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Vilém Flusser e o constructivismo

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1 
VILÉM FLUSSER E O CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO 
 
Fabiana Del Padre Tomé 
Mestre e Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. 
Professora no Curso de Pós-graduação stricto sensu da PUC/SP. 
Professora nos Cursos de Especialização em Direito Tributário da PUC/SP e do IBET. 
Advogada. 
 
 
 
 
“O caos irreal do poder-ser, do vir-a-ser, do potencial que 
tende a realizar-se, o qual estamos acostumados a chamar de 
realidade, surge à tona, aparece ao intelecto, organiza-se em 
cosmos, em breve: realiza-se nas formas das diversas 
línguas.” (Vilém Flusser) 
 
 
 
 
1. Algumas palavras sobre o constructivismo lógico-semântico 
 Muito se tem enaltecido a presença do método na composição do trabalho 
científico. Isso ocorre porque não existe conhecimento sem sistema de referência: este é 
condição sem a qual aquele não subsiste. É por se colocarem em um tipo de sistema de 
referência que os objetos adquirem significado, pois algo só se apresenta inteligível na 
medida em que conhecida sua posição em relação a outros elementos, tornando-se clara sua 
postura relativamente a um ou mais sistemas de referência. Sistema de referência, segundo 
Goffredo Telles Júnior
1
, consiste no universo cognitivo do sujeito. Cada ser humano 
“possui um conjunto ordenado de conhecimentos, uma estrutura cultural, que é seu próprio 
sistema de referência, em razão do qual atribui a sua significação às realidades do mundo”. 
Desse modo, nenhum conhecimento é absoluto, mas dependente do sistema de referência. 
 Nesse contexto, o método seria, em princípio, o meio escolhido pelo sujeito 
do conhecimento para aproximar-se do objeto por ele mesmo delimitado e, portanto, 
constituído no próprio processo de cognição. A eleição e aplicação de um específico 
método, entretanto, encerram imensa gama de dificuldades, que se acentuam, 
incisivamente, quando se pretende o estudo de um objeto cultural, como é o caso do direito 
positivo. 
 
1
 O direito quântico, 6ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1985, p. 289. 
 2 
 O direito positivo, como genuína construção cultural que é, comporta muitas 
posições cognoscentes, podendo ser observado por ângulos diferentes, como se dá com a 
História do Direito, com a Sociologia do Direito, com a Dogmática Jurídica ou Ciência do 
Direito em sentido estrito, com a Antropologia Jurídica, com a Filosofia do Direito, apenas 
para salientar alguns saberes igualmente dotados da mesma dignidade científica. Diante de 
tanta variedade, eventual descaso pelo método, decorrente da ânsia de oferecer farta cópia 
de informações, acaba por impedir o conhecimento. Não se pode dissociar a prática da 
teoria, pois tal pretensão acarreta notícias desordenadamente justapostas ou sobrepostas, 
bem como dados da experiência jogados ao léu. Para que isso não ocorra, faz-se necessária 
uma organização do campo empírico, realizada por três vieses: (i) no âmbito filosófico, 
mediante análise epistemológica; (ii) no âmbito conceitual, tendo como ponto de partida a 
Teoria Geral do Direito; e (iii) no âmbito factual, por cortes metodológicos das 
multiplicidades dos fenômenos concretos. Somente por meio desse aperfeiçoamento 
teórico que se alcançará o aprofundamento do conhecimento do direito positivo. 
Essas breves anotações sobre a importância do método e do sistema de 
referência, bem como das dificuldades inerentes ao estudo dos objetos culturais, como é 
caso do direito, já permitem entrever a relevância do constructivismo lógico-semântico. O 
estudo da teoria da linguagem tem finalidade específica de identificar instrumentos teóricos 
que permitam melhor compreensão e operacionalização da experiência jurídica. Dessa 
forma, busca atender-se à sempre recomendável intersecção entre teoria e prática, entre 
ciência e experiência, ampliando, assim, o universo das formas jurídicas. 
O constructivismo lógico-semântico configura método de trabalho 
hermenêutico orientado a cercar os termos do discurso do direito positivo e da Ciência do 
Direito para outorgar-lhes firmeza, reduzindo as ambiguidades e vaguidades, tendo em 
vista a coerência e o rigor da mensagem comunicativa. No Brasil, esse método foi 
desenvolvido e aplicado, pioneiramente, por Lourival Vilanova, que se dedicou ao 
aprofundado estudo do discurso normativo. Foi por meio do constructivismo lógico-
semântico que o direito retomou suas discussões filosóficas, permitindo, inclusive, o 
reencontro de diversos ramos do direito com suas origens na Teoria Geral do Direito. 
O próprio nome constructivismo lógico-semântico foi atribuído por Lourival 
Vilanova. Parte de uma postura constructivista, agregando-lhe o adjetivo composto lógico-
semântico, pois dirige sua atenção aos elementos do discurso. 
 3 
 O termo constructivismo é empregado para denominar teorias que defendem 
a idéia de que há sempre intervenção do sujeito na formação do objeto. É palavra ligada ao 
contexto epistemológico. Contrapõe-se à corrente descritivista, que concebe o 
conhecimento ao modo aristotélico, como um processo de assimilação das formas. 
 Para o constructivismo, o mundo é uma entidade cuja morfologia não 
aparece independe dos sujeitos que formam parte dele. A evolução das ciências, mesmo as 
chamadas ciências naturais, demonstra isso. É com frequência que ouvimos falar em 
criação de grandezas, como força e aceleração; na identificação de novos elementos, como 
quando se desmembrou os átomos (até então indivisíveis), em prótons, nêutrons e elétrons; 
nas modificações no modo de enxergar as realidades, como a passagem da teoria 
geocêntrica para a heliocêntrica; e, até mesmo, na descaracterização de uma realidade até 
então existente, a exemplo do que ocorreu com Plutão, que deixou de ser um planeta. 
 Essa concepção implica abandonar a idéia de uma Ciência do Direito 
meramente descritiva de um objeto dado, em visão ingenuamente imparcial e não 
valorativa. As normas não são dadas, de antemão, no ordenamento, mas dependem de uma 
atividade construtiva, em que se atribui sentido ao texto de lei. Como enaltece Gregório 
Robles
2
, é impossível descrever qualquer fenômeno de cultura: a apreciação humana 
implica, sempre, uma construção de sentido. E o direito positivo, sendo produzido pelo ser 
humano, caracteriza-se como objeto cultural. 
 A norma jurídica, unidade irredutível de manifestação do deôntico, é, nos 
dizeres de Lourival Vilanova, “uma estrutura lógico-sintática de significação”3. É a 
significação construída na mente do intérprete, resultado da leitura dos textos do direito 
positivo, apresentando a forma de um juízo hipotético. Não se confunde a norma jurídica, 
portanto, com o texto bruto, na forma como posto pelo legislador. A norma jurídica e, por 
conseguinte, o sistema do direito positivo, é construído a partir do texto bruto, mas com ele 
não se confunde. 
 Eis o primeiro ponto distintivo do constructivismo lógico-semântico. 
Adotado esse método, o cientista do direito não se limita a contemplar o texto de lei, mas 
efetivamente constrói os sentidos normativos. 
 A construção de sentido, porém, não é feita de modo indiscriminado. Nessa 
linha metodológica, procura-se amarrar as idéias, definir os termos importantes, para 
 
