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dos	sites	parceiros	apresentados	neste	link.
"Quando	o	mundo	estiver	unido	na	busca	do	conhecimento,	e	não	mais	lutando	por	dinheiro	e
poder,	então	nossa	sociedade	poderá	enfim	evoluir	a	um	novo	nível."
Diretor	Geral:	Wilon	Mazalla	Jr.
Coordenação	Editorial:	Willian	F.	Mighton
Coordenação	de	Revisão	e	Copydesk:	Alice	A.	Gomes
Revisão	de	Textos:	Bruna	Oliveira	Gonçalves
Arquivo	ePub:	Tatiane	de	Lima
Capa:	Paloma	Leslie
Dados	Internacionais	de	Catalogação	na	Publicação	(CIP)
(Câmara	Brasileira	do	Livro,	SP,	Brasil)
A	Dialética	entre	valores	e	forma	jurídica	/	José
Marco	Miné	Vanzella,	organizador	.	--
Campinas,	SP	:	Editora	Alínea,	2015.
Bibliografia.
1.	Dialética	2.	Dignidade	humana	3.	Direitos
fundamentais	4.	Direito	-	Filosofia	5.	Ética
6.	Valores	(Ética)	I.	Vanzella,	José	Marcos	Miné.
14-13507																											CDD-170
Índices	para	catálogo	sistemático:
1.	Dignidade	humana	:	Ética	:	Filosofia	170
ISBN	978-85-7516-730-4
Todos	os	direitos	reservados	ao
Grupo	Átomo	e	Alínea
Rua	Tiradentes,	1053	-	Guanabara	-	Campinas-SP
CEP	13023-191	-	PABX:	(19)	3232.9340	e	3232.0047
www.atomoealinea.com.br
Sumário
Apresentação
Capítulo	1
O	Direito	e	o	Outro:	um	estudo	crítico	sobre	o	caráter	imunitário	do	Direito
Castor	M.	N.	Bartolomé	Ruiz
Breve	esboço	genealógico	do	direito	objetivo
A	imunização	da	ordem	contra	a	ameaça	da	vida
O	 múnus 	como	 dom 	do	comum
O	direito	imunizador
A	(in)conclusão	do	direito	do	outro
Capítulo	2
Instituições	de	Uma	Estrutura	Social	Básica:	uma	análise	comparativa	entre	a	Teoria	da	Justa
de	John	Rawls	e	a	Constituição	Cidadã	Brasileira	de	1988
Daniel	Roxo	de	Paula	Chiesse	e	Leandro	da	Silva	Carneiro
Introdução
John	Rawls	e	a	Teoria	da	Justiça
Instituições	de	uma	estrutura	básica	justa
A	Constituição	Federal	brasileira	de	1988:	uma	análise	comparativa	entre	as	instituições	nacionais	e	a	proposta	teórica
de	John	Rawls
Considerações	finais
Capítulo	3
Valores	Constitucionais	de	Cidadania,	Identidade,	Reconhecimento	e	Efetivação	dos	Direitos
José	Marcos	Miné	Vanzella
Introdução
Da	facticidade	e	validade	ao	ponto	de	partida	normativo	do	direito
Identidade,	reconhecimento	e	efetivação	de	direitos
Dos	valores	e	princípios	constitucionais	da	cidadania	à	constituição	material	e	ao	Estado	prestacional
Conclusão
Capítulo	4
Antinomias	de	uma	Ética	Antropocentrada
Jovino	Pizzi
Introdução
A	modernidade	frente	aos	ataques	de	liquefação
O	antropocentrismo	moderno
O	abrasileiramento	da	modernidade	Ocidental
O	 Conto	do	Vigário :	antinomias	de	um	 ethos 	abrasileirado
A	modernidade	ligada	ao	sujeito	nominativo
Capítulo	5
Repensando	o	Direito	e	sua	Configuração	Burguesa
Renato	Almeida	de	Oliveira	e	Antônio	Glaudenir	Brasil	Maia
Introdução
A	constituição	do	direito	burguês	e	os	seus	limites
A	dupla	existência	humana	e	o	formalismo	jurídico
O	direito	burguês	na	sociedade	contemporânea
Considerações	finais
Capítulo	6
O	Marxismo	e	o	Papel	dos	Fatores	Subjetivos	na	Escolha	Moral
Enoque	Feitosa
Escolha	moral	e	vida	interior
A	tradição	marxista	e	os	fatores	não	conscientes	na	escolha	moral
A	crítica	marxista	no	tocante	à	questão	do	inconsciente	e	os	seus	limites
Capítulo	7
A	Ética	Pública	e	a	Efetivação	da	Cidadania
Pablo	Jiménez	Serrano
Introdução
A	ética	pública	como	expressão	da	filosofia	prática
A	ética	pública	em	face	do	desenvolvimento	social	e	da	efetivação	da	cidadania
Conclusão
Capítulo	8
A	Dignidade	da	Pessoa	Humana:	diálogo	entre	Teologia,	Ética	e	Direito
Lino	Rampazzo	e	José	Marcos	Miné	Vanzella
Introdução
O	pensamento	grego:	a	impenetrabilidade	do	conceito	de	pessoa
A	contribuição	da	patrística
Agostinho:	da	teologia	à	antropologia
A	dignidade	da	pessoa	humana:	Ética	e	Direito
Conclusão
Capítulo	9
Habermas	e	a	Sociedade	Pós-secular:	uma	perspectiva	Ético-Educativa
Anderson	Menezes
Introdução	(notas	históricas)
Tolerância	religiosa:	entre	laicismo	e	radicalismo	religioso
Ainda	há	lugar	para	a	religião	na	sociedade	pós-secular,	pós-religiosa
O	saber	hermenêutico	como	caminho	fundamental	para	as	religiões	–	à	guisa	de	conclusão
Capítulo	10
Uma	Análise	do	Semiárido	a	partir	da	 Ideia	de	Desenvolvimento	como	Liberdade	de	Amartya
Sen
Marcos	Fabio	Alexandre	Nicolau
Introdução
O	novo	semiárido	brasileiro
O	semiárido	e	a	pobreza
Pobreza,	liberdade	e	desenvolvimento
Considerações	finais
Capítulo	11
A	Mulher	na	Filosofia	Materialista	de	Denis	Diderot
Paulo	Jonas	de	Lima	Piva	e	Fabiana	Tamizari
Mulher,	natureza,	sociedade
A	matéria	e	a	mulher
O	caso	Suzanne	Simonin:	a	mulher,	a	natureza	e	os	dogmas	morais	do	cristianismo
Conclusão
Sobre	os	Autores
Apresentação
Esta	obra	 foi	produzida	com	o	objetivo	de	oferecer	ao	 leitor	um	diálogo	profundo,	porém
conciso,	 entre	 o	 pensamento	 filosófico	 dos	 profissionais	 do	 grupo	 de	 trabalho	 de	 Ética	 e
Cidadania,	 da	 Associação	 Nacional	 de	 Pós-graduação	 em	 Filosofia	 (ANPOF),	 e	 a	 reflexão
filosófico-jurídica	 dos	 profissionais	 de	Mestrado	 em	Direito	 do	Centro	Universitário	Salesiano
de	São	Paulo	(UNISAL).
A	dialética	entre	valores	e	forma	jurídica	afirma	a	dimensão	dinâmica	da	reflexão	filosófico-
jurídica	que	se	apresenta,	ao	mesmo	tempo,	como	crítica	e	autocrítica.	Os	valores	são	fontes
de	 inesgotável	 reformulação	 da	 forma	 jurídica	 que,	 embora	 devendo	 articular-se	 de	 modo
sistemático	nas	constituições	e	ordenamentos	 jurídicos,	 jamais	os	realiza	plenamente.	Aqui,	o
ideal	 de	 uma	 sociedade	 bem-ordenada	 de	 pessoas	 livres	 e	 iguais,	 vivendo	 em	 instituições
justas	é	um	desafio	que	sempre	se	renova.	Trata-se	de	colocar	o	poder	ao	serviço	do	direito	e
o	 direito	 ao	 serviço	 da	 justiça	 para	 todos.	 Tão	 nobre	 desafio,	 contudo,	 não	 pode	 ser
empreendido	sem	o	humilde	dobrar-se	do	direito	constituído	para	ouvir	a	voz	do	“outro”,	que	na
existência	 fora	do	direito,	desprotegidos,	gritam	por	dignidade	e	 justiça.	Tanto	na	Antiguidade
como	 atualmente,	 eles	 levantam	 importantes	 questionamentos	 referentes	 à	 injustiça
escamoteada	por	trás	da	ordem,	aparentemente,	justa.
O	desafio	do	pleno	reconhecimento	da	dignidade	humana	orienta	o	sentido	do	movimento
prático	 que	 pretende	 articular,	 com	 eficácia,	 ética,	 justiça	 e	 direito.	 Antes	 do	movimento	 de
efetivação	de	direitos,	este	 reconhece,	em	primeiro	 lugar,	a	possibilidade	do	questionamento
ao	próprio	direito	estabelecido.	Só	então	se	pode	pensar,	de	modo	 falível,	nas	propostas	de
efetivação	 e	 ampliação	 de	 direitos.	 Neste	 sentido,	 apresenta-se	 um	 claro	 movimento	 de
ampliação	 da	 cidadania	 que	 não	 é	 possível	 sem	 o	 questionamento	 de	 formas	 jurídicas
inapropriadas	 e	 o	 pensamento	 de	 novas	 possibilidades	 de	 efetivação	 do	 direito.	 Seguindo	 a
lógica	 desta	 “dialética	 aberta”,	 própria	 de	 duas	 comunidades	 acadêmicas	 internamente
pluralistas	 e	 que,	 ainda	 por	 cima,	 encontram-se	 no	 diálogo	 interdisciplinar,	 reunimos	 as
contribuições	 deste	 livro	 em	 três	 momentos	 importantes,	 que	 são	 avessos	 a	 uma	 síntese
dialética	monológica.	Porém,	eles	podem	ser	compreendidos	como	uma	trama	de	três	fios	que
se	 tecemcom	 a	 compreensão	 do	 acontecer	 do	 debate	 no	 tempo,	 o	 qual	 lança	 pontes,
associações	e	contribuições	recíprocas	aos	que	possuem	ouvidos	atentos.
O	primeiro	deles,	composto	de	um	único	capítulo,	é	o	desafio,	 lançado	por	Castor	M.	N.
Bartolomé	Ruiz,	com	o	título	O	Direito	e	o	Outro:	um	estudo	crítico	sobre	o	caráter	imunitário
do	 Direito.	 Neste	 artigo,	 o	 autor	 critica	 o	 reducionismo	 biopolítico	 das	 categorias	 direito	 e
indivíduo,	presentes	e	 fundantes	do	direito	ocidental	e	moderno,	protegendo	a	propriedade	e
imunizando	os	proprietários	contra	aqueles	que	não	os	possuem.	O	direito	moderno,	através
da	 imposição	 legal	 de	 deveres,	 conserva	 os	 laços	 sociais,	 esvaziando-os,	 porém,	 de	 seu
caráter	 comunitário.	 Este,	 por	 sua	 vez,	 substitui	 o	múnus	 pelo	 bônus,	 o	 dever	 para	 com	 o
outro	 pelo	 direito	 ao	 próprio.	 O	 autor	 chama	 a	 atenção	 para	 a	 necessidade	 de	 pensar	 a
responsabilidade	pelo	outro,	excluído	política	e	juridicamente.
No	segundo	fio	desta	“dialética	aberta”	encontram-se	os	capítulos	 filosóficos	que	buscam
repensar	 e,	 em	 certo	 sentido,	 transcender	 as	 bases	 do	 Direito	 para	 promover	 o
reconhecimento	 do	 outro,	 através	 de	 seu	 repensar	 hermenêutico.	 Bem	 como	 apresentam-se
mais	os	capítulos	 feitos	pelos	estudiosos	do	direito	que	 tratam	da	preservação,	ampliação	e
efetividade	de	direitos	e	garantias.
No	terceiro	e	último	momento	desta	“dialética”,	por	fim,	reencontramos	a	crítica	externa	ao
“direito	burguês	moderno”	em	sua	matriz	marxista.
Após	 o	 trabalho	 de	 Bartolomé	 Ruiz,	 Daniel	 Roxo	 de	 Paula	 Chiesse	 e	 Leandro	 da	 Silva
Carneiro,	na	perspectiva	do	segundo	 fio	condutor	desta	dialética,	 retomam,	em	seu	capítulo,
aquele	que	foi	grande	inspirador	de	Amartya	Sem,	com	o	título	 Instituições	de	Uma	Estrutura
Social	 Básica:	 uma	 análise	 comparativa	 entre	 a	 teoria	 da	 justiça	 de	 John	 Rawls	 e	 a
Constituição	 cidadã	 brasileira	 de	 1988.	 Nesta	 análise,	 eles	 procuram	 mostrar	 como	 os
elementos	 essenciais	 de	 uma	 estrutura	 social	 justa,	 proposta	 pelo	 autor,	 estão	 contidas	 em
nossa	constituição	cidadã,	ponto	de	partida	para	ações	de	efetivação	de	direitos,	construção
da	cidadania	e	de	uma	sociedade	pluralista,	justa	e	solidária.	José	Marcos	Miné	Vanzella,	com
o	 capítulo	Valores	 Constitucionais	 de	 Cidadania,	 Identidade,	 Reconhecimento	 e	 Efetivação
dos	Direitos,	afirma	a	importância	da	compreensão	e	do	debate	sobre	os	valores	e	princípios
constitucionais,	 como	meio	 de	 formação	 de	 uma	 consciência	 ética,	 identitária,	 comunitária	 e
pluralista,	 capaz	de	 fomentar	 lutas	por	 reconhecimento	e	efetivação	de	direitos,	 fazendo	uso
das	teorias	de	Axel	Honneth	e	Peter	Hërbele.	Por	sua	vez,	Jovino	Pizzi,	no	capítulo	Antinomias
de	Uma	Ética	Antropocentrada,	questiona	o	antropocentrismo	das	éticas	modernas,	chamando
a	 atenção	 para	 o	 desafio	 da	 vida	 cotidiana,	 a	 superação	 do	 ethos	 “jeitinho	 brasileiro”	 e
indicando	que	todos	devem	participar	da	superação	das	injustiças.
