Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Anestesia a vitória sobre a dor DIRETORIA DA SARGS 2000 Presidente: Ildo Meyer Diretor Administrativo: Paulo Evangelista Diretor Científico: Florentino Mendes Diretor Financeiro: Silvio Perez DIRETORIA DA SARGS 2001 Presidente: Ildo Meyer Diretor Administrativo: Jordão Chaves de Andrade Diretor Científico: Fernando Squeff Nora Diretor Financeiro: Silvio Pérez A579 Anestesia: a vitória sobre a dor / Airton Bagatini ... [et al.]. Porto Alegre : SARGS, 2001. 14x21cm. ; 99p. 1. Anestesia. I. Bagatini, Airton. CDU 612.887 Catalogação na publicação: Leandro Augusto dos Santos Lima – CRB 10/1273 AIRTON BAGATINI • ALIDA VITÓRIA ALVARES FUHRMEISTER ELAINE FELIX FORTIS • FERNANDO NORA FLORENTINO MENDES • ILDO MEYER JORDÃO CHAVES DE BARROS • JAMES MANICA LUIZ ALFREDO JUNG • PAULO EVANGELISTA Anestesia a vitória sobre a dor Edição comemorativa dos 50 anos da SARGS Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul PORTO ALEGRE 2001 Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul, 2001 Capa: VIOLETA GELATTI LIMA Editoração eletrônica: AGE - ASSESSORIA GRÁFICA E EDITORIAL LTDA. Diagramação: LAURI HERMÓGENES CARDOSO Supervisão editorial: PAULO FLÁVIO LEDUR Reservados todos os direitos de publicação à SARGS - Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul Impresso no Brasil / Printed in Brazil Apresentação A anestesia como especialidade médica no Brasil já comple- tou 50 anos. Apesar disso, os temores da população em relação ao ato anestésico ainda permanecem elevados. Diariamente profis- sionais da área médica respondem a questionamentos tais como: – Será que vou morrer da anestesia? – Pode haver perigo de uma reação alérgica à anestesia? – É verdade que se pode ficar paralítico após uma anestesia? – Não tenho medo da cirurgia, mas sim da anestesia! Efetivamente, essas ponderações têm certa razão de existir. No passado, o ato considerado mais nobre e que promovia a cura do paciente era a cirurgia, sendo a anestesia relegada a um plano secundário e executada por estudantes de Medicina, enfermeiras ou paramédicos. O médico se preocupava apenas em operar com rapidez, e necessitava que não houvesse movimentos do paciente durante o procedimento. Muitos acidentes aconteciam. Com o surgimento de cursos de especialização em anestesia para médicos, com a fundação de sociedades de anestesistas e com a conscientização da importância e dos riscos de uma anestesia, iniciou-se uma padronização na maneira de realizar a anestesia, para que não ocorressem acidentes. Porém, o mito de que a anestesia era perigosa e muitas vezes fatal já havia sido criado. O conceito de que o anestesista era um “mal necessário” já estava estabelecido. Os gregos pouco sabiam sobre a maneira como o mundo funcionava (segundo demonstraram mais tarde as leis de Newton e de Einstein, entre outros), mas desenvolveram um sistema de pensamento muito bem articulado. Quando uma pessoa se en- contra frente a algo incomum (anestesia/cirurgia), desenvolve um raciocínio de como as coisas vão funcionar. Quanto menos ela souber, mais complexa será sua rede de pensamento. As fantasias do que acontecerá enquanto estiver dormindo, ou sobre o tamanho e as conseqüências da injeção realizada nas “costas” são intermináveis. O objetivo inicial desta obra é a informação. Nos próximos capítulos explicaremos quem é o anestesista, as técnicas utilizadas, as formas de monitorização e segurança, o controle da dor duran- te a cirurgia e no pós-operatório, as maneiras de diminuir a ansie- dade, a anestesia e a analgesia para o parto, a forma de cobrança de honorários e a evolução da anestesia através da história. Na medida em que a população aumentar seus conhecimen- tos em relação à anestesia, aumenta sua participação e interação no procedimento, tornando-se parceira do anestesista, vendo-o não mais como um “mal necessário”, mas como um guardião, um profissional que lançará mão de todos os esforços, tecnologias e medicamentos disponíveis para que o ato anestésico-cirúrgico possa acontecer dentro do maior conforto e segurança. A Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul tomou a iniciativa de editar este livro para que a população, aumentando seu nível de conhecimento, saiba como é segura a realização de uma anestesia e assim diminua a ansiedade quando houver a ne- cessidade da presença de um anestesista durante um procedimen- to cirúrgico ou diagnóstico. Sumário 1 - E A DOR ESTAVA VENCIDA... .......................................................................... 9 OS PIONEIROS ............................................................................................................... 9 WILLIAM THOMAS GREEN MORTON ............................................................. 12 DA CIRURGIA DENTÁRIA ÀS GRANDES CIRURGIAS ................................ 14 OS DIFERENTES PREÇOS DOS INVENTOS .................................................... 