2
 Teoria del derecho (fundamentos de teoria comunicacional del derecho), Madrid: Civitas, 1998, p. 129. 
3
 “Norma jurídica – proposição jurídica (significação semiótica)”, Revista de Direito Público nº 61, São 
Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 16. 
 4 
conferir firmeza ao discurso. E tal amarração opera-se no plano lógico e no plano 
semântico. Daí falar-se em constructivismológico-semântico. Com isso, busca-se formar 
um discurso responsável, isto é, comprometido com as premissas, com o sentido que se 
firmou para os termos. 
Isso não significa, contudo, desprezo pelo plano pragmático. Como é sabido, 
toda linguagem tem um plano pragmático, sendo impossível dissociá-lo dos planos 
sintático e semântico. Todavia, por meio da abstração, podemos dar ênfase a um ou alguns 
desses aspectos. E, na proposta metodológica de que estamos tratando, o esforço é 
acentuado nos planos lógico e semântico. 
 Para atingir tal desiderato, emprega-se técnica analítica. Análise equivale a 
um processo de resolução ou decomposição do complexo em algo mais simples. Nesse 
contexto, analisar equivale a decompor o objeto de estudo em uma série de elementos que 
facilitam a compreensão do fenômeno que se observa. No constructivismo lógico-
semântico, o objeto de análise é a linguagem, a qual se pretende reduzir ou traduzir a uma 
linguagem formal e cuja lógica e procedimentos sejam claros, rigorosos e controláveis. É o 
que Paulo de Barros Carvalho fez em relação às normas jurídicas tributárias, edificando a 
teoria da regra-matriz de incidência tributária. 
 O constructivismo lógico-semântico tem por procedimento reduzir os 
complexos linguísticos a elementos básicos, com o fim de facilitar a compreensão de seu 
significado. Não se confunde, porém, com a filosofia analítica, pois sofre forte influência 
do culturalismo. Daí porque recebe o nome, também, de postura hermenêutico-analítica. 
Segundo Paulo de Barros Carvalho
4
 no constructivismo lógico-semântico “a postura 
analítica faz concessões à corrente hermenêutica, abrindo espaço a uma visão cultural do 
fenômeno jurídico”. 
 Essa é a concepção filosófica adotada por Lourival Vilanova, verificando-se 
(i) forte pendor analítico, aliado à (ii) formação culturalista, da Escola de Baden. 
 No que diz respeito ao culturalismo, este tem em Miguel Reale seu maior 
representante brasileiro. Essa corrente filosófica consiste em uma concepção do Direito 
integrada pelo historicismo e pelos princípios fundamentais da Axiologia, considerando a 
teoria dos valores em função dos graus de evolução social. É exatamente o toque da 
 