Com	Renato	Almeida	de	Oliveira	e	Antônio	Glaudenir	Brasil	Maia,	por	sua	vez,	retomamos,
no	capítulo	Repensando	o	Direito	e	sua	Configuração	Burguesa,	a	crítica	ao	direito	moderno.
Neste	 texto	 é	 retomada	 a	 importância	 das	 determinações	 sociais	 e	 condições	 materiais	 de
existência	 na	 sociedade	 como	 premissa	 intransponível	 para	 o	 estabelecimento	 de	 princípios
jurídicos.	 Tendo	 claro	 o	 caráter	 contraditório	 da	 sociedade	 civil	 burguesa,	 questiona-se	 se	 o
ordenamento	jurídico	pode	fazer	frente	às	garantias	fundamentais.
Por	 sua	 vez,	 Enoque	 Feitosa	 apresenta	 o	 tema:	 O	 Marxismo	 e	 o	 Papel	 dos	 Fatores
Subjetivos	na	Escolha	Moral.	Neste	 trabalho,	declara	que	a	escolha	moral	está	 ligada	à	vida
interior,	colocando	em	pauta	o	debate	entre	as	análises	de	Freud	e	de	Marx,	e	mostrando	que
o	segundo	é	mais	otimista	quanto	ao	progresso	da	humanidade	por	partir,	em	suas	teorias,	do
desenvolvimento	 das	 forças	 produtivas.	 Ele	 retoma	 os	 princípios	 do	 determinismo	 psíquico,
afirmando	que	nada	na	mente	é	casual,	e	o	princípio	da	existência	de	processos	mentais	dos
quais	 o	 indivíduo	 não	 se	 dá	 conta.	 Este	 princípio	 do	 inconsciente	 aplica-se	 à	 leitura	 que	 o
marxismo	faz	de	seu	próprio	passado	através	da	pulsão	de	morte,	condicionando	uma	crítica
que	lhe	permite	abrir	caminho	para	uma	reconciliação	do	próprio	marxismo	com	o	passado	que
pretendeu	assassinar.
Pablo	 Jiménez	 Serrano,	 em	 seu	 capítulo,	A	 Ética	 Pública	 e	 a	 Efetivação	 da	 Cidadania,
procura	discutir	a	correlação	necessária	entre	a	ética	pública	e	a	efetivação	da	cidadania	no
contexto	 da	 realidade	 brasileira	 e	 latino-americana	 através	 da	 demonstração	 do	 vínculo
necessário	entre	a	moralidade	administrativa	e	a	concretização	dos	direitos.
Com	o	intuito	de	repensar	a	pessoa	como	fundamento	do	direito,	contudo,	Lino	Rampazzo
e	José	Marcos	Miné	Vanzella,	no	capítulo	intitulado	A	Dignidade	da	Pessoa	Humana:	diálogo
entre	 Teologia,	 Ética	 e	 Direito,	 retomam	 o	 sentido	 originário	 de	 pessoa,	 reafirmando	 sua
incomparável	 dignidade	 e	 dimensão	 comunitária.	 Por	 seu	 turno,	 Anderson	 Menezes,	 em
Habermas	e	a	Sociedade	Pós-religiosa,	procura	combater	o	derrotismo	da	razão,	o	fanatismo
e	a	intolerância,	a	partir	da	exposição	e	compreensão	do	diálogo	de	Habermas	e	Ratzinger.
Marcos	 Fabio	 Alexandre	 Nicolau,	 em	 Uma	 Análise	 do	 Semiárido	 a	 partir	 da	 Ideia	 de
Desenvolvimento	como	Liberdade	de	Amartya	Sem,	procura	demonstrar	como	a	pobreza	está
ligada	 a	 falta	 de	 liberdades	 substanciais	 e	 como	 o	 desenvolvimento	 econômico	 pode	 ser
articulado	com	o	gozo	das	mesmas	liberdades.
Finalizamos,	 porém,	 com	 uma	 expressão	 moderna,	 que	 ultrapassa	 a	 modernidade
burguesa,	 na	 afirmação	 do	 direito	 de	 uma	minoria.	 Trata-se	 do	 capítulo	 de	 Paulo	 Jonas	 de
Lima	 Piva	 e	 Fabiana	 Tamizari:	A	mulher	 na	 filosofia	materialista	 de	 Denis	 Diderot.	 O	 texto
abre	importantes	caminhos	para	se	repensar	a	constituição	ontológica	e	psicológica	da	mulher
para	 muito	 além	 dos	 papéis	 sociais	 a	 ela	 atribuídos.	 Tal	 investigação,	 ainda,	 permite	 uma
importante	 crítica	 à	 atual	 condição	 social	 da	mulher,	 bem	 como	 o	 reconhecimento	 de	 que	 o
Direito	ainda	não	lhe	faz	plena	justiça.
Com	este	 trabalho	 finalizamos	este	 livro,	não	 recomendado	para	quem	prefere	a	solução
técnica	imediata	ou	quer	proteger	seus	preconceitos	ideológicos	do	amplo	diálogo	acadêmico.
É	 endereçado,	 em	 especial,	 aos	 profissionais	 tanto	 do	 Direito	 quanto	 da	 Filosofia	 que,
dispostos	a	ouvir	o	outro,	prezam	pela	busca	dialógica	por	uma	sociedade	fraterna	e	pluralista
que	supere	seus	preconceitos	na	busca	de	soluções	para	seus	conflitos.	Portanto,	este	livro	é
dedicado	 a	 todos	 aqueles	 que	 desejam	 viver	 em	uma	 sociedade	 de	 pessoas	 livres	 e	 iguais,
justa	e	bem-ordenada.
Capítulo	1
O	Direito	e	o	Outro:	um	estudo	crítico	sobre	o
caráter	imunitário	do	Direito
Castor	M.	N.	Bartolomé	Ruiz
Breve	esboço	genealógico	do	direito	objetivo
O	 tempo	 tende	 a	 apagar	 as	 pegadas	 da	 ação	 humana	 e	 o	 esquecimento	 induz	 a
naturalização	 dos	 comportamentos.	 A	 consciência	 crítica	 de	 nosso	 presente	 requer	 a
percepção	 histórica	 de	 nossas	 realizações,	 pelo	 que	 a	memória	 é	 demandada	 pelo	método
genealógico	a	modo	de	recurso	necessário	para	interpretar	o	nosso	presente.	A	compreensão
da	realidade	exige	uma	certa	genealogia	de	nossas	práticas.	O	Direito	é	uma	dessas	práticas
que	ora	se	naturaliza,	ora	se	positiva	naturalmente.	Para	pensar	criticamente	a	sua	função	no
presente	de	nossas	sociedades,	 contudo,	é	necessário,	 contudo,	um	mínimo	de	memória	da
sua	genealogia	histórica.
As	 sociedades	 ocidentais	 são	 tributárias	 da	 herança	 deixada	 pelo	 direito	 greco-romano.
Inclusive,	 nossas	 sociedades	 latino-americanasconservaram	 muito	 pouco	 das	 práticas
políticas,	jurídicas	e	costumes	das	culturas	indígenas	originárias	deste	continente,	colonizadas
pela	 política	 e	 pelo	 direito	 ocidental.	 Cabe	 destacar	 o	 atual	 esforço	 de	 pesquisadores	 e
homens	públicos	para	que	se	reconheça	o	denominado	pluralismo	jurídico.	Ou	seja,	validar	as
práticas	 políticas	 e	 jurídicas	 de	 povos	 indígenas	 vigentes	 em	 nossas	 sociedades	 ainda	 que
diferentes	 do	 direito	 oficial	 (ocidental)	 determinado	 pelo	 Estado.	 Sem	 dúvida,	 estas	 práticas
mereceriam	 um	 estudo	 específico	 sobre	 o	 tema	 que	 nos	 ocupa,	 mas,	 neste	 ensaio,
centraremos	nossa	análise	na	crítica	do	direito	oriundo	das	tradições	greco-romanas.
Como	é	sabido,	o	direito	greco-romano	se	caracterizava	pela	sua	objetividade.	Há	de	se
destacar	que	tal	objetividade	não	provinha	meramente	da	soberania	absoluta	do	pater	famílias,
que	era	real,	senão	de	uma	peculiar	relação	entre	o	direito	e	o	sagrado.	Os	primeiros	espaços
do	direito	são	o	 lar	(romano)	e	a	oikos	(grega).	Este	antecede	o	direito	da	cidade	e	só	muito
tardiamente	poderá	interferir	sobre	o	direito	do	lar.[1]	A	origem	do	Direito	se	confunde	com	o
direito	soberano	do	pater	famílias,	embora	dele	se	diferencie	por	ter	um	caráter	sagrado	que
antecede	 sua	 vontade	 soberana.	 Ainda	 que	 o	 pater	 famílias	 fosse	 soberano	 absoluto,	 com
poder	 de	 vida	 e	 morte	 sobre	 os	 domínios	 do	 seu	 lar,	 ele	 não	 era	 criador	 do	 direito.	 Sua
vontade	era	soberana	no	lar	e	na	oikos,	pois	todas	as	pessoas	que	habitavam	esses	espaços
lhe	deviam	submissão,	porém,	a	soberania	do	pater	famílias	não	tenha	a	autonomia	de	negar
as	leis	da	casa.	Ele	é	um	soberano	obrigado	pelas	leis	da	casa;	sua	obrigação	como	soberano
é	 fazer	 valer	 o	 direito	 do	 lar.	 Esta	 soberania	 absoluta	 limitada	 pelo	 direito	 sagrado	 do	 lar,
produz	um	direito	objetivo	que	se	impõe	aos	sujeitos	da	casa,	porém,	é	diferente	da	soberania
absoluta	 idealizada	 por	 Hobbes	 em	 que	 o	 arbítrio	 do	 soberano	 é	 o	 fundamento	 da	 lei.	 A
soberania	 do	 pater	 famílias	 é	 absoluta	 a	 respeito	 das	 pessoas	 sob	 sua	 autoridade,	 mas	 é
relativa	com	 respeito	à	 lei.[2]	A	 lei	 é	 sagrada,	ela	pertence	ao	 lar	 e	 sua	origem	 remete	aos
deuses	da	família.	O	pater	famílias	não	pode	inovar	a	lei,	não	é	legislador,	mas	deve	zelar	pelo
cumprimento	da	 lei	 da	 família,	 já	 que	é	 responsável	 pelo	direito	específico	de	 seu	 lar.	Ainda
que	soberano,	ele	não	tem	autoridade	para	modificar	as	leis	que	recebeu	da	família.
O	conjunto	de	 lares	e	oikos	 formaram	as	cúrias	e	 fratrias,	associações	em	que	o	direito
de	cada	casa	permanecia	autônomo	e	inviolável,	embora	se	constituíssem	em	novas	regras	e
leis	para	estas.	Por	sua	vez,	elas	se	agruparam	em	tribos	que	deram	origem	às	cidades.	Em
cada	 uma	 das	 instâncias	 o	 direito	 originário	 de	 cada	 casa	 foi	 escrupulosamente	 respeitado,
ainda	que	elas	fossem	divergentes	entre	si.	Dessa	forma,	a	objetividade	do	direito	antigo	não
se	fundamenta	na	vontade	soberana	do	pater	famílias	ou	de	qualquer	outro	legislador,	mas	no
caráter	sagrado	das	leis.	A	origem	sagrada	investe	as	leis	de	uma	objetividade	que	excede	a
vontade	dos	indivíduos,	inclusive	a	do	poder	soberano	do	pater	famílias.
