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BAGATINI, A. Anestesia, a Vitória sobre a dor

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Anestesia
a vitória sobre a dor
DIRETORIA DA SARGS 2000
Presidente: Ildo Meyer
Diretor Administrativo: Paulo Evangelista
Diretor Científico: Florentino Mendes
Diretor Financeiro: Silvio Perez
DIRETORIA DA SARGS 2001
Presidente: Ildo Meyer
Diretor Administrativo: Jordão Chaves de Andrade
Diretor Científico: Fernando Squeff Nora
Diretor Financeiro: Silvio Pérez
A579 Anestesia: a vitória sobre a dor / Airton Bagatini ... [et al.]. Porto
Alegre : SARGS, 2001.
14x21cm. ; 99p.
1. Anestesia. I. Bagatini, Airton.
CDU 612.887
Catalogação na publicação: Leandro Augusto dos Santos Lima – CRB 10/1273
AIRTON BAGATINI • ALIDA VITÓRIA ALVARES FUHRMEISTER
ELAINE FELIX FORTIS • FERNANDO NORA
FLORENTINO MENDES • ILDO MEYER
JORDÃO CHAVES DE BARROS • JAMES MANICA
LUIZ ALFREDO JUNG • PAULO EVANGELISTA
Anestesia
a vitória sobre a dor
Edição comemorativa dos 50 anos da SARGS
Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul
PORTO ALEGRE 2001
 Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul, 2001
Capa:
VIOLETA GELATTI LIMA
Editoração eletrônica:
AGE - ASSESSORIA GRÁFICA E EDITORIAL LTDA.
Diagramação:
LAURI HERMÓGENES CARDOSO
Supervisão editorial:
PAULO FLÁVIO LEDUR
Reservados todos os direitos de publicação à
SARGS - Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Apresentação
A anestesia como especialidade médica no Brasil já comple-
tou 50 anos. Apesar disso, os temores da população em relação ao
ato anestésico ainda permanecem elevados. Diariamente profis-
sionais da área médica respondem a questionamentos tais como:
– Será que vou morrer da anestesia?
– Pode haver perigo de uma reação alérgica à anestesia?
– É verdade que se pode ficar paralítico após uma anestesia?
– Não tenho medo da cirurgia, mas sim da anestesia!
Efetivamente, essas ponderações têm certa razão de existir.
No passado, o ato considerado mais nobre e que promovia a cura
do paciente era a cirurgia, sendo a anestesia relegada a um plano
secundário e executada por estudantes de Medicina, enfermeiras
ou paramédicos. O médico se preocupava apenas em operar com
rapidez, e necessitava que não houvesse movimentos do paciente
durante o procedimento. Muitos acidentes aconteciam.
Com o surgimento de cursos de especialização em anestesia
para médicos, com a fundação de sociedades de anestesistas e com
a conscientização da importância e dos riscos de uma anestesia,
iniciou-se uma padronização na maneira de realizar a anestesia,
para que não ocorressem acidentes.
Porém, o mito de que a anestesia era perigosa e muitas vezes
fatal já havia sido criado. O conceito de que o anestesista era um
“mal necessário” já estava estabelecido.
Os gregos pouco sabiam sobre a maneira como o mundo
funcionava (segundo demonstraram mais tarde as leis de Newton
e de Einstein, entre outros), mas desenvolveram um sistema de
pensamento muito bem articulado. Quando uma pessoa se en-
contra frente a algo incomum (anestesia/cirurgia), desenvolve um
raciocínio de como as coisas vão funcionar. Quanto menos ela
souber, mais complexa será sua rede de pensamento.
As fantasias do que acontecerá enquanto estiver dormindo,
ou sobre o tamanho e as conseqüências da injeção realizada nas
“costas” são intermináveis.
O objetivo inicial desta obra é a informação. Nos próximos
capítulos explicaremos quem é o anestesista, as técnicas utilizadas,
as formas de monitorização e segurança, o controle da dor duran-
te a cirurgia e no pós-operatório, as maneiras de diminuir a ansie-
dade, a anestesia e a analgesia para o parto, a forma de cobrança
de honorários e a evolução da anestesia através da história.
Na medida em que a população aumentar seus conhecimen-
tos em relação à anestesia, aumenta sua participação e interação
no procedimento, tornando-se parceira do anestesista, vendo-o
não mais como um “mal necessário”, mas como um guardião, um
profissional que lançará mão de todos os esforços, tecnologias e
medicamentos disponíveis para que o ato anestésico-cirúrgico possa
acontecer dentro do maior conforto e segurança.
A Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul tomou
a iniciativa de editar este livro para que a população, aumentando
seu nível de conhecimento, saiba como é segura a realização de
uma anestesia e assim diminua a ansiedade quando houver a ne-
cessidade da presença de um anestesista durante um procedimen-
to cirúrgico ou diagnóstico.
Sumário
1 - E A DOR ESTAVA VENCIDA... .......................................................................... 9
OS PIONEIROS ............................................................................................................... 9
WILLIAM THOMAS GREEN MORTON ............................................................. 12
DA CIRURGIA DENTÁRIA ÀS GRANDES CIRURGIAS ................................ 14
OS DIFERENTES PREÇOS DOS INVENTOS .................................................... 16
2 - O QUE FAZ O ANESTESIOLOGISTA ........................................................ 21
3 - O QUE É A ANESTESIA .................................................................................... 23
4 - TIPOS DE ANESTESIA ...................................................................................... 25
ANESTESIA GERAL ..................................................................................................... 25
Tipos de anestesia geral .............................................................................................. 25
ANESTESIA REGIONAL OU CONDUTIVA....................................................... 26
Tipos de anestesia regional ........................................................................................ 27
5 - ETAPAS DA ANESTESIA .................................................................................... 29
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA ............................................................................ 29
ANESTESIA PROPRIAMENTE DITA .................................................................... 29
Preparo ........................................................................................................................... 29
Indução, manutenção e recuperação ....................................................................... 31
Como o vôo de um avião... ....................................................................................... 32
RECUPERAÇÃO PÓS-ANESTÉSICA ..................................................................... 33
6 - COMO COLABORAR PARA O SUCESSO DA ANESTESIA? ........ 35
7 - COMO É FEITA A ANESTESIA ...................................................................... 37
ANTES ............................................................................................................................... 37
AS TÉCNICAS E AS DROGAS DE ANESTESIA ................................................. 38
DE OLHO NOS EFEITOS DAS DROGAS ........................................................... 43
8 - A DOR: UM BEM OU UM MAL? .................................................................. 45
PRECONCEITOS .......................................................................................................... 46
PAGANDO A DÍVIDA ................................................................................................. 46
CONCEITOS ATUAIS ................................................................................................. 47
CLASSIFICAÇÃO DAS DORES ............................................................................... 48
CONSEQÜENCIAS DA DOR ................................................................................... 49
COMO SE MEDE A DOR .......................................................................................... 51
O TRATAMENTO DA DOR ...................................................................................... 539 - CONSULTÓRIO DE ANESTESIA ................................................................. 61
ENTREVISTA PREPARATÓRIA............................................................................... 63
A IMPORTÂNCIA DO JEJUM ................................................................................. 65
CONCLUSÃO................................................................................................................. 66
10 - MEDO DA ANESTESIA ................................................................................... 67
MEDOS MAIS FREQÜENTES ................................................................................. 68
A PRESENÇA DO MEDO DA MORTE ................................................................ 69
MEDO DE LESÕES ...................................................................................................... 71
MEDO DE DOR E DESCONFORTO .................................................................... 71
O ALÍVIO DO ACORDAR ......................................................................................... 72
O MEDO DA DOR APÓS A ANESTESIA ............................................................. 73
O MEDO DE PERDER O OBJETO CUIDADOR.............................................. 74
A RELAÇÃO PACIENTE/ANESTESIOLOGISTA ............................................... 75
COMO ENFRENTAR O MEDO .............................................................................. 76
11 - DESMITIFICANDO O CHOQUE ANAFILÁTICO ......................... 79
OS MECANISMOS DE DEFESA .............................................................................. 79
TESTES DE SEGURANÇA ......................................................................................... 82
COMO DIAGNOSTICAR O CHOQUE ANAFILÁTICO ............................... 83
PREVENÇÃO E TRATAMENTO ............................................................................. 85
12 - ANESTESIA E GESTAÇÃO ............................................................................ 87
CIRURGIAS DURANTE A GRAVIDEZ ................................................................. 91
13 - OS HONORÁRIOS DO ANESTESIOLOGISTA ................................. 93
14 - COMO SE ORGANIZAM OS ANESTESIOLOGISTAS? ................ 97
 ANESTESIA 9
“Senhores, isto não é uma farsa.”
Com essa frase, o Dr. John Collins Warren saudou
o surgimento de uma nova era que iria revolucionar a
Medicina e a cirurgia, abrindo novos e vastos horizon-
tes: a dor estava vencida.
No dia 16 de outubro de 1846,
pouco depois das dez horas, era mos-
trado ao mundo médico e ao público
que a dor estava banida da sala de cirurgia, porque na-
quela manhã surgira a anestesia.
Na verdade, a anestesia não surgiu de repente, num
lampejo de genialidade, num rasgo de divindade. Desde
o início o homem procurou, incansavelmente, livrar-se
da dor.
OS PIONEIROS
Passemos rapidamente pelos feiticeiros, sacerdotes,
alquimistas, pelas poções, pela mandrágora, pelas ervas,
pelo hipnotismo e acompanhemos mais de perto os pre-
cursores, “os profetas”.
Joseph Priestley, um inglês que serviu a dois altares:
ao de Deus e ao seu laboratório, porque ele era pastor e
químico, descobriu o oxigênio em 1771 e, no ano se-
guinte, o protóxido de azoto. Era uma época de grandes
alterações e progressos: surgia a indústria, a Revolução
A dor estava banida
da sala de cirurgia.
1
E a dor estava vencida...
10 ANESTESIA
Francesa tomava vulto, ferviam as questões políticas na
Inglaterra, dividia-se o clero. Priestley simpatizava com
a Revolução Francesa e escolheu o lado errado na ques-
tão religiosa, sendo perseguido e acusado de traidor. Os
fanáticos queimaram sua casa e destruíram seus traba-
lhos. Foi obrigado a fugir, vindo para a América para
continuar suas pesquisas.
