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SANTAELLA Lucia Navegar no ciberespaco O perfil cognitivo do leitor imersivo pdf

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TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O 
MOVENTE E O IMERSIVO 
D esde o surgimento dos novos suportes e estruturas para o texto escrito, notadamente o CD-Rom e a estrutura hipermídia, a história do livro e da leitu- 
ra tem despertado grande interesse em pesquisadores de áreas 
diversas do conhecimento. Esse interesse intensificou-se com a 
proliferação crescente das redes de telecomunicação, especial- 
mente a internet, ligando rizomaticamente todos os pontos do 
globo. Nesse contexto, junto com as promessas de universalidade 
e intercâmbio internacional de idéias pregadas pelos utopistas, 
tem surgido também muita angústia diante das incertezas quanto 
ao desaparecimento da cultura do livro (ver Beiguelman, 2003; 
Chartier, 2002: 101-124). Será que o livro no seu formato atual, 
feito de papel, está fadado a desaparecer como desapareceram os 
rolos de papiro? 
Afinal, o livro, como o conhecemos hoje, está longe de ser um mero 
objeto. Ele foi instaurador de formas de cultura que lhe são próprias, que 
incluíram, desde o Renascimento, nada menos do que o desenvolvimento da 
ciência moderna e a constituição do saber universitário. Além disso, desde a 
revolução industrial, o incremento das técnicas de impressão e sua fusão com 
as imagens fotográficas levaram ao aparecimento e multiplicação dos meios 
impressos de massa: os jornais e as revistas. Que futuro está reservado também 
a esses meios? Sofrerão o mesmo destino do livro? 
REFERÊNCIA 4 
SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo 
do leitor imersivo. . São Paulo: Paulus, 2004. Cps. 1 à 3. 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
Diante de cantas incertezas, nada poderia ser mais natural do que a 
recuperação da história do livro e seus suportes, dos leitores e suas práticas, 
numa busca de determinações passadas que possam ajudar a compreender os 
vetores do presente. Figura proeminente entre os pesquisadores da história e 
cultura do livro e de seus leitores é, sem dúvida, Roger Chartier. Em seus 
escritos sobre a história da leitura, Chartier tem buscado reconstituir tanto 
"as redes de práticas e as regras de leituras próprias às diversas comunidades 
de leitores (espirituais, intelectuais, profissionais etc.)’’, quanto as relações da 
história da leitura com os três conjuntos de mutações: tecnológicas, formais e 
culturais (Chartier, 1998a: 14, 24; ver também Chartier, 1996; 1998b; 1999, 
Cavallo e Chartier, 1997; Foucambert, 1994; e, no Brasil, ver Kleiman, 1999; 
Lajolo, 1997; Lajolo e Zilberman, 1996; Zilberman, org., 1998). 
Embora esteja inserido nesse contexto muito amplo de preocupações 
históricas, culturais e até mesmo arqueológicas relativas à leitura, este 
capítulo está marcado por um objetivo muito específico. Não há aqui a 
intenção explícita de fornecer diretamente nenhuma resposta sobre o passado 
ou futuro do livro e de seus leitores. O interesse que move este trabalho está 
voltado para as novas formas de percepção e cognição que os atuais suportes 
eletrônicos e estruturas híbridas e alineares do texto escrito estão fazendo 
emergir. Que novas disposições, habilidades e competências de leitura estão 
aparecendo? Enfim, que novo tipo de leitor está surgindo no seio das 
configurações hipermidiáticas das redes e conexões eletrônicas? 
Para refletir sobre essa questão, o método a ser aqui utilizado será 
classificatório e comparativo. Antes de entrarmos na explicitação desse 
método, entretanto, é necessário notar que, para praticar tal método, 
precisamos dilatar sobremaneira nosso conceito de leitura, expandindo esse 
conceito do leitor do livro para o leitor da imagem e desta para o leitor das 
formas híbridas de signos e processos de linguagem, incluindo nessas formas 
até mesmo o leitor da cidade e o espectador de cinema, TV e vídeo, também 
con 
TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O MOVENTE E O IMERSIVO 
siderados neste trabalho como um dos tipos de leitores, visto que as 
habilidades perceptivas e cognitivas que eles desenvolvem nos ajudam a 
compreender o perfil do leitor que navega pelas infovias do ciberespaço, 
povoadas de imagens, sinais, mapas, rotas, luzes, pistas, palavras, textos e 
sons. Se, de um lado, minha proposta é muito específica, a saber, delinear o 
perfil cognitivo desse novo leitor, de outro lado, para delinear esse perfil, é 
necessário ampliar a concepção mesma do que seja a prática da leitura. 
É certo que há, entre os estudiosos da leitura, uma reação contrária à 
expansão no emprego do termo “leitura”, quando alegam que são equivocadas 
as generalizações da idéia de “leitura” que só contenham alusões metafóricas a 
processos que guardam pouca ou nenhuma relação com a prática de decifração 
letrada suposta nela (ver Pécora, 1996: 14; Bourdieu e Chartier, 1996: 234-
235). Entretanto, desde os livros ilustrados e, depois, com os jornais e 
revistas, o ato de ler passou a não se restringir apenas à decifração de letras, 
mas veio também incorporando, cada vez mais, as relações entre palavra e 
imagem, desenho e tamanho de tipos gráficos, texto e diagramação. Além 
disso, com o surgimento dos grandes centros urbanos e com a explosão da 
publicidade, o escrito, inextricavelmente unido à imagem, veio 
crescentemente se colocar diante dos nossos olhos na vida cotidiana por meio 
das embalagens de produtos, do cartaz, dos sinais de trânsito, nos pontos de 
ônibus, nas estações de metrô, enfim, em um grande número de situações em 
que praticamos o ato de ler de modo tão automático que nem chegamos a nos 
dar conta disso. Tendo isso em vista, não há por que manter uma visão purista 
da leitura restrita à decifração de letras. Do mesmo modo que o contexto 
semiótico do código escrito foi historicamente modificando-se, mesclando-se 
com outros processos de signos, com outros suportes e circunstâncias distintas 
do livro, o ato de ler foi também se expandindo para outras situações. Nada 
mais natural, portanto, que o conceito de leitura acompanhe essa expansão. 
É por isso que, antes mesmo do advento do ciberespaço, conforme já 
chamei atenção para isso há algum tempo (Santaella, 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
1981), fora e além do livro, há uma mulciplicidade de tipos de leitores; 
multiplicidade, aliás, que vem aumentando historicamente. Há, assim, o leitor 
da imagem, no desenho, pintura, gravura, fotografia. Há o leitor do jornal, de 
revistas. Há o leitor de gráficos, mapas, sistemas de notações. Há o leitor da 
cidade, leitor da miríade de signos, símbolos e sinais em que se converteu a 
cidade moderna, a floresta de signos de que já falava Baudelaire. Há o leitor-
espectador da imagem em movimento, no cinema, televisão e vídeo. A essa 
multiplicidade, mais recentemente veio se somar o leitor das imagens 
evanescentes da computação gráfica e o leitor do texto escrito que, do papel, 
saltou para a superfície das telas eletrônicas. Na mesma linha de 
continuidade, mas em nível de complexidade ainda maior, hoje, esse leitor das 
telas eletrônicas está transitando pelas infovias das redes, constituindo-se em 
um novo tipo de leitor que navega nas arquiteturas líquidas e alineares da 
hipermídia no ciberespaço. 
Tendo em vista a análise e não simplesmente a descrição das 
características dessa diversidade de leitores, nosso ponto de partida deve ser 
conduzido em direção a um esforço de generalização, um esforço 
classificatório. Ora, para assumir um ponto de vista classificatório, isto é, um 
ponto de vista que busca agrupar as diferenças singulares dos fenômenos nos 
traços comuns por eles apresentados, é preciso haver um critério orientado 
pelas finalidades que a análise visa atingir. No caso deste capítulo, como já foi 
anunciado, o interesse está voltado para a revelaçãodas características 
perceptivo-cognitivas apresentadas por essa diversidade de leitores. Quais são 
as habilidades perceptivas e cognitivas implicadas na leitura de livros? E na 
leitura de jornais? Que tipo de cognição está implicada na leitura da cidade? 
Quais são as habilidades cognitivas envolvidas na imersão nas infovias do 
ciberespaço? Tendo por base o critério classificatório estabelecido em função 
dos perfis cognitivos que se busca delinear, a aplicação do princípio de 
generalização nos permite extrair, da multiplicidade de leitores acima 
elencada, crês cipos principais de leitores: o leitor contemplativo, o leitor 
movente e o leitor imersivo, cujos 
TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O MOVENTE E O IMERSIVO 
modelos perceptivo-cognitivos este livro buscará explicitar, com ênfase nesse 
mais recente tipo de leitor, o imersivo. 
Trata-se aí, portanto, de uma tipologia que, para diferenciar os processos 
de leitura, não tomou como ponto de partida as distinções entre tipos de 
linguagens ou processos de signos, tais como a linguagem verbal escrita do 
livro, a linguagem diagramá- tica, verbal e imagética dos jornais, a linguagem 
das imagens em movimento no cinema etc. Também não tomou como ponto de 
partida as espécies de suportes ou canais que veiculam as mensagens: livro, 
jornal, TV, computador etc. Tomou por base, isto sim, os tipos de habilidades 
sensoriais, perceptivas e cognitivas que estão envolvidas nos processos e no 
ato de ler, de modo a configurar modelos cognitivos de leitor. Disso 
resultaram três tipos de leitores com modelos cognitivos que lhes são 
próprios. 