4
 Direito tributário, linguagem e método, 2ª ed., São Paulo: Noeses, 2008, p. XXIV. 
 5 
cultura que, na lição de Paulo de Barros Carvalho
5
, evita que se pretenda entrever o mundo 
pelo prisma reducionista do mero racionalismo descritivo. 
 Pendor analítico pode ser tomado como dinâmica mental do espírito de 
quem pacientemente decompõe, desarticula, analisa, para avançar em direção ao objeto e 
explorá-lo com a máxima potencialidade. Sempre, é, claro, no interior do universo do 
discurso, pois a palavra tomada como referência postula outras palavras que sobre ela 
discorram, de tal modo que se torna impossível romper esse domínio inesgotável de 
unidades linguísticas. 
 Há que se fazer, porém, advertência acerca dos eventuais excessos no trato 
com o formal. A visão lógica é necessariamente parcial e o discurso linguístico há de ser 
visto na sua inteireza constitutiva, vale dizer, na sua integridade comunicacional, suscetível 
sempre de análise nas três dimensões semióticas: sintática, semântica e pragmática. 
 Em suma, o denominado constructivismo lógico-semântico propõe-se a, 
respeitando a todos os modelos epistemológicos existentes, servir de método para ingresso 
na intimidade do fenômeno jurídico, mediante trabalho analítico, porém com influência 
culturalista, considerando ser o direito um objeto cultural, produto da ação humana. Trata-
se de estratégia de movimentação do intelecto para apreender e devassar o objeto do 
conhecimento, e que persiste em toda a dimensão de seu trabalho. Método analítico, mas 
com acentuado aspecto culturalista, em que, a cada instante, se recupera a circunstância do 
homem, contextualizando-o. 
 O constructivismo lógico-semântico pode ser visto como rigorosa 
elaboração da metodologia sintática e semântica do direito. Essa concepção filosófica 
possibilita edificar uma teoria das normas bem estruturada em termos lógicos, discutida e 
esquematizada no nível semântico e com boas indicações para um desdobramento 
pragmático. Tudo isso, considerando que a positivação do direito se opera mediante a 
presença indispensável da linguagem, num contexto de crenças, idéias e convicções, 
decorrentes dos valores dos sujeitos que integram a sociedade. Trata-se, portanto, de um 
estudo hermenêutico-analítico do direito, em que se dirige a atenção aos dados linguísticos 
(linguagem jurídico-normativa), fazendo uso das categorias lógico-semânticas do texto 
prescritivo e analisando a norma jurídica na sua inteireza conceptual, mas que, por outro 
lado, também considera a necessidade premente de o discurso teórico propiciar a 
compreensão da concretude empírica do direito posto. 
 
5
 Idem, p. 3-4. 
 6 
 Paulo de Barros Carvalho
6
 vê nessa concepção expediente que potencializa 
a investigação: “de primeiro, por sair amarrando e costurando os conceitos fundamentais, 
estipulando o conteúdo semântico dos termos e expressões de que se servem os 
especialistas; de segundo, porque projeta os elementos especulativos, preparando-os para 
outra sorte de indagações, agora de cunho culturalista; e, por fim, munidos desse poderoso 
instrumental, aplicá-lo ao direito tributário dos nossos dias”. Suas obras vêm cumprindo 
importante função de difundir o constructivismo lógico-semântico aplicado ao Direito, 
sempre procurando aplicar a lição de Lourival Vilanova, no sentido de que o jurista é o 
ponto de intersecção entre a teoria e a prática; entre a ciência e a experiência. Seu trabalho 
mais recente, intitulado Direito tributário, linguagem e método, deixa isso bem evidente, 
demonstrando a importância e utilidade desse método. 
 Fazendo uso do instrumental fornecido pelo constructivismo lógico-
semântico, o exegeta está em condições de proceder ao exame da estrutura interna 
normativa, bem como das relações lógicas existentes na integração das normas com outras 
unidades do sistema, podendo fazê-lo tanto da perspectiva estática, isolando as proposições 
normativas, como da perspectiva dinâmica, abrangendo o processo de positivação do 
direito. 
 
2. A teoria do conhecimento segundo o constructivismo lógico-semântico 
 Na trajetória da teoria do conhecimento observamos certa evolução em que, 
de início, tomava-se o objeto ou o sujeito como determinantes para o conhecimento: eis a 
ontologia e a gnoseologia, respectivamente. Desse modo, Husserl ocupou-se do objeto do 
conhecimento. Para esse autor, nada se poderia conhecer se na realidade bruta não 
houvesse algo dotado da possibilidade de ser captado pelas sensações e pelo intelecto. 
 Passou-se, depois, a considerar a necessária relação entre sujeito e objeto 
(ontognoseologia), seguindo em direção à fenomenologia, nos termos da qual não 
conhecemos as coisas como são em si, mas como se nos apresentam. Nessa esteira, Kant se 
preocupou em elaborar estudos sobre as formas e categorias do conhecimento em função 
do sujeito transcendental. Na visão kantiana o sujeito, no contexto espaço-temporal, cria o 
objeto, a ele aplicando categorias do conhecimento. 
 Com base na filosofia da consciência, via-se a linguagem como instrumento 
que ligava o sujeito ao objeto do conhecimento, sendo a verdade resultado da 
 