Humphry Davy, outro inglês, estudou os trabalhos
de Priestley e resolveu inalar o protóxido de azoto, ainda
que todas as sumidades da época afirmassem que era
nocivo e mortal. Aspirou a primeira vez,
a segunda vez, mais outras e, em vez de
morrer, começou a pular e rir. Nos dias
seguintes, continuou com as sessões de
inalação, notando que o protóxido de azoto acabara com
a dor de dente que o estava incomodando.
Continuou os estudos e realizou reuniões em que
seus amigos inalavam o gás hilariante por divertimento.
Publicou um livro, em que afirma, já em 1798, que seria
sem dúvida recomendável empregar o protóxido de azo-
to contra as dores cirúrgicas.
Em 1805, o químico alemão Sertuerner isolou a
morfina do ópio (terminou seus dias sofrendo repetidos
ataques de gota, e a morfina, ironicamente, não mais lhe
trazia alívio).
Michael Faraday, em 1818, descreveu os efeitos ine-
briantes do éter e o comparou com o gás hilariante.
Em 1824, Henry Hill Hickmann, médico inglês,
procurou a Royal Society na Inglaterra e a Academia Fran-
cesa de Medicina, para demonstrar seu método de abolir
a dor cirúrgica com gás carbônico e com o gás hilariante.
Ofereceu-se como voluntário, sendo ridicularizado e
chamado de louco, pois, segundo Velpeau, “o bisturi e a
Em vez de morrer,
começou a pular e rir.
 ANESTESIA 11
dor são inseparáveis numa sala de cirurgia”. Negaram-
lhe a oportunidade pedida. Desanimado e acabrunha-
do, morreu aos vinte e nove anos de idade.
Nos Estados Unidos, por volta de 1830, andavam
muito em voga os ether-parties, reuniões nas quais quem
quisesse poderia respirar éter ou gás hilariante, para sen-
tir emoções novas, onde riam, pulavam e dançavam sob
o efeito dos gases (não era por falta de LSD que eles
iriam ficar quietos). Espetáculos eram realizados nas pra-
ças e teatros, fazendo os interessados atuarem ao embalo
do éter ou do gás hilariante.
No Estado da Geórgia, na cidade de Jefferson, Craw-
ford Williamson Long não pôde assistir a uma apresen-
tação, pois fora atender um paciente. Seus amigos lhe
contaram como foi o espetáculo e ele decidiu fazer algu-
mas demonstrações experimentais, principalmente com
as moças da cidade, já que era jovem e
simpático. Notou que, depois de ina-
lar o éter, apresentava inúmeras man-
chas arrocheadas e dolorosas pelo cor-
po, mas não recordava como apareci-
am. Concluiu que o éter deveria ser a causa da ausência
da dor. Depois de muito pensar e repetir inalações, re-
solveu e operou alguns pacientes sob o efeito do éter. E
eles não sentiram dor. Operou oito pacientes, mas os
moradores da cidade começaram a reclamar “que alguém
acabaria morrendo, que desistisse de suas tentativas dia-
bólicas”. A 30 de março de 1842, extirpou um tumor do
pescoço de James Venable, sob a ação do éter. Como era
médico numa área rural, não divulgou seus trabalhos aos
meios científicos.
No Estado de Connecticut, o dentista Horace Wells
e sua esposa foram assistir a uma demonstração do gás
Concluiu que o éter
deveria ser a causa da
ausência da dor.
12 ANESTESIA
hilariante. Doze voluntários se apresentaram, “oito vi-
gorosos homens ocupavam a primeira fila para proteger
a platéia de alguma violência partida dos voluntários sob
o efeito do gás”. Wells notou que um dos voluntários,
sob o efeito do gás, machucara o joelho, que sangrava
abundantemente. Interrogado por Wells, a vítima asse-
gurou que nada sentira.
No dia seguinte, 11 de dezembro de 1844, Wells
pediu para um colega lhe extrair um dente sadio enquanto
ele inalava o gás hilariante. A partir de então, passou a
extrair dentes dos clientes com o auxílio do gás. Em se-
guida fez uma demonstração em Boston, na Faculdade
de Medicina. Como não dominasse ainda a técnica de
administração do gás, ele o fez de maneira inadequada e
insuficiente, pois temia um acidente; resultado: o pa-
ciente urrou durante a extração. Sob os gritos de canalha
e charlatão, voltou para sua cidade. Mas não desistiu.
Fez outra demonstração pública, deu bastante gás, e o
paciente quase morreu, matando em Wells avontade de
usá-lo. Dedicou-se à criação de canários, depois passou a
vender quadros, comprando na França e vendendo, com
lucros, para os amadores americanos.
WILLIAM THOMAS GREEN MORTON
Era um dentista da cidade de Boston. Tinha traba-
lhado com Wells, mas o consultório não progredira como
desejaram e em pouco tempo Wells voltou para sua ci-
dade, Hartford. Morton persistiu e a situação melhorou,
podendo até pagar as dívidas que fizera. Naquela época,
procurava-se um método para fixar com segurança as
coroas sobre as raízes dos dentes. Morton conseguiu uma
 ANESTESIA 13
massa especial, que permitia fixar solidamente os dentes
artificiais sobre as placas de ouro. Era uma perspectiva
rentável, mas a colocação dos aparelhos e dentes artifi-
ciais era extremamente dolorosa e os
clientes desistiam. A dor prejudicava
seu negócio. Reiniciou seus estudos de
Medicina, que havia abandonado por
falta de recursos. Ficou sabendo, por
um médico e químico famoso, Charles Jackson, que o
éter, aplicado localmente, insensibilizava a pele.
Nessa época, Wells fracassava na demonstração com
o gás hilariante. Morton achou que poderia substituir o
gás pelo éter. Lendo e estudando, encontrou o trabalho
de Faraday, que comparava o éter com o gás hilariante.
Começou a fazer experiências com o cãozinho da espo-
sa. Ela descobriu e fez uma enorme cena doméstica.
Depois, quem desapareceu foi o peixinho dourado; a
empregada não achou a galinha para o assado, tendo sido
achada no laboratório. De outra feita, o próprio Morton
foi encontrado inconsciente, pela esposa. Persistindo,
Morton conseguiu dois estudantes para observar os efei-
tos do éter nos seres humanos, mas, covardemente, eles
não apareceram para a segunda sessão...
Morton estava com problemas e não queria recor-
rer ao Doutor Jackson, que não era de muita confiança
(Jackson encontrara Samuel Morse, numa viagem de
navio, e ficou sabendo das pesquisas de Morse que resul-
tariam na descoberta do telégrafo. Quando Morse deu a
público sua invenção, Jackson foi para os jornais, dizen-
do que ele é quem tinha dado a pista para Morse e que
Morse era um ladrão). Mas acabou procurando Jackson.
Soube, então, que o éter que usara, e em gotas, era o éter
clorídrico, de ação local. Para inalação, deveria ser usado
A colocação dos aparelhos
e dentes artificiais era
extremamente dolorosa.
14 ANESTESIA
o éter sulfúrico, bem retificado e sem impurezas. Com-
prou o éter sulfúrico e o inalou em casa.
Na noite de 30 de setembro de 1846 extraiu um
dente de Eben Frost, com o auxílio do éter, iniciando
“uma nova era na cirurgia dentária”.
DA CIRURGIA DENTÁRIA
ÀS GRANDES CIRURGIAS
Na manhã do dia seguinte, foi ao cartório registrar sua
invenção. Enquanto seus colegas protestavam contra essa
“descoberta nefasta”, seu consultório estava sempre cheio.
E Morton passou a considerar a possibilidade de
usar seu invento na “grande cirurgia”. Começou a aper-
feiçoar um aparelho para administrar
éter. Os cirurgiões não lhe davam ou-
vidos. Resolveu tentar a sorte no Hos-
pital Geral de Massachusetts, Boston,
cujo fundador e diretor era o Dr. Warren. Não foi fácil
entrar no hospital, tendo esperado toda a manhã e boa
parte da tarde, para conversar e convencer o Dr. Warren
para que lhe desse uma chance. O Hospital Geral era o
maior da América e todos os dias apareciam aventurei-
ros querendo provar algo sensacional.
No dia 16 de outubro de 1846, às dez horas, seria
operado Gilbert Abbott, portador de um tumor sob o
maxilar direito, e Morton teria sua oportunidade.
Na véspera, Morton ficou trabalhando até as duas
horas da madrugada. Eram 10h15min da manhã; na sala
de cirurgia, o paciente já estava deitado, o cirurgião já se
impacientava, a assistência começava a se agitar, surgiam
risos, piadas, e Morton não aparecia.
Os cirurgiões não lhe
davam ouvidos.
 ANESTESIA 15
A cirurgia ia começar no sistema tradicional: à for-
ça. Então Morton irrompeu na sala, esbaforido pela cor-
rida. Trazia junto o músico Eben Frost, como testemu-
nha. O atraso foi causado pelo fabricante do seu novo
inalador, que quase o aprontou tarde demais. Pediu des-
culpa pelo atraso, montando seu aparelho sob o olhar
irônico e descrente de todos. Começou a trabalhar, di-
zendo para Warren:
– Senhor, o paciente é seu.
Morton tinha tudo para fracassar. Devia ter chega-
do cedo para preparar tudo, e chegou tarde; precisava ter
calma para controlar a situação, mas
devia estar com os nervos à flor da pele;
devia sentir-se seguro, mas não domi-
nava o assunto, e o aparelho era gros-
seiro; o paciente não estava devidamen-
te preparado; e por último, naquela sala,
a única pessoa que acreditava em Wil-
liam Thomas Green Morton era William Thomas Green
Morton...
A cirurgia terminou e Warren virou-se para uma
assistência estática:
– Senhores, isto não é uma farsa.
Nenhuma descoberta é resultado isolado, levado a
termo por um único homem: Roentgen usou o tubo com
vácuo, criado por Crookes, quando descobriu os raios
X; Colombo usou um compasso criado por outro; Wells
usou o gás hilariante formulado por Priestley; Lister
empregou a teoria de Pasteur para tornar a cirurgia as-
séptica.