O primeiro, como já foi mencionado acima, é o leitor contemplativo, 
meditativo da idade pré-industrial, o leitor da era do livro impresso e da 
imagem expositiva, fixa. Esse tipo de leitor nasce no Renascimento e perdura 
hegemonicamente até meados do século XIX. O segundo é o leitor do mundo 
em movimento, dinâmico, mundo híbrido, de misturas sígnicas, um leitor que 
é filho da Revolução Industrial e do aparecimento dos grandes centros 
urbanos: o homem na multidão. Esse leitor, que nasce com a explosão do 
jornal e com o universo reprodutivo da fotografia e do cinema, atravessa não 
só a era industrial, mas mantém suas características básicas quando se dá o 
advento da revolução eletrônica, era do apogeu da televisão. O terceiro tipo 
de leitor é aquele que começa a emergir nos novos espaços incorpóreos da 
virtualidade. Vejamos cada um desses tipos em mais detalhes. 
Antes disso, no entanto, vale dizer que, embora haja uma seqüencialidade 
histórica no aparecimento de cada um desses tipos de leitores, isso não 
significa que um exclui o outro, que o aparecimento de um tipo de leitor leva 
ao desaparecimento do tipo anterior. Ao contrário, não parece haver nada 
mais cumulativo do que as conquistas da cultura humana. O que existe, assim, 
é uma convivência e reciprocidade entre os três tipos de leitores, 
 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
embora cada tipo continue, de fato, sendo irredutível ao outro, exigindo, 
aliás, habilidades perceptivas, sensório-motoras e cognitivas distintas. 
1. 0 LEITOR CONTEMPLATIVO, MEDITATIVO 
Nos sete séculos que decorreram da queda do Império Romano até o 
século XII, os mosteiros e outros estabelecimentos eclesiásticos conservaram o 
monopólio da cultura livresca e da produção do livro. A partir do século XII, 
entretanto, intervieram modificações intelectuais e sociais provocadas 
especialmente pela fundação das universidades e pelo desenvolvimento da 
instrução entre leigos, enquanto se formava uma classe burguesa, capaz ela 
também de aceder à cultura: os jurisconsultos, os conselheiros leigos dos reis, 
os altos funcionários de toda espécie e também os ricos negociantes. Tudo isso 
repercutiu nas condições em que os livros eram compostos, escritos, copiados 
e difundidos (Febvre e Martin, 1991: 22). Com a instauração obrigatória do 
silêncio nas bibliotecas universitárias na Idade Média central, a leitura se 
fixou definitivamente como um gesto do olho, "não mais acompanhada, como 
antes, pelo rumor de uma articulação vocal, nem pelo movimento de 
manducação muscular. Ler sem pronunciar em voz alta ou a meia-voz é uma 
experiência moderna, desconhecida durante milênios” (Certeau apud 
Chartier, 1998a: 23). 
Com a leitura silenciosa, o leitor podia estabelecer uma relação sem 
restrições com o livro e com as palavras, que não precisavam mais ocupar o 
tempo exigido para pronunciá-las. Ao contrário, elas podiam existir em um 
espaço interior: 
passando rapidamente ou apenas se insinuando plenamente 
decifradas ou ditas pela metade, enquanto os pensamentos do leitor 
as inspecionavam à vontade, retirando novas noções delas, 
permitindo comparações de memória com outros livros deixados 
abertos para consulta simultânea. O leitor tinha tempo para 
considerar e reconsiderar as preciosas palavras 
TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O MOVENTE E O IMERSIVO
cujos sons - ele sabia agora - podiam ecoar tanto dentro como fora. 
E o próprio texto, protegido de estranhos por suas capas, tornava-se 
posse do leitor, conhecimento íntimo do leitor, fosse na azáfama do 
scriptorium, no mercado ou em casa (Manguei, 1997: 68). 
Além de permitir a comunicação sem testemunhas entre o livro e o leitor 
(Manguei, ibid.: 68), “a leitura silenciosa criou a possibilidade de ler mais 
rapidamente e, portanto, de ler mais e de ler textos mais complexos” 
(Chartier, 1999: 24). Retrospectivamente, pode-se perceber que todas essas 
modificações só estavam preparando o terreno para o advento do livro 
impresso. 
Segundo Paul Chalus (1991: 9), a transformação do manuscrito em livro 
impresso pode muito bem ser comparada à mutação propiciada pela invenção 
da escrita no terceiro milênio antes da nossa era. Se, nos primeiros tempos da 
impressão, a aparência do livro mudou pouco, pois o livro do século XV 
assemelhava-se ao livro manuscrito, a matéria de que o livro passou a ser 
feito foi bastante nova: uma película de natureza vegetal, o papel, podia ser 
fabricada em grandes quantidades. Graças aos tipos móveis, os livros podiam 
ser reproduzidos com rapidez e facilidade. Os exemplares apareciam por 
centenas, por milhares, de uma só vez. 
Longe de ter sido mera realização técnica cômoda, o livro impresso foi um 
poderoso instrumento para conferir toda eficácia à meditação individual, para 
concentrar o pensamento que, sem ele, estaria disperso, ao mesmo tempo que 
assegurava, em um tempo mínimo, a difusão de idéias, criando, entre os 
pensadores, novos hábitos de trabalho intelectual (Febvre, 1991: 15). 
Como foi bem lembrado por Chartier (1998a: 17-19), autores não 
escrevem livros, eles escrevem textos que se tornam objetos escritos, 
manuscritos, gravados, impressos e, hoje, informatizados. Ora, o efeito que o 
texto é capaz de produzir em seus receptores não é independente das formas 
materiais que o texto suporta. Essas formas materiais e o contexto em que se 
inserem contribuem largamente para modelar o tipo de legibilidade do texto. 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
Assim, a impressão em papel por meio de tipos móveis trouxe consigo uma 
maneira específica de ler o texto. Entre os séculos XVI e XVIII, “o triunfo dos 
brancos sobre os pretos", isto é, a aeração da página pela multiplicação dos 
parágrafos que quebram a continuidade ininterrupta do texto, e aquela das 
alíneas, que, entre idas e vindas à linha, tornam a ordem do discurso imedia-
tamente mais legível, produziu um tipo de leitura que fragmenta os textos em 
unidades separadas, e que reencontra, na articulação visual da página, as 
conexões intelectuais ou discursivas do raciocínio (Chartier,1998a: 18-19). 
Desde o século XVI, junto com as formas mais nobres de livros, 
começaram a surgir publicações precárias, pouco cuidadas e pouco custosas, 
vendidas por mascates e destinadas àqueles que não queriam entrar nas 
livrarias. O conjunto dessas coleções e séries veio dar impulso à multiplicação 
dos livros garantida pela invenção de Gutenberg. Mesmo assim, a produção do 
livro não tinha ainda a dimensão que viria adquirir no século XIX e início do 
século XX com a industrialização da atividade gráfica e com a proliferação das 
tiragens graças aos livros de bolso. Essas diferentes formas do livro também 
funcionam como índices de práticas distintas de leitura. Mesmo quando se 
trata da leitura de livros, da decifração do código das letras impressas, a 
prática da leitura não é um ato monolítico. Mesmo depois de fixada a 
genealogia da nossa maneira contemporânea de ler em silêncio e com os olhos, 
continuaram existindo leituras em voz alta com sua dupla função: de um lado, 
comunicar o texto aos que não sabem decifrar, de outro lado, cimentar as 
formas de sociabilidade em espaços comunitários. Também existem nítidas 
distinções que separam a leitura intensiva da leitura extensiva. Enquanto a 
primeira, reverenciai e respeitosa, apoiada na escuta e na memória, confronta-
se com livros pouco numerosos, a segunda “consome muitos textos, passa com 
desenvoltura de um a outro, sem conferir nenhuma sacralidade à coisa lida” 
(Chartier, 1998a: 23). Há ainda leituras eruditas e leituras vacilantes, leitura 
como intelecção abstrata e leitura como engajamento do corpo etc. 
TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O MOVENTE E O IMERSIVO 
Sem desconsiderar codas as variações das práticas de leitura tão caras a 
Chartier, o perfil cognitivo do leitor do livro, que pretendo aqui delinear, 
toma como paradigmática a prática que se tornou dominante a partir do 
século XVI, ou seja, a leitura individual, solitária, de foro privado, silenciosa, 
leitura de numerosos textos, lidos em uma relação de intimidade, silenciosa e 
individualmente; leitura laicizada em que as ocasiões de ler foram cada vez 
mais se emancipando das celebrações religiosas, eclesiásticas ou familiares. 
Esse tipo de leitura nasce da relação íntima entre o leitor e o livro, leitura 
do manuseio, da intimidade, em retiro voluntário, num espaço retirado e 
privado, que tem na biblioteca seu lugar de recolhimento, pois o espaço de 
leitura deve ser separado dos lugares de um divertimento mais mundano. 
Mesmo quando se dá em tais lugares, o leitor se concentra na sua atividade 
interior, separando-se do ambiente circundante. É uma atividade de leitores 
sentados e imóveis, em abandono, desprendidos das circunstâncias externas. 
Mas esse aparente abandono não deve nos levar a minimizar o fato de que a 
leitura também é trabalho: por trás da aparente imobilidade, há a produção 
silenciosa da atividade leitora. Trata-se, pois, de uma imobilidade plena de 
energia mental que faz adivinhar uma animação interior, uma tensão pacífica, 
pois o ato de ler letras é um processo complexo que “envolve não apenas a 
visão e percepção, mas inferência, julgamento, memória, reconhecimento, 
conhecimento, experiência e prática”. [...] Ler, então, não é um processo 
automático de capturar um texto como um papel fotossensível captura a luz, 
mas um processo de reconstrução desconcertante, labiríntico, comum e, 
contudo, pessoal” (Manguei, 1997: 49, 54). 
Segundo Wittrock (apud Manguei, ibid.: 54), “ler não é um fenômeno 
idiossincrático, anárquico. Mas também não é um processo monolítico, 
unitário, no qual apenas um significado está correto. Ao contrário, trata-se de 
um processo generativo que reflete a tentativa disciplinada do leitor de 
construir um ou mais sentidos dentro das regras da linguagem”. 