6
 Idem, p. XXV. 
 7 
correspondência entre a proposição linguística e o objeto referido. Na linha do 
constructivismo lógico-semântico,de modo diverso, entendemos haver inevitável 
interdependência entre sujeito e objeto: o sujeito só é sujeito perante um objeto e o objeto 
só é objeto em face de um sujeito. E tal relação ocorre em um contexto específico, sendo o 
conhecimento determinado pela cultura. 
 Assim, a linguagem deixou de ser um meio entre ser cognoscente e 
realidade, convertendo-se em um léxico capaz de criar tanto o ser cognoscente como a 
realidade. O conhecimento não aparece como relação entre sujeito e objeto, mas como 
relação entre linguagens, entre significações, inserindo-se na concepção da filosofia da 
linguagem, e, mais especificamente, do giro linguístico. 
 Esse modo de pensar não significa um abandono das construções de Husserl 
e Kant, mas uma evolução em que passa a considerar-se, com ênfase, o contexto cultural. 
Assim é que Miguel Reale
7
 pontua que “a questão do conhecimento não pode se reduzir a 
uma relação puramente lógica entre ser cognoscente e realidade cognoscível, porquanto um 
e outra se situam ab initio em um contexto cultural”. 
 Afasta-se, com isso, qualquer dogmatismo em relação ao conhecimento. O 
dogmatismo advém do vocábulo “dogma”, cujo significado refere-se a algo que não precisa 
de explicação. Para essa posição epistemológica, não existe o problema do conhecimento: 
não vê o conhecimento como uma relação entre sujeito e objeto, acreditando que os objetos 
do conhecimento são dados absolutos e que o sujeito simplesmente apreende o objeto. As 
coisas existem, pura e simplesmente: a verdade está no objeto. Segundo tal concepção, o 
conhecimento é possível em sua plenitude: o sujeito pode conhecer o objeto em sua 
totalidade. As verdades são, assim, certas e indiscutíveis, não havendo função mediadora 
do intelecto humano na construção do conhecimento. 
 Para o dogmático, também os objetos e os valores existem, pura e 
simplesmente, independente do sujeito cognoscente. É, segundo Johannes Hessen
8
, atitude 
do homem ingênuo, sendo a primeira e mais antiga posição. 
 Por outro lado, o fato de o conhecimento ser construído pelo ser humano e, 
portanto, inexistir uma verdade objetiva e absoluta, não implicar a adoção do ceticismo. 
 O ceticismo, corrente oposta ao dogmatismo, nega a possibilidade do 
conhecimento. Prega o ceticismo pirrônico (ou pirronismo) que, como o sujeito não pode 
 
7
 Cinco temas do culturalismo, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 28. 
8
 Teoria do conhecimento, trad. João Vergílio Gallerani Cuter, São Paulo: Martins Fontes, 2003. 
 8 
apreender o objeto, o conhecimento é impossível. Em consequência, não se pode formular 
qualquer juízo, restando ao sujeito abster-se de julgar. 
 Esse ceticismo, de caráter radical e absoluto, porém, representa uma 
contradição em termos, pois afirmar que o conhecimento é impossível implica dizer que se 
conhece algo: a impossibilidade do conhecimento. Com ele não se confunde o ceticismo 
acadêmico, postura acadêmica que reconhece nunca termos certeza de algo, de modo que 
não podemos dizer que uma proposição é verdadeira, mas que parece verdadeira. 
 Na esteira do constructivismo lógico-semântico, o conhecimento é possível: 
realiza-se com suporte na linguagem. 
 Firmada essa premissa, consideramos que o fenômeno do conhecimento não 
se opera entre um sujeito cognoscente e um objeto da experiência, pois qualquer coisa do 
mundo lá fora só passa a ser suscetível de se conhecer quando apreendida pelo ser humano, 
que a constitui linguisticamente. Conhecer não significa a simples apreensão mental de um 
objeto da existência concreta. Ao contrário, é o intelecto que produz os objetos que 
conhecemos. Em consequência, sendo produzido pelo homem, o conhecimento apresenta-
se condicionado ao contexto em que se opera, dependendo do meio social, do tempo 
histórico e até mesmo da vivência do sujeito cognoscente. Esse contexto é composto pelo 
conjunto de elementos que, de algum modo, condicionam a significação de um enunciado. 
 Tomados o conhecimento e seu objeto como construções intelectuais, sua 
existência dá-se pela linguagem: metalinguagem o primeiro; linguagem-objeto o segundo. 
Só há realidade onde atua a linguagem, assim como somente é possível conhecer o real 
mediante enunciados linguísticos. Quaisquer porções do nosso meio-envolvente que não 
sejam formadas especificamente pela linguagem permanecerão no campo das meras 
sensações, e, se não forem objetivadas no âmbito das interações sociais, acabarão por 
dissolver-se no fluxo temporal da consciência, não caracterizando o conhecimento, na sua 
forma plena. Nesse sentido, anota Miguel Reale
9
 que “enquanto este não se torna objetivo e 
comunicável, não há como se falar em conhecimento propriamente dito. (...) enquanto o 
‘conhecido’ não se exterioriza, revelando-se ‘objeto cultural’, como tal, não há ainda 
plenitude de conhecimento e comunicação”. 
 Há, entre conhecimento e comunicação, um vínculo incindível. Só existe 
conhecimento, propriamente dito, quando este se torna objetivo e comunicável. E esse ato 
de objetivação, convém registrar, é de ordem cultural. 
 
9
 Idem, p. 42. 
 9 
 Com isso, tem-se a superação da dualidade sujeito cognoscente/realidade 
conhecida: o que se percebe é a realidade vista pelo sujeito, sendo dependente de condições 
subjetivas e intersubjetivas. 
 O conhecimento é uma relação entre linguagens: a do sujeito cognoscente e 
a do objeto (aquilo que do objeto se fala). Podemos dizer, então, que o conhecimento é 
sempre meta-conhecimento, já que para conhecer algo é preciso uma pré-compreensão 
daquilo que se pretende conhecer. Eis do dado da cultura, atuando como condição a priori 
do conhecimento. 
 
