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É, portanto, do ponto de vista das recentes descobertas da teoria moderna da evolução que o grupo se propõe a abordar o tema. 29 O grupo que redigiu a declaração de 1950 se compunha de oito cientistas, sendo um da Nova Zelândia, um do México, um do Brasil, dois dos Estados Unidos, um do Reino Unido, um da Índia e um da França. Além destes, outros 13 cientistas deram sugestões ao relator do grupo, Ashley Montagu, na revisão final do texto. O exame da lista como um todo não confirma a supremacia dos sociólogos, pois no mínimo quatro dos que participaram da revisão final do texto eram biologistas. Um aspecto se ressalta, entretanto, quando comparamos, quanto a sua composição, os grupos que elaboraram as declarações de 1950 e a de 1951. A homogeneidade do segundo grupo é evidente não somente naquilo que menciona seu relator que o grupo se constituiu exclusivamente de antropólogos físicos e geneticistas , mas na origem deles: quatro eram da Inglaterra, três, dos Estados Unidos, dois, da França, um, da Suécia, um, da Holanda e um, da Alemanha. Cf. lista em DUNN, L. C. et alii. Raça e ciência II, citado, p. 283 e 287. Em artigo de Ashley Montagu, publicado em 1950, L. C. Dunn está entre as interlocuções do autor que busca dar precisão a determinadas idéias presentes na literatura sobre a questão racial, a exemplo da afirmação de Dunn e Dobzhansky de que olhos azuis são bastante comuns na maior parte dos Estados Unidos, mas muito raros na maior parte do México. Cf. MONTAGU, Ashley, 1978. 30 Nesse sentido, as críticas do grupo à declaração de 1950 coincidem com aquelas expressas na revista Man, do Instituto Real de Antropologia, sediado em Londres. 166 De uma perspectiva neo-evolucionista esses antropólogos e geneticistas, preocupados com a neutralidade e o rigor científicos, chamam a atenção para a ausência de provas corroboradoras da inexistência de diferenças mentais entre os grupos raciais, afirmando, ao mesmo tempo, a impossibilidade de, numa perspectiva cientificamente respaldada, estabelecer, com base nessas diferenças, uma hierarquia das raças humanas. Defendendo-se contra a identificação de sua posição como racista ou contra seu uso para interpretações racistas, o relator ressalta ainda a adoção de um conceito dinâmico de raça,31 do qual não decorre, porém, a conclusão da inexistência das raças fato biológico evidenciado por caracteres, passíveis de observação pelo homem comum, e nos quais se ancoram as classificações propostas por antropólogos. Tampouco decorre desse conceito, como muitos defendiam desde décadas anteriores,32 o abandono do termo raça, cujo uso científico o grupo afirma como necessário. O relator ressalta, ainda, por um lado, a distância existente entre as conclusões consubstanciadas na declaração elaborada pelo grupo de que é o porta-voz e aquelas constantes na obra de Gobineau sobre a desigualdade das raças; por outro lado, chama a atenção para sua proximidade em relação à Declaração da Independência americana e à Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma vez que, reconhecendo a igualdade como condição da existência social, afirma a inexistência de descoberta científica que permita restringir a aplicação desse princípio às raças. Nessas observações aspectos distintivos das duas declarações da UNESCO ganham relevo. Para além dos detalhes destacados 31 Dinâmico no sentido de que o termo raça se refere a um estágio do processo de diferenciação das populações e de sua adaptação ao meio em que vivem. Cf. UNESCO, 1953 a, p. 95 e 98. 32 A substituição do termo raça por grupo étnico é sugerida, por exemplo, por Julien Huxley, em 1936 e em 1941, porAshleyMontagu, em 1945, e também na declaração de 1950. Cf. MONTAGU, Ashley, 1978; e HUXLEY, Julien. El concepto de raza. In: El hombre está solo. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1942. A justificativa é de que seriam evitados erros decorrentes do uso abusivo do primeiro termo, freqüentemente associado, na linguagem comum, a grupos humanos estigmatizados em virtude de caracteres externos que os diferenciam, ou ainda a grupos nacionais, religiosos, geográficos ou culturais. 167 pelo relator, entretanto, são notórias a afinidade e a semelhança entre ambas, que prosseguem sendo reeditadas e citadas igualmente na literatura sobre a questão racial. Conclusões e proposições comuns às duas declarações, de 1950 e 1951, presentes também nos ensaios publicados na ocasião explicam-se, certamente, pela vocação univer- salista da UNESCO, na realização de seu trabalho político de coor- denação dos esforços das Nações Unidas em direção à reconstru- ção da ordem mundial. Essa preocupação com o universal parece fundamentar também a reflexão em que Alfred Métraux (1950a, p. 8-9) aponta o paradoxo da civilização ocidental. Refere-se ele à exigência de que as demais culturas assimilem os valores aos quais essa civilização atribui perfeição indiscutível, sem contudo admitir aos dois terços da humanidade a capacidade de atingir o fim que ela propõe. A isso acrescenta que por estranha ironia, as vítimas mais dolorosas do dogma racial são precisamente os indivíduos que por sua inteligência ou por sua educação testemunham sua falsidade. Essas observações do então diretor da divisão criada em 1950 no Departamento de Ciências Sociais da UNESCO especial- mente para tratar das questões raciais levam-nos a uma idéia de- fendida por Ashley Montagu em artigo publicado nesse ano e cons- tante da declaração, elaborada sob sua coordenação, veementemen- te atacada pelo grupo que escreve a declaração de 1951. Trata-se da atribuição às pesquisas biológicas da descoberta de uma ética da fraternidade universal fundada numa tendência inata do homem à cooperação, idéia fundamental, vale ressaltar, para a união dos po- vos e para a contribuição das culturas diversas na reconstrução do mundo segundo ummodelo postulado como universal. Sobre esse aspecto, entretanto, evitando uma solução política para uma questão pertencente ao domínio da ciência, o grupo reunido em junho de 1951 para elaborar a segunda declaração da UNESCO, agora sobre o conceito de raça, buscará, no caráter instintivo do comportamento do homem, a explicação para a coexistência, num mesmo indivíduo, de uma tendência à associação em relação aos indivíduos de seu próprio grupo e a um comportamento agressivo em relação aos indivíduos de outro grupo. Uma vez atribuída aos preconceitos raciais uma origem psicológica, a conclusão decorrente indica a necessidade de mais estudos psicológicos sobre a questão. 168 A ênfase na tendência à cooperação talvez explique a decisão da União Francesa em reunião de 20 de novembro de 1951,33 após quase dois anos da elaboração da declaração de 1950 e transcorridos cinco meses da redação da declaração de 1951 de adotar o texto da primeira declaração nos programas de suas escolas, assim como de dar-lhe ampla difusão. Esse fato permite lembrar a crítica apresentada na 1a CG-1946 por Torres de Bodet, quando se refere às dificuldades de realizar a educação preconizada noAtoConstitutivo da UNESCO, num mundo em que continuam a prevalecer os abusos do imperialismo, a lei do mais forte e, sob formas veladas, o orgulho arbitrário das grandes potências e os preconceitos de raças que se crêem superiores. (Citado por Bekri, 1991, p. 125) Esse problema, explicitado por Torres de Bodet em 1946, pode ser ainda detectado em 1951, quando, a fim de desvincular grupos nacionais de grupos raciais, a expressão os ingleses é retirada da primeira redação, do parágrafo três da declaração elaborada nesse ano, em virtude da argumentação de J. C. Trevor. Ressaltando sua origem galesa para evitar interpretação estranha ao seu objetivo de precisão, o professor da Faculdade de Arqueologia da Universidade de Cambridge afirma que, diferentemente dos franceses e dos ale- mães, cuja heterogeneidade racial fora demonstrada