 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
Além disso, a leitura é também hábito e, por isso mesmo é 
a leitura de muitos livros, sempre comparativa, que faz emergir 
a biblioteca vivida, a memória de livros anteriores e de dados 
culturais (Goulemot, 1996: 113). “Ler é cumulativo e avança em 
progressão geométrica: cada leitura nova baseia-se no que o leitor 
leu antes” (Manguei, 1997: 33). 
A leitura do livro é, por fim, essencialmente contemplação e 
ruminação, leitura que pode voltar as páginas, repetidas vezes 
que pode ser suspensa imaginativamente para a meditação de um 
leitor solitário e concentrado. 
Em resumo, esse primeiro tipo de leitor é aquele que tem dian- 
te de si objetos e signos duráveis, imóveis, localizáveis, manuseá- 
veis: livros, pinturas, gravuras, mapas, partituras. É o mundo 
papel e do tecido da tela. O livro na estante, a imagem exposta, 
à altura das mãos e do olhar. Esse leitor não sofre, não é acossado 
pelas urgências do tempo. Um leitor que contempla e medita. 
Entre os sentidos, a visão reina soberana, complementada pelo 
sentido interior da imaginação. Uma vez que estão localizados 
no espaço e duram no tempo, esses signos podem ser contínua e 
repetidamente revisitados. Um mesmo livro pode ser consultado 
quantas vezes se queira, um mesmo quadro pode ser visto tanto 
quanto possível. Sendo objetos imóveis, é o leitor que os procura, 
escolhe-os e delibera sobre o tempo que o desejo lhe faz dispensar 
a eles. Embora a leitura da escrita de um livro seja seqüencial, a 
solidez do objeto livro permite idas e vindas, retornos, re-signifi- 
cações. Um livro, um quadro exigem do leitor a lentidão de 
dedicação em que o tempo não conta. 
2. 0 LEITOR MOVENTE, FRAGMENTADO 
Inspirado na obra de Walter Benjamin, grande leitor de Poe e Baudelaire 
e um dos maiores teóricos da modernidade, Santos (1998: 10) informa-nos 
que, em meados do século passado, as transformações urbanas de cidades 
como Paris e Londres foram 
TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O MOVENTE E O IMERSIVO
modelos de grandes transformações que vieram trazer conseqüências 
profundas no modo de viver das pessoas. Devido ao incremento que a 
Revolução Industrial havia trazido para o capitalismo, nessas cidades, o 
tráfico de pessoas crescia para atender ao fluxo do capital em expansão. As 
locomotivas e as estações ferroviárias, além de exibirem o avanço tecnológico, 
serviam de marcos reais para a cidade, carregando seus sonhos de 
confraternização de uma humanidade inteira ligada por trilhos. As máquinas a 
vapor já submergiam os trabalhadores em rígidos horários nas fábricas, 
consolidando a nova lógica de desenvolvimento econômico. O capital ia se 
concentrando cada vez mais nos centros urbanos. 
À luz de Berman (1989), Santos (ibid.: 10) afirma também que, submetidos 
à lógica da produção serial, progressiva e racionalizada, sem poder competir 
com a produção capitalista, camponeses e artesãos eram forçados a abandonar 
suas terras e a fechar seus estabelecimentos. Com o declínio do campo e do 
artesanato, grande número de migrantes pobres chegavam à cidade para se 
transformarem em proletários ou em uma legião de miseráveis que o capital 
não arregimentou. Para a melhor administração do capital e dos grandes 
centros urbanos, o Estado aparece como instituição legal e fiscal para garantir 
a ordem das transformações. A conjuntura econômica demarca de forma clara 
duas classes: os operários, de um lado, e os donos do capital, a elite industrial, 
de outro. 
Para permitir a comunicação entre os homens, especialmente dos homens 
que estavam no comando dos negócios e de sua administração, nesse universo 
que crescia em complexidade, surgiram o telégrafo, o telefone e, depois, a 
consolidação das redes de opinião, os jornais, com notícias rápidas e 
imediatas, próprias de cidades com excesso de informação, encontros e 
desencontros(ibid.: 11). 
Tudo isso acontecia em um novo cenário e em um novo ambiente: o das 
cidades que cresciam no ritmo das novidades. Com a chegada das redes de 
eletricidade, os centros urbanos começaram a se iluminar e a expor, sob efeito 
das luzes, as diver- 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO
sas configurações materiais da metrópole, principalmente nos novos objetos 
produzidos pelo progresso técnico. Nas construções arquitetônicas, nos 
traçados urbanísticos das ruas, nos grandes magazines, nas galerias, nos 
cassinos, nas exposições, nos museus de cera, e principalmente na moda, a 
febril imaginação moderna ia se forjando. 
O mundo público moderno foi se marcando pela lógica do consumo e da 
moda que estabelece um novo estatuto para a percepção e imaginação, “um 
mundo aberto e cênico, cujos cenários e personagens, em constante superação, 
desfilam e desaparecem” (Carvalho 1997: 132-135). Conforme foi lucidamente 
perscru- tado por Simmel, no seu ensaio pioneiro de 1903, “A metrópole e a 
vida mental" (apud Singer, 2001: 1 1 6 ), seguido depois pelas análises de 
Kracauer (cf. Hansen 2001: 497-558) e de Benjamin, o espaço urbano foi se 
refazendo no movimento contínuo e na proximidade física quase promíscua 
de corpos que se esbarram em espaços exíguos de calçadas tumultuosas. Nesses 
deslocamentos rápidos, que causam “um aumento radical na estimulação 
nervosa e no risco corporal” (Singer apud Charney e Schwartz, 2001: 25), os 
olhares das pessoas não se cruzam e as almas não se entregam. 
Na cidade-luz, das lanternas a gás, da eletricidade e do néon, na cidade-
vitrina, com seus boulevards, galerias, parques, cafés, museus e teatros, na 
cidade-passarela que estetiza as aparências e os gostos, a identidade do 
homem moderno se desconstrói em uma multiplicidade infinita de imagens e 
registros, tipos, estilos e perfis urbanos. Na sensorialidade alucinógena que o 
excesso de estímulos produz, só pode encontrar sua identidade o flâneur, 
aquele que passeia pela cidade com olhar contemplativo, ondu- lante e aberto 
à vertigem das alteridades. 
Alegorista da cidade, detentor de todas as significações urbanas, do saber 
integral da cidade, do seu perto e do seu longe, do seu presente e do seu 
passado, reconhecendo-a sempre em seu verdadeiro rosto - um rosto 
surrealista - vendo em todos os momentos seu lado de paisagem, em que 
ela é natureza, e 
TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O MOVENTE E O IMERSIVO
em seu lado de interior, em que ela é quarto, o flâneur assume sua 
condição de viajante da modernidade e resolve contar-nos o que viu em 
sua perambulação (Rouanet, 1993: 23). 
No cenário volátil da cidade, convertida em “arena para a circulação de 
corpos e mercadorias” (Charney e Schwartz, ibid.: 22), aquilo que realmente 
deu forma à experiência da modernidade foi a destituição crescente de todas 
as coisas de sua aura de valor. A roupa, o livro, o médico, o advogado e o 
poeta, tudo foi se transformando em mercadoria e com ela nascia um novo 
tipo de percepção do mundo, cada vez mais voltada para a proximidade, para o 
imediato, para a segurança contra os riscos da cidade grande. O ser humano 
passou a se preocupar muito mais com a vivência do que com a memória. O 
passado também foi destituído de seu valor diante da necessidade de se 
proteger das surpresas e choques da metrópole, da necessidade de se adaptar 
ao novo, ao diferente imposto pelo mercado: o novo da mercadoria, da moda, 
da decoração, das vitrinas, das ruas cuja única função é aumentar o consumo. 
Contudo, ao mesmo tempo que as mercadorias são substituídas 
constantemente por novos produtos, nada muda significativamente (ibid.: 14). 
Para alimentar a ilusão de que há mudanças, surgiu a publicidade, filha 
dileta de um mundo que transformou tudo em mercadoria. Para a oferta de 
produtos em lojas, bazares e galerias, a cidade começou a ser povoada de 
imagens. Isso só se tornou possível graças à reprodutibilidade técnica, 
inaugurada pelas técnicas de impressão e pela fotografia, que dilata a visão 
humana, devolvendo ao mundo cenas, paisagens, lugares, pessoas, que são 
duplos dele mesmo. 
O espetáculo do luxo, da novidade, da sofisticação e da moda alimenta os 
prazeres do consumo. Com a publicidade, nova forma de comunicação pública, 
foi se dando a proliferação abundante de imagens e mensagens visuais, em um 
mundo de produtos à venda, expostos ao desejo que nasce no olhar, mundo no 
qual tudo vira mercadoria, até as próprias imagens que são feitas para 
 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
vender mercadorias. A vida cotidiana passou a ser um espectro visual, um 
desfile de aparências fugidias, um jogo de imagens que hipnotizam e seduzem. 
De fato, os modernos encontraram na fotografia e no cinema o que lhes 
era mais contemporâneo: a velocidade da reprodução e substituição incessante 
de imagens, pois essas imagens fazem parte de uma cultura organizada sob o 
signo do choque, de indivíduos que se acostumaram com os desencontros da 
metrópole. As imagens são, assim, espécies de anúncios e síntese das 
construções de seu tempo: imagens que fascinam e prendem a visão para, logo 
em seguida, morrer prematuramente ao serem substituídas por outras 
imagens. Com isso, as imagens, além de ajudarem a vender mercadorias, elas 
mesmas também se transformam em mercadorias. Elas podem ser reproduzidas 
à exaustão e encontradas em qualquer parte — jornais, revistas, panfletos, 
vitrinas, letreiros e esquinas das cidades. Ao mesmo tempo que exercem poder 
sobre os modernos, para exercer esse poder, as imagens precisam se des- 
sacralizar. Como tudo o mais, não passam de poeira fugidia que se desmancha 
no ar. 