3. Concepção de Vilém Flusser: a linguagem cria a realidade 
 Vilém Flusser
10
 afirma que universo, conhecimento, verdade e realidade são 
aspectos linguísticos. Aquilo que nos vem por meio dos sentidos e que chamamos 
realidade é dado bruto, que se torna real apenas no contexto da língua, única criadora da 
realidade. Algo se realiza (se torna real) apenas dentro do processo linguístico, quando esse 
algo é compreendido pelos intelectos em conversação autêntica. 
 Tais axiomas não implicam negação do conhecimento, da realidade ou da 
verdade. Nega-se, apenas, o caráter absoluto e objetivo de tais conceitos. Por essa 
perspectiva, conhecimento, realidade e verdade ocorrem no contexto da língua. 
 A famosa correspondência entre frases e realidade não passa de 
correspondência entre duas frases. Vilém Flusser abandona o conceito de realidade como 
conjunto de dados brutos, optando por entender que os dados brutos se realizam quando 
articulados em palavras. 
 Utilizando a alegoria de uma árvore, as raízes (os sentidos) entram em 
contato com os dados brutos e os sugam, levando-os ao tronco (intelecto). O que chega ao 
tronco, porém, não são dados brutos, mas palavras. Há um abismo intransponível ao 
intelecto entre o dado bruto e a palavra. O intelecto sabe dos sentidos e dos dados brutos 
que vier a colher, mas sabe deles em forma de palavras. E essa seiva dirige-se até a copa (o 
espírito), onde produz folhas, flores e frutos, ou seja, produz objetos culturais. 
 Para o ser humano, portanto, inexiste o dado. Qualquer elemento pressupõe 
um sujeito intencional e uma linguagem. O conhecimento pode ser visto, assim, como 
processo de fabricação de mundos, em que a recepção e a interpretação são atividades 
indistintas. 
 
10
 Língua e realidade, São Paulo: Annablume, 2004, passim. 
 10 
 Com efeito, o pensamento de VilémFlusser, objetivado na obra Língua e 
realidade, editado pela primeira vez no ano de 1963, apresenta uma proposta inovadora e 
atual, que vai ao encontro do modelo edificado por Lourival Vilanova: o constructivismo 
lógico-semântico. 
 A questão que se coloca como pano de fundo diz respeito ao modo pelo qual 
as coisas constituem-se, isto é, o modo pelo qual as coisas são. E, segundo Vilém Flusser, 
as coisas são quando se realizam pela linguagem. 
 Sobre o assunto, convém remeter o leitor à obra Pensamento e movimento, 
do filólogo Pinharanda Gomes. Anota o autor que “O ser só devém real pelo pensar e, por 
isso, o motivo de, na ordem lógica, o ser vir colocado depois do pensar”. O ser só se torna 
real pelo pensar. E, como o pensar é constituído pela linguagem, podemos inferir que o ser 
só se torna real pela linguagem. É a linguagem (o pensar) constituindo a realidade (o ser). 
 A essência das coisas, tomadas como dados brutos, não têm existência para 
o ser cognoscente. É real apenas aquilo se insere nos limites da linguagem humana. 
Recorramos, novamente, às lições de Pinharanda Gomes
11: “O ser, que é, emerge de si 
mesmo para fora (ex-istir), originando a existência que está, mas não é. A existência revela 
o ser, mas o ser, ou essência, esconde-se e continua oculto, sob a existência”. A existência 
prescinde da essência, mas não prescinde da linguagem. E o que conhecemos, o que nos é 
real, reside na existência: a forma pelo qual algo nos é apresentado, em dado instante, 
mediante linguagem. 
 Isso vai ao encontro de nossa proposição
12
, segundo a qual o sentido de um 
significante não se confunde com o referente, considerado a coisa em si mesma: seu 
significado nada mais é que outro significante. Pensamos não existir correspondência entre 
as palavras e os objetos. A linguagem não reflete as coisas tais como são (filosofia do ser) 
ou tais como desinteressadamente percebe uma consciência, sem qualquer influência 
cultural (filosofia da consciência). 
 A significação de um vocábulo não depende da relação com a coisa, mas do 
vínculo que estabelece com outras palavras. Nessa linha de raciocínio, a palavra precede os 
objetos, criando-os, constituindo-os para o ser cognoscente. Como anota Dardo Scavino
13
, 
“não existem fatos, só interpretações, e toda interpretação interpreta outra interpretação”. 
Daí a conclusão de que se a coisa não precede a interpretação, só aparecendo como tal 
 
