeos contendo sequŒncias de ITR e sua multiplicaçªo em linhagens recombi- nantes de Escherichia coli. A restriçªo ao tamanho do genoma viral tambØm foi minimizada, visto que esses plasmídeos nªo precisam ser encapsulados em um capsídeo viral, podendo ser introduzidos em cØlulas eucarióticas utilizando a tØcni- ca de transfecçªo com lipossomos, sem prejuízo do amplo espectro de infectivida- de celular característico do AAV. Combinaçıes de Elementos Virais e Nªo-Virais A combinaçªo de elementos virais e nªo-virais tem sido usada para aumentar a eficiŒncia da transferŒncia gŒnica para cØ- lulas em cultura. Um exemplo de combina- çªo de elementos virais e nªo virais Ø uma alternativa ao uso de partículas de rAAV mencionada anteriormente, e consiste na construçªo de plasmídeos com sequŒncias de ITR delimitando genes de interesse para promover a transformaçªo gŒnica em cØlu- las eucarióticas e conferir maior persistŒn- cia do DNA transfectado, se comparada àquela obtida com plasmídeos convencio- nais sem os ITRs. Os vírus AAV podem ser substituídos por esse tipo de construçªo complexada em liposomos, pois os níveis de expressªo gŒnica e retençªo do trans- gen nas cØlulas transfectadas por esses complexos sªo semelhantes aos níveis obtidos com partículas virais encapsula- das. Mitocôndrias e DNA Mitocondrial A mitocôndria Ø a œnica organela que possui seu próprio DNA (mtDNA). Em princípio, as mitocôndrias se assemelham Vetores Vantagens Desvantagens Retrovirais Alta taxa de transduçªo; ImunogŒnico; requer cØlulas amplo espectro de hospedeiro em divisªo; risco de mutagŒnese (somente cØlulas em divisªo); insercional; risco de reversªo para o sistema muito bem estudado tipo selvagem; inativaçªo pelo e conhecido; integraçªo no complemento; baixos títulos; genoma hospedeiro; proteínas baixa taxa de entegra in vivo do vetor nªo expressas no hospedeiro Adenovirais Amplo espectro de hospedeiro ImunogŒnico; reversªo para o tipo (cØlulas mitóticas e nªo selvagem; período curto de expressªo mitóticas); altos títulos; gŒnica em cØlulas em divisªo (depura- alta eficiŒncia de transduçªo; çªo do epissomo); vazamento de genoma viral epissomal; proteínas virais virus selvagem causa doença leve; nªo envelopado Adeno- Amplo espectro de hospedeiro;Limite ao empacotamento de DNA; associados nenhuma doença humana integraçªo nªo Ø sempre sítio-dirigida; associada; infecta cØlulas imunogŒnico (?) em divisªo ou paradas; inte- graçªo dirigida Ø preferencial Híbridos Amplo espectro; altos títulos; ImunogŒnico Adenovirus-AAV alta eficiŒncia de transduçªo; integraçªo dirigida Herpes simples Epissomal; pode induzir infec- ImunogŒnico; virus diferentes tŒm çªo latente por toda a vida (es- seletividade diferente; EBV Ø oncogŒ- pecialmente no CNS); nico; ativaçªo de virus latente; baixa acomoda insertos grandes; eficiŒncia de transduçªo; expressªo produçªo de altos títulos transitória nos vetores atuais; sistema em desenvolvimento HIV Infectam e transduzem cØlulas Sistema pouco conhecido; mitóticas e pós-mitóticas, por eficiŒncia baixa in vivo longo prazo Vaccinia Potencial para desenvolvimento Uso limitado aos individuos nªo de uma grande variedade de previamente vacinados; uso nªo indi- vacinas gŒnicas cado em imunossuprimidos Tabela 3 MØtodos Biológicos para Introduçªo de Genes em CØlulas de Mamíferos 32 Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento aos lipossomos utilizados em transferŒncia gŒnica, constituídos de membranas lipídi- cas envolvendo molØculas de DNA. Uma vez que mitocôndrias podem ser purifica- das por ultracentrifugaçªo de homogena- dos celulares, elas poderiam ser utilizadas como