Uma das características mais particulares do cidadão moderno está na 
agilidade com que dá e recebe estocadas. Por isso mesmo, esse cidadão tem 
mais consciência do que memória porque os choques do cotidiano na grande 
cidade mudam sua sensibilidade. "No meio do tráfego urbano, da constante 
troca de mercadorias, no consumo exagerado de produtos e imagens, o 
homem, sob pena de não conseguir gravar tudo em sua mente, acabou forta-
lecendo sua memória com aparelhos externos, máquinas oculares como a 
fotografia, o cinema e, mais tarde, a TV e o vídeo” (Santos ibid.: 18). 
Com o tempo, o ser humano passou a substituir o fetiche da mercadoria 
pelo fetiche da imagem, pois viver na grande cidade implica conviver com a 
fugacidade dos contatos sociais, com a reposição contínua de imagens nas 
ruas, vitrinas, jornais e revistas. Viver passou a significar adaptar-se à 
congestão de imagens na retina. O espectador moderno é um ser submetido ao 
frêmito 
TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O MOVENTE E O IMERSIVO 
urbano e à superexposição perceptiva da velocidade com que imagens, cenas, 
personagens atravessam a retina do mesmo modo que as coisas, fatos e pessoas 
da cidade se transformam e atravessam a consciência para logo desaparecerem 
“na correnteza caótica de homens e coisas" (Carvalho, 1997: 135). 
Por tudo isso, para Carvalho (ibid.: 127), a modernidade corresponde a um 
novo estágio da história humana, “época em que as formas de experimentar e 
sentir a realidade e a vida sofreram inflexões agudas". Nessa nova realidade, as 
coisas fragmentam- se sob efeito do transitório, do excessivo e da 
instabilidade que marcam o psiquismo humano com a tensão nervosa, a 
velocidade, o superficialismo, a efemeridade, a hiperestesia, tudo isso 
convergindo para a experiência imediata e solitária do homem moderno. 
É nesse ambiente que surge o nosso segundo tipo de leitor, aquele 
que nasce com o advento do jornal e das multidões nos centros urbanos 
habitados de signos. É o leitor que foi se ajustando a novos ritmosda atenção, 
ritmos que passam com igual velocidade de um estado fixo para um móvel. É o 
leitor treinado nas distrações fugazes e sensações evanescentes cuja percepção 
se tornou uma atividade instável, de intensidades desiguais. É, enfim, o leitor 
apressado de linguagens efêmeras, híbridas, misturadas. Mistura que está no 
cerne do jornal, primeiro grande rival do livro. A impressão mecânica aliada 
ao telégrafo e à fotografia gerou essa linguagem híbrida, a do jornal, 
testemunha do cotidiano, fadada a durar o tempo exato daquilo que noticia. 
Aparece assim, com o jornal, o leitor fugaz, novidadeiro, de memória curta, 
mas ágil. Um leitor que precisa esquecer, pelo excesso de estímulos, e na falta 
do tempo para retê-los. Um leitor de fragmentos, leitor de tiras de jornal e 
fatias de realidade. 
Com a sofisticação dos meios de reprodução, tanto na escrita quanto na 
imagem, com a reprodução fotográfica, a cidade começou a se povoar de 
signos, numa profusão de sinais e mensagens. As palavras, as imagens 
cresceram, agigantaram-se e tomaram conta do ambiente urbano. Sinais para 
serem vistos e decodifica 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
dos na velocidade. Como orientar-se, como sobreviver na grande cidade sem 
as setas, os diagramas, os sinais, a avaliação imediata da velocidade do 
movimento e do burburinho urbano? 
O leitor do livro, meditativo, observador ancorado, leitor sem urgências, 
provido de férteis faculdades imaginativas, aprende assim a conviver com o 
leitor movente; leitor de formas, volumes, massas, interações de forças, 
movimentos; leitor de direções, traços, cores; leitor de luzes que se acendem e 
se apagam; leitor cujo organismo mudou de marcha, sincronizando-se à 
aceleração do mundo. 
Há uma isomorfia entre o modo como esse leitor se move na grande 
cidade, no movimento do trem, do bonde, dos ônibus e do carro e o 
movimento das câmeras de cinema. De fato, a sensibilidade adaptada às 
intensidades fugidias da circulação incessante de estímulos efêmeros é uma 
sensibilidade inerentemente cinematográfica. “Não é de surpreender que a 
vanguarda modernista, atraída pela intensidade das emoções da modernidade, 
[...] ao reconhecer o poder do cinema para transmitir velocidade, simul-
taneidade, superabundância visual e choque visceral, tenha se apossado [...} do 
cinema como um emblema da descontinuidade e da velocidade modernas” 
(Singer, 2001: 137). Para Benjamin, “o cinema corresponde a mudanças 
profundas no aparelho apercep- tivo — mudanças que são experimentadas, em 
uma escala individual, pelo homem na rua, no tráfego da cidade grande, e, em 
uma escala histórica, por qualquer cidadão dos dias de hoje". A rapidez do 
ritmo cinematográfico e sua fragmentação audiovisual de alto impacto 
constituíram um paralelo aos choques e intensidades da vida moderna. "Em 
um filme”, continua Benjamin, “a percepção na forma de choques foi 
estabelecida como um princípio formal. Aquilo que determina o ritmo de 
produção em uma esteira rolante é a base do ritmo de recepção do cinema” 
(apud Singer, ibid.: 137-138). 
Por isso mesmo, o cinema tornou-se a arte definidora da experiência 
temporal da modernidade, oscilação entre a intensidade de um instante 
sensório e sua evanescência igualmente potente, 
 
TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O MOVENTE E O IMERSIVO
que transformou a estrutura mesma da experiência e criou novas 
formas de sensibilidade e de pensamento, uma outra maneira de 
interagir com o mundo. Não é por acaso que essa estrutura expe- 
riencial inédita tenha criado as condições para a emergência de um 
tipo de leitor radicalmente distinto do leitor do livro. Esbarrando 
a todo instante em signos, signos que vêm ao seu encontro, fora 
e dentro de casa, esse leitor aprende a transitar entre linguagens, 
passando dos objetos aos signos, da imagem ao verbo, do som para 
a imagem com familiaridade imperceptível. Isso se acentua com o 
advento da televisão: imagens, ruídos, sons, falas, movimentos e 
ritmos na tela se confundem e se mesclam com situações vividas. 
Onde termina o real e onde começam os signos se nubla e mistura 
como se misturam os próprios signos. 
Esse segundo tipo de leitor, no entanto, intermediário entre o 
leitor do livro e o leitor imersivo do ciberespaço, esteve preparan- 
do a sensibilidade perceptiva humana para o surgimento do leitor 
imersivo, que navega entre nós e conexões alineares pelas arqui- 
teturas líquidas dos espaços virtuais. De fato, se não levarmos em 
conta as mudanças na estrutura mesma da senso-motricidade, na 
aceleração da percepção, do ritmo da atenção, flutuando entre a 
distração e a intensidade da penetração no instante perceptivo, 
trazidas pelo leitor movente, fica muito difícil compreender o 
perfil desse tipo radicalmente novo de leitor que está se deline- 
ando nos processos de navegação no ciberespaço, como será visto 
a seguir. 
3. 0 LEITOR IMERSIVO, VIRTUAL 
O aspecto sem dúvida mais espetacular naquilo que vem sendo chamado 
de “era digital", na entrada do século XXI, está no poder dos dígitos para 
tratar toda e qualquer informação — som, imagem, texto, programas 
informáticos — com a mesma linguagem universal, bites de 0 e 1, uma espécie 
de esperanto das máquinas. Graças à digitalização e à compressão dos dados, 
todo 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
e qualquer tipo de signo pode ser recebido, estocado, tratado e difundido, via 
computador. Aliada à telecomunicação, a informática permite que esses dados 
cruzem oceanos, continentes, hemisférios, conectando numa mesma rede 
gigantesca de transmissão e acesso, potencialmente qualquer ser humano no 
globo. Tendo na multimídia seu suporte e na hipermídia sua linguagem, esses 
signos de todos os signos estão disponíveis ao mais leve dos toques, no clique 
de um mouse. Nasce aí um terceiro tipo de leitor, um leitor imersivo, distinto 
dos anteriores. 
Diferentemente do leitor do livro, que tem diante de si um objeto 
manipulável, a tela sobre a qual o texto eletrônico é lido não é mais 
manuseada diretamente, imediatamente pelo leitor imersivo. 
A inscrição do texto na tela cria uma distribuição, uma organização, 
uma estruturação do texto que não é de modo algum a mesma com 
a qual se defrontava o leitor do livro em rolo da Antigüidade ou o 
leitor medieval, moderno e contemporâneo do livro manuscrito ou 
impresso, onde o texto é organizado a partir de sua estrutura em 
cadernos, folhas e páginas. 0 fluxo seqüencial do texto na tela, a 
continuidade que lhe é dada, o fato de que suas fronteiras não são 
mais tão radicalmente visíveis, como no livro que encerra, no interior 
de sua encadernação ou de sua capa, o texto que ele carrega, a 
possibilidade para o leitor de embaralhar, de entrecruzar, de reunir 
textos que são inscritos na mesma memória eletrônica: todos esses 
traços indicam que a revolução do livro eletrônico é uma revolução 
nas estruturas do suporte material do escrito assim como nas 
maneiras de ler (Chartier, 1998b: 12-13). 