11
 Pensamento e movimento, Porto: Lello & Irmãos Editores, 1974, p. 13. 
12
 A prova no direito tributário, 2ª ed., São Paulo: Noeses, 2008, p. 3-4. 
13
 La filosofía actual: pensar sin certezas, Buenos Aires: Paidós, 1999, p. 36 (tradução nossa). 
 11 
depois de ter sido interpretada, ou seja, depois de constituída em linguagem, no bojo de 
certo contexto cultural. 
 Algo só tem existência no mundo social quando a palavra o nomeia, 
permitindo que apareça para a realidade cognoscente. Lenio Luiz Streck
14
 é preciso ao 
discorrer sobre o assunto, asseverando não ser possível falar sobre algo que não se 
consegue verter em linguagem: “Isto porque é pela linguagem que, simbolizando, 
compreendo; logo, aquele real, que estava fora do meu mundo, compreendido através da 
linguagem, passa a ser real-idade. Dizendo de outro modo: estamos mergulhados em um 
mundo que somente aparece (como mundo) na e pela linguagem. Algo só é algo se 
podemos dizer que é algo. (...) A construção social da realidade implica um mundo que 
pode ser designado e falado com as palavras fornecidas pela linguagem de um grupo social 
(ou subgrupo). O que não puder ser dito na sua linguagem não é parte da realidade desse 
grupo; não existe, a rigor”. 
 As coisas não precedem o discurso, mas nascem com ele, pois é exatamente 
o discurso que lhes dá significado. Consoante sublinha Manfredo Araújo de Oliveira
15
, 
“não existe mundo totalmente independente da linguagem (...). A linguagem é o espaço de 
expressividade do mundo, a instância de articulação de sua inteligibilidade”. E é em busca 
dessa inteligibilidade e seu aprimoramento que deixamos de associar palavras a coisas, 
passando a relacioná-las com outras palavras, mediante aquilo que se intitula definições. 
 Como se vê, o significado não consiste na relação entre suporte físico e 
objeto representado, mas na relação entre significações
16
. As assertivas não denotam os 
acontecimentos em si, mas outras palavras. A verdade não corresponde à identidade entre 
determinada proposição e o mundo da experiência, mas à compatibilidade entre 
enunciados
17
. 
 Seguimos a linha das teorias retóricas, baseadas no princípio da auto-
referência do discurso, contrapondo-nos às teorias ontológicas, que consideram a 
linguagem humana simples meio de expressão da realidade. Noticia Paulo de Barros 
 
14
 Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito, Porto Alegre: 
Livraria do Advogado, 1999, p. 178 (grifado no original). 
15
 Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea, São Paulo: Loyola, 1996, p. 13. 
16
 Signo é a unidade do sistema comunicacional, apresentando o status lógico de relação, mais 
especificamente, uma relação triádica, onde um suporte físico (palavra falada, consistente nas ondas sonoras, 
ou palavra escrita, como o depósito de tinta no papel ou de giz na lousa) se associa a um significado (objeto 
conceitual a que o suporte físico se refere) e a uma significação (idéia do objeto referido). 
17
 Sobre a definição do conceito de verdade, cf. Fabiana Del Padre Tomé, A prova no direito tributário, 2ª 
ed., São Paulo: Noeses, 2008. 
 12 
Carvalho
18
 que “a adoção desse princípio filosófico implica ver a linguagem como não 
tendo outro fundamento além de si própria, não havendo elementos externos à linguagem 
(fatos, objetos, coisas, relações) que possam garantir sua consciência e legitimá-la”. 
 É a linguagem que cria a realidade. Só se conhece algo porque o homem o 
constrói por meio de sua linguagem. 
 
4. Os horizontes da cultura como limites à interpretação do direito 
 Toda linguagem, na qualidade de conjunto sígnico, é composta por suporte 
físico, significado e significação. Com efeito, sendo o direito positivo constituído pela 
linguagem, nele podemos identificar essa relação triádica inerente aos signos, 
apresentando-se a norma jurídica como significação construída a partir do texto, que é o 
suporte físico. A norma jurídica, portanto, não se confunde com o texto do direito positivo, 
isto é, com as expressões linguísticas que a veiculam. Estas figuram apenas como ponto de 
partida para a construção daquela. 
 Como sabemos, não há texto sem contexto: só podemos falar em texto 
quando verificada a união do plano de conteúdo ao plano de expressão. Todavia, esclarece 
José Luiz Fiorin
19
, a diferenciação entre a imanência (plano de conteúdo) e a manifestação 
(união do conteúdo com a expressão) mostra-se metodologicamente necessária, já que um 
mesmo conteúdo pode ser expresso por diferentes planos de expressão e vice-versa. Ter 
consciência dessa distinção e, ao mesmo tempo, da relação intrínseca entre os planos da 
linguagem, é imprescindível para a construção de sentido normativo. 
 Os enunciados linguísticos, tomados em sua dimensão material
20
, não são 
portadores de significações. São, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, “estímulos que 
desencadeiam em nós produções de sentido”21. Não é correta, por conseguinte, a afirmação 
segundo a qual extraímos a norma jurídica dos enunciados prescritivos. Pelo processo 
interpretativo,o jurista não reproduz ou descobre o verdadeiro sentido da lei, mas constrói 
o sentido, edificando o conteúdo normativo. Eis a manifestação do constructivismo lógico-
semântico aplicado ao direito. 
 No processo de construção normativa, a literalidade textual é utilizada pelo 
intérprete apenas como ponto de partida do percurso gerativo de sentido. Tal percurso 
 
