Grátis
22 pág.

Denunciar
Pré-visualização | Página 3 de 5
alvedrio e a fatalidade, passa a Política. 8. A degradação do saber em mercadoria. Os direitos intelectuais Concentremo-nos agora da Sociedade da Informação. Tem como instrumento nuclear a Internet. Mas esta foi objecto de profunda e rápida metamorfose. PROF. DOUTOR J. OLIVEIRA ASCENSÃO 11 Nascida rede militar, passou a rede científica desinteressada, depois a meio de comunicação de massas, para se tornar hoje sobretudo veículo comercial. Nesta evolução, a informação que seria o seu conteúdo vai mudando de natureza. Não só passa a abranger qualquer conteúdo de comunicação – de maneira que melhor se falaria em sociedade da comunicação que em sociedade da informação – como a própria informação se degrada. O saber transforma-se em mercadoria. De conhecimento livre transforma-se em bem apropriável. É cada vez mais objecto de direitos de exclusivo, que são os direitos intelectuais. Estes, por sua vez, são cada vez mais dissociados dos aspectos pessoais, para serem considerados meros atributos patrimoniais, posições de vantagem na vida económica. A mercantilização geral do Direito Intelectual é um facto. Uma manifestação flagrante está na circunstância de a entidade que é hoje decisiva na disciplina dos direitos intelectuais não ser hoje, nem a UNESCO nem a OMPI, mas a Organização Mundial do Comércio – e isto quer no que respeita ao Direito de Autor e ao Direito da Informática, quer aos direitos industriais. São antes de mais objecto do comércio internacional. E como todos os países necessitam participar do comércio internacional, são obrigados a acatar as regras que condicionam a sua admissão, mesmo que estas representem uma subordinação que não tem fim à vista. Podemos dar exemplos elucidativos desta mudança de índole dos direitos intelectuais. I – Patentes A patente foi criada como um exclusivo que representava uma recompensa pela invenção que trazia vantagem à Comunidade. Outorgava um exclusivo, mas era acompanhada da obrigação de revelar o invento e de explorá-lo industrialmente no país. Pretende-se agora transformá-la sub-repticiamente num exclusivo comercial, que outorga em cada país um PROF. DOUTOR J. OLIVEIRA ASCENSÃO 12 mercado garantido sem obrigação de explorar industrialmente. Ampliam-se assim incessantemente os privilégios dos países industrializados, sem nenhuma vantagem em contrapartida para os não industrializados 1 . II – Marcas Em matéria de marca, também se assiste ao reforço constante dos poderes atribuídos ao titular. Mas são sobretudo as marcas de (grande) prestígio (art. 191 do Código da Propriedade Industrial) que vêem reforçada a protecção. Esta passa a ser autónoma, quer dizer, independente de qualquer risco de indução do público em erro. Mas as marcas de grande prestígio são basicamente as marcas das grandes empresas mundiais. Isto significa que, sem nenhuma contrapartida em qualquer interesse público, se tende a atribuir a essas empresas, gradualmente, o puro monopólio dum sinal. Monopólio que, pela possibilidade de exploração económica que encerra, representa valores espantosos. Basta recordar que se calcula que a marca Coca Cola representa aproximadamente metade do valor dos activos da empresa. 9. A atribuição de direitos no domínio da informática Este fenómeno ganha rapidamente alento no domínio da informática. Falámos já na emergência das “auto-estradas da informática”, que tornam a penetração da Internet em todos os países praticamente fatal. Anteriormente, podíamos dizer que só a radiodifusão punha sensivelmente em causa a territorialidade do direito de autor, 1 Alberto Bercovitz Rodriguez-Cano, Propiedad industrial y globalización de los mercados, in “Actualidad Aranzadi” (Madrid), X, n.º 436, observa que, se o paradigma deixou de ser o desenvolvimento industrial para passar a ser a participação no comércio mundial, é contraditório simultaneamente pretender a exclusão do esgotamento internacional (a extinção do direito de comandar a comercialização dos produtos que resultam do processo patenteado): suprimem-se em benefício do comércio internacional as barreiras aduaneiras que eram de interesse público e mantêm-se [ou criam-se..] em benefício de interesses privados. PROF. DOUTOR J. OLIVEIRA ASCENSÃO 13 superando as fronteiras 2 . Hoje, podemos dizer que todos os meios de expressão de obras intelectuais são digitalizáveis e comunicáveis em rede, sem limitação de fronteiras. As telecomunicações clássicas permitiam limitadamente a interactividade. Mas os novos meios, não só as superam, como levam ainda a interactividade muito além do que se poderia anteriormente supor. Para assegurar juridicamente esta infra-estrutura da sociedade da informação, atribuíram-se direitos sobre os bens informáticos. Primeiro, atribuiu-se a protecção aos elementos singulares informáticos que são a base do sistema. É assim que vemos nascer a protecção por direitos intelectuais de: – topografias dos produtos semicondutores – programas de computador – bases de dados. Só não se acertou ainda no ponto de ataque em relação aos chamados produtos multimédia. Em compensação, no Reino Unido protegem-se já as obras geradas por computador, muito embora não haja na sua origem um acto individual de criação. E mais: em todos os casos se reivindicou a protecção mais forte entre os direitos intelectuais, que é a atribuída pelo direito de autor 3 . E isto não obstante se tratar em todos os casos de produções meramente técnicas, que não são obras literárias ou artísticas e se aproximam muito mais do nível de novidade que justificou a protecção das invenções 4. 2 A isso se respondeu considerando que a comunicação ao público da obra radiodifundida se dava com a recepção e não com a emissão. Deste modo se resguardava a competência territorial da lei do lugar da recepção, a quem cabia disciplinar os direitos sobre a obra. 3 Só nas topografias dos produtos semicondutores a Europa se afastou do esquema americano, enfileirando por um direito intermédio entre direito de autor e direito industrial, em vez de um puro direito de autor. 4 E no que respeita aos programas de computador, procura-se agora sobrepor, à protecção do direito de autor, ainda a protecção por meio de patente. PROF. DOUTOR J. OLIVEIRA ASCENSÃO 14 Assegura-se rapidamente a expansão mundial da protecção. Multiplicam-se os instrumentos internacionais neste domínio 5 . E com isto se consolida também a supremacia dos países mais desenvolvidos, impedindo que os outros possam chegar por si ao domínio destes instrumentos informáticos. Há até um aspecto contraditório. No meio desta expansão internacional, podemos dizer que a matéria em que a disciplina internacional era mais necessária é aquela que não tem ainda regra pactuada. Consiste em determinar a lei aplicável à disciplina dos conteúdos da Internet, uma vez que estes são colocados em contacto praticamente com todas as ordens jurídicas mundiais. Acontece assim porque não se encontrou ainda uma solução. Começou-se por afirmar que a lei competente seria a do país de origem, o que beneficiaria os países que têm as indústrias de copyright mais desenvolvidas. Mas depressa se reparou que isso conduziria a que os produtores escolhessem sedes de conveniência, deslocalizando para os países cujas leis mais lhes conviessem: porque é facílimo colocar um conteúdo num servidor localizado em qualquer parte do mundo. Perante esta ameaça de êxodo, não se optou ainda entre o país de origem e o país de recepção (ou seja, todos os países). Nem mesmo nas convenções de Direito Internacional Privado, para que se recorre agora, se chegou ainda a qualquer solução. Mas o pulular de direitos intelectuais vai muito além