É certo que o leitor da tela guarda certos traços de semelhança com o 
leitor da Antigüidade. Como no livro em rolo, o texto corre verticalmente, lá, 
ao ser desdobrado manualmente, aqui, na tela que corre sob a pressão de um 
botão. Também como o leitor do livro impresso, o leitor imersivo pode 
utilizar referências como a paginação, o índice, o recorte do texto (Chartier, 
ibid.: 13). Não 
 
TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O MOVENTE E O IMERSIVO
obstante esses traços de semelhança, o leitor imersivo é obrigato- 
riamente mais livre na medida em que, sem a liberdade de escolha entre 
nexos e sem a iniciativa de busca de direções e rotas, a leitura imersiva não se 
realiza.Nessa medida, as semelhanças não podem nos levar a menosprezar o fato 
de que se trata de um modo inteiramente novo de ler, distinto não só do 
leitor contemplativo da linguagem impres- sa, mas também do leitor 
movente, pois não se trata mais de um leitor que tropeça, esbarra em signos 
físicos, materiais, como é o 
caso desse segundo tipo de leitor, mas de um leitor que navega numa tela, 
programando leituras, num universo de signos evanes- centes e eternamente 
disponíveis, contanto que não se perca a rota que leva a eles. Não é mais 
tampouco um leitor contemplativo que segue as seqüências de um texto, 
virando páginas, manuseando volumes, percorrendo com passos lentos a 
biblioteca, mas um leitor em estado de prontidão, conectando-se entre nós e 
nexos, num roteiro multilinear, multisseqüencial e labiríntico que ele próprio 
ajudou a construir ao interagir com os nós entre palavras, imagens, 
documentação, músicas, vídeo etc. 
Trata-se, na verdade, de um leitor implodido cuja subjetividade se mescla 
na hipersubjetividade de infinitos textos num grande caleidoscópico 
tridimensional onde cada novo nó e nexo pode conter uma outra grande rede 
numa outra dimensão. Enfim, o que se tem aí é um universo novo que parece 
realizar o sonho ou alucinação borgiana da biblioteca de Babel, uma 
biblioteca virtual, mas que funciona como promessa eterna de se tornar real a 
cada “clique” do mouse. 
Diferentemente dos dois primeiros tipos de leitores, as características 
cognitivas desse terceiro tipo de leitor, dada sua novidade, ainda foram pouco 
exploradas. A proposta deste livro de se aprofundar na investigação desse tipo 
de leitor, que chamo de leitor imersivo, virtual, nasceu dessa lacuna. 
As características do leitor da linguagem verbal escrita, do leitor do livro 
já foram sobejamente mapeadas na vasta bibliografia existente sobre leitura, 
literatura esta, aliás, que sintomaticamen- 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO
te começou a crescer justamente a partir do advento do terceiro tipo de 
leitor, o leitor imersivo. Esse crescimento produz a suspeita de que a onda 
atual de livros voltados para a reflexão sobre o livro de papel esteja sendo 
movida por sentimentos nostálgicos e ansiedade diante da possibilidade de 
seu desaparecimento. 
Quanto ao segundo tipo de leitor, uma espécie de esgrimista que se safa 
dos golpes do coditidano nos grandes centros urbanos, lançando olhares 
distraídos, “por entre fotos e nomes, os olhos cheios de cores... em dentes, 
pernas, bandeiras” (Caetano Veloso), os traços deste leitor podem ser 
extraídos dos trabalhos de Sim- mel, Kracauer e Walter Benjamin. 
O campo que, por ser muito jovem, ainda permanece quase virgem, 
reclamando por estudos específicos, é o do terceiro tipo de leitor. Este livro 
visa atender a esse apelo. 
A hipótese fundamental que norteou este trabalho é a de que a passagem 
de um tipo de leitor a outro envolve grandes transformações sensórias, 
perceptivas, cognitivas e, conseqüentemente, também transformações de 
sensibilidade, conforme foi apontado por Walter Benjamin no que diz 
respeito ao segundo tipo de leitor. Ficaram bastante conhecidas as 
características daquilo que Benjamin chamou de estética do choque como 
definidora da modernidade perceptiva a partir de suas leituras de Poe e Bau- 
delaire. 
Assim também, com relação ao leitor imersivo, parti da hipótese de que a 
navegação interativa entre nós e nexos pelos roteiros alineares do 
ciberespaço envolve transformações sensórias, perceptivas e cognitivas que 
trazem conseqüências também para a formação de um novo tipo de 
sensibilidade corporal, física e mental. Essas transformações devem muito 
provavelmente estar baseadas em: 
a) tipos especiais de ações e controles perceptivos que resultam da 
decodificação ágil de sinais e rotas semióticas, 
b) de comportamentos e decisões cognitivas alicerçados em operações 
inferenciais, métodos de busca e de solução de 
TRÊS TIPOS DE LEITORES: O CONTEMPLATIVO, O MOVENTE E O IMERSIVO
problemas. Embora essas funções percepcivo-cognitivas só sejam 
visíveis no toque do mouse, elas devem estar ligadas à 
polissensorialidade e senso-motricidade, no envolvimento extensivo 
do corpo na sua globalidade psicossensorial, isto é, na sua capacidade 
sensorial sinestésica e sensório-motora. 
Justificativa para essas hipóteses encontra-se no fato de que, nas telas da 
hipermídia, a combinatória plurissensorial, que naturalmente nosso cérebro 
pratica para constituir suas imagens, tornou-se possível fora do cérebro, na 
medida em que essa combinatória é encenada na própria tela. É com ela que o 
leitor interage por meio do movimento nervoso do mouse. 
Com base nesses pressupostos, a realização da pesquisa seguiu duas rotas 
simultâneas e interatuantes. De um lado, a rota teórica que visou à seleção de 
um campo conceitual apropriado àquilo que se buscava responder. Quer dizer, 
qual o campo teórico que apresentava mais proximidade com o objeto a ser 
estudado? Conforme será apresentado no capítulo 4, foi nas ciências 
cognitivas, especialmente nos modelos cognitivos de resolução de problemas e 
na neurociência cognitiva que encontrei a fundamentação teórica mais 
sintonizada com as questões levantadas. 
A outra rota foi a da prática, que teve por finalidade levantar dados para 
confronto com os pressupostos teóricos, por meio de uma pesquisa de campo 
que me pusesse em contato com os leitores imersivos, usuários do 
ciberespaço. Os passos dessa pesquisa serão relatados no capítulo 3- 
0 CIBERESPAÇO E SUA LINGUAGEM: A 
HIPERMÍDIA 
 
orteando este trabalho está a hipótese de que a navegação 
interativa no ciberespaço envolve transformações perceptivo-
cognitivas por parte desse novo tipo de 
leitor que chamo de “leitor imersivo”, aquele que navega entre nós e nexos 
construindo roteiros não lineares, não seqüenciais. Como já mencionei no 
capítulo 1, essas transformações devem estar baseadas: 
a) Em tipos especiais de ações e controles perceptivos que resultam da 
decodificação ágil de sinais e rotas semióticas. 
b) Em tipos de comportamentos e decisões cognitivas alicerçados em 
processos inferenciais, métodos de busca e de solução de problemas. 
c) Na ligação das funções perceptivo-cognitivas à polissenso- rialidade e 
senso-motricidade do corpo na sua globalidade psicossensorial. 
Uma vez que se trata aí de hipóteses que se referem a questões 
fundamentalmente cognitivas, para colocá-las em discussão, alguns 
pressupostos conceituais advindos das ciências cognitivas são necessários. 
Entretanto, antes disso, é preciso conhecer o ambiente em que esses processos 
cognitivos são performatizados: o ambiente do ciberespaço. Quais são as suas 
características? Para conhecê-las, apresentarei a seguir um traçado geral desse 
espaço 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
cibernético, acompanhado de comentários sobre a linguagem que é própria 
desse novo ambiente de comunicação: a hipermídia. As linguagens do 
ciberespaço são linguagens hipermidiáticas. Inteirar-se da natureza palinódica 
da semiose na hipermídia, que se expressa na sua estrutura reticular, nodal, 
constitui porta de entrada para o conhecimento do ciberespaço. 
1.0 QUE ÉO CIBERESPAÇO 
Cada vez mais crescentemente processos de comunicação são criados e 
distribuídos em forma digital legível no computador. Forma digital significa 
que quaisquer fontes de informação podem ser homogeneizadas em cadeias de 
0 e 1. Isso quer dizer que a mesma tecnologia básica pode ser usada para 
transmitir todas as formas de comunicação — seja na forma de textos, áudio 
ou vídeo — em um sistema de comunicação integrado, tal como aparece na 
internet. 
Como a internet funciona?Seu funcionamento depende não apenas do 
papel capital desempenhado pela informática e pelos computadores, mas da 
comunicação que se institui entre eles por meio da conexão em rede. As duas 
forças principais da informática, capacidade de armazenamento e 
processamento da informação, multiplicam-se imensamente na medida em que 
as máquinas podem se beneficiar umas das outras. Na internet, a palavra 
“rede” deve ser entendida em uma acepção muito especial, pois ela não se 
constrói segundo princípios hierárquicos, mas como se uma grande teia na 
forma do globo envolvesse a terra inteira, sem bordas nem centros. Nessa teia, 
comunicações eletrônicas caminham na velocidade da luz (300 mil km/s), em 
um “tempo real”, pode-se dizer, no qual a distância não conta (Baylon e 
Mignot, 
1999: 376). 
Quais são os componentes dessa teia? Ela se compõe de um número de 
dezenas de milhares de sub-redes, elas mesmas conectadas a redes chamadas 
de “espinhas dorsais” ou “redes federati- 
0 CIBERESPAÇO E SUA LINGUAGEM: A HIPERMÍDIA
vas”. Dentre as sub-redes, a mais empregada é a WWW {World Wide Web). A 
chave para conectar a rede está no seu conjunto subjacente de regras de 
comunicação ou protocolos. Para o usuário, a execução dos protocolos da rede 
é até certo ponto fácil, na medida cm que não é necessário saber o que está 
por baixo da interface na cela, muito menos como funcionam os programas 
computacionais e a máquina em que esses programas são processados. Se o 
usuário não tiver muitas pretensões exploratórias, basta memorizar um plano 
técnico de indicações sumárias para que ele possa entrar na rede. E por isso 
que crianças de cinco anos já são capazes de se conectar a partir da 
memorização de uma pequena seqüência de ícones. 
