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https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos (PGE-RJ-2012) Agência reguladora aplica sanção pecuniária a empresa concessionária, específica e expressamente prevista na lei setorial, após o devido processo legal. A empresa formula ao Poder Concedente requerimento de conversão da sanção em investimento no objeto da concessão. Opine, na qualidade de Procurador do Estado, sobre a viabilidade jurídica do pleito da concessionária. A questão envolve o estudo do chamado “Termo de Ajustamento de Gestão” (TAG), pouco estudado no Direito Administrativo, mas que vem sendo cada vez mais utilizado na prática. O Termo de Ajustamento de Gestão consiste em importante instrumento que possibilita ao Poder Público, ao invés de sancionar determinada empresa sujeita à sua regulação, exigir compromissos de melhorias na prestação do serviço e a cessação da prática infracional que deu origem ao controle. Tal instrumento se insere no âmbito da chamada “função judicante” das Agências Reguladoras e revela-se bastante importante no âmbito das concessões e permissões de serviço público, permitindo que a Administração determine que a concessionária implemente melhorias na prestação do serviço, de modo a melhor buscar realização do interesse público, o qual nem sempre é atendido com a aplicação de sanções. Assim, costuma-se dizer que não há um dever vinculado do Poder Público em sancionar o contratado diante do descumprimento de determinada norma geral ou disposição contratual. Nas palavras de Flavio de Araújo Willeman, Procurador do Estado do RJ, “A sanção regulatória não é um fim em si mesmo; é uma atividade instrumental do exercício do controle”.1 Em verdade, o fim que se busca com a sanção, ao coibir determinadas condutas e evitar práticas transgressoras futuras, é a própria realização do interesse público com a adequada prestação do serviço, que pode muitas vezes ser satisfeita com o ajustamento de determinada conduta reparatória ou melhoria a ser implementada pelo particular. De acordo com Flavio Willeman, dois são os fundamentos para que o Poder Público celebre os Termos de Ajustamento de Gestão: - O princípio da finalidade administrativa, que está relacionado à própria realização do interesse público. - A ideia de “Administração Pública Consensual” em substituição à atuação imperativa sancionatória do Estado, de modo a encontrar, no consenso, alternativas para aprimorar as parcerias e, eventualmente, os serviços públicos delegados. Sobre este segundo fundamento, convém lembrar a posição doutrinária clássica que sempre sustentou a impossibilidade de realização de acordos e transações no âmbito da Administração Pública, tendo em vista que estes poderiam ir de encontro ao princípio da indisponibilidade do interesse público. Tal visão arcaica acabou se refletindo no próprio Código Civil, que em seu art. 841 traz a previsão de que só seria admissível a transação de direitos patrimoniais de caráter privado. Não obstante, a doutrina contemporânea, sobretudo a partir dessa ótica da “Administração Pública Consensual”, tem entendido pela possibilidade de acordos e transações pelo poder 1 WILLEMAN, Flávio de Araújo. Termo de Ajustamento de Gestão nas Concessões: Conversibilidade das Sanções Administrativas Pecuniárias em Investimentos https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos público, tendo em vista que estes, muitas vezes, revelam-se como instrumentos legítimos e eficazes para preservação e/ou recuperação do interesse público tutelado. Nessa linha, o próprio ordenamento jurídico passou a trazer previsões admitindo a celebração de acordos pelo Poder Público, inclusive para matérias afetas ao chamado “interesse público primário”, superando também uma antiga corrente que entendia pela possibilidade de transação unicamente quanto a interesses patrimoniais do Estado (interesse público secundário). Nesse sentido, destaca-se o art. 5º, §6º, da Lei nº 7.347/85, que trouxe a previsão do chamado “Termo de Ajustamento de Conduta” (TAC) no âmbito das ações civis públicas. Art. 5º, § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. Em sentido semelhante, citam-se as previsões do art. 79-A da Lei nº 9.605/98, art. 53 da Lei nº 8.884/94, a Lei nº 9.961/00 e o art. 10 da Lei nº 10.861/04. Mais recentemente, temos também o chamado “acordo de leniência”, previsto na Lei do CADE (Lei 12.529 de 2011) e na L12846\13 (a chamada “lei anticorrupção”). O STF também já se manifestou pela possibilidade de celebração de acordos pela Administração Pública: Poder Público. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse público são indisponíveis, porque pertencem à coletividade. É, por isso, o Administrador, mero gestor da coisa pública, não tem disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que o princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse. Assim, tendo o acórdão recorrido concluído pela não onerosidade do acordo celebrado, decidir de forma diversa implicaria o reexame da matéria fático-probatória, o que é vedado nesta instância recursal (Súm. 279/STF). Recurso extraordinário não conhecido. (STF - RE: 253885 MG , Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 04/06/2002, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 21-06-2002 PP-00118 EMENT VOL-02074-04 PP-00796) Assim, paulatinamente foi sendo superado o dogma da impossibilidade de celebração de acordos no âmbito da Administração Pública. É nesse contexto que surge a figura do “Termo de Ajustamento de Gestão”, como mais um importante instrumento de se buscar a melhor realização do interesse público, mais especificamente no âmbito das agências reguladoras. Quais os requisitos para a celebração do Termo de Ajustamento de Gestão? (I) Necessidade de prévio processo administrativo