As	leis	continham	algo	de	imutável.	Sua	genealogia	remetia	a	um	suposto	fundador	do	lar
ou	 da	 cidade	 que	 tivesse	 aferido	 ao	 caráter	 sagrado	 das	 leis.	 Elas	 se	 instituíam
concomitantemente	 com	 a	 religião	 do	 lar	 e	 pertenciam	 aos	 deuses	 da	 casa.	 Seu	 caráter
sagrado	 retirava	da	vontade	humana	a	potência	da	sua	criação	 remetendo-a	para	a	vontade
divina	dos	deuses	de	cada	casa,	que	eram	diferentes	e	 independentes	entre	si.[3]	A	 lei	 era,
então,	 transmitida	 por	 herança	 junto	 com	 o	 direito	 de	 soberania.	 O	 filho	 herdava	 do	 pai	 a
soberania	 da	 casa,	 mas	 também	 a	 obrigação	 de	 respeitar	 as	 leis.	 Ele	 era	 soberano	 dos
habitantes	da	casa,	mas	estava	submetido	às	leis	da	família,	consequentemente,	ele	não	podia
criar	novas	leis	nem	modificar	as	já	existentes.[4]
A	 objetividade	 do	 direito	 advém	 do	 seu	 caráter	 sagrado	muito	 mais	 do	 que	 da	 vontade
soberana	 do	 pater	 famílias,	 que	 só	 poderá	 considerar-se	 fonte	 do	 direito	 quando	 for
conceituada	 como	 vontade	 livre,	 segundo	 o	 modelo	 de	 Hobbes.	 A	 teoria	 da	 soberania	 de
Hobbes,	 por	 sua	 vez,	 tenta	manter	 o	 caráter	 objetivo	 da	 lei	 perante	 a	 qual	 cedem	 todos	 os
direitos	 subjetivos.	 Como	 é	 sabido,	 a	 tentativa	 de	 Hobbes	 representa	 um	 paradoxo	 na
transição	 para	 a	modernidade,	 fundamentando	 a	 objetividade	 da	 lei	 na	 vontade	 absoluta	 do
soberano,	porém,	submetendo-se	a	ela	os	direitos	naturais	dos	súditos.	O	reconhecimento	da
existência	 destes	 direitos	 naturais	 propostos	 por	 Hobbes	 implodirá	 seu	 próprio	 modelo	 de
soberania	absolutista	para	instaurar	um	novo	modelo	de	direito	subjetivo.
O	direito	subjetivo	que	prevaleceu	na	modernidade	desconstruiu	tanto	a	vontade	soberana
como	 a	 imutabilidade	 das	 leis.	 Já	 a	 emergência	 da	 subjetividade	 e	 dos	 direitos	 subjetivos
possibilitou	a	 saída	das	 sociedades	estamentais	 e	 a	deslegitimação	do	poder	 absolutista	 de
qualquer	soberano.	Estas	são,	 talvez,	duas	das	maiores	conquistas	da	modernidade.	Porém,
tal	virada	trouxe	consigo	algumas	consequências	que	devem	ser	analisadas	criticamente.
Hobbes	 é	 o	 pensador	 cujo	 absolutismo	 foi	 superado	 pelo	 liberalismo,	 embora	 seus
princípios	antropológicos	e	jurídicos	tenham	ficado,	nele,	absorvidos.	O	conceito	de	estado	de
natureza	desenhado	por	Hobbes	condensa	a	concepção	naturalista	do	direito	que	prevaleceu
na	modernidade.	Hobbes,	por	sua	vez,	define	o	direito	como	potência	da	natureza.	Cada	um
tem,	por	natureza,	direito	ao	que	sua	potência	permite	obter	e	manter,	[5]	por	isso,	é	ela	que
define	 o	 direito	 e	 se	 identifica	 com	 o	 poder	 individual.	 O	 indivíduo	 tornou-se	 o	 núcleo
paradigmático	 do	 direito,	 pois	 este	 remete	 à	 natureza	 individual,	 o	 que	 legitima	 o	 próprio
indivíduo	como	algo	natural.	O	indivíduo	moderno	emerge	numa	estreita	simbiose	da	natureza
com	o	direito:	seus	direitos	naturais	constituem	a	sua	natureza	individual	e	ambos	naturalizam	o
indivíduo	como	um	ser	autoevidente	para	a	sociedade.
Na	naturalização	do	indivíduo,	a	vida	é	capturada	pelo	direito	como	sua	natureza	instituinte,
ao	ponto	de	Hobbes	(1997)	definir	o	direito	natural	como:	"a	 liberdade	de	cada	homem	para
utilizar	seu	poder	em	benefício	próprio,	para	a	preservação	de	sua	natureza,	ou	seja,	da	sua
própria	 vida"	 (p.	 110).	 Hobbes	 correlaciona	 o	 direito	 com	 a	 vida,	 imbricando	 ambos
performativamente.	O	direito	moderno	é	correlativo	ao	modo	(biopolítico)	de	se	relacionar	com
a	vida	humana.	Hobbes	vincula	a	origem	do	direito	com	o	desejo	humano,	conatus.	A	natureza
individual	se	concebe	como	uma	natureza	desejante.	O	desejo	(conatus)	é	um	impulso	natural
que	 orienta	 todas	 as	 ações	 dos	 indivíduos.	 Porém,	 tal	 desejo	 tem	 um	objetivo	 específico:	 a
autopreservação.	 O	 impulso	 natural	 da	 autopreservação	 se	 traduz	 socialmente	 na	 forma	 de
interesse	 do	 próprio.	 O	 desejo	 determina	 o	 comportamento	 individual	 que,	 por	 sua	 vez,
impulsiona	a	procura	de	nosso	próprio	interesse	como	um	imperativo	da	natureza.	A	origem	do
direito,	 então,	 para	 Hobbes,	 está	 neste	 caráter	 natural	 do	 indivíduo	 humano.	 Entende	 por
direito	aquilo	que	racionalmente	a	natureza	demanda	de	cada	um	de	nós,	ou	seja,	o	conatus,	a
pulsão	de	autopreservação	que	estimula	o	interesse	próprio	como	valor	natural	de	cada	um.[6]
Hobbes	interpreta	o	conceito	de	liberdade	como	o	direito	de	cada	um	de	apropriar-ser,	por
natureza,	 de	 tudo	 o	 que	 pode	 obter	 e	 conservar	 por	 suas	 próprias	 forças.	A	 força	 constitui,
desde	as	origens	do	direito	moderno,	o	que	legitima	o	direito	natural	do	meu	perante	os	outros.
[7]	 Aigualdade	 é	 o	 direito	 natural	 que	 outorga	 a	 todos	 os	mesmos	 direitos.	 Essa	 condição
natural	 faz	 que,	 segundo	 Hobbes,	 sendo	 todos	 impulsionados	 pelo	 conatus	 do	 desejo	 do
próprio,	procuremos,	por	natureza,	o	máximo	de	vantagem	para	nós	em	detrimento	dos	outros.
Por	natureza,	ainda,	a	igualdade	nos	torna	inimigos,	pois	o	conatus	impele	a	natureza	de	cada
um	à	procura	do	próprio.
Embora	Hobbes	tenha	sido	criticado	pela	sua	proposta	política	absolutista,	sua	concepção
de	direito	natural	prevaleceu,	hegemônica,	no	direito	subjetivo	moderno.	Os	direitos	subjetivos
modernos	são	simbolizados	como	direitos	naturais,	ou	direitos	da	natureza	humana.	Atribui-se
à	 vida	 humana	 uma	 série	 de	 atributos	 naturais,	 que	 confeccionaram	 a	 imagem	 do	 indivíduo
moderno,	de	duvidosa	evidência.	O	específico	do	indivíduo	moderno	é	sua	natural	inclinação	ao
interesse	 próprio.	 O	 interesse	 da	 preservação	 em	 Locke,	 dessa	 forma,	 se	 legitimará	 sob	 a
figura	da	propriedade.	É	conhecida	a	vinculação	que	Locke	faz	entre	o	corpo,	a	propriedade	e
a	pessoa.	Segundo	o	autor,	o	vínculo	biológico	do	corpo	com	a	propriedade	define	a	pessoa
humana	como	 tal	e	a	capacita	como	ser	social.	Sua	 teoria	do	 trabalho	 também	deriva	desta
relação	biopolítica	entre	corpo	e	propriedade,	que	permite	à	pessoa	se	dispor,	se	vender	ou
se	alugar,	como	algo	próprio.[8]
O	 interesse	 próprio	 e	 a	 capacidade	 de	 apropriação	 se	 tornaram	 dimensões	 naturais	 do
indivíduo	moderno,	as	quais	deram	origem	a	uma	determinada	concepção	de	direitos	naturais.
A	política	moderna	fez	da	vida	humana	seu	objeto	de	governo	tornando-a,	cada	vez	mais,	uma
biopolítica.[9]	 Nela,	 a	 vida	 se	 torna	 um	 sujeito	 formal	 de	 direitos	 e,	 ao	 mesmo	 tempo,	 um
objeto	 a	 ser	 governado.	 É	 capturada	 pelo	 direito	 nessa	 dupla	 função	 e	 individualizada	 como
sujeito	de	direitos,	sendo	objetivada	como	recurso	governável	na	forma	de	população.[10]
O	 direito	 moderno	 se	 legitima	 através	 da	 naturalização	 da	 vida	 humana.	 O	 indivíduo
natural,	 portador	 de	 direitos	 naturais,	 é	 a	 referência	 que	 define	 o	 direito	 que,	 de	 agora	 em
diante,	será	subjetivo.	Contudo,	a	natureza	que	institui	a	potência	do	direito	é	objetivada	pelas
normas	reguladoras	do	seu	modo	de	viver	normalizando-a	como	indivíduo	socialmente	inserido
e	 legalmente	 tolerado.	Esta	é	a	 função	normatizadora	do	direito,	cujo	objetivo	é	normalizar	a
vida	natural.
Na	sociedade,	a	vida	do	indivíduo	não	poderá	ser	mais	natural	e	terá	que	ser	normalizada
para	 através	 da	 normatização	 dos	 seus	 comportamentos.	 Esta	 tensão	 vira	 a	 conformar	 a
função	imunizadora	do	direito	subjetivo,	como	veremos	a	seguir.
A	imunização	da	ordem	contra	a	ameaça	da	vida
Segundo	 elencamos	 inicialmente,	 desde	 sua	 origem,	 o	 direito	 existe	 em	 relação	 à	 vida
humana.	Ambos	se	mantêm	correlacionados	por	uma	tensão	insolúvel	em	que	o	direito	captura
a	vida,	com	a	finalidade	de	protegê-la,	ameaçando-a.[11]	Além	disso,	o	direito	também	cuida
da	 vida,	 normatizando-a.	 O	 cuidado	 da	 vida	 humana	 precisa	 do	 reconhecimento	 do	 direito,
porém,	o	direito	só	pode	cuidar	a	vida	com	aquilo	que	a	ameaça,	a	violência.	Direito	e	 força,
portanto,	coexistem	como	elementos	necessários.[12]	A	vida	humana,	dessa	forma,	fica	presa
entre	o	direito	que	a	defende	e	a	força	que	a	ameaça.	Tal	pressão	tende	a	normatizá-la	dentro
das	normas	do	direito	 decretando	as	 formas	normais	a	 serem	aceitas	e	protegidas	das	que
devem	ser	banidas	ou	mortas.
A	sacralidade	originária	da	lei	enfatizava	o	caráter	impositivo	da	norma	que	se	abatia	sobre
a	 vida	 humana	 como	 imperativo	 transcendente	 à	 vontade	 dos	 sujeitos.	 O	 direito	 objetivo	 da
vontade	 soberana	 captura	 a	 vida	 humana	 objetivando-a	 ao	 seu	 arbítrio.	 Na	 soberania,	 a	 lei
media	entre	ambos	como	 técnica	correlata	da	vida	dos	súditos	com	a	vontade	soberana.	Tal
intermediação	tem	por	finalidade	capturar	a	vida	humana	dentro	da	ordem	social	e	subjetivá-la
como	 súdito	 obediente.	 A	 vida	 humana	 é,	 portanto,	 o	 objeto	 do	 direito,	 cujo	 objetivo	 é	 o	 de
submetê-la	à	vontade	soberana.	O	direito	objetivo	atua	entre	os	interstícios	da	ordem	imposta
e	da	vontade	soberana	que	governa.
O	 direito	 subjetivo	 moderno	 tentou	 superar	 e	 desconstruir	 o	 caráter	 autoritário	 da
soberania.	A	 lei	 foi	 despojada	 da	 objetividade	 autoritária	 que	 a	 impunha	 como	expressão	 da
vontade	 soberana.	 Em	 seu	 lugar,	 foi	 proposta	 a	 lei	 como	 norma	 isonômica	 que	 regula	 as
relações	sociais.	Para	efetivar	a	desconstrução	do	soberano	e	seu	direito	absoluto,	utilizou-se
o	 argumento	 filosófico	 do	 indivíduo	 moderno	 e	 seus	 direitos	 naturais.	 O	 direito	 subjetivo
moderno,	 então,	 deslegitimou,	 em	 parte,	 o	 autoritarismo	 do	 poder	 soberano,	 porém	 não
superou	o	paradoxo	que	vincula	o	direito	à	vida.	A	 lei	do	direito	subjetivo,	que	diz	proteger	a
vida	humana	através	dos	direitos	naturais	e	que	produziu	muitos	efeitos	positivos	em	favor	da
vida	humana	ao	subtraí-la	do	poder	absoluto	e	da	arbitrariedade	da	vontade	soberana,	tornou-
se	também	sua	ameaça,	ainda	que	de	outra	forma,	como	veremos	a	seguir.
Continua	a	constatar-se	que	a	mesma	lei	que	pretende	proteger	a	vida,	a	ameaça.	Ainda
que	se	tenha	suprimido,	mas	não	absolutamente,[13]	a	vontade	soberana	do	arbítrio	da	lei,	o
direito	 subjetivo	 continua	 a	 funcionar	 como	dispositivo	 que	 cuida	 da	 vida	 ameaçando-a.	Mais
especificamente,	 cuida	 da	 vida	 normatizando-a,	 governando-a	 sob	 a	 diversas	 formas	 de
objetivação	e	naturalização	da	 vida	humana.	A	 vida	humana	volta	a	 se	encontrar	 comprimida
entre	o	direito	e	a	ordem,	entre	a	normatização	e	a	defesa.
