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UFF- FACULDADE DE DIREITO TRABALHO DE TEORIA DO DIREITO PENAL Aluna: Júlia Goromar Professor: Daniel Raizman Niterói 2016 A história do filme “Relatos Selvagens” escolhida é a última, que acontece no contexto de um casamento. A noiva descobre que seu marido a traia com uma colega de trabalho no momento da festa de casamento. No final, a noiva irritada com a situação resolve chamar a amante para dançar com ela, entretanto, ela roda de forma muito rápida e acaba que ambas são jogadas contra um espelho que quebra, machucando as duas. A primeira parte da análise dentro da Teoria do Crime é sobre a Ação. É preciso haver uma mudança no mundo físico, ou alteração do mesmo, guiando-se pelo princípio da exteriorização da ação, não há crime sem que haja uma conduta. Na situação apresentada há uma mudança no mundo físico, uma ação provocada por um agente (a noiva) contra outra pessoa (amante), que produziu uma alteração: uma lesão física. Pode-se afirmar que foi um comportamento humano voluntário – produzido de forma consciente e dentro de certo contexto social. Dentro da ação, dividem-se os elementos subjetivos e objetivos. Nos elementos subjetivos, percebemos que a agente (noiva) utilizou-se do meio da dança para atingir o resultado de machucar a Lourdes, amante de seu marido. Os elementos objetivos abarcam a exteriorização da conduta, a lesão ao terceiro. Ainda analisa-se dentro da Ação a possibilidade de não ter sido uma conduta humana, ou seja, no caso de inexistência de um comportamento externo, que não é o caso dessa situação, uma vez que há uma mudança no mundo físico. Além disso, analisa-se a vontade do agente. Se o agente pratica uma conduta sobre força física irresistível, atos reflexos ou involuntariedade, não se pode falar em conduta. O caso acima, não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses, já que é evidente que a noiva atuava segundo sua vontade. Pode-se, então, afirmar que houve uma conduta. E, desse modo, analisá-la sob o segundo aspecto, o da Tipicidade. Neste, identifica-se se a conduta é penalmente relevante. A maneira de identificarmos é através de um tipo penal, que pode ser ativo ou omissivo. O tipo ativo descreve a conduta penalmente relevante para o ordenamento jurídico, proibindo-a. Já o tipo omissivo, descreve a conduta que deve ser empenhada pelo agente, sendo qualquer ação diferente da descrita proibida. É possível afirmar que a conduta realizada é descrita por um tipo penal ativo, que proíbe a lesão de outrem, sabendo que se trata de um tipo ativo, devemos analisar se é doloso ou imprudente. O tipo imprudente é promovido se o agente não desejava atingir o resultado, mas devido aos meios escolhidos para a realização acaba por provocá-lo. A estrutura dolosa demanda a finalidade do agente em direção de um resultado, ou seja, o agente desejava a produção do resultado e o aceitava como possível. A noiva, irritada com a traição de seu marido, utiliza-se da dança para atingir o resultado de provocar uma lesão à amante, um resultado tido como possível, pois a mesma gira a outra de forma a provocar a quebra do espelho e por consequência a lesão de Lourdes. Pode-se então, caracterizar como um tipo ativo doloso. Dentro da estrutura dolosa, há o tipo objetivo e subjetivo. Partindo do tipo objetivo, analisaremos as duas funções: sistemática e conglobante. No tipo objetivo sistemático, podemos abordar o art. 129 do CP que prevê a “Lesão corporal: Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem” e estabelece uma pena de detenção de 3 meses a um ano. Nesse tipo objetivo sistemático reconhecemos os sujeitos ativo e passivo do crime. O sujeito ativo, neste caso é a noiva, a qual realiza a ação que produziu um resultado, na forma de lesão à Lourdes. E, neste caso, falamos de sujeito passivo da conduta, quem sofreu os efeitos da ação (Lourdes), pois não há titular do bem jurídico lesionado (sujeito passivo do crime). Pode-se dizer que é um delicta comunia, já que é um delito que poderia ter sido cometido por qualquer pessoa. Ainda no tipo objetivo sistemático, analisamos o resultado da conduta. Neste caso, o tipo penal proíbe a realização de uma lesão corporal, independente de como ela seja ocasionada, por isso, pode-se dizer que é um tipo de resultado. É necessário, também, analisar a relação objetiva entre ação e resultado, porque esta é necessária para a configuração do tipo. Primeiro, analisamos essa relação segundo o nexo de causalidade, o qual avalia se a ação foi a causa do resultado (art. 13 do CP). De fato, o resultado- lesão foi ocasionado pela ação-dança da agente noiva, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade. Em segundo lugar, devemos imputar objetivamente o resultado, ou seja, atribuir o resultado como obra do seu autor, identificando a dominabilidade No caso abordado acima, podemos observar as quatro regras da dominabilidade, são elas: o curso causal pode ser dirigido por alguém (a noiva), o agente reúne as condições de conhecimento para assumir o domínio do fato, o meio empregado não é notoriamente inadequado para a obtenção do fim, e também, não se trata de uma ação imprudente, pois havia a intenção de lesionar a amante Lourdes. Desse modo, podemos imputar de forma objetiva o resultado ao autor da ação. Esse tipo objetivo sistemático apresenta elementos interpretáveis, já que seu sentido pode ser depreendido pela linguagem comum (lesão corporal), e não se trata de definições jurídicas, sendo que os elementos valorativos são os que exigem