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A Indústria da Seca no Sertão Nordestino

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UEM – Geografia Regional do Brasil Profª Jaqueline T. Vercezi 
 
INDÚSTRIA DA SECA 
“Indústria da seca” é um termo utilizado para designar a estratégia de alguns políticos que 
aproveitam a tragédia da seca narregião nordeste do Brasil para ganho próprio. O termo começou a ser 
usado na década de 60 por Antônio Callado que já denunciava no Correio da Manhã os problemas da região 
do semi-árido brasileiro. 
Os problemas sociais no chamado “polígono da seca” são bastante conhecidos por todos, mas nem 
todos sabem que não precisava ser assim. A seca em si, não é o problema. Países como EUA que cultivam 
áreas imensas e com sucesso em regiões como a Califórnia, onde chove sete vezes menos do que no 
polígono da seca, e Israel, que consegue manter um nível de vida razoável em um deserto (Negev), são 
provas disso. 
A seca é um fenômeno natural periódico que pode ser contornada com o monitoramento do regime 
de chuvas, implantação de técnicas próprias para regiões com escassez hídrica ou projetos de irrigação e 
açudes, além de outras alternativas. Estes últimos, porém, são frequentemente utilizados para encobrir 
desvios de verbas em projetos superfaturados ou em troca de favores políticos. 
Os “industriais da seca” se utilizam da calamidade para conseguir mais verbas, incentivos fiscais, 
concessões de crédito e perdão de dívidas valendo-se da propaganda de que o povo está morrendo de fome. 
Enquanto isso, o pouco dos recursos que realmente são empregados na construção de açudes e projetos de 
irrigação, torna-se inútil quando estes são construídos em propriedades privadas de grandes latifundiários 
que os usam para fortalecer seu poder ou então, quando por falta de planejamento adequado, se tornam 
imensas obras ineficazes. 
O Açude do Cedro, em Quixadá (CE), é frequentemente utilizado como referência para descrever 
este tipo de empreendimento da indústria da seca: com capacidade para aproximadamente 126 milhões de 
m³, foi construído em pedra talhada à mão, com esculturas e barras de ferro importadas, mas que chegou a 
secar completamente no período de 1930 a 1932, durante um dos piores períodos de seca enfrentados pela 
região, ou seja, quando mais se precisava dele. Mais uma obra faraônica, na longa história de projetos 
faraônicos da indústria da seca. É claro que hoje a obra constitui um patrimônio histórico e cultural 
importante, mas é como distribuir talheres de prata para quem não tem o que comer. 
E a história se repete. A transposição do Rio São Francisco é um dos pontos principais da 
campanha do governo atual e é uma questão mais que polêmica. De um lado estão aqueles que defendem 
que a obra é legítima e poderá acabar com a seca do nordeste (senão todo, pelo menos grande parte dele). E 
de outro aqueles que defendem que a obra é mais um fruto da indústria da seca e que além de não resolver o 
problema, ainda pode agravá-lo ao alterar todo regime hídrico da região e pôr em risco um dos patrimônios 
naturais mais importantes do Brasil colocando em risco a sobrevivência do próprio rio. 
Assim a situação segue. Perpetuada antes pelo fenômeno político da chamada “indústria da seca” 
do que pelo fenômeno natural da “seca” em si, a tragédia que atinge grande parte da região nordeste 
brasileira e parte da região norte de Minas Gerais costuma ser utilizada (e supervalorizada) para justificar a 
fome e o subdesenvolvimento econômico e social da região que são, nada mais, do que o reflexo de uma 
administração duvidosa que faz fracassar qualquer tentativa de reverter este quadro com o intuito de fazer 
perdurar o modelo de poder vigente. 
 