Por sugestão do médico e poeta Oliver Wendell
Holmes, aquela ciência passou a chamar-se anestesia,
palavra grega que significa ausência de sensações.
A única pessoa que
acreditava em William
Thomas Green Morton
era William Thomas
Green Morton...
16 ANESTESIA
OS DIFERENTES PREÇOS DOS INVENTOS
Morton tinha vinte e sete anos de idade. Diferia com-
pletamente de Wells, que era sonhador, tímido, observa-
dor, sério. Morton era ambicioso; queria dinheiro, roupas,
posição social. Morton era fleugmático, lutando com unhas
e dentes contra as investidas de Jackson, habilidoso e em-
preendedor; Wells era facilmente desen-
corajado, deprimia-se, era influenciado
pelos outros. Nem Morton nem Wells
eram cientistas, mas Robert Koch e Tho-
mas Edison também não eram.
Dizem que a sorte ajuda os auda-
ciosos, e isso é verdade quanto a Mor-
ton. Wells não teve sorte. A única vez que não se pode
falhar é quando se tenta pela última vez. Wells falhou.
Morton, para provar que o éter não era explosivo, acen-
deu fogo a poucos centímetros da boca de um paciente
que inalava o éter, e nada aconteceu.
Morton não dominava a administração do éter, mas
obteve bom resultado, porque seu paciente era magro,
filho de tuberculoso, e apenas administrou o anestésico.
Wells teve um paciente forte; devia fazer a anestesia e
extrair o dente, ao mesmo tempo. Deu pouco anestésico
e falhou. Morton lembrou-se do que acontecera a Wells,
e foi mais generoso na quantidade usada.
A assistência de Wells, sabendo que era protóxido
de azoto o agente empregado, já ia duvidosa dos resulta-
dos. Morton, mais artista, mais misterioso, não disse qual
era o agente. Chamou-o Leteon (um rio da Grécia cujas
águas tinham a capacidade de fazer esquecer a dor), ten-
do acrescentado drogas perfumadas e corantes, para dis-
farçar o cheiro do éter, e isso colaborou para o suspense.
Nem Morton nem
Wells eram cientistas,
mas Robert Koch e
Thomas Edison
também não eram.
 ANESTESIA 17
Quando Morton administrou o éter para uma ci-
rurgia grande, falhou completamente, mas como era
paciente particular, não havia assistência. Por ocasião da
segunda grande cirurgia, o cirurgião, não confiando
muito em Morton, receitara, primeiramente, cem gotas de
tintura de ópio, e com essa medicação Morton facilmente
administrou o éter, agora na presença de assistentes.
O aparelho usado por Wells era de borracha e se
perdeu. O edifício onde foi feita a demonstracão fracas-
sada acabou destruído. O aparelho de
Morton é peça de museu, o hospital
ainda existe e a sala onde foi realizada a
primeira anestesia está intacta, com as
peças nos devidos lugares,como um
tabuleiro de xadrez onde a dor recebeu xeque-mate.
Wells comprava seus quadros na França e lá ouvia
todos falarem de Morton; apenas a Academia Francesa
disse ser ele o merecedor das glórias, e não Morton.
Amargurado, Wells acabou viciado em éter e cloro-
fórmio, sentindo-se feliz sob o efeito dessas drogas. Aca-
bou jogando vitríolo em mulheres que passeavam na
Broadway. Foi preso e, em meio a grande desespero, sui-
cidou-se, após ter inalado clorofórmio e rasgado a arté-
ria femural com uma tesoura. Tinha 33 anos de idade.
Dias depois lhe chegaria da França o título de Ben-
feitor da Humanidade, concedido pela Academia Fran-
cesa.
Após o sucesso da manhã de 16 de outubro, Mor-
ton foi para casa às quatro horas da madrugada. E, se as
palavras diziam que ele tinha saído vencedor, a expressão
de seu rosto era de tristeza. Morton era dentista; os den-
tistas não anunciavam suas descobertas e ele quis regis-
trar, explorar seu invento, escondendo a composição do
Um tabuleiro de xadrez
onde a dor recebeu
xeque-mate.
18 ANESTESIA
Leteon. Entretanto, cedeu seus aparelhos para os hospi-
tais de caridade e ele mesmo administrava a anestesia,
até que foi impedido de continuar suas atividades se não
anunciasse a composição do Leteon. A magia do Lete-
on, uma vez revelada, perdeu o impacto e seu descobri-
dor viu sua importância diminuída.
Jackson escreveu para a França e outros países da
Europa dizendo ser ele o criador da anestesia e que
Morton era apenas seu aluno e empregado, que Mor-
ton fora mandado fazer a anestesia no Hospital Geral.
Em 1850, a Academia Francesa iria declarar Jackson
o descobridor da anestesia. Apenas Velpeau discordou,
dizendo que a anestesia tinha sido feita com o méto-
do e o aparelho de Morton. Então, o prêmio foi re-
partido entre os dois. A Jackson, pela idéia (imediata-
mente recolheu os dois mil e quinhentos francos), e,
pela aplicação da idéia, para Morton, que se recusou a
receber o dinheiro. Como o dinheiro deveria ser em-
pregado num prêmio, os franceses resolveram fazer
uma medalha comemorativa dedicada a Morton, sem
constar o nome de Jackson.
Colocaram uma coroa de louros para completar o
valor dos dois mil e quinhentos fran-
cos.
Por meio de uma antiga emprega-
da de Morton, Jackson obteve contas
pagas dos antigos clientes de Morton. E em nome de seu
inimigo, enviou novamente essas contas. Morton aca-
bou perdendo toda sua clientela. Os credores entravam
em sua casa, levando seus pertences para compensar as
contas não pagas. Sua casa foi vendida em leilão, e por
obra de amigos, que a compraram, continuou morando
nela, com a esposa e cinco filhos.
Morton acabou perdendo
toda sua clientela.
 ANESTESIA 19
Enquanto isso, o presidente do comitê médico do
Hospital Geral de Massachusetts reunia-se com Warren,
Oliver Holmes e outros, para tomar uma atitude em be-
nefício de Morton e sua família. Quando o comitê en-
trou naquilo que deveria ser a casa de Morton, na peça
que tinha sido a sala de visitas, os visitantes puderam
notar nas paredes as marcas deixadas pelos quadros que
antes ali existiam. Morton iniciou um gesto de mandar
os visitantes sentarem, mas parou, porque não havia mais
cadeiras. Emocionado, recebeu uma caixa de prata con-
tendo dez notas de cem dólares e ficou olhando seus sal-
vadores, que saíram mudos, lenta e silenciosamente.
No Congresso dos Estados Unidos, Daniel Webs-
ter propôs um prêmio de cem mil dólares para Morton,
que vai a Washington, sendo recebido como herói na-
cional. Jackson protesta, exigindo o prêmio e atrasando
a entrega. Warren defende Morton, que saiu vencedor.
Wells já tinha morrido e Jackson foi falar com a
viúva, dizendo que o prêmio era dela. Mais demoras,
mais comissões, mas Morton venceu novamente, e Jack-
son apelou para Long como último recurso, dizendo que,
pouco tempo antes de Long, ele já conhecia o poder do
éter, podendo reclamar e dividir o prêmio. Long não acei-
tou a divisão, mas o processo se arrastou.
Certa feita, na frente da casa de Morton, queima-
ram um boneco que o representava, enquanto o chama-
vam de ladrão e canalha. No dia seguinte, ele teve uma
crise de choro e desespero. Nesse mesmo dia, a primeiro
de dezembro de 1862, por decisão da maioria do Con-
gresso era anulado o prêmio de cem mil dólares a ele
destinado.
Tempos depois, um velho, numa casa de penhores,
perguntava quanto valia uma medalha de ouro. O dono
20 ANESTESIA
da casa examinou a medalha e leu: “Ao benfeitor da hu-
manidade W. T. G. Morton”.
– De onde você roubou esta me-
dalha? – pergunta intrigado.
– Não roubei. Eu sou o Doutor
Morton. Preciso do dinheiro, porque
amanhã não teremos nada para comer.
A 15 de julho de 1868, Morton descansou.
Os progressos acumularam-se desde então, mas
pouco mais de um século nos separa dos profetas Pries-
tley, Davy e Hickmann, dos pioneiros Long, Wells e
Morton, e diariamente suas memórias são reverenciadas
quando se diz ao cirurgião: “Senhor, o paciente é seu”.
“Ao benfeitor da humani-
dade W. T. G. Morton”.
 ANESTESIA 21
Anestesiologistas são médicos que cuidam da vida
durante a realização de um procedimento cirúrgico ou
de um exame diagnóstico ou terapêutico. Como médi-
cos, cursaram seis anos de faculdade de Medicina e como
especialistas na área, cumpriram, no mínimo, dois anos
de especialização em Anestesiologia. A denominação anes-
tesista tem um caráter mais genérico e pode ser usada para
denominar qualquer pessoa ou médico que faz anestesia.
Segundo a Sociedade Brasileira de Anestesiologia, a
melhor denominação para o especialista da área da anes-
tesia é de anestesiologista.
Anestesiologistas são médicos com especialização e
treinamento, responsáveis pela avaliação do paciente,
escolha da técnica anestésica adequada, administração
da anestesia, vigilância e manutenção dos sinais vitais
(respiração, circulação e outros) e recuperação dos efei-
tos da anestesia. O anestesiologista domina conhecimen-
tos fundamentais para a avaliação pré-anestésica, medi-
cina de pacientes graves (UTI) e traumatizados, reani-
mação, controle da dor pós-operatória e da dor crônica.
A anestesiologia é uma especialidade médica de atu-
ação multidisciplinar. Exige conhecimentos profundos
de medicina clínica e cirúrgica, principalmente da fisio-
logia, da farmacologia e da fisiopatologia. Além de co-
nhecer os medicamentos utilizados pelos pacientes, são
necessários sólidos conhecimentos sobre como funcio-
nam os medicamentos anestésicos.