Por trás da tela, os protocolos têm um método de transmissão que é 
comum a muitos outros tipos de redes de dados: a comutação de pacotes. Isso 
significa que as transmissões digitais são quebradas em pequenas parcelas de 
dígitos, chamados de pacotes. Cada pacote tem bits adicionais, indicando os 
endereços na rede tanto da parte emissora quanto da parece receptora, a 
seqüência do número de cada pacote e um código para a verificação de erros. 
A vantagem disso é que muitas mensagens podem simultaneamente 
compartilhar um único circuito. Por meio da informação dos endereços e das 
seqüências dos números, a mensagem é recondicionada no seu ponto de 
chegada. O futuro da tecnologia de comutação de pacotes será aumentar a 
velocidade de transmissão em várias ordens de magnitude por meio da fibra 
óptica. Deverá haver priorização de pacotes de modo que pacotes de voz e 
vídeo, que exigem entrega imediata, poderão receber tratamento preferencial 
sobre aplicações que aceitam algum atraso, como correio eletrônico 
(Straubhaar e LaRose, 1997: 22). 
O universo virtual das redes alastrou-se exponencialmente por todo o 
planeta fazendo emergir um universo paralelo ao universo físico no qual 
nosso corpo se move. Assim sendo, como nos diz Nora (1997: 77), a internet 
converteu-se em uma mescla inacreditável de infra-estruturas subsidiadas e 
dedicadas à investigação, de redes privadas de empresas, de centros de 
informação de 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
todo tipo e um sem-fim de grupos de discussão etc. Trata-se de uma estrutura 
associativa em cujo seio abrigam-se competidores econômicos selvagens. Por 
ser um gigante descentralizado, não conhece regras de jogo universais. Não 
tem donos, nem censores, apenas uma “netiqueta”. 
Desde a imaginativa sugestão de Marcos Novac ([1991] 1993), o universo 
paralelo, que tem sua matriz na internet, que abriga megalópolis, ou bancos 
de dados comerciais, e uma infinidade de portais e sites de todas as espécies, 
vem sendo chamado de ciberespaço. Onde está o ciberespaço? Não há resposta 
fácil para essa pergunta. “O ciberespaço é como Oz — existe, chegamos a ele, 
mas não tem ubiquação” (Stenger, 1993: 54). De que se constitui isso que 
existe em um lugar sem lugar e que é, ao mesmo tempo, uma miríade de 
lugares? Consiste de uma realidade multidirecional, artificial ou virtual 
incorporada a uma rede global, sustentada por computadores que funcionam 
como meios de geração e acesso. Nessa realidade, da qual cada computador é 
uma janela, os objetos vistos e ouvidos não são nem físicos nem, 
necessariamente, representações de objetos físicos, mas têm a forma, caráter e 
ação de dados, informação pura. E certamente uma realidade que deriva em 
parte do funcionamento do mundo natural, físico, mas que se constitui de 
tráfegos de informação produzida pelos empreendimentos humanos em todas 
as áreas: arte, ciência, negócios e cultura (Benedikt, 1993: 116). 
Como o ciberespaço se relaciona com a realidade virtual, com a 
visualização da informação, com as interfaces gráficas dos usuários, com as 
redes, com os meios de comunicação múltiplos, com a convergência das 
mídias, com a hipermídia? Ele se relaciona com todos, inclui a todos, pois tem 
a capacidade de reunir e concentrar todas essas faces em um objetivo comum. 
Nessa medida, o ciberespaço deve ser concebido como um mundo virtual 
global coerente, independente de como se acede a ele e como se navega nele. 
Tal qual uma língua, cuja consistência interna não depende de que os seus 
falantes estejam, de fato, pronunciando-a, pois eles podem estar todos 
dormindo, em um dado 
0 CIBERESPAÇO E SUA LINGUAGEM: A HIPERMlDIA 
momento imaginário, o ciberespaço, como uma virtualidade disponível, 
independe das configurações específicas que um usuário particular consegue 
extrair dele. Além disso, há várias maneiras de se entrar no ciberespaço. Pelas 
animações sensíveis de imagens no monitor do vídeo controlado pelo mouse, 
passando pela tecnologia da realidade virtual, que visa recriar o sensório 
humano tão plenamente quanto possível, até os eletrodos neurais diretos. 
Benedikt (ibid.: 162) estabelece sete princípios para o designa e a natureza do 
ciberespaço: 
a) O princípio da exclusão: duas coisas não podem ocupar o mesmo lugar 
ao mesmo tempo. 
b) O princípio da máxima exclusão, junto com a identidade máxima do 
objeto. Dado qualquer estado n-dimensional de um fenômeno e todos 
os valores — reais e possíveis — de n dimensões, eleger como 
dimensões extrínsecas — como espaço e tempo — aquele conjunto de 
(duas, ou três, ou quatro) dimensões que minimizarão o número de 
violações do princípio de exclusão. 
c) O princípio da indiferença. A realidade sentida de qualquer mundo 
depende do grau de sua indiferença quanto à presença de um usuário 
particular e de sua resistência ao desejo dele. 
d) O princípio de escala. A velocidade máxima (de espaço) de movimento 
do usuário no ciberespaço é uma função inversa, monotônica da 
complexidade do mundo visível para ele. 
e) O princípio do trânsito. A distância entre dois pontos do ciberespaço 
deverá ocorrer fenomenicamente através de todos os pontos que 
intervêm nele, sem importar a rapidez (salvo quando se tratar de uma 
velocidade infinita). O viajante deve arcar com os custos 
proporcionais da distância percorrida. 
f) O princípio da visibilidade pessoal. Os usuários individuais no e do 
ciberespaço deveriam ser visíveis, de alguma 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO
forma não trivial, e em todo momento, a todos os demais usuários 
vizinhos, e os usuários individuais podem escolher por suas próprias 
razões se desejam ou não, e em que medida, ver qualquer usuário 
vizinho ou todos eles. 
g) O princípio da comunidade recomenda que os espaços virtuais sejam 
objetivados de maneira circunscrita por uma comunidade de usuários 
definida. 
Quando Benedikt editou o seu livro antológico Ciberespaço. Primeiros Passos(1991), de onde as informações acima foram extraídas, as redes estavam 
engatinhando. É impressionante o poder premonitório dos prognósticos 
contidos nesse livro, pois foi só em 1993 que a WWW se difundiu 
mundialmente a partir da consolidação da língua franca da internet, a 
linguagem HTML (Hypertext Mark-up Language), baseada em vínculos 
hipertextuais entre palavras, e seus protocolos derivados. Logo depois, Marc 
Pesce inventou uma nova linguagem informática, a VRML (Virtual Reality 
Modelling Language). “Imaginem”, dizia Pesce (apud Reid, 1997: 171): 
uma interface de internet onde as fontes de dados - livros, sons, 
vídeos, pudessem ser representados de maneira natural, como são no 
mundo real, com metáforas procedentes do mundo real. A gente pode 
recordar as metáforas do mundo real porque têm sentido. [...] 
Organizamos nossa vida sensorialmente - pense em sua coleção de 
discos - e necessitamos transferir essa mesma técnica para a internet 
se, de fato, queremos usar a rede de acordo com todas as nossas 
capacidades. 
Veio daí a idéia de criar uma interface sensorial na WWW, da qual procede 
a VRML, apresentada pela primeira vez em Orlando, no SIGGRAPH 1994, e 
imediatamente implementada pela Silicon Graphics, a empresa mais potente 
em infografia no planeta. Para operacionalizar as propostas de Pesce e seus 
seguidores, que já haviam criado um primeiro ambiente virtual telemático, o 
Labyrinth, 
0 CIBERESPAÇO E SUA LINGUAGEM: A HIPERMlDIA
. 1 Silicon adquiriu o ambiente de programação Open Inventor, criado por Rick 
Carey, e construiu o portal Web Space, especificamente desenhado para a nova 
linguagem. Assim surgiu a versão VRML 1.0, que teve grande impacto sobre 
os internautas interessados na transmissão de imagens, apesar de suas 
insuficiências, como, por exemplo, o caráter estático das imagens e sua 
incapacidade para incorporar o som. Em 1996, essas insuficiências foram 
superadas na versão 2.0, que se converteu prontamente no principal padrão da 
internet para a transmissão de imagens tridimensionais. 
Com isso, as imagens podiam então se mover em cenários virtuais 
representáveis na própria rede, à maneira de desenhos animados no 
ciberespaço. Também era possível incorporar sons procedentes de tais 
imagens, o que possibilitou criar representações de sujeitos falantes nos 
lugares virtuais. Além disso, essas entidades virtuais, providas de sensores, 
reagiam aos movimentos e sons emitidos por outras imagens, mediante 
técnicas de vida artificial. Estava assim inventado o teatro virtual interativo 
que se desenvolveu vertiginosamente a partir de 1997 (Echeverría, 2000: 90-
92). 
Nessas alturas, os navegadores já estavam em plena ação e o Netscape 
incorporou rapidamente a VRLM 2.0. Embora tenha tentado lançar uma 
linguagem alternativa, a Microsoft acabou por incorporá- la ao Explorer. Com 
isso, uma linguagem ideográfica aparecia como uma nova linguagem para a 
rede. Com a VRLM surgiram os lugares virtuais nas redes e os avatares. Estes 
são figuras gráficas que podem movimentar-se, atuar e inter-relacionar-se 
com outras máscaras digitais em um mundo virtual tridimensional. Cada 
usuário que entra nesses ambientes virtuais pode criar seu próprio avatar, ao 
eleger uma máscara em um guarda-roupa digital disponível. Pode até 
modificá- la, ao imprimir-lhe uma gestualidade e uma voz específica. 