INDÚSTRIA DA SECA, PODER POLÍTICO E POBREZA 
Por Liliana Peixinho 
A pesquisadora Liliana Peixinho percorreu dezenas de cidades nordestinas para ver de perto os horrores 
da pior seca dos últimos 50 anos. Registrou depoimentos de dor, captou conversas espontâneas em ambientes 
abertos e flagrou cenas cotidianas sobre a origem dos elos perversos entre a Política e a Indústria da Seca. 
O cenário da seca, Sertão Adentro, é de descaso, abandono, dor. As gestões municipais 
desconsideram estudos, previsões, diagnósticos. Resultados de pesquisas científicas com indicadores de 
ciclos climáticos servem mais para justificar a captação de recursos para elaboração de projetos e programas 
que não saem do papel, do que para ações reais de prevenção e cuidado com a vida. 
As previsões para 2013 é de continuidade da seca no Nordeste. E o povo continua sofrendo as 
consequências da falta de aplicação de ações para garantir a vida em seus diversos ciclos. 
A falta de planejamento fortalece articulações políticas para a liberação de recursos emergenciais 
alocados em rubricas que deveriam potencializar a riqueza local para a autosustentação comunitária. Mas, 
em campo, a lógica é perversa. Parece ser calculada para alimentar sistemas que não funcionam, como, 
Saúde, Educação, Moradia, Segurança. 
A miséria é alimentada em períodos longos por meio de programas como Bolsa Família e outros 
mecanismos de combate à fome. Funcionam no curto prazo e, ao longo dos anos, inibem a proatividade e a 
autosustentação . O plantio diminui, os pastos aumentam, a mata some e o lixo aparece. Além disso, os 
leitos dos rios ficam cada vez mais invisíveis e o povo, em agonia, faz de conta que vive. 
A informação circula rápido, de boca em boca, para cultuar valores descartáveis, incentivados por 
um modelo econômico que confunde crescimento com desenvolvimento. É mais fácil comprovar o sacrifício 
que famílias inteiras fazem para comprar um aparelho de tv de altas polegadas, em prestações à perder de 
vista, do que ver garantida a feira seminal, com alimentos saudáveis. Nessa sentido, é mais fácil conseguir a 
instalação de uma quadra de futebol e a manutenção de times, do que equipar uma escola com biblioteca e 
computadores a serviço da educação. 
Toma lá, da cá 
“Nunca vi tanto dinheiro solto, como nessas eleições! Os caras chegavam com os pacotes de mil 
reais, para conversar com os contatos das negociação de voto”. Essa foi a frase que ouvi de um senhor, o 
qual irei preservar aqui, numa conversa informal. Com a cara mais cínica do mundo. Sorriso largo, de quem 
sabe que não está agindo certo, parecia se justificar com a frase: “Oxe, quem está melhorzinho faz assim, e 
por que eu ficaria de fora?”. 
E quem entra na conversa com discurso ético é logo cotado como besta, ingênuo. O os argumentos 
populares assentem que não adianta pensar que a postura é errada. A justificativa é que, se um não faz, tem 
outro esperando a oportunidade pra fazer. Afinal, a “necessidade é grande e os filhos, aos montes, esperam 
por comida”. 
Entre a publicidade massiva dizendo que faz, e a percepção da realidade, as evidências se expõem 
em caminhos sujos, degradados, tristes. A falta de acesso à água para sanar problemas de perdas na 
agricultura, comércio e as cadeias de produção em torno da garantia da vida, é histórica e não basta 
denunciar, é preciso fechar o ciclo de crimes impunes. 
O cidadão, que fortalece o poder político, continua sendo controlado através de contrapartidas 
eleitoreiras de enganação. E o Sertão é alvo histórico nesse processo.
 O Bolsa Família e outros sistemas de 
manutenção da miséria que possuem relação direta com a falta de produção de culturas tradicionais de roças 
em cidades do Nordeste brasileiro. 
 