18
 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5. 
19
 Elementos de análise do discurso, São Paulo: Contexto/EDUSP, 1989, p. 32. 
20
 “Enunciado” é uma frase bem composta, em que o suporte físico está relacionado a um sentido. Diante da 
dualidade de componentes, o termo “enunciado” pode ser utilizado para fazer referência tanto à forma 
expressional, como ao sentido a ele atribuído. 
 13 
consiste, segundo José Luiz Fiorin
22, em “uma sucessão de patamares, cada um dos quais 
suscetível de receber uma descrição adequada, que mostra como se produz e se interpreta o 
sentido, num processo que vai do mais simples ao mais complexo”. 
 Para fins de construção normativa, deve o intérprete percorrer os quatro 
planos em que se manifesta o direito positivo, quais sejam: (i) o das formulações literais, 
(ii) o de suas significações enquanto enunciados prescritivos, (iii) o das normas jurídicas e 
(iv) o das relações de subordinação e de coordenação normativa, que compõe a forma 
superior do sistema de normas jurídicas. Apenas perfazendo essa trajetória interpretativa 
será possível “conhecer o direito”. 
 As formulações literais consistem no conjunto de enunciados, tomados no 
plano da expressão. Base empírica do conhecimento do direito posto, são suportes físicos 
das significações jurídicas e primeiro contato do intérprete com a mensagem legislada. 
 A partir do contato com essa literalidade textual, ingressa o intérprete no 
plano do conteúdo, formado pelo conjunto das significações dos enunciados prescritivos. 
Nessa etapa, isolam-se os enunciados, atribuindo-lhes significações. 
 Passa o intérprete, então, ao plano das significações normativas, em que 
agrupa as significações dos enunciados prescritivos, produzindo unidades irredutíveis de 
manifestação do deôntico, as quais, articuladas em relações de coordenação e 
subordinação, compõem o sistema normativo
23
. 
 Convém ressaltar, ainda, que a norma jurídica não é redutível à soma das 
significações dos enunciados prescritivos. É preciso que essas significações sejam 
articuladas entre si, compondo uma estrutura lógica que transmita uma mensagem deôntica 
portadora de sentido completo. E, na maior parte das vezes, é necessário manipular dezenas 
de dispositivos para alcançarmos compostura de uma única regra jurídica, na plenitude de 
sua configuração lógica. 
 Nesse percurso, o intérprete constrói o sentido normativo. Essa atribuição de 
sentido, porém, não pode ser feita de modo arbitrário ou ilimitado. Hão de observarem-se, 
sempre, os horizontes da cultura. 
 
21
 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 16-17. 
22
 Elementos de análise do discurso, p. 17. 
23
 Paulo de Barros Carvalho, analisando o trajeto de elaboração do sentido normativo, denominou o conjunto 
dos enunciados prescritivos no plano da literalidade de S1, o conjunto dos conteúdos de significação dos 
enunciados prescritivos de S2, o conjunto articulado das significações normativas de S3 e a forma superior do 
sistema normativo de S4. Salienta ainda esse autor que, efetuado esse percurso, o intérprete terá que exarar 
em linguagem própria a norma jurídica construída, regressando ao subdomínio S1 (Curso de direito 
tributário, 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 111-133.). 
 14 
 Pela visão hermenêutico-analítica, a interpretação só é possível se efetuada 
com suporte em uma pré-compreensão. Essa pré-compreensão, que antecede a 
interpretação e, portanto, o próprio conhecimento, decorre da cultura. 
 O constructivismo lógico-semântico não autoriza concluir que o intérprete 
tenha liberdade para atribuir a um determinado vocábulo o sentido que bem lhe aprouver. É 
claro que há uma liberdade estipulativa, porém limitada pelos horizontes da cultura. Caso 
contrário, não poderíamos nem sequer falar na existência de ambiguidade e vaguidade dos 
vocábulos, dificuldades semânticas presentes onde houver linguagem. 
A ambiguidade é um caso de incerteza designativa, ocorrendo quando 
coexistirem dois ou mais significados relativamente a uma única palavra. Pode ser do tipo 
homonímia, como é o caso do termo manga, que designa uma fruta ou uma parte do 
vestuário; apresentar-se sob a forma de polissemia, quando um mesmo termo designa 
significados conectados metaforicamente (é possível que a palavra pesado refira-se a um 
livro, a uma tonelada de ferro ou a uma pessoa cansativa); ou, ainda, ser do tipo processo-
produto, quando a palavra fizer alusão tanto a uma atividade como ao seu resultado (o 
termo contrato pode designar o ato de contratar ou os documentos resultantes dessa 
atividade). 
A vaguidade, por sua vez, ocorre quando não há certeza acerca da 
aplicabilidade e extensão de um termo, em virtude da inexistência de limites precisos para 
sua denotação. Trata-se de imprecisão no significado de uma palavra, conforme elucida 
Luis Alberto Warat
24
: “Metaforicamente, pode-se dizer, com referência a qualquer 
denotação dos termos da linguagem natural, que ela apresenta três zonas: a) de 
luminosidade positiva – composta pelos objetos ou situações onde não existe nenhuma 
dúvida em relação a sua inclusão na denotação; b) de luminosidade negativa – composta 
pelos objetos ou situações que com certeza não entram na denotação; c) de incerteza – onde 
existem legítimas dúvidas quanto ao fato do objeto ou situação entrar ou não na denotação. 
Nesta zona de incerteza é onde se apresenta o problema da vagueza”. 
 Os dois problemas semânticos acima referidos só existem porque os sujeitos 
cognoscentes, em relações de intersubjetividade, atribuíram conteúdos de significação, de 
caráter conotativo, aos termos de determinada língua. 
 Mas, que determina os limites do conteúdo semântico de uma palavra? 
Entendemos ser exatamente a cultura. 
 
