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A CONTRIBUIÇÃO DA DIALÉTICA Já vimos que a identificação das ciências sociais com as ciências da natureza gerava nítida limitação para o horizonte de análise do pesquisador. Agora, vamos abordar a questão sobre outro ângulo, de modo a aprofundar a reflexão sobre o tema. As sociedades capitalistas industriais geravam muita desigualdade social. O que levava os diferentes segmentos sociais, as classes, a ter interesses diferentes, que poderiam, muito bem, estar em situação de conflito. A interpretação orgânica do positivismo tendia a considerar qualquer comportamento que contrariasse a vontade dominante como sendo “patológico”. Achava-se que as condições objetivas do meio eram suficientes para explicar os fatos sociais. Assim, por exemplo, a disposição para o trabalho era determinada pelo clima. Em países quentes, a produtividade seria inevitavelmente menor. Ou então colocava-se o aspecto do determinismo racial, destacando-se a superioridade “natural” dos brancos, que se provava na “prática”. Sabendo que as principais potências econômicas e políticas do mundo no século XIX eram países de maioria brancos, situados em regiões temperadas ou frias do mundo, percebe-se que estas explicações estavam condicionadas a outra ordem de fatores, os ideológicos. Eram explicações teóricas que interessavam ao etnocentrismo dos grandes impérios coloniais, como o britânico e o francês. Assim, as sociedades mais simples e de tecnologia menos avançada deveriam evoluir em direção a níveis de maior complexidade e progresso na escala da evolução social, até atingir o "topo": a sociedade industrial europeia. Deve-se compreender nisso uma manifestação de etnocentrismo, que hoje já está superada, mas marcou profundamente a vida dos povos conquistados, inclusive o Brasil. A um importante pensador social da época, Karl Marx, chamava a atenção o fato de que todas as explicações que as ciências sociais encontravam combinavam com os interesses dos grupos dominantes da sociedade, ou com as potências dominantes, no xadrez político do mundo. Ele identificou a artimanha ideológica por trás dessas teorias e se propôs a elaborar outras, que atendessem aos interesses dos trabalhadores e dos segmentos sociais desfavorecidos. A partir daí, realiza um esforço de desenvolver novos parâmetros de análise. Suas conclusões são expostas em várias obras importantes, de tal forma que o marxismo, até hoje, constitui um importante corpo teórico, que contribui para as reflexões sobre os estudos sociais, em geral. Nas teorias sociais marxistas, destacam-se os estudos sobre a luta de classes, o trabalho alienado à análise das condições de vida das classes trabalhadoras, a importância da ideologia, entre muitos outros aspectos que podem contribuir para uma análise do mundo em que vivemos. Essas contribuições fornecem subsídios para muitas reflexões interessantes sobre as condições sociais em que se vive até hoje, uma vez que a sociedade capitalista, que emergiu da Revolução Industrial, ainda nos domina. Mas talvez a maior contribuição de Marx tenha se dado no terreno da metodologia, pois foi ele o principal responsável pela introdução da dialética no universo das teorias explicativas do comportamento das sociedades. Trata- -se de uma maneira diferente de pensar os fenômenos, sem buscar apenas uma explicação para cada questionamento. Pelo contrário, o raciocínio dialético trabalha com a contraposição de respostas diversas para cada questionamento. O importante era não ter pressa de se chegar às soluções, mas aproveitar ao máximo o debate entre as diferentes respostas para cada problema. Assim, por exemplo, se examinamos a História do Brasil, sob um prisma dialético, podemos dizer que o final da escravidão foi um grande avanço, pois representou o fim de um regime econômico e político no qual as pessoas eram tratadas como objetos, não tendo identidade própria. Por outro lado, devido ao fim da escravidão, muitos libertos mudaram-se para as grandes cidades, sem ter nenhuma habilitação para profissões urbanas, sem nenhum tipo de treinamento para trabalhar em indústrias ou comércio. Só sabiam mesmo trabalhar na lavoura. Como resultado, muitos ficaram desempregados e se tornaram pedintes. Diante disso, vem a questão: o final da escravidão foi bom ou ruim para o país? Claro que a resposta não pode ser apenas um sim ou um não. Tudo vai depender do ponto de vista que você adota para sua resposta. Afinal, há argumentos fortes para os dois lados. Tecnicamente, podemos dizer que a primeira resposta é a tese (o fim da escravidão libertou muita gente da condição de objeto, sem direito a uma identidade pessoal, sem direito à cidadania), e a segunda resposta é a antítese (o fim da escravidão gerou desemprego nas grandes cidades, uma vez que os libertos não tinham treinamento para exercer as profissões urbanas). Diante dessas duas respostas, a única solução é chegar a uma síntese, que resulta da combinação e também da superação das duas respostas anteriores. Claro que não há uma só síntese possível. Tudo dependerá do ponto de vista defendido pelo pesquisador. Ele pode responder assim: Apesar do avanço representado pelo reconhecimento da condição de pessoa, de alguém dotado de identidade pessoal, dado ao ex- escravo, a libertação representou um retrocesso, na medida em que não resolveu o problema dos antigos escravos e criou uma situação de desequilíbrio social nas cidades. Neste caso, você terá deixado prevalecer a noção de que a libertação dos escravos trouxe problemas para as grandes cidades, tendo aumentado a tensão social. Sempre é bem útil terminar um parágrafo como este, construído de modo dialético, com o ponto de vista com o qual você concorda. Desta forma, a construção do texto pode inverter a perspectiva, de tal modo a deixar prevalecer o ponto de vista diametralmente oposto: Mesmo tendo provocado um considerável aumento na tensão social nas cidades, por conta do desemprego, a libertação dos escravos foi de suma importância para que os libertos garantissem seus direitos enquanto cidadãos, a começar pela garantia ao reconhecimento de sua identidade como pessoas. Se você considerar, ainda, que a libertação dos escravos não foi útil apenas para os libertos, por conta do reconhecimento de sua condição de pessoas, mas também dos próprios senhores, pois a produtividade do trabalho escravo era muito inferior à do trabalho assalariado, veja quantas novas possibilidades de construção podem surgir de uma análise detida deste problema. Para que uma reflexão sobre um tema como este consiga progredir, é indispensável que você busque embasamento teórico, ou seja, busque autores que tenham construído uma sólida análise acerca do problema. Desta forma, você precisa sempre se apoiar na estrada aberta por outros autores. Já dissemos que a pesquisa científica é trabalho coletivo. Esta verdade é ainda mais decisiva no que diz respeito às ciências sociais. Por isso, terminaremos nossa aula com algumas colocações sobre a questão do levantamento bibliográfico, ou seja, sobre os cuidados que se deve ter na busca de informações em livros e outras fontes de informação.
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