16 2 - O QUE FAZ O ANESTESIOLOGISTA ........................................................ 21 3 - O QUE É A ANESTESIA .................................................................................... 23 4 - TIPOS DE ANESTESIA ...................................................................................... 25 ANESTESIA GERAL ..................................................................................................... 25 Tipos de anestesia geral .............................................................................................. 25 ANESTESIA REGIONAL OU CONDUTIVA....................................................... 26 Tipos de anestesia regional ........................................................................................ 27 5 - ETAPAS DA ANESTESIA .................................................................................... 29 AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA ............................................................................ 29 ANESTESIA PROPRIAMENTE DITA .................................................................... 29 Preparo ........................................................................................................................... 29 Indução, manutenção e recuperação ....................................................................... 31 Como o vôo de um avião... ....................................................................................... 32 RECUPERAÇÃO PÓS-ANESTÉSICA ..................................................................... 33 6 - COMO COLABORAR PARA O SUCESSO DA ANESTESIA? ........ 35 7 - COMO É FEITA A ANESTESIA ...................................................................... 37 ANTES ............................................................................................................................... 37 AS TÉCNICAS E AS DROGAS DE ANESTESIA ................................................. 38 DE OLHO NOS EFEITOS DAS DROGAS ........................................................... 43 8 - A DOR: UM BEM OU UM MAL? .................................................................. 45 PRECONCEITOS .......................................................................................................... 46 PAGANDO A DÍVIDA ................................................................................................. 46 CONCEITOS ATUAIS ................................................................................................. 47 CLASSIFICAÇÃO DAS DORES ............................................................................... 48 CONSEQÜENCIAS DA DOR ................................................................................... 49 COMO SE MEDE A DOR .......................................................................................... 51 O TRATAMENTO DA DOR ...................................................................................... 539 - CONSULTÓRIO DE ANESTESIA ................................................................. 61 ENTREVISTA PREPARATÓRIA............................................................................... 63 A IMPORTÂNCIA DO JEJUM ................................................................................. 65 CONCLUSÃO................................................................................................................. 66 10 - MEDO DA ANESTESIA ................................................................................... 67 MEDOS MAIS FREQÜENTES ................................................................................. 68 A PRESENÇA DO MEDO DA MORTE ................................................................ 69 MEDO DE LESÕES ...................................................................................................... 71 MEDO DE DOR E DESCONFORTO .................................................................... 71 O ALÍVIO DO ACORDAR ......................................................................................... 72 O MEDO DA DOR APÓS A ANESTESIA ............................................................. 73 O MEDO DE PERDER O OBJETO CUIDADOR.............................................. 74 A RELAÇÃO PACIENTE/ANESTESIOLOGISTA ............................................... 75 COMO ENFRENTAR O MEDO .............................................................................. 76 11 - DESMITIFICANDO O CHOQUE ANAFILÁTICO ......................... 79 OS MECANISMOS DE DEFESA .............................................................................. 79 TESTES DE SEGURANÇA ......................................................................................... 82 COMO DIAGNOSTICAR O CHOQUE ANAFILÁTICO ............................... 83 PREVENÇÃO E TRATAMENTO ............................................................................. 85 12 - ANESTESIA E GESTAÇÃO ............................................................................ 