vetores de transferŒncia gŒnica. Mi- tocôndrias isoladas do sangue de doado- res podem ser fundidas a cØlulas recepto- ras, gerando híbridos de citoplasma (cíbri- dos) viÆveis. O uso de mitocôndrias ou do DNA mitocondrial (mtDNA) como vetores gŒnicos tem aplicaçªo potencial na reposi- çªo do mtDNA a cØlulas com deficiŒncias no metabolismo energØtico da fosforilaçªo oxidativa causadas por mutaçıes. Muta- çıes no mtDNA estªo ligadas a um grande nœmero de síndromes degenerativas neu- romusculares com padrªo de herança ma- terna. AlØm disso, mutaçıes no mtDNA ocorrem em cØlulas da linhagem somÆtica e se acumulam durante o envelhecimento e em condiçıes de stress oxidativo, e podem explicar boa parte dos fenótipos característicos da idade avançada, como fraqueza muscular, doença de Alzheimer e doença de Parkinson. Conclusªo e Perspectivas VÆrias doenças incurÆveis pelos mØto- dos terapŒuticos convencionais represen- tam perspectivas futuras para a aplicaçªo da terapia gŒnica. Contudo, ainda existem limitaçıes com relaçªo à eficiŒncia e dire- cionamento dos vetores de transferŒncia gŒnica da geraçªo atual. Os vetores virais recombinantes sªo os veículos mais poten- tes para a transferŒncia gŒnica, mas a resposta imunológica do hospedeiro e as dificuldades de produçªo em larga escala e padronizaçªo ainda sªo grandes barrei- ras para seu uso clínico. A entrega de DNA via lipossomos ou via direcionamento a receptores celulares oferece alternativas elegantes para a transferŒncia mediada por virus, mas os níveis de expressªo gŒnica obtidos com esses mØtodos precisam ser melhorados significativamente antes que eles possam ser utilizados para o tratamen- to de doenças humanas. AlØm disso, nosso conhecimento do controle transcricional Ø incompleto. Estes campos estªo sob inten- sa investigaçªo; os mØtodos de transferŒn- cia gŒnica ex vivo e in vivo estªo em franco desenvolvimento e esperam-se avanços considerÆveis na próxima dØcada. O desenvolvimento de sistemas alta- mente eficientes de empacotamento viral e o refinamento dos processos de purifica- Figura 1. Os complexos formados entre lípides ou fosfolípides e DNA constituem liposomos. Liposomos catiônicos sªo geralmente preparados a partir de fosfolípides bipolares e consistem de um nœcleo hidrofílico, delimitado por uma camada lipídica externa. Os lípides catiônicos formam interaçıes eletrostÆticas com a molØcula fortemente aniônica do DNA de maneira espontânea, promovendo o encapsulamento do Æcido nucleico. Os liposomos assim produzidos possuem um amplo espectro de infectividade celular Figura 2. Produçªo e uso de retrovirus Figura 3. Amplo espectro de infectividade celular de um vetor adenoviral carregando o gen LacZ de E. coli, que codifica a enzima beta-galactosidase. A expressªo do gen Ø denotada pela cor azul do substrato X-gal, metabolizado pela enzima nas cØlulas infectadas pelo vetor. No sentido horÆrio, começando pelo canto superior direito: (I) córtex renal de coelho, após infusªo intracarotídea do vetor; (II) fibras de mœsculo estriado esquelØtico de rato, após injeçªo intramuscular do vetor; (III) cØlulas endoteliais em capilar de cØrebro de rato, após infusªo intracarotídea do vetor; (IV) fibroblastos na pia mater de rato, após injeçªo intraparenquimal do vetor; (V) astrócitos no córtex cerebral de rato, após injeçªo estereotÆxica do vetor; (VI) neurônio piramidal do córtex do giro do cíngulo, após injeçªo estereotÆxica do vetor no hipocampo de rato Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento 33 çªo e concentraçªo poderªo melhorar os títulos dos vetores virais para valores que poderªo permitir a transferŒncia