regulatório: Inicialmente, destaca-se a necessidade de prévio processo administrativo regulatório para que seja firmado o Termo de Ajustamento de Gestão. É neste processo administrativo que o Poder Público irá justificar tecnicamente a celebração do TAG, demonstrando de que modo este instrumento será adequado para a tutela do interesse público no caso concreto. Os fundamentos para essa primeira exigência são o princípio da publicidade e a necessidade de participação do particular, que possui o direito de saber o porquê do poder público realizar https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos a conversão da sanção, em virtude da garantia do devido processo legal e da própria noção de consensualidade na formalização do termo. (II) Necessidade de decisão motivada e técnica: A decisão regulatória, ao final de um processo administrativo, que decide pela celebração de um Termo de Ajuste de Gestão, é eminentemente técnica, fruto da ponderação entre custos e benefícios ao interesse público expresso no objeto da regulação. Ademais, faz-se necessário que tal decisão seja adequadamente motivada, em consonância com o princípio da motivação dos atos administrativos, especialmente aqueles de cunho decisório. (III) Necessidade de atendimento ao interesse público: Em virtude do princípio da finalidade administrativa, a conversão da sanção pecuniária a partir de um TAG deve se dar no intuito de satisfazer o interesse público (como no exemplo citado, a partir de investimentos do particular na concessão). Caso a prestação alternativa não se dê nesse sentido, ilegítima seria a referida conversão. É necessária previsãolegal para a celebração do Termo de Ajustamento de Gestão? O tema é controvertido. Uma primeira corrente entende que SIM, em virtude do princípio da legalidade estrita, que deve embasar a atuação da Administração Pública. Já uma segunda corrente entende que NÃO, com o argumento de que o moderno direito administrativo aos poucos vem substituindo a ideia de legalidade pela ideia de JURIDICIDADE, que engloba não apenas a necessidade de conformidade com a lei em sentido estrito, mas também com os princípios explícitos ou implícitos. Nesse sentido, destaca Gustavo Binenbojm: “A idéia de juridicidade administrativa, elaborada a partir da interpretação dos princípios e regras constitucionais, passa, destarte, a englobar o campo da legalidade administrativa, como um de seus princípios internos, mais não mais alteneiro e soberano como outrora. Isso significa que a atividade administrativa, continua a realizar-se, via de regra (i) segundo a lei, quando esta for constitucional (atividade secundum legem), (ii) mas pode encontrar fundamento direto na Constituição, independente ou para além da lei (atividade prater legem ), ou, eventualmente, (iii) legitimar-se perante o direito, ainda que contra a lei, porém com fulcro numa ponderação de legalidade com outros princípios constitucionais (atividade contra legem, mas com fundamento numa otimizada aplicação da Constituição).” 2 Para essa 2ª corrente, como o já citado princípio da finalidade administrativa encontra-se inserido na ideia de juridicidade, não seria necessária previsão legal para a celebração do TAG, estando legitimada uma atuação “prater legem” (na ausência de norma). Esse é o entendimento de Flavio Willeman, que reviu posição anterior, assim destacando em obra específica sobre o tema: 2 BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Ed. Renovar. 2006, pág. 38. https://www.facebook.com/estudandodireitoresumos “(...) Revendo posição anterior, entendo que não há que se condicionar a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta entre o Poder Público e a empresa concessionária (ou mesmo com particular em casos outros fora da concessão) à expressa e prévia previsão legal. Se existir previsão normativa, ainda que decorrente do artigo 84, VI da CRFB/88 (poder regulamentar da Administração Pública), melhor. Todavia, conforme se sustentou anteriormente, os princípios democrático e finalidade administrativa, bem assim o dever de atuação consensual da Administração Pública legitimam a decisão motivada, dentro de um processo regulatório, pelo afastamento da sanção ou sua conversão em investimento na execução do serviço público delegado, sempre que, no caso concreto, isto se mostrar como algo que melhor prestigie o cidadão e o interesse público.” (WILLEMAN, Flávio de Araújo. Termo de Ajustamento de Gestão nas Concessões: Conversibilidade das Sanções Administrativas Pecuniárias em Investimentos) O TAG pode também ser utilizado para converter determinada sanção pecuniária já aplicada? A doutrina contemporânea tem admitido o TAG não apenas para evitar a aplicação de sanções, mas também para impedir a execução/cobrança de penas já aplicadas, desde que o valor da multa seja revertido em benefício “do serviço delegado”, isto é, para seu aprimoramento. Nesse sentido, assim destaca Flavio Willeman: “O TAG tem sido aventado para impedir a execução/cobrança de sanções pecuniárias aplicadas a empresas sob o jugo da regulação do Estado, desde que o valor da multa seja revertido em benefício “do serviço delegado”, isto é, para seu aprimoramento. Termo de Ajuste de Gestão é, portanto, instrumento válido para que o Estado se abstenha de sancionar empresas, sobretudo concessionárias, ou mesmo para desobrigá-lo a executar sanção anteriormente aplicada.” (WILLEMAN, Flávio de Araújo. Termo de Ajustamento de Gestão nas Concessões: Conversibilidade das Sanções Administrativas Pecuniárias em Investimentos) Ante o exposto, na qualidade de Procurador do Estado, o candidato deveria indicar viabilidade jurídica do pleito da concessionária, a partir da celebração de um Termo de Ajustamento de Gestão desta com o Poder Público.
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