2
O que faz o anestesiologista
22 ANESTESIA
Ao anestesista cabe ainda dominar as técnicas para
realizar procedimentos como bloqueios anestésicos, ter
conhecimento prático e experiência no manuseio de apa-
relhos e equipamentos, assim como dos métodos e meios
de monitorização, invasivos e não-invasivos. Essas habi-
lidades envolvem outras áreas do conhecimento, tais
como: Física, Química, Eletricidade e Bioengenharia.
O papel do anestesiologista e sua responsabilidade
transcendem os limites físicos da sala de cirurgia. Além de
ser o intensivista da sala de cirurgia, exis-
te a necessidade de o anestesista conhe-
cer e saber se conduzir em cada procedi-
mento anestésico, bem como no pós-ope-
ratório imediato, de acordo com as pe-
culiaridades específicas de cada caso ci-
rúrgico. Ademais, dentre diversas outras
atividades profissionais dos anestesiolo-
gistas, podemos citar: o tratamento da dor aguda ou pós-
operatória, o tratamento da dor crônica, em consultórios
de avaliação pré-anestésica, em medicina de emergência,
em equipes de resgates e ambulâncias. Em algumas locali-
dades, os anestesiologistas participam de equipes ou chefi-
am Unidades de Cuidados Intensivos (UTIs), podem ser
professores em universidades, exercer cargos administrati-
vos e de chefia em unidades cirúrgicas.
Aliviar a dor, bloquear aconsciência, monitorizar o
organismo, manter as funções vitais, principalmente a
respiração, a estabilidade cardíaca e vascular, prover re-
posição de líquidos (soroterapia) e de sangue (transfu-
são), manter a temperatura corporal, diagnosticar pro-
blemas que podem acontecer durante a realização do pro-
cedimento e tratar sempre que necessário, essas são as
funções básicas exercidas pelo anestesiologista antes, no
transcorrer e após o ato operatório.
O papel do
anestesiologista e
sua responsabilidade
transcendem os limites
físicos da sala de cirurgia.
 ANESTESIA 23
Anestesia, palavra de origem grega, significa “priva-
ção da sensação”; portanto, é uma condição de ausência
de sensações, sejam elas dolorosas, táteis, olfatórias, de-
gustatórias ou visuais. Significa levar o paciente ao esta-
do de anestesia, isto é, privá-lo de todas as sensações,
entre elas a dor. É uma tarefa complexa e delicada que
exige habilidade clínica, conhecimento de técnicas e arte
ao executá-las.
A palavra médico vem do latim medicare, que sig-
nifica aliviar a dor. Esse alívio, na sua
forma integral, é obtido com o auxí-
lio de medicamentos anestésicos. A
dor, qualquer que seja a origem, gera
sofrimento físico e mental nas pes-
soas, provoca danos incalculáveis à alma humana e
deve ser eliminada para que os procedimentos curati-
vos possam ser realizados.
3
O que é a anestesia
A dor provoca danos
incalculáveis à alma
humana.
 ANESTESIA 25
ANESTESIA GERAL
A anestesia geral é obtida pela combinação de qua-
tro elementos: hipnose, analgesia, relaxamento muscu-
lar e bloqueio das respostas reflexas do organismo ao es-
tresse e ao trauma cirúrgico.
Um dos objetivos fundamentais da anestesia geral é
conferir ao paciente um estado de inconsciência de ins-
talação suave e rápida, de maneira adequada, durante o
tempo necessário e, a seguir, permitir uma recuperação
rápida da consciência.
No início, a anestesia era obtida com o uso de ape-
nas um agente, o éter. Provavelmente é por isso que os
leigos ainda imaginam o processo anestésico como a mera
injeção de um medicamento na veia ou que se trata ape-
nas de dar uma cheiradinha, como se administrar aneste-
sia fosse semelhante a cheirar um perfume. Moderna-
mente, atingem-se os quatro componentes da anestesia
com o uso de diversos medicamentos.
Tipos de anestesia geral
1 – Venosa: Anestesia obtida pela injeção de anesté-
sicos numa veia do paciente. Atinge diretamente a cor-
rente sangüínea e em seguida alcança o cérebro, onde o
anestésico realiza sua ação principal.
4
Tipos de anestesia
26 ANESTESIA
2 – Inalatória: Anestesia feita pela inalação de gases
e vapores anestésicos através das vias aéreas. Nos pul-
mões, o anestésico é absorvido pela corrente sangüínea e
daí atinge o cérebro.
3 – Balanceada: Anestesia que combina o uso de
medicamentos pelas vias inalatória e venosa. A associa-
ção permite reduzir as doses e obter melhores resultados
com menos efeitos colaterais.
ANESTESIA REGIONAL OU CONDUTIVA
É o tipo de anestesia em que se bloqueia a condu-
ção do estímulo nervoso, especialmente o da sensibilida-
de. Também denominada de anestesia regional, é citada
comumente para os leigos como anestesia local ou par-
cial. Compreende a produção de estado de insensibilida-
de localizada, de caráter reversível, sem alteração do ní-
vel de consciência.
Dependendo da quantidade da droga anestésica in-
jetada, o bloqueio da sensibilidade pode ser acompa-
nhado do bloqueio da motricidade, isto é, impossibilidade
de mexer os membros ou parte deles. A anestesia regional
pode ir desde a anestesia tópica, na superfície das mucosas,
até o bloqueio da condução em nervos, plexos nervosos ou
raízes medulares, dependendo do local onde a droga, deno-
minada anestésico local, é aplicada.
Em relação às anestesias condutivas mais freqüen-
temente realizadas na prática, podem-se citar a raquia-
nestesia e a anestesia peridural.
Tanto a raquianestesia quanto a anestesia peridural
são hoje bastante utilizadas tanto para promover aneste-
 ANESTESIA 27
sia completa como para a obtenção apenas de alívio da
dor (analgesia). O exemplo mais significativo desta últi-
ma é a analgesia de parto, que permite
fazer com que a mulher não sinta as
dores do parto e mantenha a contração
uterina. A analgesia pode ser utilizada
no período pós-operatório de cirurgias
que provocam intenso estímulo dolo-
roso.
Tipos de anestesia regional
1 – Local: A injeção do anestésico é feita numa pe-
quena área, em qualquer parte do corpo, com vistas a
atingir apenas as terminações nervosas daquele local es-
pecífico. Torna insensível uma porção do corpo necessá-
ria para realizar pequenas cirurgias, como, por exemplo,
retirada de uma verruga, sutura de um corte, etc.
2 – Troncular: Um nervo, isoladamente, ou um
conjunto de nervos que forma um tronco nervoso é blo-
queado por anestésico local, com o objetivo de conse-
guir a anestesia de uma região bem específica do corpo,
como nervos maxilares e mandibulares. É o caso das anes-
tesias realizadas pelos dentistas.
3 – Plexolares: Um conjunto de nervos que forma
um plexo nervoso é bloqueado por anestésicos locais, para
conseguir a anestesia de uma região maior do corpo. Ple-
xo braquial, por exemplo, significa que se anestesiou todo
o membro superior.
4– Bloqueios espinhais (raqui ou peridural): Quan-
do todo um segmento do sistema nervoso central é blo-
queado por anestésico local, para obtenção de anestesia.
A analgesia pode ser
utilizada no período pós-
operatório de cirurgias
que provocam intenso
estímulo doloroso.
28 ANESTESIA
5 – Anestesia tópica: Aplicação de anestésico local na
superfície da pele ou de uma mucosa, para impedir a sensa-
ção dolorosa na aplicação de uma injeção, por exemplo.
A disponibilidade de diversos tipos de anestesia con-
dutiva oferece ao anestesista opções que, dependendo da
cirurgia proposta, podem dispensar o uso da anestesia
geral. Assim, se o paciente necessita retirar uma unha
encravada, pode ter anestesiado apenas um dedo. A anes-
tesia condutiva pode ser usada de forma combinada com
a anestesia geral, para acrescentar benefícios, como o de
estender a analgesia ao período pós-operatório.
Outro dado importante é que muitas vezes o pa-
ciente tem medo ou não quer perma-
necer acordado. Isso não invalida a uti-
lização simultânea de uma das técnicas
de anestesia regional, pois, para con-
forto e tranqüilidade, essas técnicas po-
dem e devem ser combinadas com sedação, isto é, um
estado de sono leve.
Muitas vezes o paciente
tem medo ou não quer
permanecer acordado.
 ANESTESIA 29
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
Para que o anestesiologista possa desempenhar seu tra-
balho a contento, deve ele conhecer as condições de saúde
do paciente com antecedência. Esse exame clínico, deno-
minado avaliação pré-anestésica, preferencialmente, deve ser
feito com algumas semanas de antecedência, em consultó-
rio de anestesia, ou após a internação no hospital, no caso
de alguma impossibilidade. A história médica, acrescida do
exame físico e de eventuais exames de laboratório fornecem
subsídios para que o anestesista decida sobre qual a técnica
de anestesia mais indicada (como vimos, são várias as op-
ções), que detalhes devem merecer maiores cuidados, quais
as drogas que podem ser usadas sem provocar interações
indesejadas e as que devem ser evitadas, e se existe a necessi-
dade de uma técnica especial para aliviar a dor no pós-ope-
ratório.
Nesta etapa, da avaliação pré-anestésica, o aneste-
siologista desempenha funções de clínico geral; precisa
visualizar o paciente e seus problemas como um todo,
para prever os cuidados específicos que merecerá.
ANESTESIA PROPRIAMENTE DITA
Preparo
O anestesiologista é o primeiro médico da equipe a
chegar na salade cirurgia e o último a sair. Antes mesmo
5
Etapas da anestesia
30 ANESTESIA
de o paciente entrar na sala de cirurgia, o anestesiologis-
ta é responsável pelo preparo de todos os equipamentos
e materiais que serão utilizados na anes-
tesia. Esse preparo exige tempo.