gŒnica pela administraçªo sistŒmica. O direcionamento da entrega poderÆ ser possível pela incorpo- raçªo de anticorpos de cadeia œnica contra antígenos de superfície ou ligantes para receptores transmembrânicos incorporados ao envelope de retrovírus ou proteínas pen- ton de adenovírus, e hÆ sinais encorajadores de que essa estratØgia possa alcançar suces- so. A mØdio prazo, espera-se a chegada de vetores de desenho incorporando os ele- mentos mais œteis dos sistemas virais e sintØ- ticos disponíveis atualmente, com variaçıes dependendo da aplicaçªo. Por exemplo, as repetiçıes terminais invertidas (ITR) dos vi- rus adeno-associados, que promovem inte- graçªo cromossomal estÆvel, podem ser com- binadas com seqüŒncias de outros vetores com maior capacidade de acomodaçªo de insertos. A integraçªo pode ser aumentada atravØs do empacotamento de uma enzima recombinase funcional com a construçªo de expressªo gŒnica em complexos lipos- somais direcionados a uma cØlula específi- ca com anticorpos ou proteínas ligantes de receptores. A longo prazo, novos mØtodos de entrega poderªo ser desenvolvidos para a transferŒncia intranuclear de cromosso- mos artificiais humanos (HACs) carregando grupos inteiros de genes com seus elemen- tos naturais de controle. No futuro, a pes- quisa bÆsica deverÆ tentar definir os ele- mentos genômicos que tornam possível o controle temporal e espacial da expressªo gŒnica durante a vida de um indivíduo. Avanços nessas Æreas irªo requerer desen- volvimentos paralelos no desenho de veto- res, antes que os conhecimentos possam ser utilizados na prÆtica clínica. Da grande quantidade e criatividade dos sistemas de vetores e mØtodos de transfecçªo gŒnica que estªo sendo desen- volvidos, parece claro que, no futuro, have- rÆ uma grande escolha de mØtodos diferen- tes para as diferentes aplicaçıes clínicas. Isso certamente ampliarÆ as oportunidades para o uso da transferŒncia gŒnica no contexto clínico. A terapia gŒnica promete ser uma Ærea fØrtil de pesquisa científica e clínica por muitos anos, e nªo hÆ dœvida que se tornarÆ uma prÆtica clínica impor- tante neste novo sØculo. A terapia gŒnica poderÆ representar uma mudança de para- digma da medicina, com importantes re- percussıes para a sociedade. Leituras recomendadas BalaguØ C, Kalla M, Zhang W-W. 1997. Adeno-associated virus rep78 protein and terminal repeats enhance integration of DNA sequences into the cellular genome. J. Virology 71:3299-3306. Dani, S.U. 1998. Terapia GŒnica. Capí- tulo 90, in Dani, R. Gastroenterologia Es- sencial. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan. Dani SU. 1999. Terapia GŒnica: O Ob- jetivo Final. Cap. 14 in Rossi, BM, Pinho, M. GenØtica e Biologia Molecular para o Cirur- giªo. Sªo Paulo, Editora Lemar, pp. 261- 289. Dani SU. 1999. The challenge of vector development in gene therapy.Braz. J. Med. Biol. Res. 32:133-145. Dani SU, Uetsuki T, Nishimura I, Saito I, Yoshikawa K. 1998. Improved adenovirus- mediated gene transfer to neurons in the brain: Effect of intraparenchymal injection of hypertonic mannitol and concentration of the vector particles in the infusate. Virus Reviews and Research 3(1-2):41-49. Darquet A-M, et al. 1997. A new DNA vehicle for nonviral gene delivery: super- coiled minicircle. Gene Therapy 4:1341- 1349. Hartikka, J., et al. 1996. An improved plasmid DNA expression vector for direct injection into skeletal muscle. Hum Gene Ther 7:1205-1217 Lebkowski JS, et al. 1988. Adeno-asso- ciated virus: a vector system for efficient introduction and integration of DNA into a variety of mammalian cell types. 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