Todos	os	dispositivos	de	normatização	da	vida,	 incluídos	os	jurídicos,	operam	inicialmente
um	processo	de	sua	naturalização	a	 fim	de	objetivá-la	como	mera	vida	natural	aquém	e	além
da	 sua	 humanidade.	 Tal	 tensão	 aparece	 explícita	 no	 que	 Roberto	 Esposito	 denominou	 de
“paradigma	imunitário	das	sociedades	modernas”	(Esposito,	2003,	2005).	Segundo	Esposito,	o
direito	moderno	assumiu	uma	função	imunitária	que	defende	a	ordem	imunizando	o	corpo	social
contra	as	ameaças	e	os	perigos	que	a	ameaçam.	Sendo	o	maior	 perigo	da	ordem	as	 vidas
perigosas	que	não	se	ajustam	a	suas	normas,	o	direito	 terá	como	missão	defender	as	vidas
normalizadas	das	vidas	desajustadas,	ou,	defender	a	ordem	do	perigo	da	vida.
A	 imunização	é	um	dispositivo	biológico	que	previne	de	um	mal	 inoculando	no	organismo,
em	doses	adequadas,	os	mesmos	componentes	que	o	ameaçam.	A	imunização	utiliza	para	sua
defesa	 o	 mesmo	 mal	 que	 ameaça.	 Esposito	 destaca	 que	 este	 dispositivo	 biomédico	 vem
sendo	interiorizado	pela	modernidade,	de	muitas	formas,	como	técnica	política	para	neutralizar
as	ameaças	do	corpo	social,	o	que	torna	a	política,	cada	vez	mais,	biopolítica.[14]	Combater	o
mal	com	o	próprio	mal	que	ameaça,	 tornou-se	uma	técnica	política	de	governo,	ou	seja,	uma
forma	 biopolítica	 de	 defender	 o	 corpo	 social.	 A	 imagem	 do	 corpo	 político,	 tão	 cara	 aos
paradigmas	modernos	da	ordem	social;	torna-se	muito	mais	que	uma	metáfora.	A	imagem	do
Estado	como	um	corpo	toma	uma	densidade	não	metafórica	senão	médica.
O	Estado	é	a	figura	do	corpo	social,	a	incorporação	da	ordem;	uma	corporação	orgânica	a
ser	preservada	e	defendida.	Ao	tratar	a	sociedade	como	um	corpo	vivo,	as	formas	de	defesa
de	seus	inimigos	adquirem	os	caracteres	médicos	da	imunização	contra	aquilo	que	ameaça.	A
sociedade,	 dessa	 forma,	 para	 defender-se	 de	 seus	 inimigos,	 deve	 inocular	 anticorpos	 em
quantidades	certas	daquilo	que	a	ameaça.
Esta	 técnica	 biopolítica	 de	 defender	 a	 sociedade	 com	 os	 anticorpos	 que	 a	 ameaçam	 é
delicada	e	complexa.	Para	tal	função,	foram	criadas	várias	técnicas,	entre	elas,	o	Direito.	Este
foi	convocado	especialmente	para	efetuar	essa	delicada	 técnica	biopolítica.Para	preservar	a
ordem	 do	 corpo	 social,	 o	 Direito	 deverá	 injetar,	 nas	 instituições,	 as	 doses	 adequadas	 da
mesma	ameaça	que	pretende	evitar.	Ou	seja,	deve	combater	a	ameaça	da	desordem	violenta
ameaçando	com	a	violência	legal,	substituindo	a	ameaça	do	arbítrio	da	vontade	soberana	pela
normatização	da	vida.	Uma	vez	mais,	retornamos	à	violência	como	recurso	intrínseco	do	direito
em	relação	à	vida	humana	que	ameaça	a	ordem.
O	múnus	como	dom	do	comum
Como	opera	faticamente	este	dispositivo	imunitário	do	direito?	Para	responder	tal	questão
devemos	retomar	as	considerações	anteriores	sobre	a	naturalização	do	indivíduo	moderno.
A	função	do	Direito	é	proteger	e	prolongar	a	vida	da	comunidade.	Ao	exaltar	a	vida	natural
do	 indivíduo	como	 fonte	dos	direitos	naturais,	 o	direito	moderno	uniu	mais	estreitamente	 seu
destino	à	defesa	da	vida	humana.	Porém,	as	pretensões	formalistas	que	acreditam	que	a	vida
se	defende	com	a	mera	promulgação	de	uma	lei	não	se	cumprem	de	fato	e,	ainda,	ocultam	a
contradição	 com	 que	 o	 direito	 ameaça	 a	 mesma	 vida	 que	 diz	 proteger.	 O	 direito	 moderno
defende	a	vida	de	forma	contraditória:	imunizando	a	ordem	social	contra	as	formas	de	vida	que
a	ameaçam,	e	ameaçando	a	vida	que	não	se	ajusta	à	ordem	social	estabelecida.
A	função	imunitária	do	direito	moderno	fica	evidente	a	respeito	da	dimensão	comunitária	da
sociedade.	O	direito	subjetivo	moderno	operou	um	esvaziamento	da	dimensão	comunitária	do
social	 ao	 ponto	 de	 reduzi-lo	 a	 um	 contrato	 formal	 entre	 indivíduos	 que	 cada	 vez	 têm	 mais
dificuldades	 em	 se	 reconhecer	 numa	 relação	 não	 contratual	 com	 os	 outros.	 A	 vivência	 da
comunidade	cria	uma	teia	invisível	de	relações	que	mantém	a	solidez	de	uma	sociedade	além
dos	meros	interesses	individuais	e	das	relações	contratuais.	A	qualidade	e	solidez	dos	vínculos
sociais	é	correlativa	às	formas	de	comunidade	que	nela	se	desenvolvem.
Para	avançar	nesta	análise	crítica,	 temos	que	nos	perguntar,	como	opera	o	processo	de
imunização	das	sociedades	modernas?	Em	primeiro	lugar,	convém	delimitar	o	sentido	do	termo
“comunidade”.	Tomando	como	 referência	os	estudos	de	Roberto	Esposito	 (2003)	 sobre	este
ponto,	podemos	dizer	que	o	que	define	a	comunidade	é	o	múnus.	Este,	por	sua	vez,	 remete
ao	 ofício	 ou	 função	 que	 se	 exerce	 em	 relação	 aos	 outros.	 O	múnus	 constitui-se	 no	 núcleo
constituinte	da	communitas.	A	comum-unidade	e	a	unidade	do	comum	se	dá	pelo	imperceptível
vínculo	do	dever	para	com	os	outros	que	o	múnus	estabelece	entre	os	sujeitos	de	um	grupo.
O	 agrupamento	 desconexo	 ou	 massificado	 de	 indivíduos	 se	 transforma	 em	 comunidade
quando,	 entre	 eles,	 cria-se	 um	múnus	 que	 os	 vincula	 numa	 relação	 de	 dever	 para	 com	 os
demais.	Caso	contrário,	a	massa	de	indivíduos	poderá	ser	uma	sociedade	massificada	ou	uma
organização	regulamentada,	mas	não	uma	communitas.
A	 comunidade	 se	 implementa	 como	 tal	 pela	 relação	de	dever	 para	 com	os	outros	e	não
pela	 exigência	 do	 direito	 próprio.	 Tal	 dever	 é	 constitutivo	 da	 relação	 social	 própria	 da
communitas,	 de	 forma	 que	 o	 social	 da	 relação	 é	 inerente	 ao	 dever	 para	 com	 o	 outro.	 Na
comunidade,	 a	 intensidade	 da	 relação	 é	 proporcional	 ao	 múnus,	 ou	 seja,	 à	 densidade
específica	 do	meu	 dever	 para	 com	 os	 outros,	 e	 não	 à	 defesa	 do	 direito	 próprio	 frente	 aos
direitos	dos	outros.	O	múnus	é	o	que	define	o	comum	da	communitas.	Contudo,	o	direito	do
próprio	gera	uma	consecutiva	desapropriação	dos	vínculos	comuns	com	a	consequente	erosão
das	 relações	 comunitárias;	 o	 dever	 para	 com	 os	 outros	 opera	 como	 liame	 constitutivo	 que
fortalece	as	 relações	 comunitárias.	A	communitas	 existe	 a	 partir	 do	 seu	múnus	 constituinte,
sem	ele	 ficando	vazia	de	sentido,	diluindo-se.	Pode	se	dizer,	ainda,	que	a	densidade	de	uma
comunidade	é	proporcional	à	intensidade	do	múnus	com	que	os	sujeitos	se	vinculam	entre	si.
Contudo,	 é	 conveniente	 esclarecer	 que	 não	 é	 qualquer	 dever	 que	 constitui	 o	múnus	 da
comunidade.	 O	 dever	 imposto	 pela	 vontade	 soberana	 ou	 pelo	 direito	 do	 lar	 não	 constitui
comunidade	senão	que	gera	submissão.	O	dever,	por	si	só,	não	cria	a	comunidade.	O	dever
do	direito	absoluto	é	uma	imposição	extrínseca	ao	sujeito;	ele	submete	e	sufoca	a	vontade	do
sujeito.	A	vontade	soberana	 impõe	um	dever	de	 forma	extrínseca	cujo	resultado	final	não	é	a
construção	da	comunidade	senão	a	subjetivação	do	súdito.	Os	deveres	infligidos	por	vontades
soberanas,	 portanto,	 anulam	 quaisquer	 forma	 de	 comunidade.	 Os	 liames	 comunitários	 são
totalmente	avessos	aos	deveres	demandados	pelas	vontades	soberanas.
O	dever	 imposto	é	 intrinsecamente	autoritário	e	não	produz	comunidade.	A	 imposição	do
dever	origina	dominação	do	outro	e	não	comunidade.	Toda	dominação	exige	um	dever	infligido
que	 implode	 os	 vínculos	 comunitários	 trazendo,	 em	 seu	 lugar,	 a	 soberania	 do	 autoritarismo.
Não	é	o	mero	dever	que	produz	os	 laços	da	comunidade,	nem	é	qualquer	dever	que	gera	o
múnus	 necessário	 para	 que	 exista	 a	 comunidade.	 O	 que	 nos	 leva	 a	 indagar	 sobre	 qual
característica	do	múnus	é	capaz	de	produzir	tais	vínculos.
O	direito	subjetivo	surgiu,	no	marco	desta	 tensão,	para	combater	o	dever	autoritário.	Os
direitos	subjetivos	inerentes	ao	estado	de	natureza	vieram	a	desconstruir	qualquer	legitimidade
do	direito	objetivo	da	vontade	soberana,	concretizado	na	forma	de	dever	e	obediência	forçada.
Por	 isso,	 o	 direito	 subjetivo	 e	 suas	 figuras	 políticas	 –	 direitos	 naturais,	 contrato	 etc.	 –	 são
amplamente	aceitos	e	 legitimados	como	as	vias	políticas	que	a	modernidade	encontrou	para
implementar	 o	 exercício	 da	 liberdade	 frente	 ao	 autoritarismo	 da	 soberania.	 Contudo,	 temos
que	apontar	que,	no	âmago	das	 instituições	políticas	e	 jurídicas	do	 liberalismo,	 veio	 também
um	 conjunto	 de	 contradições	 que	 constrange	 nossas	 sociedades	 contemporâneas	 dentro	 do
paradigma	 do	 próprio,	 da	 apropriação	 e	 da	 propriedade.	 Entre	 elas,	 cabe	 destacar	 a
exacerbação	do	interesse	próprio	como	parte	constitutiva	do	direito	subjetivo	e	o	consequente
caráter	imunitário	que	este	inoculou	nas	relações	sociais.
Roberto	 Esposito	 (1998),	 em	 sua	 obra	Communitas.	 Origine	 e	 destino	 de	 la	 comunitá,
analisa	 que	 o	 sentido	 do	 termo	múnus	 em	 que	 uma	 comunidade	 se	 reconhece	 não	 é	 uma
propriedade	 e	 nem	 sequer	 o	 sentido	 de	 pertença	 a	 algo	 comum.	 Não	 é	 a	 posse	 de	 algo
material	 ou	 imaterial	 que	 cria	 os	 laços	 comunitários.	 Pelo	 contrário	 toda	 forma	 de	 posse	 ou
apropriação	 dilui	 a	 potência	 do	 elo	 comunitário.	 O	 vínculo	 comunitário	 exige	 algum	 tipo	 de
expropriação	 de	 si	 em	 relação	 ao	 outro.	 É	 o	 caráter	 expropriatório	 da	 relação	 que	 forma	 a
comunidade.	 O	 elo	 comunitário,	 então,	 se	 constrói	 pela	 expropriação	 através	 da	 qual	 eu
entrego	algo	de	mim	e	recebo	do	outro	o	que	entrega	de	si.	A	expropriação	de	si	 inerente	ao
múnus	 entra	 em	 oposição	 a	 todas	 as	 formas	 de	 apropriação,	 propriedade	 ou	 possessão
absolutas.