Os equipamentos hoje utilizados
para a realização da anestesia são com-
plexos e sofisticados. Durante a cirur-
gia vários monitores e aparelhos eletrô-
nicos são utilizados: o aparelho de anestesia, máquina de
uso específico pelo anestesiologista; monitores como o
aparelho de pressão (mede a pressão arterial); o estetos-
cópio (serve para auscultar as batidas do coração e os
sons dos pulmões); eletrocardiógrafo (faz eletrocardio-
grama de forma contínua); oxímetro de pulso (mede a
oxigenação do sangue); capnógrafo (mede a eliminação
de gás carbônico pelos pulmões), termômetros (para ve-
rificar a temperatura corporal); analisadores de gases (para
medir a concentração de anestésicos inalados).
Para elevar o padrão de segurança do ato anestési-
co-cirúrgico, hoje, em praticamente todos os ambientes
cirúrgicos esses monitores estão presentes. Uma das gran-
des vantagens resultantes da utilização desses monitores
resulta do caráter não-invasivo, isto é, para serem utilizados
não há necessidade de cortar a pele, ou de introduzir qual-
quer aparelho no organismo. Mais do que isso, eles forne-
cem medidas contínuas, e o anestesiologista vigia as fun-
ções do organismo pela clínica e através dos monitores.
O aparelho de anestesia, sempre presente, mesmo
quando a anestesia for local, é usado para administrar
oxigênio e/ou para administrar misturas de vapores anes-
tésicos.
Fazem parte do aparelho de anestesia uma série
de componentes essenciais e válvulas de segurança. Um
O anestesiologista é o
primeiro médico da equipe
a chegar na sala de
cirurgia e o último a sair.
 ANESTESIA 31
componente importante é o ventilador que substitui-
rá, total ou parcialmente, a respiração durante uma
anestesia geral.
Outros materiais que estão sempre prontos para uso,
mesmo que a anestesia não seja geral, são aqueles usados
para garantir que as vias aéreas não fiquem obstruídas,
facilitando assim a respiração. Aqui estão incluídos o la-
ringoscópio, que permite visualizar as cordas vocais e,
através delas, passar um tubo de borracha especial, o tubo
endotraqueal, que garantirá uma via de acesso para ven-
tilar os pulmões, entregar oxigênio e agentes anestésicos
inalatórios para manter a anestesia e evitar a aspiração de
vômito.
Além dos equipamentos, vários medicamentos de-
vem estar preparados e diluídos, em seringas identifica-
das, para utilização durante a anestesia. Tudo isso deve
ser preparado e checado antes de o paciente entrar na
sala para a realização da cirurgia.
Após o preparo de todo o material necessário, é
chegado o momento de o paciente entrar na sala de
cirurgia. Inicia-se a monitorização, punciona-se uma
ou mais veias, para permitir a administração de dro-
gas e para repor as perdas decorrentes do jejum, bem
como daquelas que advirão da própria cirurgia. Daí
por diante, de acordo com o tipo de anestesia mais
adequado para o caso, inicia-se o processo de aneste-
sia.
Indução, manutenção e recuperação
No caso da anestesia geral, podemos subdividi-la
em três fases: indução, manutenção e recuperação.
32 ANESTESIA
A indução da anestesia visa a levar o indivíduo
do seu estado normal de consciência ao de anestesia.
Ao se obter o estado de anestesia adequado, é au-
torizado o início do procedimento cirúrgico, e a anes-
tesia entra no estado denominado de manutenção.
Durante todo o ato cirúrgico, o anestesiologista
permanece junto ao paciente, pois sem a sua presença
a segurança de todo o processo fica ameaçada. A vigi-
lância total é obrigação básica do exercício da aneste-
siologia. Mesmo que tudo esteja tranqüilo, o aneste-
siologista deve estar presente para identificar qualquer
necessidade que possa surgir. Além disso, para manter
o estado de anestesia, a administração de fármacos é con-
tínua. A administração controlada dos fármacos é uma
premissa para se manter a anestesia adequada.
Ao terminar o procedimento cirúrgico o aneste-
siologista inicia a reversão da anestesia, buscando o
mais rápido possível que a consciên-
cia volte ao normal. Livre da admi-
nistração dos fármacos que mantinham
a anestesia, tudo começa a voltar ao esta-
do anterior. As funções vitais do organis-
mo, como a respiração e a circulação re-
tornam aos poucos aos valores prévios.
Em alguns minutos, o paciente estará acordando, de prefe-
rência sem dor, sem agitação, sem náuseas e sem vômito.
Esta é a fase de recuperação.
Como o vôo de um avião...
Freqüentemente a anestesia é comparada ao vôo de
um avião. Embora esta seja uma forma simplória de vi-
Durante todo o
ato cirúrgico, o
anestesiologista permanece
junto ao paciente.
 ANESTESIA 33
sualizar o processo como um todo, contém vários fato-
res em comum. A indução seria a decolagem, a manu-
tenção seria a permanência do avião no ar, o equilíbrio e
a segurança, e a recuperação, a aterrissagem. O aneste-
siologista seria o comandante do vôo, que os passagei-
ros, muitas vezes, nem sequer conhecem mas nele confi-
am, colocando suas vidas aos cuidados desse profissional
que, acreditam, tenha formação e responsabilidade suficien-
tes para conduzi-los, de forma segura e suave, ao destino
planejado.
RECUPERAÇÃO PÓS-ANESTÉSICA
A terceira e última etapa de qualquer anestesia aconte-
ce fora da sala de cirurgia, mas ainda dentro do bloco cirúr-
gico. Denomina-se recuperação pós-anestésica. Logo após
a anestesia, é necessário um período de tempo de vigilância.
O organismo precisa voltar ao estado normal. Eli-
minar os fármacos e seus efeitos, leva um tempo maior, e
é num local especial, a Sala de Recuperação, onde isso
acontece.
Os cuidados são mantidos pela enfermagem com a
supervisão de um médico anestesiologista e visam a obter
uma recuperação confortável e sem efeitos indesejáveis.
A permanência nessa sala varia muito. O paciente
aí ficará até estar completamente desperto ou recupera-
do. Só aí é que o anestesiologista dará autorização para
que ele seja levado de volta para o quarto.
A alta da Sala de Recuperação dependerá de uma
soma de fatores, como: duração, tipo e porte da cirurgia;
a estabilidade das funções do organismo; o tipo de anes-
tesia utilizada; o caráter ambulatorial ou internado do
procedimento; as doenças concomitantes...
34 ANESTESIA
Se o caso exigir, a recuperação pode se realizar ou
continuar na Unidade de Cuidados Intensivos (UTI).
Embora possa parecer complicado, o resultado de
todo esse processo é seguro, sendo raras as complicações
e os acidentes. Estima-se, em várias estatísticas nacionais
e internacionais, que a mortalidade em anestesia seja da
ordem de uma morte para cada 20 mil procedimentos,
ou até menos. Destaque-se que o principal fator de risco
é o estado de saúde prévio do paciente.
 ANESTESIA 35
O paciente deve ficar em jejum antes da cirurgia.
O tempo mínimo de jejum será informado pelo anes-
tesiologista ou pelo cirurgião. Deve informar a verda-
de sobre todas as perguntas realizadas. Ainda que al-
gumas possam parecer constrangedo-
ras, nada deve ser omitido. O uso de
cigarros, bebidas alcoólicas ou outras
drogas de uso lícito ou ilícito deve ser
informado. Se o anestesiologista não
tiver conhecimento disso, não pode-
rá evitar ou entender interações com
as medicações que ele utiliza. Nenhum julgamento
sobre a pessoa ou seus atos será realizado e a informa-
ção prestada será mantida em sigilo médico.
Deve o paciente informar também sobre os produ-
tos ou remédios que provocam qualquer tipo de alergia.
Se já realizou alguma cirurgia antes, é fundamental rela-
tar as experiências anteriorescom a anestesia. Não es-
quecer de contar alguma má experiência ou resultado da
anestesia em familiares próximos. Isso servirá de alerta
ao anestesiologista sobre problemas que podem eventual-
mente ocorrer durante a anestesia.
É necessário informar ao anestesiologista os nomes
de todos os remédios que usa regularmente, ou usou; e,
sobretudo, seguir as orientações dos médicos, esclarecen-
6
Como colaborar para o
sucesso da anestesia?
O paciente deve informar
a verdade sobre todas as
perguntas realizadas
pelo anestesiologista.
36 ANESTESIA
do as dúvidas e discutindo o controle da dor no pós-
operatório.
Finalmente, após sentir-se tranqüilo, deve ser dado
o consentimento para a técnica de anestesia que está sendo
proposta.
Para aprofundar o entendimento deste tema, reco-
mendamos a leitura do Capítulo 9 (pág. 61).
 ANESTESIA 37
ANTES
A literatura mais moderna considera a anestesia a
parte da Medicina dedicada ao alívio da dor e ao total
cuidado do paciente cirúrgico, antes, durante e após a
cirurgia.
Para poder oferecer esses cuidados com a mais alta
qualidade, é muito importante que o anestesiologista
possa, inicialmente, realizar uma boa avaliação de cada
paciente antes da cirurgia proposta.
À exceção das situações de emergência, quando o
risco iminente de morte ou dano profundo dominam
suas preocupações, ele sempre tem presente a importân-
cia desse contato prévio. É fundamental que o paciente
também a tenha. Só assim o anestesiologista toma co-
nhecimento das condições de saúde e das doenças que o
acometeram no passado ou ainda o acometem, os medi-
camentos em uso no presente ou no passado recente,
bem como os resultados obtidos com eles.
Com a análise cuidadosa de todos os exames labo-
ratoriais, integrando-os, o anestesiologista tenta formar
a idéia mais aproximada da real situação funcional dos
seus órgãos e sistemas. Além disso, esse primeiro contato
tem importância fundamental para o desenvolvimento
da relação ótima que todos desejamos, médicos e pacien-
tes, estes podendo expressar seus medos, fantasias, dese-
jos e esperanças.
7
Como é feita a anestesia
38 ANESTESIA
De posse dessas informações, o anestesiologista pode
então escolher as melhores drogas e as mais inócuas, bem
como qual a técnica mais indicada a ser aplicada.
É sempre importante lembrar que essa entrevista
também permite prever possíveis acontecimentos tran-
soperatórios que podem comprometer o resultado final,
possibilitando a tomada antecipada de atitudes que evi-
tem sua instalação.