uma valoração jurídica ou ética. No tipo objetivo com função conglobante, exige-se a conflitividade da conduta realizada, a qual inexiste nos casos de consentimento ou aceitação da lesão pelo sujeito passivo e nos casos de falta de lesão ou perigo concreto, que seja relevante, para o bem jurídico. Por se tratar de uma lesão corporal, não se pode falar em falta de lesão para o bem jurídico (pessoa), a qual ocorre de forma significativa (tanto que a vítima precisará ir no hospital). Também, não é possível dizer que houve consentimento do sujeito passivo, pois é certo que a amante não desejava ser ferida. O aspecto subjetivo da tipicidade considera os aspectos internos da conduta, de forma a observar se o resultado foi querido pelo agente ou se foi causado por uma errada articulação dos meios para atingi-lo. O dolo depende de um ato volitivo (querer) e de um ato cognoscitivo (saber). Neste caso, a agente sabe aquilo que está fazendo e também deseja o resultado obtido. No aspecto cognoscitivo, percebemos que há a presença, no caso concreto, a produção de um resultado, a previsão do curso causal e também a possibilidade de dominar o curso causal. Além disso, seu conhecimento é efetivo, qualquer pessoa sabe que ao jogar outra sobre um espelho ele poderá quebrar e ferir a pessoa. No aspecto volitivo do dolo, analisamos a intenção ou querer da agente, que neste caso, desejava ferir a amante de seu marido e ao jogá-la na direção do espelho sabia que isso ocasionaria no resultado, configurando o dolo direto de primeiro grau. Ainda na tipicidade, temos as hipóteses de atipicidade, são elas: ausência de dolo por erro de tipo (quando o agente desconhece os elementos que integram o tipo objetivo sistemático, ou seja, ela não sabe o que está fazendo e, por isso, a conduta não pode ser considerada dolosa), erro sobre a causalidade (dividido em erro na execução e erro no objeto e dolus generalis), erro sobre elementos eventuais do tipo. Por não se tratar de nenhuma dessas hipóteses e também possuir todos os elementos dentro da tipicidade, podemos dizerque a conduta realizada é típica. Depois de conceituar a conduta e sua tipicidade, podemos falar sobre a Antijuridicidade, sendo necessária uma conduta contrária à ordem jurídica e que não existam causas de justificação. Nesse momento afirmamos se a conduta é ilícita ou não. Precisamos, então, analisar se há alguma causa de justificação: legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento de um dever legal. Podemos excluir todas as causas de justificação, porque para haver legítima defesa o agente deve estar se defendendo de uma injusta agressão (seria o caso da amante se defender da agressão da noiva por um meio lesivo). A agente noiva também não se encontra num estado de necessidade, porque o mesmo envolve uma situação de perigo, e por isso o agente causa lesão a um bem jurídico para se salvar. Não se pode falar em exercício regular do direito, tampouco, porque ela não possui o direito de ferir a amante de seu marido, isso não constitui um direito assegurado. Por fim, não é um estrito cumprimento de um dever legal, pois não há ordem ou dever imperativo que impõe o dever de realizar a conduta. Uma vez excluídas as causas de justificação, podemos configurar o injusto (ação ou omissão típica e antijurídica), e prosseguir para a última análise da Teoria do Crime: a Culpabilidade. Nesta, devemos realizar um juízo valorativo sobre o injusto tendo em vista a possibilidade do agente de conhecer a proibição e de adequar sua conduta ao direito. Dentro dela, deve-se avaliar a vulnerabilidade da pessoa diante do poder punitivo, sendo a vulnerabilidade o risco da pessoa ser selecionada por esse poder. Esse risco de seleção depende do esforço pessoal do agente ou do estado de vulnerabilidade. No primeiro, avalia-se se era possível que o agente compreendesse a proibição e atuasse conforme o direito. No segundo, consideram-se os aspectos que o agente encontra-se em posição de vulnerabilidade por características individuais dele. No caso analisado, a agente não se encontrava em posição vulnerável. Além disso, ela não é inimputável, pois não é menor de idade, tampouco possui doença mental que comprometa sua capacidade de compreensão. Exclui-se também o erro de proibição, que constitui erro na compreensão da antijuridicidade, dividido em erro direto (desconhecimento da lei, desconhecimento que a conduta é contrária à norma em razão de erro na interpretação, desconhecimento do alcance da proibição nos casos de erros sobre a conflitividade da conduta) e erro indireto (conteúdo de uma permissão ou de um dever de agir, existência de uma situação fática de permissão ou de dever de agir). Dessa forma, pode-se dizer que existe a possibilidade de exigir a compreensão da antijuridicidade. Também não é o caso de coação moral irresistível, porque a ação não resulta de uma ameaça ou intimidação, nem de obediência hierárquica, pois não há um superior hierárquico. Não há incapacidade psíquica de adequação da conduta à compreensão da ilicitude, já que o agente consegue compreender a ilicitude da conduta e adequá-la à essa compreensão. Não há, também, a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exculpação, porque não há objeção de consciência, provocação mediante injusta agressão da situação de legítima defesa, conflito de deveres nem desobediência civil. Conclui-se, finalmente, que o injusto é culpável e, portanto, que a conduta realizada é um crime de lesão corporal doloso.
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