Na	 relação	comunitária,	o	ponto	mais	sólido	acontece	nos	processos	de	desubjetivação
do	eu	em	que	sua	realização	como	pessoa	social	acontece	tanto	ao	expropriar	algo	de	si	para
o	 outro	 como	 ao	 receber	 do	 outro	 o	 que	 não	 lhe	 pertence.	 Na	 relação	 expropriatória	 da
communitas	há	um	descentramento	do	sujeito	proprietário	que	o	força	a	existir	na	relação	de
desapropriação	de	si	e	coexistir	na	recepção	do	outro:	o	centro	do	sujeito	para	a	relação	com
o	outro.	O	eu	se	torna	um	alter,	alterando-se	pela	relação	através	da	qual	se	constitui	sujeito
social	–	e	como	 tal	 sujeito	pessoal	–	na	expropriação	de	si	para	com	o	outro.	Ao	 instituir	os
laços	comunitários	se	constitui	permanentemente	alterado.	O	eu	não	mais	existe	como	núcleo
naturalista	determinado	pelo	conatus	 da	 autopreservação,senão	que	 se	 realiza	 alterando-se
permanentemente	na	 relação	social	com	o	outro.	Seu	ser	é	uma	existência	que	se	altera	em
relação	à	alteridade	que	o	constitui	como	sujeito.	Na	comunidade,	a	relação	com	o	outro,	alter,
transcende	todas	as	formas	de	posse	comunitária,	seja	material	ou	de	identificação.	O	que	une
o	 sujeito	 com	 a	 alteridade	 é	 um	 vazio:	 o	 intangível	 da	 doação	 faz	 do	 esvaziamento	 de	 si	 a
constituição	mais	sólida	do	elo	comunitário	com	o	outro.	A	relação	de	desapropriação	de	si	e	o
recebimento	 do	 outro	 cria	 uma	 espécie	 de	 circuito	 não	 circular	 que	 não	 desemboca	 numa
síntese	 de	 identidades	 ou	 posses,	 mas	 abre	 os	 sujeitos	 a	 uma	 construção	 permanente.	 O
paradoxo	 da	 comunidade	 é	 que	 a	 consistência	 dos	 sujeitos	 reside	 no	 seu	 esvaziamento	 de
subjetividade.[15]
O	que	vincula	as	pessoas	na	comunidade	não	é	a	posse	de	algo,	nem	sequer	a	posse	de
algo	comum.	Não	é	o	interesse,	próprio	ou	comum,	que	cria	a	comunidade,	pois	todo	interesse
separa	 aquilo	 que	 está	 junto	 em	 aparência.	 Esposito	 destaca	 que	 o	 sentido	 semântico	 do
termo	communis,	cuja	semântica	remete	a	uma	prática	histórica,	invoca	à	noção	de	compartir
uma	carga,	ou	seja,	um	cargo	ou	encargo	(Esposito,	2003).	O	que	caracteriza	a	comunidade,
communitas,	não	é	a	propriedade,	nem	o	próprio,	mas	do	dever	para	com	o	outro,	o	dever	em
comum	(múnus).
Esta	análise	nos	leva	a	perceber	que	o	liame	da	comunidade	não	é	a	soma	de	algo,	mas
sim	o	esvaziamento	de	si.	A	consistência	da	comunidade	está	no	vazio	que	vincula	os	sujeitos
entre	si	pela	doação	e	não	pela	apropriação.	Esse	vazio	aparente	e	consequente	não	pode	ser
identificado	 com	 algo	 próprio	 já	 que	 sua	 principal	 característica	 é	 a	 expropriação.	 Ao
expropriar-se	de	si	se	constrói	o	comum	da	comnunitas.	Não	é	o	próprio	nem	a	propriedade,
como	preconiza	 o	 direito	 subjetivo,	 que	 cria	 a	 comunidade,	mas	a	 desapropriação	de	 si	 que
constrói	os	elos	comunitários.
Podemos	 dizer,	 ainda,	 que	 a	 comunidade	 tem	 como	 fio	 vinculante	 a	 impropriedade	 que
desapropria	 aos	 sujeitos	 de	 parte	 de	 si	 pelo	 dever	 para	 com	 os	 outros.	 Mas	 é	 essa
desapropriação	 circulante	 que,	 num	 aparente	 vazio	 impróprio,	 constrói	 a	 solidez	 dos	 laços
sociais	vinculando	estreitamente	os	sujeitos	pela	expropriação	de	si	para	com	o	outro	e	pelo
dom	do	outro	para	si.	O	caráter	comunitário	gera-se	numa	espécie	de	desapropriação	coletiva
em	que	a	 interação	é	 constitutiva	 de	 todo	dever	 para	 com	o	outro.	A	 comunidade	não	é	um
corpo	 nem	 uma	 corporação	 resultante	 da	 fusão	 dos	 indivíduos.	 Ela	 mostra	 sua	 solidez	 na
consistência	do	esvaziamento	de	si	que	os	sujeitos	realizam	em	sua	interação	com	os	outros.
A	 impropriedade	 do	 comum	 remete	 semanticamente	 à	 genealogia	 do	 donum.	 Em	 sua
etimologia,	o	dever	do	múnus	não	é	uma	imposição	arbitrária	de	uma	vontade	soberana	ou	de
uma	lei	objetiva,	senão	que	se	exerce	como	donum	em	relação	aos	outros	da	comunidade.	"O
múnus	 é	 ao	donum	 como	 a	 espécie	 ao	 gênero	 (Ulp.,Dig.	 50.16.194)"	 (Esposito,	 2003,	 p.
27).	O	múnus,	assim,	é	um	tipo	de	dom	muito	particular	cuja	característica	principal	se	exerce
como	obrigação	para	com	o	outro.	O	múnus,	por	sua	vez,	é	caracterizado	como	um	dever	que
se	doa	como	obrigação.
Tal	 definição,	 aparentemente	 aporêtica	 para	 nossas	 subjetividades	 normatizadas	 pela
hegemonia	do	interesse	próprio,	é	perfeitamente	conjugada	como	condição	própria	do	múnus.
Os	estudos	de	Marcel	Maus	(2011),	em	sua	conhecida	obra	Ensaio	sobre	a	dádiva,	mostram
que	nas	sociedades	tradicionais	o	dom	 funciona	como	mecanismo	circular	de	 intercâmbio	nas
relações	 sociais.	Aquilo	 que	o	 outro	 faz	 para	mim	como	dever,	 se	 torna,	 também,	 um	dever
meu	 para	 com	 ele.	 A	 dádiva	 que	 o	 outro	 me	 oferece	 voluntariamente	 opera	 em	mim	 como
elemento	gerador	de	dever	para	com	ele.	Os	sujeitos	se	vinculam	entre	si	através	da	dádiva
que	provoca	um	efeito	circulante	entre	 todos	de	forma	que	o	dever	de	cada	um	para	com	os
outros	 é	 a	 dádiva	 que	 oferece	 e	 pela	 qual	 ele	 se	 torna	 reconhecido	 e	 é	 também
recompensado.	As	experiências	antropológicas	narradas	por	Maus	constatam	que	alguém	que
aceitou	o	múnus,	 também	está	obrigado	a	retribuir	(ônus)	de	alguma	forma.	Constata,	ainda,
que	a	superposição	que	se	opera	entre	dom	e	dever,	entre	múnus	como	donum,	constitui	um
tipo	específico	de	relação	social	pela	qual	os	laços	comunitários	se	consolidam	e	perduram	ao
longo	do	tempo.
A	 longa	 erosão	 imunitária	 que	 sofremos	 nas	 sociedades	 modernas	 nos	 impede	 de
perceber	as	possibilidades	políticas	inerentes	ao	múnus	como	dom.	Para	entender	a	potência
política	operativa	desse	vínculo,	temos	que	realizar	uma	certa	genealogia	de	algumas	práticas.
Nesta	 linha,	 Esposito	 (2003)	 resgata	 os	 estudos	 linguísticos	 de	 Benveniste	 sobre	 as
sociedades	 indo-europeias.	 A	 raiz	 linguística	 do-	 de	 donum	 (dar,	 doação)	 remete	 em	 sua
acepção	 original	 indo-europeia	 a	 uma	 relação	 circular	 de	dar	 e	 tomar,	 ou	 seja,	 retribuir.	 Há
uma	 espécie	 de	 cruzamento	 semântico	 e	 prático	 entre	 o	 que	 se	 doa	 e	 o	 que	 se	 recebe.
Chegando	 a	 constatar	 que	 a	 noção	 de	 dom	 se	 realiza	 em	 si	 mesma	 como	 uma	 forma	 de
retribuição.	 O	 que	 caracteriza	 o	 dom	 do	 dever	 é	 a	 falta	 de	 constrangimento;	 ou	 seja,	 a
espontaneidade	do	dever	é	a	marca	do	dom.[16]	O	dom	se	realiza	como	dever	sem	que	exista
uma	obrigação	que	o	exija.	Por	 isso,	o	dom	é	uma	categoria	que	designa	 tanto	o	que	se	dá
como	o	que	se	recebe.	O	múnus	conserva	o	caráter	de	dom	pelo	dever	de	ofício	que	 lhe	é
inerente.	Mas	a	diferença	do	mero	dom	é	um	dever	que	não	pode	deixar	de	ser.	O	múnus	é
um	dever	contraído	com	o	outro	e,	portanto,	deve	ser	cumprido.	O	múnus	 é	gerado	por	um
benefício	 recebido	 anteriormente,	 por	 isso	 ele	 também	 exige	 um	 dever.	 O	 múnus	 indica
exclusivamente	 o	 dom	 que	 se	 dá	 e	 não	 o	 que	 se	 recebe.	 Ele	 não	 apresenta	 uma	 dinâmica
possessiva	 ou	 de	 apropriação,	 pelo	 contrário,	 exige	 uma	 doação	 do	 dom	 recebido
previamente.
A	dimensão	doadora	do	múnus	está	 impregnada	de	uma	 função	política	de	 longo	calado
que	permite	articular	institucionalmente	as	relações	sociais.	Seu	paradigma	imunitário,	contudo,
apagou	 a	 potência	 política	 do	 dever-dom	 reduzindo-o	 a	 uma	 mera	 categoria	 voluntária	 de
caráter	ético	–	como	se	a	ética	fosse	inferior	à	política	–	ou	impondo-o	normativamente	como
uma	prescrição	 legal.	Alguns	ecos	da	potência	política	do	dever	como	dom	ainda	podem	ser
aferidos	 de	 obras	 clássicas	 como	 a	 de	 Cícero	 (1980),	 Dos	 deveres,	 em	 que	 o	 autor,	 um
proeminente	 senador	 de	 Roma,	 pode	 afirmar	 como	 um	 fato	 “natural”	 e	 “autoevidente”	 que:
"Negócios	públicos	ou	privados,	civis	ou	domésticos,	ações	particulares	ou	transações,	nada
em	nossa	vida	se	esquiva	do	dever:	observá-lo	é	virtuoso,	negligenciá-lo,	desonra"	(p.	26).
A	 espontaneidade	 atribuída	 por	 Cícero	 ao	 dever	 como	 dispositivo	 político	 das	 ações
sociais,	 contrasta	 com	a	 naturalização	 do	 interesse	 próprio	 nas	 sociedades	modernas.	 Para
Cícero,	 o	 dever	 funciona	 como	 um	 elo	 articulador	 das	 ações	 sociais	 e	 legitimador	 das
instituições,	mas	nas	sociedades	modernas,	tal	papel	foi	atribuído	ao	interesse	próprio.	Ainda
para	Cícero,	 a	 espontaneidade	 do	 dever	 é	 que	 confere	 estabilidade	 às	 instituições,	 embora
nas	sociedades	do	 interesse	próprio	a	garantia	 institucional	esteja	no	contrato	garantido	pela
violência	latente.	Contudo,	Cícero	não	é	um	ingênuo	do	formalismo	do	dever	e,	no	seu	próprio
tratado,	compreende	que	os	princípios	absolutos	do	dever	nem	sempre	são	justos	pelo	que	a
justiça	do	dever	há	de	se	compreender	no	contexto	histórico	e	suas	circunstâncias.	Contudo,
não	prejudicar	a	ninguém	e	a	procura	do	bem-comum	permanecem	como	princípiosreitores	do
dever	maior.[17]	O	dever	como	dom	tem	potencialidade	política	para	articular,	de	forma	justa,
as	 relações	 humanas	 e	 as	 instituições	 sociais	 no	 marco	 da	 commnitas.	 O	 apagamento	 da
potência	política	do	múnus	 opera	 como	o	 artifício	 legitimador	 do	bônus	 a	modo	 de	 conatus
natural	das	instituições	modernas.
O	direito	imunizador
A	comunidade	atravessada	pelo	seu	paradigma	sofre	uma	pressão	imunológica	que	dilui	o
múnus	 e	 a	 torna	uma	 forma	 vazia	 de	 conteúdo	Uma	communitas	 sem	múnus	 é	 uma	 aporia
ambulante.	Tal	aporia	replica	no	destino	do	social,	pois,	uma	sociedade	sem	comunidade	está
ameaçada	de	implosão.
O	direito	subjetivo	 tem	por	objeto	a	defesa	do	próprio,	da	propriedade,	e	da	capacidade
de	apropriação.	Abandonado	a	 sua	própria	 dinâmica,	 o	 incentivo	 à	 apropriação	e	 ao	próprio
torna	a	comunidade	inexistente	e	a	sociedade	inviável.	No	lugar	do	direito	objetivo	da	vontade
soberana,	o	direito	subjetivo	colocou	a	dinâmica	centrífuga	do	interesse	próprio.	Esta	dilui	o	elo
comunitário	das	relações	sociais	e	ameaça	a	existência	da	sociedade.	A	invocação	do	próprio
e	da	propriedade	como	um	direito	primário	fez	da	apropriação	o	objetivo	do	ser	em	sociedade.