Degradação e vida 
“Faz mais de cinco anos que a gente não consegue mais plantar e colher como antes. Agora temos 
que comprar tudo na cidade, o feijão, a farinha, o milho e até a mandioca – que a gente sempre fez a tapioca. 
Agora compramos o polvilho, já refinado”, diz 
o pequeno agricultor Eroncio Porciono, 54 anos. Pai de dois 
filhos recebe benefício do governo e usa para comprar a cesta básica na cidade. No entanto, écom muitas 
dificuldades que sobrevive, inclusive para manter os filhos na escola, já que estudam longe de sua casa. 
O Sertão está sedento de cuidados, justiça, atenção e respeito ao seu povo. Na Bahia, por exemplo, 
dos 417 municípios do estado, mais da metade, cerca de 240 prefeituras, solicitaram o “decreto de estado de 
emergência”. Usado mais como ato político eleitoreiro, na criminosa compra de votos, do que para aquilo 
que o povo necessita e tem direito. 
Perdas em cadeia 
Um olhar contextualizado Sertão adentro, revela que a água é utilizada como moeda forte de troca. 
No curto tempo, na emergência de socorrer a vida, banaliza-se os meios políticos utilizados para, a longo 
prazo, aumentar o sofrimento nordestino, registrado em lentes ampliadas. 
Essa resistência aos efeitos negativos da seca alimenta a injeção gorda de recursos em programas 
como Água pra Todos, Combate à Pobreza e à Miséria, dentre outros espalhados em Ministérios. Os desvios 
e desperdícios agem rápido no agravamento das mazelas, capitalizadas pela velha e perversa política 
coronelista, que só mudou de nome, mas ainda permanece como herança maldita entre gerações para 
garantia de votos. 
As perdas, essas sim, são transversais, e acumulam saldos culturais, pessoais e psicológicas, em 
cadeias sucessivas. Nesse cenário, mais de dois milhões de pessoas fragilizadas engrossam as filas para se 
curvar e receber migalhas em forma de cestas básicas, remédios, jogos de camisas de futebol, consultas 
médicas apressadas – para fazer de conta que cuidam da vida, pendurada em cabides de subemprego. 
O grande projeto político é a capitalização dos votos, em sistemas históricos de exploração, 
herdados do clientelismo, travestido em política inclusiva. Associações, sindicatos, ONGs e coletivos 
diversos integram um engendrado sistema de captação de recursos construídos em representações de cargos 
politicos. O intuito é disputar editais forjados, processos seletivos escamoteados, contratação de consultorias 
técnicas, empregos e cargos arranjados por indicação, num sistema de controle total dos recursos. 
Água como moeda 
O uso da água como moeda de troca é histórico. A capitalização política da miséria nordestina foi 
exposta por Josué de Castro como “Nordeste inventado”, na obra Geografia da Fome de 1984. Ao 
inserirmos a discussão sobre o acesso à água e outros direitos básicos não assegurados a Bahia, por exemplo, 
se destaca entre os menores índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). 
Manifestações populares de peso como a mobilização contra projeto de transposição das águas do Rio São 
Francisco, apoiada por diversas representações comunitárias de todo o Brasil em outubro de 2005 chamaram 
atenção internacional sobre o valor e importância da água nas comunidades historicamente excluídas desse direito. 
Mas o paradoxo entre o que se diz e que está sendo feito, como o discurso político empresarial, e a 
realidade apresentada pela falta da ação concreta, in loco, não interessa detalhar para não se repetir. É nesse 
cenário, contudo, que o sofrimento do nordestino vira tese de doutorado, roteiro de filme, peça teatral, letra 
de música. Espaços nos quais a estética mais capitaliza a dor do que contribui para resolução de problemas. 
*Liliana Peixinho é jornalista, especialista em Jornalismo Científico e Tecnológico, com atuação em Mídia, 
Meio Ambiente e Sustentabilidade. Ativista socioambiental, fundadora dos Movimentos Amigos do Meio 
Ambiente (AMA) e Rede de Articulação e Mobilização Ambiental (RAMA). 
 
Fontes 
http://www.fundaj.gov.br/notitia/ 
http://super.abril.com.br/superarquivo/1994/conteudo_114129.shtml 
http://www.manuelzao.ufmg.br/ 
http://www.cienciaecultura.ufba.br/agenciadenoticias/noticias/industria-da-seca-poder-politico-e-pobreza/

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