24
 O direito e sua linguagem, 2ª ed., Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995, p. 76-77. 
 15 
 Ensina Lourival Vilanova
25
 que a cultura é um fato que apresenta três 
dimensões: “aos objetos físicos se conferem significações, que partem de sujeitos (seus 
criadores ou receptores), que entre si, por causa ou em consequência dessas significações, 
estendem uma teia de inter-relações sociais”. Desse modo, a cultura ultrapassa a 
subjetividade individual, passando o vocábulo e o sistema articulado de palavras (frase) a 
serem transubjetivos: é a “forma destacada que a vida individual e coletiva vai construindo 
como firmes pontos de apoio para ir prosseguindo em sua trajetória histórica”. Empregando 
a terminologia de Vilém Flusser, podemos dizer que a cultura decorre da conversação, em 
que os intelectos se realizam pelo contato com outros intelectos. 
 Sendo o direito um objeto cultural, criado pelo homem e integrado na 
cultura, a qual lhe dá sentido, não há como falar em uma solução única, quando se está 
diante da aplicação do direito. O adágio segundo o qual, “na clareza da lei cessa a 
interpretação”, não se sustenta. Até mesmo para dizer que uma lei é clara, demanda-se 
interpretação, a qualpretende dar, ingenuamente, aquele sentido unívoco. E isso ocorre 
exatamente porque quando o legislador elabora o texto, tomado como suporte físico, não 
constitui a norma jurídica, mas apenas um ponto de partida para sua construção. 
 A norma jurídica será construída pelo aplicador do direito. Mas isso não 
significa desprezo pelo suporte físico. O texto de lei é de suma importância, pois o 
aplicador do direito a ele está adstrito. Sua liberdade interpretativa decorre do fato de que o 
texto não contém, em si, a significação: esta precisa ser construída pelo próprio intérprete. 
Por outro lado, há limites a essa liberdade de interpretação, posta pelos horizontes da 
cultura. Não há como se atribuir ao vocábulo um sentido que não se coaduna ao contexto 
comunicacional no qual é expedido. 
 Tomada a cultura como “conjunto de bens que a espécie humana vem 
historicamente acumulando para realização de seus fins específicos”26, e colocando-se a 
cultura como limite à atribuição de sentido, supera-se a subjetividade particular, evitando-
se a institucionalização do caos. Por isso, Lourival Vilanova
27
 insiste a respeito da 
necessidade de um mínimo de consenso: “Ingressando no domínio das formas sociais, o 
sujeito, de certo modo, objetiva-se (sem prejuízo de sua subjetividade, que cresce em 
profundidade e extensão, com a multiplicação dos círculos sociais em que participa): adota 
 
25
 “Notas para um ensaio sobre a cultura”, in Escritos jurídicos e filosóficos, São Paulo: Axis Mvndi/Ibet, 
2003, v. 2, p. 284. 
26
 Miguel Reale, Cinco temas do culturalismo, p. 8. 
27
 “Notas para um ensaio sobre a cultura”, in Escritos jurídicos e filosóficos, p. 310. 
 16 
‘maneiras de pensar, sentir e querer’ que preexistem e sobrevivem à sua existência 
individual posta e imposta pelo contorno social, utiliza um aceno de experiências que já 
encontra, concebe e manipula os objetos por intermédio dos quadros de conhecimento e 
valoração de que não foi autor, insere-se dentro de formações coletivas sem decisão própria 
(família, classe, nação) e social inteiro como que se condensa e lhe penetra gradual e 
impositivamente por meio da linguagem, o fator de objetivação social por excelência”. 
 O limite está, portanto, no universo das interações humanas. E como tais 
interações, além de serem compostas por linguagem, também produzem linguagem, 
podemos dizer que os limites estão na própria linguagem. 
 
5. Conclusões 
 Efetuada essa breve digressão a respeito do constructivismo lógico-
semântico e de sua relação com a obra de Vilém Flusser, concluímos que a linguagem é a 
base da verdade, do conhecimento e da própria realidade. 
 O constructivismo lógico-semântico, unindo o emprego do método analítico 
à tendência culturalista, apresenta-se como importante instrumento para o estudo do direito 
positivo. Com suporte nele, edifica-se uma teoria das normas bem estruturada em termos 
lógicos, que apresenta firmeza de conteúdo no nível semântico, de grande utilidade na 
aplicação do direito. Por esse caminho, o exegeta terá condições de proceder ao exame da 
estrutura interna normativa, bem como das relações lógicas existentes na integração das 
normas com outras unidades do sistema. 
 Tomamos o direito positivo como texto, produto da atividade humana e 
suscetível de interpretação. Seu estudo demanda, de modo impreterível, a presença do 
contexto. Esse contexto decorre de relações intersubjetivas, formando pré-compreensões 
em determinadas condições de espaço e de tempo. Eis a cultura, realizada no âmbito do 
historicismo social. 
 Firmadas essas premissas, a construção normativa há de ater-se aos 
horizontes da cultura. 
 Norma jurídica é a significação que, apresentando-se na forma de um juízo 
hipotético, transmite mensagem deôntica portadora de sentido completo, tendo por 
finalidade a regulação das condutas humanas intersubjetivas. Essa significação é edificada 
a partir de um suporte físico, o qual, a despeito de não ser detentor, ele próprio, de sentido, 
 17 
figura como importante limite à interpretação, já que suas possíveis significações estão 
estabelecidas pelo sistema linguístico em que se insere. 
 O intérprete, ao construir o sentido jurídico, precisa considerar o contexto. 
Esse contexto é formado pelos elementos da cultura de determinada comunidade, cultura 
esta que só assume tal qualificação porque constituída em linguagem, no âmbito da 
conversação entre intelectos.

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