A	 busca	 do	 próprio	 esvazia	 a	 sociedade	 daquilo	 que	 a	 constitui	 enquanto	 tal,	 o	múnus.	 O
direito	de	apropriação	 retirou	da	comunidade	o	múnus	 colocando	em	seu	 lugar	a	procura	do
bônus.	 O	 bônus	 identificasse	 com	 o	 benefício	 próprio.	 Quando	 o	 paradigma	 do	 próprio	 se
impõe,	o	bônus	se	torna	o	princípio	natural	regulador	das	relações	sociais,	tornando	o	múnus
uma	 figura	 moral	 secundária.	 O	 pretenso	 naturalismo	 do	 bônus	 confere-lhe	 uma	 primazia
ideológica	 sobre	 a	 suposta	 moralidade	 do	 múnus.	 No	 paradigma	 do	 próprio,	 o	 benefício
suplanta	o	dom.	A	procura	de	benefício	próprio	se	 institui	 como	a	 figura	primordial	do	direito
subjetivo,	relegando	o	dom	a	uma	atitude	secundária	de	caráter	moral	ou	religioso.	O	próprio
da	apropriação	esvaziou	o	múnus	 de	 toda	 potencialidade	política	 inoculando	em	seu	 lugar	 o
bônus.
A	comunidade	esvaziada	de	seu	vazio	constituinte,	múnus,	 e	 estimulada	pela	 procura	 do
interesse	 próprio,	 será	 empurrada,	 inexoravelmente,	 à	 sua	 desintegração.	 Ao	 substituir	 a
desapropriação	 de	 si,	 inerente	 ao	múnus	 pela	 procura	 de	 si,	 o	 sujeito	 institui	 seu	 interesse
como	centro	normatizador	do	social.	Através	deste	dispositivo,	 reforça	a	condição	 ideológica
(histórica	 e	 relativa)	 de	 sua	 própria	 natureza	 subjetiva	 como	 natureza	 do	 próprio,	 da
apropriação,	da	propriedade	e	da	posse.	A	naturalização	do	sujeito	leva	à	procura	do	bônus	e
impulsiona	a	dinâmica	do	benefício	próprio	como	um	direito	natural	a	ser	perseguido	em	todas
as	situações.	Tal	via	conduz	a	um	confronto	generalizado	de	 interesses	 tidos	por	naturais.	O
estado	 de	 guerra,	 anunciado	 por	 Hobbes,	 é	 a	 figura	 emblemática	 do	 novo	 paradigma
imunitário,	 e	 a	 consequência	 política	 inevitável	 promovida	 pelo	bônus.	 O	 grande	 desafio	 das
sociedades	modernas	é	como	manter	uma	comunidade	minimamente	estável,	porém	esvaziada
do	seu	núcleo	constitutivo,	ou	seja,	o	múnus	comunitário.
Esposito,	 dessa	 forma,	 desenvolve	 a	 tese	 de	 que	 o	 Direito	 é	 conclamado	 a	 cumprir	 a
função	 imunitária	de	preservar	a	sociedade	daquilo	que	ele	mesmo	a	esvaziou,	o	elo	comum.
Para	o	autor,	a	imunização	é	o	paradigma	biopolítico	que	identifica	a	modernidade.	Tal	função
imunitária	 tem	 por	 objetivo	 evitar	 a	 dissolução	 da	 sociedade	 e	 sua	 desintegração	 total	 pela
força	 centrífuga	 do	 interesse	 próprio.	 A	 incumbência	 primeira	 do	 Direito	 seria	 manter	 os
vínculos	 sociais	 mínimos,	 agora	 esvaziados	 de	múnus,	 e	 que	 conflitam	 constantemente	 os
indivíduos	na	procura	do	próprio.[18]
O	 vazio	 do	múnus	 comunitário	 foi	 ocupado,	 então,	 pelo	 contrato	 social.	 O	 elo	 do	 dever
para	 com	 o	 outro	 foi	 suplantado	 pela	 regulação	 normativa	 dos	 direitos.	 A	 expropriação
vinculante	das	relações	comunitárias	foi	substituída	pela	apropriação	constitutiva	do	direito	do
eu.	O	direito	desenvolve	tal	função	regulando	juridicamente,	cada	vez	mais,	os	espaços	da	vida
que	 antes	 estavam	 vinculados	 pelo	 elo	 do	 dever	 espontâneo	 do	múnus.	 A	 vida	 encontra-se
paulatinamente	 invadida	 pelo	 direito,	 normatizada	 em	 seus	 comportamentos	 como	 remédio
imunitário	 contra	 a	 falta	 do	 elo	 comunitário.	 O	 social	 existe	 imunizado	 pelo	 direito	 e
normatizado	pela	lei,	mas	vazio	de	comunidade.
O	 direito	 cumpre	 sua	 função	 imunitária	 inoculando	 na	 sociedade,	 na	 forma	 de	 lei,	 as
obrigações	impostas	para	o	respeito	do	outro.	O	respeito	do	outro,	inerente	ao	exercício	livre
do	 múnus,	 agora	 deve	 ser	 normatizado.	 Há	 uma	 espécie	 de	 proporção	 inversa	 entre	 a
dissolução	dos	elos	comunitários	e	a	normatização	da	vida.	A	perda	do	múnus	da	communitas
é	 compensada	 pela	 ação	 imunitária	 da	 norma	 que	 regula	 as	 relações	 sociais	 e	 familiares,
públicas	e	privadas.	O	direito	é	convocado	a	normatizar	os	espaços	da	vida	abandonados	pelo
dever	 do	múnus.	 Para	 tanto,	 deve	 impor	 aquilo	 que	 ele	 pretendia	 evitar,	 a	 obrigação	 legal
externa.	 A	 lei	 invade	 o	 espaço	 vital	 esvaziado	 do	múnus	 a	 fim	 de	 regular	 o	 comportamento
social	 dos	 sujeitos	 e	 poder	 manter	 o	 que	 se	 considera	 uma	 convivência	 mínima.	 A	 relação
social	 compreendida	 como	a	 preservação	 dos	 direitos	 de	 cada	 um	 frente	 ao	 outro,	 passa	 a
requerer	 cada	 vez	 mais	 a	 normatização	 detalhada	 dos	 comportamentos.	 O	 objetivo	 de	 tal
normatização	 é	 preservar	 a	 convivência	 mínima	 necessária	 que	 impeça	 a	 implosão	 da
sociedade.	Para	tanto,	deverá	fazer	uma	constante	e	maior	juridicização	do	dever	para	com	o
outro.	 O	 direito,	 a	 modo	 de	 vacina	 imunitária,	 tenta	 evitar	 a	 morte	 do	 corpo	 social,	 que	 se
desintegraria	pela	dinâmica	do	próprio.
A	(in)conclusão	do	direito	do	outro
O	direito	subjetivo	traz,	para	dentro	do	corpo	social,	aquilo	que	pretendia	evitar	do	direito
objetivo	 e	 da	 vontade	 soberana,	 ou	 seja,	 a	 imposição	 normativa	 dos	 comportamentos.	 A
normatização	 torna-se	 a	 forma	 necessária	 para	 imunizar-se	 contra	 a	 potência	 autodestrutiva
do	paradigma	da	apropriação.	O	paradoxal	de	tal	efeito	é	que	o	direito	tem	que	se	utilizar,	com
doses	adequadas,	do	mesmo	que	pretende	evitar,	a	imposição	legal	e	a	violência.	A	lei	adquire
uma	 função	 transcendental	 legitimada	pela	 isonomia	de	 todos	os	sujeitos,	mas	vinculante	por
igual	como	imposição	normativa	externa.	A	lei	substitui	a	vontade	soberana;	liberta	a	sociedade
do	arbítrio	do	soberano,	mas	a	submete	ao	imperativo	da	norma,	ainda	que	seja	formalmente
isonômica.	O	direito	subjetivo	libertou	os	indivíduos	da	vontade	soberana,	mas	é	convocado	a
normatizar	 as	 vidas	 regulando	 os	 comportamentos	 dentro	 da	 procura	 do	 seu	 interesse,
tentando	evitar	a	desintegração	geral	do	corpo	social.
O	 direito,	 no	 núcleo	 dessa	 relação	 imunitária,	 encontra	 a	 violência	 como	 antídoto
imunizador	 da	 própria	 violência.	 O	 direito	 subjetivo	 tem	 a	 função	 de	 prevenir	 a	 violência
instaurada	 pelo	 estado	 de	 guerra	 natural	 do	 interesse	 próprio.	 Sua	 função,	 entre	 outras,	 é
legitimar	 a	 competição	 como	 violência	 natural	 aceitável	 que	 regula	 as	 relações	 sociais	 e
neutralizar	(com	violência)	aqueles	que	venham	a	colocar	em	risco,	de	um	ou	de	outro	modo,
esta	 nova	 ordem	 (violenta).	 Paradoxalmente,	 o	 direito	 defende	 a	 vida	 com	 aquilo	 que	 a
ameaça,	 a	 violência.[19]	 Como	 eficiente	 técnica	 imunitária,	 se	 utiliza	 do	 mesmo	 mal	 que
pretende	combater.	O	paradigma	do	benefício	próprio	 instaura	uma	violência	social	 latente	e
explícita	em	cujo	centro	se	encontra	a	vida	humana.	A	vida	encontra-se	protegida	pelo	direito	e
ameaçada	pela	dinâmica	do	próprio	em	queos	outros	aparecem	como	rivais	ou	inimigos.
O	direito	que	instaurou	a	lógica	da	apropriação	como	direito	natural,	é	o	mesmo	que	deve
defender	a	vida	das	consequências	desse	modelo	possessivo.	O	direito	é	convocado	para	esta
função	 imunológica.	 O	 direito	 pretende,	 para	 si,	 o	 monopólio	 da	 violência	 a	 fim	 de	 poder
delimitar	qual	a	violência	legítima	da	ilegítima.
Se	 este	 caráter	 imunizador	 a	 respeito	 da	 violência	 não	 é	 específico	 das	 sociedades
modernas,	 mas	 inerente	 ao	 direito,	 ele	 torna-se	 especialmente	 evidente	 nas	 sociedades	 do
benefício	próprio.	Requere-se	a	força/violência	do	direito	como	garantia	contra	o	interesse	do
outro	que	ameaça	os	meus.	O	Direito	impõe	uma	violência,	considerada	por	ele	legítima,	para
defender-nos	da	violência,	ilegítima,	que	ameaça	nossos	interesses.
O	 caráter	 paradoxal	 do	 direito	 que	 cuida	 e	 ameaça	 concomitantemente	 a	 vida	 não	 se
supera,	 simplesmente	 negando	 o	 direito.	 Se	 assim	 fosse,	 a	 vida	 ficaria	 exposta	 à	 pura
violência.	Também	não	se	defende	a	vida	normatizando-a	ao	extremo,	pois,	deste	modo,	 fica
objetivada	 como	 um	 recurso	 e	 governada	 como	 objeto.	 A	 redução	 normalizadora	 submete	 a
vida	a	um	novo	dispositivo	biopolítico	que	a	regula	e	a	administra	como	matéria-prima	do	corpo
social.
A	vida	humana,	então,	presa	entre	o	direito	e	a	violência,	 terá	que	subsistir	nessa	tensão
agônica	 sem	 uma	 solução	 definitiva.	 Tal	 condição	 agônica	 obriga	 a	 vida	 a	 existir	 ameaçada
pelo	direito	que	a	defende.	Nessa	 tensão	 resta	como	alternativa	 invadir	o	direito	com	a	vida,
comprimir	o	direito	com	o	máximo	de	vida.	Para	 tanto,	há	de	se	dar	espaço	aos	dispositivos
que	expandem	a	vida	contra	o	direito,	como	ocorre	com	o	dispositivo	do	múnus.	O	dever	como
dom	que	me	 vincula	 livremente	 na	 doação	 ao	 outro	 sem	que	 esteja	mediado	 pela	 norma	 se
torna	uma	prática	política	que	efetiva	a	dimensão	ética	da	relação.	O	dom	que	esvazia	a	vida
de	 si	mesma	 e	 a	 expõe	 como	múnus,	 torna	 desnecessária	 a	 norma	 para	 regular	 a	 relação
vital.	A	vida	esvaziada	do	próprio	expõe-se	como	doação	e	invalida	a	necessidade	jurídica	de
normatizar	 a	 relação	 com	 o	 outro.	 Temos,	 aqui,	 as	 bases	 preliminares	 do	 que	 poderemos
denominar	de	direito	do	outro.
Também,	 entre	 outras	 consequências	 desta	 problemática,	 podemos	 apontar	 a	 sua
importância	para	a	autogestão	democrática	que	tem	como	base	os	liames	comuns	dos	sujeitos
e	 não	 a	 gestão	 dos	 meros	 interesses	 individuais	 como	 propõe	 o	 liberalismo.	 Podemos
prognosticar	que	o	sentido	 ideal	de	uma	democracia	seria	o	autogoverno	coletivo	do	comum.
Quanto	mais	 em	 comum	 se	 governa	 e	 quanto	mais	 se	 governa	 para	 o	 bem-comum,	mais	 a
democracia	se	consolida	como	forma	de	autogoverno	do	comum.	A	communitas	se	constitui	no
substrato	da	democracia	real	e	opera	como	dispositivo	questionador	da	democracia	formal	que
nos	 envolve.	 Esta	 diferenciação	 desenha	 um	 outro	 modelo	 de	 autogestão	 coletiva	 e
democrática	do	social	diferente	do	atual	modelo	burocratizado	de	democracia	gerenciada	que
o	liberalismo	está	implementando.
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SCHMITT,	C.	Teologia	política.	Belo	Horizonte:	Del	Rey,	2006.