Ao final, com o perfil fisiológico e psíquico do pacien-
te, o anestesiologista decide pela necessidade de utilização,
ou não, de drogas tranqüilizantes, sedativas, hipnóticas ou
analgésicas, que, complementando todas as explicações for-
necidas, permitam-lhe chegar à sala de operações suficien-
temente sedado, evitando desgastes e estresse, com uma eco-
nomia de energias metabólicas que de outra forma seriam
consumidas quando confrontado com a
aproximação da cirurgia.
Essa possibilidade de planejar cada
ato anestésico é uma das bases da segu-
rança. As outras são a existência de dro-
gas e equipamentos confiáveis, dispo-
nibilizados pelos hospitais e o amplo
conhecimento de clínica, de fisiologia e de farmacologia
exigíveis dos anestesiologistas.
AS TÉCNICAS E AS DROGAS DE ANESTESIA
Para o seu estabelecimento, a anestesia depende de
drogas que produzam hipnose ou perda da consciência,
analgesia ou abolição da dor, relaxamento muscular que
possibilite a cirurgia se desenvolver com mínima lesão
tecidual e bloqueio das reações mais refinadas do orga-
Essa possibilidade de
planejar cada ato
anestésico é uma das
bases da segurança.
 ANESTESIA 39
nismo ao trauma (respostas cardiovasculares, endócrinas,
metabólicas e imunológicas). Para que todos esses bene-
fícios da anestesia se estabeleçam, inúmeras drogas de-
vem estar à disposição para uso isolado ou em infindá-
veis combinações. Sobre todas elas o anestesiologista deve
ter profundo conhecimento, aliado a
um seguro domínio sobre as técnicas
de sua administração.
Para que um determinado estímu-
lo, como a incisão da pele, não seja en-
tendido como algo doloroso, agressivo,
traumático, perigoso para o paciente e
sua sobrevivência, a percepção do estímulo deve ser im-
pedida, o que se consegue de várias maneiras. A aneste-
sia local produz isso, através da insensibilização das ter-
minações nervosas que percebem e transmitem a dor nas
mais diferentes partes do corpo.
Depois de incidido um estímulo, ele pode ser blo-
queado em diferentes níveis durante sua transmissão até
o sistema nervoso central. Assim atuam os anestésicos
locais quando são administrados sobre os trajetos nervo-
sos, nos nervos dos braços, pernas ou tronco. A essas téc-
nicas denominamos bloqueios de nervos periféricos.
Outra maneira de atingir o mesmo resultado, ou
seja, impedir que um determinado estímulo doloroso
atinja o cérebro, é impedir sua transmissão na medula
espinhal. Situada dentro do canal vertebral, constituído
pelas vértebras da coluna, esta porção do sistema nervo-
so central é forrada por várias membranas para a sua pro-
teção (as meninges). Os anestésicos locais e determina-
dos analgésicos podem ser administrados em diversos
pontos em torno da medula espinhal, através da punção
com agulhas especiais e muito finas, impossibilitando
Inúmeras drogas devem
estar à disposição para
uso isolado ou em
infindáveis combinações.
40 ANESTESIA
então que os estímulos dolorosos subam pelos vários tra-
jetos intramedulares e alcancem os centros superiores de
percepção. A essas técnicas de anestesia denominamos
bloqueio subaracnóideo ou raquianestesia e bloqueio
peridural, dependendo do exato local onde as drogas são
depositadas.
Todas as cirurgias superficiais sobre as extremida-
des, se não houver contra-indicações, podem ser execu-
tadas sob esses tipos de anestesia descritos. Nessas situa-
ções, além de administrar o anestésico local no ponto
escolhido, o anestesiologista fornece adequada sedação
por via venosa, impedindo que o paciente sofra por estí-
mulos de outras naturezas, como o frio, o calor ou o
medo, ou não tolere a imobilidade prolongada e deter-
minados posicionamentos na mesa de cirurgia.
Sempre que agentes externos, como os gerados pela
cirurgia, interrompem a integridade das estruturas e fun-
ções das diferentes partes do corpo humano, ameaçan-
do-o, uma série de reações são postas em funcionamen-
to, visando a sua autopreservação. Dentre todas as se-
qüências dessas reações, destacam-se as que constituem
a reação inflamatória. Para o tratamento anestésico ade-
quado e completo da dor que acompanha a agressão da
cirurgia é importante que essa reação inflamatória seja
impedida ou pelo menos atenuada, de preferência até
mesmo antes que os estímulos da cirurgia se estabele-
çam. Com essa finalidade são utilizadas as drogas antiin-
flamatórias potentes que hoje existem.
A outra maneira de se impedir que os estímulos
dolorosos gerados pela cirurgia atinjam os centros supe-
riores localizados no cérebro é atuar diretamente sobre
eles, deprimindo suas funções. Os analgésicos, princi-
palmente os que derivam natural ou sinteticamente do
 ANESTESIA 41
ópio, fazem isso. Administrados na corrente sangüínea,
de maneira intermitente ou contínua (por meio de bom-
bas de infusão controladas por computadores), atingem
concentrações pré-definidas pelo anestesiologista, ao ní-
vel dos receptores centrais da dor.
Essas drogas analgésicas potentes, pertencentes ao
grupo químico dos opióides (morfina, por exemplo), pos-
suem potência (capacidade específica de bloquear a dor),
início de ação, duração de efeito, grau de metabolização
e velocidade de eliminação próprias. Além disso, seus efei-
tos colaterais sempre devem ser levadosem conta, prin-
cipalmente os que se referem à depressão do sistema car-
diovascular e respiratório. A escolha de uma delas, para
cada tipo de paciente e cirurgia, obriga o anestesiologis-
ta a ter tudo isso em mente.
Impedir a percepção da dor é fundamental para a
definição da anestesia. Abolir a consciência dos aconte-
cimentos que acompanham todo o ato cirúrgico não é
menos importante. Atuando sobre re-
giões específicas do sistema nervoso
central, diferentes categorias químicas
de hipnóticos desconectam o paciente
do ambiente da sala de operações, evi-
tando-lhe o medo, a apreensão e as outras sensações que
a vida de relação consciente lhe permite. Os barbitúri-
cos, certos diazepínicos e outros hipnóticos mais recen-
tes fazem isso via diferentes mecanismos.
A perfeição, a rapidez de instalação da hipnose e a
qualidade do despertar que essas drogas conseguem pro-
duzir é algo belíssimo de ser acompanhado por aneste-
siologistas e pacientes.
Já é bem conhecida a experiência de certos pacien-
tes, que, estimulados por determinado assunto no exato
Impedir a percepção da
dor é fundamental para a
definição da anestesia.
42 ANESTESIA
momento em que perdem a consciência, por ocasião da
indução da anestesia, ao despertarem dela retomam o
mesmo tema, como se alguns minutos ou mesmo mui-
tas horas de anestesia não tivessem se interposto entre os
dois momentos.
O uso associado desses dois grupos de drogas, os
analgésicos e os hipnóticos, administrados por via veno-
sa, intermitente ou continuamente, constituem a cha-
mada anestesia intravenosa total, de grande aceitação
entre os anestesiologistas nos dias atuais. Administrados
em concentrações elevadas, também inibem ou bloque-
iam as respostas cardiovasculares, endócrinas e metabó-
licas ao trauma da cirurgia, colaborando assim para a
recuperação pós-operatória mais precoce e integral.
Esses últimos efeitos reativos ao trauma da cirurgia
também podem ser inibidos especificamente por drogas
bloqueadoras do sistema nervoso autônomo (sistema que,
entre outras funções, controla a atividade do coração e
dos vasos sangüíneos).
Dessa maneira, pode-se notar que, durante a cirur-
gia, é permitido ao anestesiologista controlar, de manei-
ra estreita e eficaz, a freqüência com que o coração bate,
a quantidade de sangue que ele envia ao corpo, o calibre
dos vasos arteriais e venosos e a pressão arterial.
Todas essas ações, indispensáveis ao estabelecimen-
to de uma anestesia com sucesso, também podem ser
produzidas pelo uso de agentes anestésicos introduzidos
no organismo através da respiração e dos pulmões. Dife-
rentemente dos analgésicos e dos hipnóticos, os anesté-
sicos gerais (representados pelos halogenados, derivados
remotos ou recentes do éter) levam a um estado de de-
pressão generalizada, não específica, de todos os centros
e funções do sistema nervoso central. Essa depressão, que
 ANESTESIA 43
é tanto maior quanto maior a concentração inalada do
anestésico, ao deprimir indistintamente as funções das es-
truturas neuronais, produz um estado de inconsciência em
que os mais diferentes estímulos vindos do meio externo,
inclusive os que produzem dor, são imperceptíveis.
Com relação a esses anestésicos inalatórios, vale o
mesmo que foi dito para os analgésicos e hipnóticos. Eles
são vários, apresentam diferentes perfis de atuação e re-
cuperação, capacidade de agir mais ou menos depressi-
vamente sobre a circulação e a respiração, devendo, por-
tanto, ser profundamente conhecidos pelos anestesiolo-
gistas, para que o paciente se beneficie de seu uso.
As drogas de uso intravenoso e inalatório podem
também ser utilizadas associadamente. Por exemplo, a
perda da consciência, necessária para a anestesia geral,
pode ser conseguida mais confortavelmente para o pa-
ciente por uma droga intravenosa, enquanto a manu-
tenção da inconsciência e a modulação das respostas car-
diovasculares podem ser obtidas por um agente inalató-
rio. Nessas situações é costume utilizar um opióide in-
travenoso para a analgesia. Para obter relaxamento mus-
cular, facilitar a cirurgia e a ação do respirador, podem
ser utilizados relaxantes musculares.
DE OLHO NOS EFEITOS DAS DROGAS
Todos os tipos de drogas mencionadas interferem,
de uma maneira ou de outra, em algum aspecto da respi-
ração, e algum grau de incapacitação pulmonar sobre-
vém durante a anestesia e a cirurgia. Por isso é funda-
mental que o anestesiologista tenha o mais amplo con-
trole dessa importante função orgânica.