Hoje, não obstante o grande número de opções que se abrem ao usuário, o 
ambiente ciberespacial codificou-se em rotas e sítios sinalizados com uma 
organização interna que, nos serviços que disponibiliza, apresenta alguns 
tipos de comunicação já estratifi- cados, tais como: 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
a) O correio elecrônico que pode também conduzir a voz mais 
rapidamente do que a escrita, que exige mais esforço. 
b) Os grupos de discussão que se constituem tanto nos fóruns que 
congregam grupos reunidos em torno de interesses comuns, quanto 
nos grupos de discussão em tempo real, Internet Relay Chats. 
c) A busca de informações na internet, que se tornou uma das vias 
privilegiadas para a pesquisa científica, para a publicação de revistas 
on-line e para uma série inumerável de outros serviços de 
disponibilização de informações. 
d) O comércio e a publicidade eletrônicas que igualmente povoam esses 
ambientes. 
As comunidades virtuais do ciberespaço têm crescido e se diferenciado 
com cal intensidade que produziram o aparecimento de uma nova forma de 
cultura, a cultura do ciberespaço ou cibercultura (ver Lévy, 2000, Lemos, 
2002, Costa, 2002, Santaella, 2003). Não obstante a importância dessa questão, 
para os objetivos do presente capítulo, devemos nos concentrar em uma das 
faces fundamentais da cibercultura, a saber, a face das linguagens do 
ciberespaço cuja chave de compreensão está na hipermídia, que tanto pode 
estar manifesta no design de um suporte CD-Rom quanto nas estruturas em 
movimento dos nós e conexões de um usuário da WWW. 
Antes disso, contudo, é necessário alertar para o fato de que não há um 
consenso quanto ao sentido que se dá para o ciberespaço. Para alguns (ver, por 
exemplo, Batchen, 1998: 273), trata- se estritamente de um sinônimo de 
realidade virtual (RV). Esta pode ser definida como um sistema informático 
capaz de criar um mundo simulado paralelo dentro do qual o usuário tem a 
impressão de estar, quando navega manipulando seus objetos. Trata-se de um 
sistema que permite simular as percepções humanas, gerando um ambiente 
virtual que produz a sensação de realidade, na medida em que os objetos se 
movem de acordo com os movimentos e o ponto de vista do participante, 
todos controlados por 
0 CIBERESPAÇO E SUA LINGUAGEM: A HIPERMÍDIA
computadores. Os recursos mais comuns para produzir esse tipo de 
experiência são os capacetes e as luvas de dados e um sistema informático que 
gera o ambiente virtual e transmite ordens do usuário mediante um sistema 
de controle. Contemporaneamente, a cave, caverna digital, é um meio muito 
mais sofisticado para a criação de ambientes simulados que incorporam, em 
tempo real, o ponto de vista do participante (para mais informações sobre 
isso, ver Cantoni). 
Embora a RV, de fato, constitua-se no ponto mais alto da imersão de um 
participante no mundo simulado, o conceito de ciberespaço é mais amplo do 
que o de RV. Na verdade, a RV é apenas uma das dimensões possíveis do 
ciberespaço, talvez a mais sofisticada. Se é certo que não há um consenso 
sobre o sentido a ser dado a ciberespaço, a maioria dos autores concorda 
quanto ao fato de que, no seu sentido mais amplo, ele se refere a um sistema 
de comunicação eletrônica global que reúne os humanos e os computadores 
em uma relação simbiótica que cresce exponen- cialmente graças à 
comunicação interativa. Trata-se, portanto, de um espaço informacional, no 
qual os dados são configurados de tal modo que o usuário pode acessar, 
movimentar e trocar informação com um incontável número de outros 
usuários. O ciberespaço inclui, portanto, todas as modalidades de uso que as 
redes possibilitam, de modo que a RV é apenas a extensão última desse 
processo até o ponto de produzir um grau de imersão sensória total no 
ambiente simulado. 
Em síntese, neste livro, ciberespaço será considerado como todo e 
qualquer espaço informacional multidimensional que, dependente da 
interação do usuário, permite a este o acesso, a manipulação, a transformação 
e o intercâmbio de seus fluxos codificados de informação. Assim sendo, o 
ciberespaço é o espaço que se abre quando o usuário conecta-se com a rede. 
Por isso mesmo, esse espaço também inclui os usuários dos aparelhos sem fio, 
na medida em que esses aparelhos permitem a conexão e troca deinformações. Conclusão, ciberespaço é um espaço feito de circuitos 
informacionais navegáveis. Um mundo virtual da comunica 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
ção informática, um universo etério que se expande indefinidamente mais 
além da tela, por menor que esta seja, podendo caber até mesmo na palma de 
nossa mão. 
Também de acordo com o ponto de vista que defendo, entrar no 
ciberespaço é, sine qua non, imergir nesse espaço. A imersão é tanto mais 
profunda, quanto mais o espaço é capaz de envolver o usuário 
tridimensionalmente, como é o caso da RV. Isso não significa, contudo, que a 
imersão se limita à RV. Há graus decrescentes de imersão. Assim, o limite 
máximo da imersão encontra-se na imersão perceptiva da RV. Um outro grau 
de imersão é aquele que se dá mediante telepresença. Esta ocorre quando a 
tecnologia de RV é conectada a um sistema robótico fisicamente presente em 
alguma locação à distância. “O usuário vê, toca e move-se pela locação 
fisicamente distante graças aos elos com os sensores dos robôs (câmaras, 
microfones, sensores de toque etc.) e atuadores (braços de robôs)’’ (Biocca, 
1997: 203). 
Há ainda o grau de imersão representativa, obtida nos lugares virtuais 
construídos pela linguagem VRML. Enquanto na RV, o participante tem a 
sensação de estar dentro, agindo no cenário virtual, na imersão 
representativa, o participante se vê representado no ambiente virtual, mas 
não está envolvido tridimensionalmente por ele. Um quarto grau de imersão, 
em ordem decrescente, é aquele que se dá quando o usuário se conecta com a 
rede. Entrar na rede significa penetrar e viajar em um mundo paralelo, 
imaterial, feito de bits de dados e partículas de luz. Por isso mesmo, como 
quer Rheingold (1991: 101), o conceito de navegação transcende o tipo 
particular de tecnologia que se usa para a manipulação da informação. 
Transcende também a forma particular da informação. Assim sendo, é possível 
navegar: 
a) através de uma base de dados textuais; 
b) através de um elenco de imagens animadas; 
c) através de uma simulação virtual do mundo físico; 
d) ou via controle telerrobótico, através de uma parte remota do mundo 
físico. 
 
0 CIBERESPAÇO E SUA LINGUAGEM: A HIPERMÍDIA
Em todos esses casos, não obstante a diferença no grau de imersão de cada 
um deles, trata-se, ao fim e ao cabo, de navegação. É nesse sentido que o 
adjetivo “imersivo” está qualificando o novo tipo de leitor que este livro tem 
por tarefa caracterizar. Trata-se, de fato, de um leitor, na medida em que se 
entenda a palavra “leitor” como designando aquele que desenvolve 
determinadas disposições e competências que o habilitam para a recepção e 
resposta à densa floresta de signos em que o crescimento das mídias vem 
convertendo o mundo. É, no entanto, um tipo especial de leitor, o imersivo, 
quer dizer, aquele que navega através de dados informacionais híbridos — 
sonoros, visuais e textuais — que são próprios da hipermídia, como será visto 
abaixo. 
2. A LINGUAGEM HIPERMÍDIA 
Tomando por base o suporte CD-Rom, em um outro livro (Santaella, 2001: 
389-412) desenvolvi um estudo sobre a linguagem hipermídia, que me levou a 
concluir que há pelo menos quatro traços definidores fundamentais da 
hipermídia. Apresentarei esses traços no que se segue para ir, passo a passo, 
considerando o comportamento que eles adquirem no ambiente das redes. 
Há muitos tipos de CD-Roms: de entretenimento (esportes, aventuras, 
filmes), obras de referência (dicionários, enciclopédias, atlas, guias) produtos 
ludo-educativos, produtos educativos, produtos de "eduversão” (edutainment), 
educação + diversão, e obras artístico-literárias. Os traços caracterizadores, 
que serão discutidos abaixo, não se referem aos possíveis conteúdos das 
hipermídias, mas aos traços gerais que a configuram como linguagem, de modo 
que são aplicáveis a qualquer tipo específico de hipermídia. 
O primeiro traço encontra-se na hibridização de linguagens, processos 
sígnicos, códigos e mídias que a hipermídia aciona e, conseqüentemente, na 
mistura de sentidos receptores, na sen- sorialidade global, sinestesia 
reverberante que ela é capaz de 
 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
produzir, na medida mesma em que o receptor ou leitor imersivo interage com 
ela, cooperando na sua realização. Por isso mesmo, em uma definição sucinta e 
precisa, hipermídia significa “a integração sem suturas de dados, textos, 
imagens de todas as espécies e sons dentro de um único ambiente de 
informação digital” (Fel- dman, 1995: 4). 
A hibridização de tecnologias e linguagens vem sendo chamada de 
convergência das mídias. Entretanto, há certa sutileza na compreensão dessa 
expressão que merece ser levada em conta. A hipermídia mescla textos, 
imagens fixas e animadas, vídeos, sons, ruídos em um todo complexo. É essa 
mescla de vários setores tecnológicos e várias mídias anteriormente separadas 
e agora convergentes em um único aparelho, o computador, que é comu- 
mente referida como convergência das mídias. Entretanto, para alguns (ver, 
por exemplo, Castells, 2003: 244), só haverá uma verdadeira convergência das 
mídias quando houver a integração entre a televisão e as redes, ou seja, com o 
advento da televisão interativa, como um canal comum de alta tecnologia. De 
fato, essa tão esperada integração que está implicando atualmente 
investimentos vultosos, envolvendo a fusão de grandes empresas de 
entretenimento, de companhias telefônicas e de software, levará a convergência 
das mídias ao seu ápice, ao abarcar, em um único aparelho, a televisão, o 
computador pessoal, as máquinas de jogos, os toca-discos digitais etc. (cf. 