Notas
1.	 “A	 família	 não	 recebeu	 da	 cidade	 as	 suas	 leis.	 Se	 há	 cidade	 tivesse	 estabelecido	 o
direito	privado,	é	provável	estatuísse	normas	 inteiramente	diferentes	 [...]	O	direito	privado
existiu	 antes	 da	 cidade.	Quando	 a	 cidade	 principiou	 a	 escrever	 as	 suas	 leis,	 achou	 esse
direito	já	estabelecido,	vivendo,	enraizado	nos	costumes,	fortalecido	pelo	unânime	consenso
dos	povos.	Aceitou-o,	não	pudendo	proceder	doutro	modo	e	não	ousando	modificá-lo	senão
muito	tempo	mais	tarde.	O	antigo	direito	não	é	obra	do	legislador;	o	direito,	pelo	contrário,
se	impõe	ao	legislador.	Na	família	tem	a	sua	origem”	(Coulanges,	1988,	p.	99-100).
2.	 “A	 quem	 competirá	 a	 autoridade	 principal?	 Ao	 pai?	 Não.	 Porque	 existe	 em	 todas	 as
casas	 algo	 que	 é	 superior	 ao	 próprio	 pai:	 a	 religião	 doméstica,	 o	 deus	 pelos	 gregos
chamado	senhor	do	lar,	estia	despoina,	e	que	os	latinos	conhecem	por	Lar	familia	e	Pater”
(Coulanges,	1988,	p.	100).
3.	 “O	 antigo	 direito	 não	 é	 obra	 de	 um	 legislador;	 o	 direito	 pelo	 contrário,	 impôs-se	 ao
legislador”	(Coulanges,	1988,	p.	100).
4.	 “O	processo	de	feitura	das	 leis	antigas	surge	aqui	claramente.	Não	era	um	homem	que
as	 inventava.	Solon,	Licurgo,	Minos	e	Numa	puderam	traduzir	para	escrito	as	 leis	de	suas
cidades,	mas	não	as	fizeram.	Se	entendemos	por	 legislador	o	homem	que	foi	autor	de	um
código	 pelo	 poder	 de	 seu	 gênio	 e	 impôs	 aos	 demais	 homens,	 tal	 legislador	 nunca	 existiu
entre	os	antigos.	A	lei	antiga	não	saiu	também	dos	votos	do	povo.	O	pensamento	de	que	o
número	dos	sufrágios	pudesse	motivar	a	lei	muito	tarde	se	criou	nas	cidades	e	só	depois	de
duas	revoluções	as	terem	transformado”	(Coulanges,	1988,	p.	232).
5.	 “A	 natureza	deu	a	 cada	um	direito	 a	 tudo,	 isso	quer	 dizer	 que,	 num	estado	puramente
natural,	 ou	 seja	 antes	 que	 os	 homens	 se	 comprometessem	 por	 meio	 de	 convenções	 ou
obrigações,	 era	 lícito	 da	 um	 fazer	 o	 que	 quisesse,	 e	 contra	 quem	 julgasse	 cabível,	 e
portanto	possuir,	usar	e	desfrutar	tudo	o	que	quisesse	ou	pudesse	obter”	(Hobbes,	2002,	p.
32).
6.	 “[...]	 cuidar	 de	 si	 mesmo	 não	 é	 uma	 questão	 que	 deva	 ser	 considerada	 com	 tanto
desdém,	como	seria	 se	não	houvesse	em	nós	poder	e	 vontade	para	agir	 de	outro	modo.
Pois	todo	homem	é	desejoso	do	que	é	bom	para	ele,	e	foge	do	que	é	mau,	[...]	pela	palavra
direito,	nada	mais	se	significa	do	que	aquela	liberdade	que	todo	homem	possui	para	utilizar
suas	faculdades	naturais	em	conformidade	com	a	razão”	(Hobbes,	2002,	p.	31).
7.	 “O	 modo	 mais	 razoável	 de	 se	 proteger	 contra	 essa	 desconfiança	 que	 os	 homens
inspiram	 mutuamente,	 é	 a	 previsão,	 ou	 seja,	 controlar,	 seja	 pela	 força,	 ou	 com
estratagemas,	 a	 tantas	 pessoas	 como	 seja	 possível,	 até	 conseguir	 que	 ninguém	 tenha
poder	suficiente	para	por	em	perigo	o	poder	próprio”	(Hobbes,	2002,	p.	106).
8.	 “Cada	 homem	 tem	 uma	 propriedade	 sua	 própria	 pessoa.	 A	 esta	 ninguém	 tem	 direito
algum	além	dele	mesmo.	O	trabalho	de	seu	corpo	e	a	obra	de	suas	mãos,	pode-se	dizer,
são	propriamente	dele”	(Locke,	2001,	p.	408-410).
9.	A	temática	do	governo	da	vida	como	eixo	central	da	política	moderna	foi	desenvolvida	por
Foucault	em	vários	estudos,	criando	o	conceito	de	governamentalidade,	o	qual	representa
o	objetivo	da	política	moderna:	governar	a	vida	dos	outros	com	o	mínimo	de	resistência	e	o
máximo	de	consentimento	(Foucault,	2000,	p.	285-316).
10.	Sobre	este	ponto	é	notávelo	estudo	de	Foucault	(2008).
11.	 Esta	 é	 a	 tese	 central	 de	 Agamben	 que,	 de	 certa	 forma,	 retoma	 as	 teses	 de	 Carl
Schmitt	 e	 Walter	 Benjamin	 sobre	 o	 tema,	 cujo	 expoente	 principal	 se	 encontra	 na	 figura
jurídica	da	exceção.	 “O	direito	não	possui	outra	vida	além	daquela	que	consegue	capturar
dentro	de	si	através	da	exclusão	inclusiva	da	exceptio,	ele	se	nutre	dela,	e	sem	ela,	é	letra
morta”	(Agamben,	2002,	p.	34).
12.	 O	 ensaio	 de	 Benjamin	 (1986),	 continua	 sendo	 uma	 referência	 essencial	 para	 este
debate.	Ainda	fizemos	uma	crítica	à	tese	de	Benjamin	que	identifica	o	poder	com	violência,
o	 que	 faz	 do	 direito	 algo	 essencialmente	 violento	 sem	 conseguir	 entender	 o	 paradoxo	 do
direito,	 que	 é	 o	 do	 poder	 que,	 sendo	 violento,	 também	 pode	 ser	 utilizado	 como	 defesa
contra	a	violência	(Ruiz,	2009).
13.	 A	 questão	 do	 poder	 soberano	 oculto	 no	 estado	 de	 direito	 remete	 inexoravelmente	 à
tese	de	Schmitt	(2006).	Ainda	que	seja	atual,	sobre	esta	temática	tornou-se	quase	clássico
o	texto	anteriormente	mencionado	de	Agamben	(2002),	em	que	desenvolve	a	tese	de	que	o
poder	soberano	permanece	oculto	no	estado	de	direito	sob	a	figura	do	estado	de	exceção.
Confira	também	Agamben	(2004).
14.	 “[...]	 também	nos	 tratados	políticos,	mais	que	ao	estado	genérico	da	saúde	do	corpo
político,	 dirigem-se	 a	 essas	 medidas	 de	 caráter	 profilático	 preventivas	 que	 protegem	 (o
Estado)	da	infiltração	de	elementos	alógenos”	(Esposito,	2005,	p.	174-175).
15.	 “Não	 sujeitos.	 Sujeitos	 de	 sua	 própria	 ausência,	 de	 ausência	 do	 próprio.	 De	 uma
impropriedade	 radical	 que	 coincide	 com	uma	absoluta	 contingência...”	 (Esposito,	 1998,	 p.
31).
16.	 Tudo	 o	 que	 envolve	 o	 humano	 está	 perpassado	 pelo	 paradoxo	 e	 pela	 complexidade.
Não	 sendo	 diferente	 neste	 ponto,	 pode-se	 levantar	 a	 questão	 da	 existência	 da	 servidão
voluntária,	dos	deveres	de	submissão	e	servidão	aceitos	voluntariamente,	como	 já	Etienne
de	 La	 Boétie	 tinha	 detectado,	 e	 as	 técnicas	 de	 sujeição	 normalizadora	 que	 continuam	 a
implementar.	Ainda	que	essa	 realidade	nos	desafie	a	 repensar	os	dispositivos	 legitimação
do	dever,	não	invalida	a	tese	principal	que	estamos	defendendo.
17.	 “Há	 casos	 e	 circunstâncias	 em	 que,	 o	 que	 parece	 justo,	 daqueles	 que	 denominamos
homens	de	bem,	mas	que	mudando	de	natureza,	tornam	tudo	ao	contrário;	assim	a	justiça
permite	 algumas	 vezes	 não	 restituir	 um	 depósito,	 não	 cumprir	 um	 compromisso,	 e	 outras
coisas	 que	 interessam	 à	 verdade	 e	 à	 boa	 fé.	 É	 indispensável,	 com	 efeito,	 reportar-se	 a
esses	princípios	de	 justiça	estabelecidos	desde	o	princípio;	começando	por	não	prejudicar
a	ninguém	e,	em	seguida,	servir	ao	interesse	comum”	(Cícero,	1980,	p.	37).
18.	“Esta	dialética	negativa	adquire	particular	relevância	na	esfera	da	linguagem	jurídica,	ou,
para	ser	mais	exatos,	do	direito	como	dispositivo	imunitário	de	todo	o	sistema	social.	Que	a
partir	do	século	XVIII	–	como	sustenta	Niklas	Luhmann	–	a	semântica	da	 imunidade	 tenha
se	estendido	progressivamente	a	 todos	os	setores	da	sociedade	moderna	significa	que	 já
não	 é	 o	 mecanismo	 imunitário	 função	 do	 direito,	 mas	 o	 direito	 função	 do	 mecanismo
imunitário”	(Esposito,	2005,	p.	19-20).
19.	Esposito	(2005)	desenvolve	esta	tese	analisando	o	caráter	imunológico	da	violência	em
alguns	autores	como	Walter	Benjamin	e	Rene	Girard.
Capítulo	2
Instituições	de	Uma	Estrutura	Social	Básica:	uma
análise	comparativa	entre	a	Teoria	da	Justa	de
John	Rawls	e	a	Constituição	Cidadã	Brasileira	de
1988
Daniel	Roxo	de	Paula	Chiesse	e	Leandro	da	Silva	Carneiro
Introdução
John	 Rawls	 propôs	 um	 modelo	 de	 justiça	 tendo	 como	 preocupação	 principal	 a	 justiça
social.	 De	 acordo	 com	 o	 próprio	 autor,	 sua	 preocupação	 no	modelo	 proposto	 é	 a	 estrutura
básica	 da	 sociedade,	 ou	 seja,	 a	maneira	 em	que	as	 instituições	 da	 sociedade	distribuem	os
direitos	e	deveres	e	dividem	as	vantagens	decorrentes	desta	cooperação	social.[1]
O	 pensamento	 de	 Rawls	 é	 de	 grande	 relevância,	 pois	 não	 restringe,	 como	 se	 verá	 no
decorrer	 do	 presente	 trabalho,	 apenas	 ao	 meio	 acadêmico,	 mas	 tem	 repercussão
principalmente	 na	 vida	 prática	 das	 pessoas,	 em	 especial,	 no	momento	 em	 que	 se	 discute	 a
efetivação	de	medidas	que	 inicialmente	estavam	previstas	apenas	nas	normas	constitucionais
como	normas	programáticas,	medidas	estas	que	passam	a	clamar	por	sua	concretização.
Com	o	 intuito	 de	 demonstrar	 a	 existência	 de	 alguns	 pontos	 de	 contato	 entre	 a	 teoria	 de
John	 Rawls	 e	 algumas	 normas	 da	 Constituição	 brasileira,	 referentes	 às	 instituições	 de	 uma
estrutura	social	básica	 justa,	a	primeira	parte	deste	 trabalho	apresentará,	sucintamente,	uma
abordagem	 acerca	 da	 obra	 do	 jusfilósofo	 americano,	 demonstrando-se	 seus	 principais
fundamentos,	sucedida	de	uma	análise	da	justa	estrutura	social	básica	e	das	suas	instituições.
Em	seguida,	este	terá	por	enfoque	uma	relação	comparativa	entre	as	instituições	nacionais	e	a
proposta	teórica	de	John	Raws,	suas	influências	e	as	bases	admitidas	pela	atual	Constituição
brasileira	de	1988.
O	regime	democrático	brasileiro,	instituído	pela	Constituição	Federal	de	1988,	possui	como
pilares	 (estruturas),	 dentre	 outros,	 a	 consignação	 de	 direitos	 e	 deveres	 fundamentais,	 uma
Constituição	 política	 com	 o	 Judiciário	 independente,	 a	 economia	 pautada	 na	 propriedade
privada	dos	meios	de	produção	e	a	família,	como	base	da	sociedade.	Essas	são,	sobretudo,
as	 estruturas	 básicas	 de	 uma	 sociedade	 justa,	 segundo	 Rawls,	 para	 que	 se	 imperem	 os
princípios	de	justiça.
John	Rawls	e	a	Teoria	da	Justiça
John	Rawls,	dentre	os	filósofos	americanos,	fora	o	precursor,	ou	pelo	menos	um	dos	mais
importantes	 destes,	 nos	 questionamentos	 acerca	 da	 filosofia	 política,	 trazendo	 à	 cena
acadêmica	e	política	questões	ligadas	à	justiça	e	bem-estar	da	sociedade.