44 ANESTESIA
Por meio de monitores sofisticados que indicam as
concentrações de oxigênio no sangue e de gás carbônico
no ar exalado, pode o anestesiologista decidir sobre a ne-
cessidade de auxílio ou mesmo de completa substituição
da função ventilatória dos pulmões por aparelhos, cha-
mados de ventiladores de pulmão. Estes, modernamen-
te dotados de diversas regulagens e alarmes, se ajustam
perfeitamente às necessidades do paciente, podendo rea-
lizar essa função com muita segurança.
Mas não só os pulmões merecem atenção e su-
porte adequados. Os rins, o fígado,
o cérebro e o estômago, por meca-
nismos diversos, se não forem per-
feitamente protegidos, podem sofrer
perdas funcionais mais ou menos
importantes em função da cirurgia,
perdas que podem aparecer mesmo durante a aneste-
sia e a cirurgia, ou nas primeiras horas do pós-opera-
tório.
Muitas vezes, esses órgãos já se encontram afetados
por doenças prévias à cirurgia e a avaliação pré-operató-
ria já referida deve detectá-las.
Cuidados como adequada hidratação com solu-
ções apropriadas administradas pelas veias, uso judi-
cioso dos anestésicos e drogas coadjuvantes, manu-
tenção da temperatura corporal, manutenção do flu-
xo sangüíneo mais adequado possível para todos os
tecidos e órgãos. Quando isso não é possível em fun-
ção das características ou necessidades da cirurgia,
corrigem-se prontamente as conseqüências da falta
temporária de nutrição tecidual.
Todas essas são medidas que estão entre as preocu-
pações do anestesiologista, durante e após a cirurgia.
Os ventiladores de
pulmão se ajustam
perfeitamente às
necessidades do paciente.
 ANESTESIA 45
O significado mais antigo da palavra dor é punição
ou castigo, imposto de fora, por outras pessoas ou forças.
A Bíblia registra: “Parirás com dor”. Um poeta escreveu:
“Te conhecerás pela dor”. Assim, a dor acabará fazendo
parte dos nossos dias ao nos atingir ou atingindo os que
nos cercam.
Vamos esclarecer que dor e prazer não se excluem,
já que ambos podem ocorrer ao mesmo tempo, mas sabe-
se que o ser humano gasta mais energia fugindo da dor
do que buscando o prazer. Os mecanismos neurológicos
e mentais e as áreas envolvidas que per-
mitem identificar a dor e o prazer são
distintos.
A dor, como a febre, é útil pelo
alerta que dispara, mostrando que alguma ameaça está
acontecendo. A partir dessa informação, o organismo se
prepara e reage, dependendo do nível na escala animal:
muda de cor, protege-se, defende-se, foge, voa, corre, luta.
Para cada uma dessas reações, existe uma série de acon-
tecimentos químicos e atos reflexos, que são executados
antes mesmo que o cérebro esteja consciente de todos os
fatos que ocorrem.
Mimetismo, aumento do metabolismo, descarga de
adrenalina, liberação de substâncias que diminuem a dor e
favorecem os atos de defesa e proteção são alguns exemplos.
Assim, a dor é importante fator para nossa sobrevi-
vência, ao nos alertar para retirar a mão de um ferro quen-
8
A dor: um bem ou um mal?
Dor e prazer não
se excluem.
46 ANESTESIA
te ou evitar enterrar uma agulha no dedo. É a dor nor-
mal, fisiológica, que dá o recado e desaparece. Viver sem
o recurso da dor seria muito perigoso ou quase impossí-
vel, como ocorre com certas doenças onde há perda ou
ausência de sensibilidade dolorosa.
PRECONCEITOSApesar de existirem recursos para tratar o paciente com
dor há muito tempo, a crença de que a dor e o sofrimento
eram punições vindas dos deuses impedia uma atitude mais
eficiente, para que os deuses não se sentissem afrontados.
Com a evolução da sociedade e da democracia, o
crescimento do valor do ser humano, a consciência indi-
vidual e, mais adiante, da consciência social, surgiram
vozes clamando por alívio de suas do-
res. Quando esses fatores estavam no
auge, favorecidos por recursos técnicos,
apoiados por conhecimento científico,
libertos de temores religiosos, surgiu a anestesia, em 1846.
Mesmo assim, por mais de cem anos, o paciente
com dor não recebeu todos os benefícios que a Medicina
poderia oferecer para aliviá-lo de seus males. A omissão
médica, sem dúvida, foi grave.
PAGANDO A DÍVIDA
Coube a um anestesista americano descendente de
imigrantes italianos, John Bonica, iniciar o resgate dessa
dívida da Medicina.
A anestesia surgiu
em 1846.
 ANESTESIA 47
Aos nove anos de idade, tendo perdido o pai, ven-
dia verduras nos bairros de Nova Iorque para ajudar a
mãe. Era violinista e lutador de box, o que lhe permitiu
custear seus estudos.
Bonica acabou assumindo a gigantesca e árdua ta-
refa de estudar a dor, divulgar métodos para seu adequado
tratamento, conquistar adeptos, pesquisar, ensinar, escrever
livros, fundar sociedades voltadas ao estudo da dor.
Podemos dizer que, nos últimos trinta anos, a
quantidade de artigos e livros publicados sobre a dor
é maior que tudo que fora escrito nos 2.000 mil anos
anteriores.
CONCEITOS ATUAIS
Hoje se define dor como “uma experiência senso-
rial e psíquica desagradável, associada com destruição te-
cidual ou descrita em tais termos”.
Geralmente, a dor é desencadeada por ferimentos
que destroem os tecidos ou células, mas pode aparecer
sem a ocorrência dessa destruição teci-
dual.
A experiência psíquica desagradá-
vel está presente e manifesta-se através
de alterações do humor, choro, gritos,
depressão, aspectos que dependem do
tipo de dor, da personalidade do pa-
ciente, de seu histórico doloroso, entre
muitos outros itens. Uma dor de cabeça pode ser muito
oportuna quando serve de desculpa para faltarmos a um
compromisso desagradável. Um tiro na perna pode ser
um presente do céu, e não doer quase nada, se ele signi-
Uma dor de cabeça pode
ser muito oportuna
quando serve de desculpa
para faltarmos a um
compromisso
desagradável.
48 ANESTESIA
fica voltar para casa quando se estava no meio de uma
guerra. São utilizações, valorizações e significados que
envolvem o paciente com dor.
CLASSIFICAÇÃO DAS DORES
Uma das maneiras de estudar a dor é dividi-la em três
grandes grupos: a dor aguda, a crônica e a dor do câncer.
Dor aguda é uma dor de duração limitada, que ces-
sa em algumas horas ou dias: dor pós-operatória, dor do
parto, dor de dente, cólica renal.
Dor crônica é aquela que dura mais de três ou
seis meses: neurite pós-herpética, dor facial, neurite
diabética, dor lombar, artrite, gota, ou aquela que re-
aparece com freqüência variável, como a enxaqueca.
Outra maneira de descrevê-la é afirmar que a dor crô-
nica é uma dor aguda que o organismo não conseguiu
resolver.
A dor do paciente com câncer é um grande e im-
portante campo de trabalho. O paciente pode ter dor
constante e ainda ser atingido por doen-
ças que provoquem outras dores soma-
das com a que já sofria. No câncer,
muitas são as causas de dor: o próprio
câncer, ao invadir estruturas e órgãos
vizinhos; compressão de nervos; dores provocadas pelos
procedimentos diagnósticos; dores provocadas por tra-
tamentos: cirúrgico, radioterápico, quimioterápico. Até
para aliviar a dor, pode ser provocada mais dor.
Na dor crônica e na dor do câncer cresce a impor-
tância do aspecto psíquico. A dor contínua vai minando
a resistência do indivíduo.
A dor contínua vai
minando a resistência
do indivíduo.
 ANESTESIA 49
Milton, o poeta inglês que escreveu O Paraíso Per-
dido, disse: “Através da dor nós conhecemos as profun-
dezas do inferno e um cavalheiro acaba perdendo a pa-
ciência”. Perde a paciência, o humor, o sono, o apetite, a
vontade de conviver com a família, com os amigos, per-
de a vontade de trabalhar e até a vontade de viver. Sabe-
se que 71% dos pacientes que apelaram para o suicídio
assistido nos Estados Unidos tinham dor crônica, não
dor do câncer. No paciente com câncer existe o receio de
que uma nova dor ou de uma mais forte signifiquem o
avanço da doença, provocando enorme desgaste emo-
cional até a situação ser esclarecida.
O mecanismo da dor de parto é diferente do meca-
nismo da dor de ouvido, que é distinto do da enxaqueca,
que não é o mesmo do da neurite pós-herpética. A dor
que se sente numa perna amputada, que não existe mais
e que dói, não é do mesmo tipo da dor que se sente
depois de uma cirurgia de vesícula biliar. Essas distin-
ções são importantes no diagnóstico e para a escolha das
drogas para o tratamento.
CONSEQÜÊNCIAS DA DOR
Uma das conseqüências da dor é a própria dor. Ela
pode ficar gravada nos nervos e no cérebro. Quando sur-
ge uma dor nova, ou reaparece uma antiga, a memória
da dor no sistema nervoso faz com que
ela surja com mais rapidez, mais forte
e atingindo área mais extensa.
Outro exemplo das consequências
da dor é o que pode acontecer na dor pós-operatória que
não é tratada adequadamente. Esse tipo de dor exige tra-
Uma das conseqüências
da dor é a própria dor.
50 ANESTESIA
tamento antes que apareça outra dor, isto é, antes que o
bisturi corte a pele.
Fazendo a prevenção da dor, menos estímulos do-
lorosos atingem a medula espinhal e o cérebro, podendo
diminuir a quantidade e a necessidade de remédios no
pós-operatório.
Quando a dor não é aliviada no pós-operatório, além
do desconforto que impõe, por limitar a respiração, ela
pode:
– diminuir o oxigênio do sangue (uma causa de in-
fecção na incisão);
– favorecer o acúmulo de secreções nos pulmões (fa-
vorecendo infecções pulmonares e pneumonia);
– fazer com que o paciente não repouse;
 – levar o paciente a não colaborar com a fisioterapia;
– manter o paciente mais tempo no leito;
– favorecer o surgimento de embolia pulmonar;
– levar o paciente a se demorar mais para se alimen-
tar;
– manter o paciente por mais tempo no hospital.