Nora, 1997, Dizard, 2000). Isso não significa, contudo, que a convergência das 
mídias já não esteja operando nas redes. Tanto isso é verdade que nelas encon-
tram-se as novas versões digitais do rádio, do jornal etc. De resto, sem essa 
convergência, a hipermídia, como linguagem híbrida, prototípica do mundo 
digital, não seria possível. 
Esclarecido esse ponto, podemos passar para o segundo traço definidor da 
hipermídia. Além de permitir a mistura de todas as linguagens, textos, 
imagens, sons, ruídos e vozes em ambientes multimidiáticos, a digitalização 
também permite a organização reticular dos fluxos informacionais em 
arquiteturas hipertextuais. Por isso mesmo, o segundo traço da linguagem 
hipermídia está na 
 
0 CIBERESPAÇO E SUA LINGUAGEM: A HIPERMÍDIA
sua capacidade de armazenar informação e, por meio da interação do 
receptor, transmutar-se em incontáveis versões virtuais que vão brotando na 
medida mesma em que o receptor se coloca em posição de co-autor. Isso só é 
possível devido à estrutura de caráter hiper, não seqüencial, multidimensionai 
que dá suporte às infinitas opções de um leitor imersivo. Que estrutura é 
essa? Para compreendê-la é necessário entender melhor o sistema hipertexto. 
Em vez de um fluxo linear de texto como é próprio da linguagem verbal 
impressa, no livro particularmente, o hipertexto quebra essa linearidade em 
unidades ou módulos de informação, consistindo de partes ou fragmentos de 
textos. Nós e nexos associativos são os tijolos básicos de sua construção. Os 
nós são as unidades básicas de informação em um hipertexto. Nós de 
informação, também chamados de molduras, consistem em geral daquilo que 
cabe em uma tela. Cada vez menos os hiperdocumentos estão constituídos 
apenas de texto verbal, mas estão integrados em tecnologias que são capazes 
de produzir e disponibilizar som, fala, ruído, gráficos, desenhos, fotos, vídeos 
etc. Essas informações multimídias também constituem os nós. Assim, os nós 
de informação podem aparecer na forma de texto, gráficos, seqüências de 
vídeos oude áudios, janelas ou de misturas entre eles. A idéia de nó, por isso 
mesmo, não é uma idéia de medida, mas modular, dependendo de sua 
funcionalidade no contexto maior de que faz parte. Um nó pode ser um 
capítulo, uma seção, uma tabela, uma nota de rodapé, uma coreografia 
imagética, um vídeo, ou qualquer outra subestrutura do documento. É muito 
justamente a combinação de hipertexto com multimídias, multilinguagens, 
chamando-se de hipermídia. 
Dado o caráter descontínuo dos nós, um outro tijolo básico da construção 
hipermidiática está nos nexos ou conexões. Um discurso verbal arma-se em 
um todo coeso graças aos conectores gramaticais. Um artigo se estrutura em 
parágrafos de transição, tópicos e subtópi- cos, assim como um livro se 
organiza em capítulos. Do mesmo modo, a hipermídia também tem um 
sistema de conexões que lhe é próprio. O propósito básico desse sistema é 
conectar um nó a outro de acordo com algum desenho lógico, seja este 
analógico, arbóreo, em rede, 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
hierárquico etc. São essas conexões, geralmente ativadas por meio de um 
mouse, que permitem ao leitor da hipermídia mover-se através do documento. 
Descobrindo e seguindo pistas que são deixadas em cada nó, basta o 
instantâneo de um click para que, em um piscar de olhos, 
o leitor salte de um nó para outro. 
Há uma infinita variedade de conexões possíveis. Entre elas, a mais 
importante é aquela que liga um nó a outro no interior do documento. Mas há 
as conexões que ligam o texto a nós ou há ainda as conexões lexicais que ligam 
regiões de texto a nós, entre outras. Transitando entre informações 
modularizadas, reticuladas, as opções do caminho a ser seguido são de inteira 
responsabilidade do leitor. A hipermídia não é feita para ser lida do começo 
ao fim, mas sim através de buscas, descobertas e escolhas. Esse percurso de 
descobertas, entretanto, não cai do céu. Ao contrário, para que ele seja 
possível, deve estar suportado por uma estrutura que desenha um sistema mul- 
tidimensional de conexões. A estrutura flexível e o acesso não linear da 
hipermídia permitem buscas divergentes e caminhos múltiplos no interior do 
documento. Quanto mais rico e coerente for o desenho da estrutura, mais 
opções ficam abertas a cada leitor na criação de um percurso que reflete sua 
própria rede cognitiva. 
Hipermídia significa, sobretudo, enorme concentração de informação. Ela 
pode consistir de centenas e mesmo milhares de nós, com uma densa rede de 
nexos. A grande flexibilidade do ato de ler uma hipermídia, leitura em 
trânsito, funciona, contudo, como uma faca de dois gumes. Ela pode se 
transformar em desorientação se o receptor não for capaz de formar um mapa 
cognitivo, mapeamento mental do desenho estrutural de um documento. Para 
a formação desse mapa, contudo, ele precisa encontrar pegadas que funcionem 
como sinalizações do desenho. Vem daí a necessidade, nas hipermídias em 
suporte CD-Rom, de se criar roteiros que sejam capazes de guiar o receptor no 
seu processo de navegação. 
A hipermídia em CD-Rom ainda mantém algumas características de 
“obra”, enquanto na rede ela é potencialmente extensível. Por isso mesmo, 
enquanto a navegação da hipermídia em suporte 
 
0 CIBERESPAÇO E SUA LINGUAGEM: A HIPERMÍDIA
CD-Rom depende da criação de roteiros para os possíveis nós e nexos da 
navegação, no hipertexto on-line, as associações são radicalmente 
imprevisíveis, como são imprevisíveis os caminhos que são seguidos a cada dia 
pelos usuários de uma grande biblioteca. Daí as alusões que a literatura sobre 
internet não se cansa de fazer à lendária biblioteca borgiana, a biblioteca de 
Babel, composta de infinitas galerias hexágonas. Analogamente ao conceito 
biológico do labirinto rizomático deleuziano, entrelaçado não estruturado, a 
biblioteca é periferia sem centro. “É uma esfera cujo verdadeiro centro é 
qualquer hexágono e cujo perímetro é impenetrável” (Wirth, 1998: 97). 
Quando milhões de usuários fazem milhões de saltos através de milhares 
de documentos todos os dias, atravessando as arquiteturas líquidas da 
informação, arquiteturas com arestas macias, fluidas, tão intercomunicantes 
quanto as sinapses das redes neu- ronais, também não é de se estranhar que as 
conexões na hipermídia sejam comparadas a fitas de DNA, cada uma não 
apenas uma composição de ácidos nucléicos em si mesma (sua descrição), mas 
uma fórmula, um sistema de comando para a organização de proteínas em 
padrões pré-configurados (sua prescrição). 
Tendo isso em vista, transitar pelas infovias pode produzir desconcerto e 
frustração se o internauta são conseguir ajustar os alvos pretendidos ao 
programa estrutural do documento. Atualmente, contudo, nas redes, o 
potencial da hipermídia para a desorientação encontra alguma resolução no 
desenvolvimento dos portais que permitem a seleção do conteúdo de acordo 
com aquilo que o usuário deseja (“primeiro me mostre a previsão do tempo, 
depois 
o esporte, mas apenas a final do campeonato, então as notícias, e, por fim, 
meu correio eletrônico"). Algumas rádios na internet já incluem um código de 
formato digital que permite programar as rádios para funções como “procurar 
heavy metal”. Os programas de busca na WWW, que permitem ao usuário 
procurar conteúdos por meio de palavras-chaves, são indicativos do grau de 
controle de uso que provavelmente estará disponível em todas as mídias daqui 
a não muito tempo. Assim funcionam os programas de fil 
NAVEGAR NO CIBERESPAÇO 
tragem que permitem aos pais programar seus computadores para que seus 
filhos não tenham acesso a certos sites da internet. O V- chip também permite 
filtrar programas de adultos ou de violência na TV. E agora as páginas da rede 
estão ganhando novos códigos de conteúdo que não apenas nos ajudam a 
filtrar o que não queremos receber, mas também a encontrar o material que 
desejamos. Novas aquisições incluem programas que funcionam como agentes 
que buscam informações na rede e avatares que permitem a construção de 
imagens do usuário que interagem com outros avatares (Straubhaar e LaRose, 
1997: 23). Os recursos acima da estrutura hipermidiática na internet, e a 
necessidade de mapas para a navegação nos CD-Roms, colocam-nos diante do 
terceiro traço definidor da hipermídia: seu cartograma navegacional. 
A hipermídia é uma linguagem eminentemente interativa. Este é o seu 
quarto traço definidor. O leitor não pode usá-la de modo reativo ou passivo. 
Ao final de cada página ou tela, é preciso escolher para onde seguir. É o 
usuário que determina qual informação deve ser vista, em que seqüência ela 
deve ser vista e por quanto tempo. Quanto maior a interatividade, mais 
profunda será a experiência de imersão do leitor, imersão que se expressa na 
sua concentração, atenção, compreensão da informação e na sua interação 
instantânea e contínua com a volatilidade dos estímulos. O desenho da 
interface é feito para incentivar a determinação e a tomada de decisão por 
parte do usuário. Isso significa que a interatividade em um sistema 
informacional dá ao receptor alguma influência sobre o acesso à informação e 
um grau de controle sobre os resultados a serem obtidos (Feldman, 1995: 6). 
Também nas redes, a grande inovação da comunicação encontra-se no seu 
caráter interativo que é inseparável do caráter hiper- textual e hipermidiático 
de sua linguagem. Comparando-se com as outras mídias, de fato, a internet é a 
única inteiramente dialó- gica e interativa (isso será detalhadamente 
discutido no capítulo 10). O rádio e a televisão são capazes de colocar milhões 
de pessoas na sintonia de um único acontecimento, mas sua comunicação é 
assimétrica, tem um só sentido. A única reação que

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