A	 grande	 preocupação	 que	 norteou	 a	 teoria	 de	 Rawls	 foi	 a	 justiça,	 mas	 a	 justiça	 na
cooperação	social,	tendo	como	objeto	principal	a	estrutura	básica	da	sociedade.	Nas	palavras
do	próprio	Rawls	(2008):
"Nosso	tema,	porém,	é	o	da	justiça	social.	Para	nós,	o	objeto	principal	da	justiça	é
a	 estrutura	 básica	 da	 sociedade,	 ou,	 mais	 precisamente,	 o	 modo	 como	 as
principais	 instituições	 sociais	 distribuem	 os	 direitos	 e	 deveres	 fundamentais	 e
determinam	 a	 divisão	 das	 vantagens	 decorrentes	 da	 cooperação	 social.	 Por
instituições	 mais	 importantes	 entendo	 a	 constituição	 política	 e	 os	 arranjos
econômicos	e	sociais	mais	importantes"	(p.	08).
Rawls	entendia	que	a	sociedade	deveria	 ter	uma	estrutura	básica	em	que	as	 instituições
sociais	 pudessem	 garantir	 a	 todos	 o	 acesso	 igual	 às	 oportunidades,	 e	 eventuais	 distorções,
quando	 ocorressem,	 deveriam	 ter	 como	 resultado	 o	 benefício	 dos	 membros	 menos
favorecidos.	Para	desenvolver	sua	teoria,	John	Rawls	pressupõe	um	contrato	social	hipotético
e	 a-histórico.	De	 acordo	 com	essa	 construção	mental,	 as	 pessoas	 seriam	 reunidas	 em	uma
situação	 inicial,	 por	 ele	 denominada	 de	 posição	 original,	 onde	 deliberariam	 acerca	 dos
princípios	sociais	que	deveriam	reger	as	relações	futuras	e	organizar	a	sociedade.
Essa	 reunião,	 todavia,	 não	 poderia	 ocorrer	 com	 pessoas	 cientes	 de	 suas	 posições	 na
sociedade	 a	 qual	 estariam	 discutindo.	 Deveriam	 desconhecer	 qualquer	 elemento	 acerca	 das
próprias	posições,	sejam	essas	sociais,	culturais,	de	sexo,	raça,	entre	outras.
A	proposta	de	Rawls	quanto	ao	véu	de	ignorância	vem	ao	encontro	da	necessidade	de	se
estabelecerem	 princípios	 que	 sejam	 igualitários,	 em	 que	 todos	 possam	 ter	 papel	 ativo	 na
criação	 e	 discussão	 desses	 mesmos	 princípios.	 Imprescindível	 para	 Rawls	 que	 o	 véude
ignorância	possa	propiciar	aos	elementos	da	posição	original	condições	ideais	de	igualdade	e
liberdade	na	discussão	dos	princípios.
"Parece	razoável	supor	que	as	partes	na	situação	original	são	iguais.	Isto	é,	todos
têm	os	mesmos	direitos	do	processo	da	escolha	dos	princípios;	todos	podem	fazer
propostas,	 apresentar	 razões	 para	 sua	 aceitação,	 e	 assim	 por	 diante.	 [...]	 Junto
com	o	véu	de	 ignorância,	essas	condições	definem	os	princípios	da	 justiça	como
aqueles	 que	 pessoas	 racionais	 interessadas	 em	 promover	 seus	 interesses
aceitariam	 em	 condições	 de	 igualdade,	 quando	 não	 há	 ninguém	 que	 esteja	 em
vantagem	ou	desvantagem	em	razão	de	contingências	naturais	ou	sociais"	(Rawls,
2008,	p.	23).
Nessa	discussão	inicial,	em	que	as	pessoas	discorrem	sobre	as	questões	preponderantes
que	 regerão	 as	 relações	 futuras,	 os	 indivíduos	 buscam	 o	 estabelecimento	 de	 regras	 e
princípios	básicos,	bem	como	valores	básicos	comuns	a	todos.
"Rawls	 pressupõe	 que	 tais	 seres	 imaginários	 estão	 motivados	 a	 obter	 certo	 tipo
específico	de	bens,	que	ele	denomina	'bens	primários'.	Os	'bens	primários'	seriam
aqueles	 bens	 básicos	 indispensáveis	 para	 satisfazer	 qualquer	 plano	 de	 vida"
(Gargarella,	2008,	p.	22-23).
Rawls	 conclui	 que	 todos	 desejam	 que	 seja	 garantido	 o	 direito	 de	 se	 favorecerem	 dos
benefícios	 da	 cooperação	 social.	 O	 objetivo	 de	 toda	 argumentação	 entre	 as	 pessoas
presentes	 na	 posição	 original	 é	 encontrar	 uma	 concepção	 de	 justiça	 política	 para	 as
instituições	 democráticas.	 Os	 sujeitos	 acabariam	 se	 comprometendo	 com	 dois	 princípios	 de
justiça:
"(a)	 Cada	 pessoa	 tem	 o	 mesmo	 direito	 irrevogável	 a	 um	 esquema	 plenamente
adequado	 de	 liberdades	 básicas	 iguais	 que	 seja	 compatível	 com	 o	 mesmo
esquema	de	liberdades	para	todos.
(b)	 As	 desigualdades	 sociais	 e	 econômicas	 devem	 satisfazer	 a	 duas	 condições:
primeiro,	 devem	 estar	 vinculadas	 a	 cargos	 e	 posições	 acessíveis	 a	 todos	 em
condição	de	igualdade	equitativa	de	oportunidades;	e,	em	segundo	lugar,	têm	que
beneficiar	 ao	 máximo	 os	 membros	 menos	 favorecidos	 da	 sociedade"	 (Rawls,
2003,	p.	60).
O	 princípio	 da	 Liberdade	 Igual	 (primeiro	 princípio),	 conforme	 Roberto	 Gargarella,	 é
decorrente	 da	 condição	 do	 “véu	 da	 ignorância”	 da	 “posição	 original”,	 uma	 vez	 que	 os
participantes	 desconhecem	 sua	 condição	 pessoal	 naquela	 situação.	 "Tais	 agentes	 estarão
interessados	 em	 que,	 seja	 qual	 for	 a	 concepção	 do	 bem	 que	 acabem	 adotando,	 as
instituições	básicas	da	sociedade	não	os	prejudiquem	ou	os	discriminem"	(Gargarella,	2008,
p.	25).
Já	 o	 segundo	princípio	 (da	 diferença),	 prevendo	a	 existência	 de	desigualdades	 sociais	 e
econômicas,	está	condicionado	a	duas	hipóteses.	A	primeira	é	que	todas	as	pessoas	tenham
as	mesmas	possibilidades	de	acesso,	ou	seja,	todos	possuam	o	mesmo	direito	de	disputar	em
igualdade	de	condições	as	oportunidades	que	a	vida	dispõe.
"O	princípio	da	diferença,	tal	como	está	exposto,	implica	a	superação	de	uma	ideia
de	 justiça	 distributiva,	 habitual	 em	 sociedades	modernas,	 segundo	 a	 qual	 o	 que
cada	um	obtém	é	 justo	 se	 os	 benefícios	 ou	 posições	 em	questão	 também	 forem
acessíveis	aos	demais"	(Gargarella,	2008,	p.	25).
A	 segunda	 hipótese	 determina	 que	 as	 desigualdades	 só	 tenham	 lugar	 caso	 os	 menos
favorecidos	na	sociedade	venham	a	se	beneficiar	dela.
"Afirma-se,	 em	 contrapartida,	 que	 as	 maiores	 vantagens	 dos	 mais	 beneficiados
pela	 loteria	 natural	 só	 são	 justificáveis	 se	 elas	 fazem	parte	 de	 um	esquema	que
melhora	 as	 expectativas	 dos	 membros	 menos	 favorecidos	 da	 sociedade"
(Gargarella,	2008,	p.	25).
A	concepção	de	justiça	defendida	por	Rawls,	como	se	observa,	não	prevê	uma	sociedade
igualitária,	 em	 que	 todos	 tenham	 as	mesmas	 coisas,	 pois	 isso	 não	 seria	 o	 ideal.	 O	 que	 se
observa	é	que	a	desigualdade	é	necessária	de	forma	que	haja	a	manutenção	da	livre	iniciativa
e	da	motivação	profissional.
Na	 corrida	 para	 alcançar	 os	 bens	 disponíveis	 no	mercado,	 alguns	 estão	 passos	 adiante
dos	outros.	Assim,	para	igualar	as	pessoas,	Rawls	propõe	o	disposto	neste	segundo	princípio.
"A	 alternativa	 de	 Rawls,	 que	 ele	 denomina	 princípio	 da	 diferença,	 corrige	 a
distribuição	 desigual	 de	 aptidões	 e	 dotes	 sem	 impor	 limitações	 aos	 mais
talentosos.	 Como?	 Estimulando	 os	 bem-dotados	 a	 desenvolver	 e	 exercitar	 suas
aptidões,	 compreendendo,	 porém,	 que	 as	 recompensas	 que	 tais	 aptidões
acumulam	 no	 mercado	 pertencem	 à	 comunidade	 como	 um	 todo.	 Não	 criemos
obstáculos	para	os	melhores	corredores;	deixemos	que	corram	e	façam	o	melhor
que	puderem.	Apenas	reconheçamos,	de	antemão,	que	os	prêmios	não	pertencem
somente	 a	 eles,	 mas	 devem	 ser	 compartilhados	 com	 aqueles	 que	 não	 têm	 os
mesmos	dotes"	(Sandel,	2012,	p.	194).
Com	os	dois	princípios	de	 justiça,	chega-se	à	equidade,	eis	que	esta	deve	ser	entendida
como	 a	 tentativa	 de	 equalizar	 os	 interesses	 discrepantes	 inevitavelmente	 presentes	 em
qualquer	sociedade,	ou	seja,	de	uma	forma	que	seja	vantajosa	para	todos.	Assim,	de	acordo
com	os	princípios	de	justiça	elaborados	por	Rawls,	as	instituições	sociais	deverão	garantir	que
os	 indivíduos	possam	alcançar	os	objetivos	que	escolheram	para	si	e,	uma	vez	que	ocorra	a
desigualdade,	 aqueles	 que	 se	 beneficiaram	 se	 comprometam	 em	 relação	 aos	 menos
favorecidos.
Instituições	de	uma	estrutura	básica	justa
"O	objeto	primeiro	dos	princípios	da	 justiça	 social	 é	a	estrutura	básica	da	sociedade,	a
organização	 das	 principais	 instituições	 sociais	 em	 um	 esquema	 único	 de	 cooperação"
(Rawls,	2008,	p.	65).	Para	Rawls,	a	concepção	de	justiça	tem	como	objeto	a	Estrutura	Básica
da	Sociedade.
Por	estrutura	básica,	Rawls	(2000)	entende:
"Entende-se	 como	estrutura	 básica	 a	maneira	 pela	 qual	 as	 principais	 instituições
sociais	se	arranjam	em	um	sistema	único,	pelo	qual	consignam	direitos	e	deveres
fundamentais	e	estruturam	a	divisão	de	vantagens	resultante	da	cooperação	social.
A	 constituição	 política,	 as	 formas	 de	 propriedade	 legalmente	 admitidas,	 a
organização	 da	 economia	 e	 a	 natureza	 da	 família,	 todas,	 portanto,	 fazem	 parte
dela"	(p.	3).
Uma	 vez	 que	 os	 indivíduos,	 por	 conta	 de	 seus	 “talentos	 naturais”	 obtidos	 na	 “loteria	 da
vida”	não	começam	a	corrida	no	mesmo	ponto	de	 largada,	será	através	da	Estrutura	Básica
que	o	Estado	proporcionará	os	meios	pelos	quais	os	menos	favorecidos	possam	disputar	em
igualdade	de	condições	seu	lugar	ao	sol.
A	 sociedade	 se	 organiza	mediante	 instituições	 –	 políticas,	 sociais	 e	 econômicas	 –,	 cada
qual	 com	 suas	 mais	 variadas	 peculiaridades.	 As	 instituições	 da	 sociedade	 podem	 ser
resumidas	em:	o	Estado	(e	seus	regimes	políticos);	a	família;	as	instituições	econômicas;	e	as
associações.	Uma	sociedade	justa,	para	Raws,	deve	estar	estruturada	com	base:
a.	 na	consignação	de	direitos	e	deveres	fundamentais;
b.	 numa	Constituição	política	com	o	Judiciário	independente;
c.	 na	economia	pautada	na	propriedade	privada	dos	meios	de	produção;	e
d.	 na	família	(Raws,	2003,	p.	13-14).
Rawls	defende	que	o	regime	político	capaz	de	sustentar	uma	estrutura	social	básica	justa
é	 a	 “democracia	 de	 cidadãos-proprietários”,	 face	 aos	 demais	 regimes.	 Isso	 porque	 "As
instituições	de	fundo	de	uma	democracia	de	cidadãos-proprietários	trabalham	no	sentido	de
dispersar	 a	 posse	 de	 riqueza	 e	 capital,	 impedindo	 assim	 que	 uma	 pequena	 parte	 da
sociedade	 controle	 a	 economia,	 e,	 indiretamente,	 também	a	 vida	 política"	 (Rawls,	 2003,	 p.
197).	A	democracia	de	cidadãos-proprietários	evita	o	monopólio	dos	meios	de	produção	nas
mãos	de	uma	pequena	classe,	garantindo	a	difusão	da	propriedade	de	recursos	produtivos	e
de	capital	humano,	isto

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