Esse conjunto de problemas traz outro como con-
seqüência: mais despesa. Permanecendo mais tempo no
hospital, o paciente terá mais despesas e retornará ao tra-
balho mais tarde ainda. Os planos de saúde e as segura-
doras terão mais despesas para pagar. Os hospitais aca-
bam deixando de receber por atendimentos, mais equi-
pamentos usados, trabalho de médicos e de enfermagem,
remédios que foram usados a mais, etc. etc.
Além disso, os hospitais onde os pacientes não têm
tratada sua dor perdem pacientes, pois faltam leitos para
novas internações. Sem falar na divulgação que o pa-
ciente fará do hospital sempre que tiver sua dor adequa-
damente tratada.
 ANESTESIA 51
O alívio da dor pós-operatória, por diminuir o des-
conforto do paciente, por diminuir o uso de medica-
mentos, por diminuir possibilidade de complicações, por
liberar salas de recuperação pós-operatória e unidades de
tratamento intensivo, por evitar que a dor vire crônica
(como pode acontecer depois de cirurgias de pulmão),
permitindo que o paciente vá para casa mais cedo, traz
uma grande economia para a sociedade.
Um hospital médio que faça mil cirurgias por mês,
num ano fará 12.000; cem desses hospitais farão um
milhão e duzentas mil cirurgias. Se, por
receber adequado tratamento da dor o
paciente deixar o hospital um dia antes
do previsto, quanto dinheiro terá sido
economizado? Sem falar no dia que o
paciente ganhará para produzir para si e para a família.
O paciente com dor deve ser avaliado sob múltiplosaspectos, até que se obtenha o perfil físico, pessoal, familiar
e social. Feito o diagnóstico, as alternativas de tratamento
são explicadas e discutidas com o paciente e seus familiares,
já que todos terão influência nos resultados.
COMO SE MEDE A DOR
“Se a dor é minha, eu acredito; nas dos outros, não
tenho tanta certeza”. Agora está mudando. A dor pode
ser medida. Existem várias maneiras para saber quanta
dor um paciente tem. Podemos olhar um paciente que
chora ou um paciente imóvel, mas que está suando e
vermelho, e concluir que existe dor.
Era o que se fazia. Hoje existem escalas de dor: o
paciente diz que tem nenhuma dor, pouca dor, dor mé-
O paciente com dor
deve ser avaliado sob
múltiplos aspectos.
52 ANESTESIA
dia ou dor insuportável. O paciente pode mostrar numa
régua, numerada ou não, em qual nível está a dor. Ou
lhe é pedido para dar uma nota à sua dor: se não tem
nenhuma dor, a nota é zero; se a dor não dá para agüen-
tar ou é a pior que pode imaginar, a nota é dez.
Isso é conseqüência dos recentes progressos no es-
tudo da dor: se o paciente diz que tem dor, então ele tem
dor, e deve ser tratado adequadamen-
te. Situações onde a dor é fingida, para
obtenção de vantagens como receber
drogas controladas, ganhos indenizató-
rios ou para manipular médicos e fa-
miliares, podem ser identificadas por
testes farmacológicos e por avaliações psiquiátricas.
A avaliação e a medida da dor servem para acompa-
nhar e julgar se as drogas, doses e horários que estão sen-
do utilizados trazem o resultado procurado. Se a dor di-
minuiu, mostrado na escala de avaliação, se o paciente
está tranqüilo e confortável, então deve ser mantido o
que se está fazendo. Se o paciente não está satisfeito, se
sua avaliação diz que a dor está como antes ou aumen-
tou, desde que não estejam ocorrendo outras complica-
ções da cirurgia ou clínicas, então o tratamento deve ser
remanejado. Se o tratamento provocou muita sonolên-
cia ou até inconsciência do paciente, as drogas e doses
devem ser repensadas ao mesmo tempo em que são re-
vertidos ou corrigidos os efeitos exagerados ou indesejá-
veis.
Todos os acontecimentos observados nos pacien-
tes, tanto os detectados pela enfermagem como os ob-
servados pelos médicos, são registrados no prontuário,
para que haja total conhecimento do que está sendo fei-
to, a razão e os resultados. As avaliações são feitas a cada
Se o paciente diz que
tem dor, então ele tem
dor, e deve ser tratado
adequadamente.
 ANESTESIA 53
duas, seis ou doze horas, dependendo das necessidades,
já que as situações podem mudar com rapidez.
O TRATAMENTO DA DOR
O desenvolvimento no estudo e no tratamento da
dor exige trabalho em equipe. Para a dor aguda, no pós-
operatório, por exemplo, surgiram há doze anos os Ser-
viços de Dor Aguda. São equipes compostas principal-
mente por médicos, enfermeiros, psiquiatras e farmacêu-
ticos. Dos médicos, o anestesiologista geralmente é o
coordenador da equipe, pela experiência com o uso de
drogas, bloqueios analgésicos, respiração e reanimação.
Cirurgiões e clínicos também lideram esses serviços, que
geralmente existem ou estão sendo criados nos hospitais.
Principalmente na dor aguda, o papel da enfermagem
é um dos mais importantes e indispensáveis dentro do Ser-
viço de Dor Aguda. Seria difícil e até impossível a existência
desses serviços sem a participação da en-
fermeira. Em alguns países é uma enfer-
meira especializada em dor quem está na
coordenação. Os Serviços de Dor Agu-
da, além de tratar pacientes com dor, ser-
vem de consultorias para outras áreas da Medicina, promo-
vem treinamento de médicos, enfermagem e estudantes,
pesquisam o uso de novas técnicas e novas drogas que pos-
sam melhorar o atendimento dos pacientes.
Os remédios para dor podem ser administrados de
inúmeras maneiras, sem esquecer a via oral ou a injeção
no músculo ou na veia. Assim, as drogas podem ser ad-
ministradas pelas vias sublingual, bucal, gengival, nasal,
por nebulização, subcutânea, transcutânea e retal.
Os remédios para dor
podem ser administrados
de inúmeras maneiras.
54 ANESTESIA
Quando o paciente participa do tratamento, os re-
sultados podem ser melhores, com menor quantidade
de drogas; é o caso da técnica, muito útil e prática, cha-
mada Analgesia Controlada pelo Paciente. Ela consiste
no emprego de aparelhos que permitem programar a
quantidade de analgésicos que o próprio paciente pode-
rá se administrar quando surgir a dor. O aparelho está
conectado por um cateter na veia ou nas costas do pa-
ciente, que, através de botões, comanda a administração
da droga em doses e horários já incluídos na bomba de
infusão. O efeito psicológico para o paciente, por poder
controlar sua dor, ajuda na redução das quantidades de
analgésicos usados.
Grande avanço em analgesia surgiu quando, há
menos de trinta anos, se mostrou que pequenas doses de
morfina administradas próximo da medula espinhal ali-
viavam a dor por quase trinta horas. Isto é, em lugar de
injetar 5 ou 10 mg de morfina na veia ou no músculo a
cada três ou quatro horas, incomodando o paciente com
injeções e sobrecarregando a enfermagem, uma pequena
dose de 0,1 a 0,4 mg injetada dentro do líquor assegura
alívio da dor por vinte a trinta horas. O alívio é mais
estável com menos enjôo ou sonolência.
Também pode ser empregada a morfina, ou outros
opióides, em bloqueios peridurais, com alívio de 10 a 16
horas. Como o tratamento da dor geralmente é mais pro-
longado, podem ser colocados cateteres plásticos no es-
paço peridural e as drogas administradas quando neces-
sário, sem necessitar de nova punção nas costas.
Também podem ser usados anestésicos locais, em
concentrações muito baixas, ao mesmo tempo que se usa
a morfina. Usando-se os dois no bloqueio peridural, as
doses de cada um podem ser reduzidas ainda mais, e o
 ANESTESIA 55
alívio até pode ser maior, pela associação de efeitos, já
que o opióide age de uma maneira e o anestésico local de
outra, para dar mais analgesia.
Em Medicina, sempre se pesa o be-
nefício e o risco de um remédio, de um
exame ou de uma cirurgia. Se o benefí-
cio possível é grande e o risco pequeno,
administra-se a droga, ou realiza-se o
procedimento. Se os riscos são maiores
que os benefícios, buscam-se outras al-
ternativas, talvez menos eficientes, mas que sejam me-
nos prejudiciais.
A farmacologia, diz-se, é a toxicologia fracionada.
Isto é: usam-se remédios em doses para obter o máximo
de efeito benéfico e o mínimo de efeitos tóxicos e inde-
sejados.
Na anestesiologia e no tratamento da dor, usam-se
drogas potentes. Ainda não foi retirada a agulha da veia,
quando se administrou uma droga, e ela já está fazendo
efeito. Portanto, no caso do tratamento da dor, pode-
mos ter efeitos indesejados ou complicações.
Os opióides, dos quais a morfina serve de padrão,
podem causar uma série de efeitos, além de aliviar a dor:
alteração do humor, sonolência, depressão da respiração,
prurido, náusea, vômitos, constipação, retenção de uri-
na...
Os anestésicos locais podem provocar convulsões,
alergia, queda de pressão, diminuição das forças nos bra-
ços ou nas pernas, entre outros efeitos.
Os sedativos podem somar-se aos efeitos dos opiói-
des e provocar mais sedação e sono no paciente.
A arte médica consiste em, ajustando e adaptando
condutas e tratamento, trabalhar de modo que ocorram
Em Medicina, sempre
se pesa o benefício e o
risco de um remédio,
de um exame ou
de uma cirurgia.
56 ANESTESIA
poucas ou nenhuma dessas situações. E na eventualida-
de de ocorrerem, os anestesiologistas estarão vigilantes e
preparados para corrigir o quadro rapidamente.
Hoje não só dispomos de inúmeras maneiras de
administrar medicamentos, assim como existem cente-
nas de medicações, procedimentos tipo bloqueios anes-
tésicos, hipnotismo, acupuntura,

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