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de situações em que haveria “ameaça à paz e à segurança internacionais”, estendendo, assim, a sua competência 110 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA não apenas a diferentes tipos de “ameaças”, mas também a todos os aspectos diretamente relacionados com o término das hostilidades e a consolidação do processo de pacificação política e de reconciliação nacional. Essas questões muitas vezes não envolvem ameaças à paz e à segurança internacionais e deveriam ser da competência interna dos países anfitriões (portanto excluídas da área de atuação das Nações Unidas, de acordo com o artigo 2,§7 da Carta) ou tratados por outras instâncias internacionais. Hoje em dia, em vista da repetição de precedentes, mesmo que rotulados como casos “excepcionais”, “singulares” ou “que não devem constituir precedentes”, pode-se dizer que as violações graves aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário passaram a ser considerados como fatores suscetíveis de ameaçar a paz internacional. É interessante observar que a Declaração Presidencial adotada pelos Chefes de Estado e de Governo dos Estados membros do CSNU, por ocasião da reunião de cúpula de 31/1/92, já dava a entender que a expressão “ameaça à paz” passaria a ser interpretada de modo flexível: “A ausência de guerra e de conflitos militares entre Estados não assegura por si só a paz e a segurança internacionais. As fontes não militares de instabilidade nas esferas econômica, social, humanitária e ecológica têm-se convertido em ameaças à paz e à segurança”69. Em suma, essa prática vem ampliando gradualmente o espaço de atuação do Conselho, por meio do uso exorbitante de suas competências70. Em termos institucionais, o papel do Conselho quanto às operações de manutenção da paz desdobra-se em duas etapas. Em 69 Nações Unidas, (1992), doc. S/23500, de 31/1/92, p. 3. 70 Nos anos 90, o Capítulo VII da Carta passou a ser invocado para ação em situações de emergência humanitária e/ou de violações maciças de direitos humanos (como na Somália, em Ruanda e na Bósnia-Herzegovina), para a restauração da democracia (como no caso do Haiti), para a imposição de regime de desarmamento e não-proliferação de armas de destruição em massa (sanções contra o Iraque), para a fixação de demarcação de fronteiras (como entre Iraque e Kuaite), para solicitar de extradição de suspeitos de atentados terroristas (sanções contra a Líbia) ou mesmo para o julgamento de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio (como nos tribunais ad hoc criados para a ex- Iugoslávia e para Ruanda). OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ MULTIDISCIPLINARES 111 um primeiro momento, o CSNU cria a operação por meio de votação, requerendo nove votos afirmativos, incluindo os dos Membros permanentes, que, à luz da prática em vigor, podem também abster- se. Nessa fase, no que tange aos textos dos projetos de resolução, os Membros permanentes buscam antes uma coordenação prévia entre si – algo que pode tomar diversas configurações: a dos P-3 (Estados Unidos, Reino Unido e França), a dos P-4 (os três anteriores e a Federação da Rússia) e a dos P-5 (os cinco permanentes). Em seguida, procuram estender o debate aos demais segmentos do CSNU: o “caucus Não-Alinhado”– membros do Movimento Não-Alinhado (MNA) – e os “Non-Non” – membros do CSNU que não são membros permanentes, nem pertencem ao MNA –, mediante a realização de consultas informais no Conselho e a portas fechadas71. Outros interessados poderão eventualmente ser ouvidos por meio da fórmula “Arria”72. Em um segundo momento, ocorre a convocação formal do CSNU, mormente para referendar resolução previamente acordada, quando então seus membros poderão eventualmente modificar a linguagem de certos parágrafos secundários e manifestar as posições nacionais. As operações criadas desde 1987 têm sido aprovadas por votações unânimes, com as únicas exceções da UNIKOM entre Kuaite e Iraque, em 1991, e a UNMIK no Kosovo, em 199973. Além disso, o Conselho 71 Fujita, (1996). pp. 104-107. 72 Os membros do CSNU podem reunir-se informalmente com ministros e outros dignitários pela fórmula “Arria”. Trata-se de uma reunião solicitada por membro do CSNU que não aquele que exerce a presidência, podendo apenas ser realizada por consenso. A reunião é fechada e não tem registros, de modo a permitir uma conversa franca. A primeira reunião nesse formato foi proposta pelo então Representante Permanente da Venezuela, Embaixador Diego Arria, em 1993. A fórmula não deve ser vista, entretanto, como substituto para a implementação mais satisfatória dos artigos 31 e 32 da Carta das Nações Unidas, que tratam especificamente da participação de membros não-permanentes nas reuniões do Conselho. 73 A UNIKOM foi estabelecida pela Resolução nº 867(1991), com 12 votos a favor, 1 contra (Cuba) e 2 abstenções (Equador e Iêmen), enquanto a UNMIK foi criada pela Resolução nº 1244(1999), com 14 votos a favor e 1 abstenção (China). 112 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA supervisiona o processo de implementação das disposições constantes das resoluções aprovadas, adotando decisões a serem executadas pelo Secretário-Geral da Organização. Tais decisões envolvem atividades multidisciplinares nos campos militar, eleitoral, policial e humanitário. Nesse ambiente, o acesso à informação torna-se importante. O Secretário-Geral fornece relatórios periódicos, mas seu conteúdo pode vir a realçar apenas os aspectos positivos do processo de paz, a hesitar em apontar falhas da missão de observação ou da força de paz e, não raro, a minimizar as violações das partes antagônicas. Além disso, os relatórios podem ser modulados de acordo com entendimentos havidos entre o Secretariado e os Membros permanentes74. Por isso, os membros do CSNU devem dispor de fontes independentes para embasar suas posições. No plano político, pode-se dizer que, enquanto alguns Membros permanentes só reconhecem como limites para sua atuação naquele foro aqueles que derivam do próprio interesse político ou financeiro, os países em desenvolvimento que integram temporariamente o CSNU, na qualidade de membro não-permanente, tendem a assinalar a necessidade de que o processo de criação de missões de paz obedeça a dois princípios fundamentais: a aprovação de mandatos claros e exeqüíveis e a conveniência de uma ampla consulta aos Estados membros antes do lançamento de uma nova operação e mesmo na renovação de um mandato. Isso implicaria disciplinar melhor a atuação do CSNU nesse campo, algo cada vez mais necessário com a tendência 74 Os relatórios sobre a situação em Ruanda prepararam o terreno para a mobilização da operação “Turquesa”, liderada pela França em 1994, enquanto os da Somália e Haiti, para a criação das operações “Restore Hope” e “Restore Democracy”, ambas comandadas pelos EUA em 1992/93 e 1994, respectivamente. O episódio mais visível da influência dos EUA sobre o Secretariado ocorreu em fins de 1995, quando se discutia o futuro da antiga Iugoslávia após os acordos de Dayton. Era do interesse do Secretariado que a região da Eslavônia Oriental ficasse também sob a responsabilidade de uma força multinacional, tendo inclusive sido elaborado um relatório sobre o assunto. No entanto, diante da reação negativa do Governo dos EUA, a proposta foi reformulada, de modo a sugerir a criação de uma força de paz sob comando e controle das Nações Unidas. OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ MULTIDISCIPLINARES 113 crescente do CSNU de adotar procedimentos e decisões que não encontram paralelo na Carta, mediante a interpretação elástica e puramente política do que constitui uma ameaça à paz ou ruptura da paz para justificar as intervenções das Nações Unidas. O PAPEL DA ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS A Assembléia Geral é o órgão mais democrático e representativo da Nações Unidas, mas tem sido ofuscado pelo Conselho de Segurança na aprovação de operações