87 CIRURGIAS DURANTE A GRAVIDEZ ................................................................. 91 13 - OS HONORÁRIOS DO ANESTESIOLOGISTA ................................. 93 14 - COMO SE ORGANIZAM OS ANESTESIOLOGISTAS? ................ 97 ANESTESIA 9 “Senhores, isto não é uma farsa.” Com essa frase, o Dr. John Collins Warren saudou o surgimento de uma nova era que iria revolucionar a Medicina e a cirurgia, abrindo novos e vastos horizon- tes: a dor estava vencida. No dia 16 de outubro de 1846, pouco depois das dez horas, era mos- trado ao mundo médico e ao público que a dor estava banida da sala de cirurgia, porque na- quela manhã surgira a anestesia. Na verdade, a anestesia não surgiu de repente, num lampejo de genialidade, num rasgo de divindade. Desde o início o homem procurou, incansavelmente, livrar-se da dor. OS PIONEIROS Passemos rapidamente pelos feiticeiros, sacerdotes, alquimistas, pelas poções, pela mandrágora, pelas ervas, pelo hipnotismo e acompanhemos mais de perto os pre- cursores, “os profetas”. Joseph Priestley, um inglês que serviu a dois altares: ao de Deus e ao seu laboratório, porque ele era pastor e químico, descobriu o oxigênio em 1771 e, no ano se- guinte, o protóxido de azoto. Era uma época de grandes alterações e progressos: surgia a indústria, a Revolução A dor estava banida da sala de cirurgia. 1 E a dor estava vencida... 10 ANESTESIA Francesa tomava vulto, ferviam as questões políticas na Inglaterra, dividia-se o clero. Priestley simpatizava com a Revolução Francesa e escolheu o lado errado na ques- tão religiosa, sendo perseguido e acusado de traidor. Os fanáticos queimaram sua casa e destruíram seus traba- lhos. Foi obrigado a fugir, vindo para a América para continuar suas pesquisas. Humphry Davy, outro inglês, estudou os trabalhos de Priestley e resolveu inalar o protóxido de azoto, ainda que todas as sumidades da época afirmassem que era nocivo e mortal. Aspirou a primeira vez, a segunda vez, mais outras e, em vez de morrer, começou a pular e rir. Nos dias seguintes, continuou com as sessões de inalação, notando que o protóxido de azoto acabara com a dor de dente que o estava incomodando. Continuou os estudos e realizou reuniões em que seus amigos inalavam o gás hilariante por divertimento. Publicou um livro, em que afirma, já em 1798, que seria sem dúvida recomendável empregar o protóxido de azo- to contra as dores cirúrgicas. Em 1805, o químico alemão Sertuerner isolou a morfina do ópio (terminou seus dias sofrendo repetidos ataques de gota, e a morfina, ironicamente, não mais lhe trazia alívio). Michael Faraday, em 1818, descreveu os efeitos ine- briantes do éter e o comparou com o gás hilariante. Em 1824, Henry Hill Hickmann, médico inglês, procurou a Royal Society na Inglaterra e a Academia Fran- cesa de Medicina, para demonstrar seu método de abolir a dor cirúrgica com gás carbônico e com o gás hilariante. Ofereceu-se como voluntário, sendo ridicularizado e chamado de louco, pois, segundo Velpeau, “o bisturi e a Em vez de morrer, começou a pular e rir. ANESTESIA 11 dor são inseparáveis numa sala de cirurgia”. Negaram- lhe a oportunidade pedida. Desanimado e acabrunha- do, morreu aos vinte e nove anos de idade. Nos Estados Unidos, por volta de 1830, andavam muito em voga os ether-parties, reuniões nas quais quem quisesse poderia respirar éter ou gás hilariante, para sen- tir emoções novas, onde riam, pulavam e dançavam sob o efeito dos gases (não era por falta de LSD que eles iriam ficar quietos). Espetáculos eram realizados nas pra- ças e teatros, fazendo os interessados atuarem ao embalo do éter ou do gás hilariante. No Estado da Geórgia, na cidade de Jefferson, Craw- ford Williamson Long não pôde assistir a uma apresen- tação, pois fora atender um paciente. Seus amigos lhe contaram como foi o espetáculo e ele decidiu fazer algu- mas demonstrações experimentais, principalmente com as moças da cidade, já que era jovem e simpático. Notou que, depois de ina- lar o éter, apresentava inúmeras man- chas arrocheadas e dolorosas pelo cor- po, mas não recordava como apareci- am. Concluiu que o éter deveria ser a causa da ausência da dor. Depois de muito pensar e repetir inalações, re- solveu e operou alguns pacientes sob o efeito do éter. E eles não sentiram dor. Operou oito pacientes, mas os moradores da cidade começaram a reclamar “que alguém acabaria morrendo, que desistisse de suas tentativas dia- bólicas”. A 30 de março de 1842, extirpou um tumor do pescoço de James Venable, sob a ação do éter. Como era médico numa área rural, não divulgou seus trabalhos aos meios científicos. No Estado de Connecticut, o dentista Horace Wells e sua esposa foram assistir a uma demonstração do gás Concluiu que o éter deveria ser a causa da ausência da dor. 12 ANESTESIA hilariante. Doze voluntários se apresentaram, “oito vi- gorosos homens ocupavam a primeira fila para proteger a platéia de alguma violência partida dos voluntários sob o efeito do gás”. Wells notou que um dos voluntários, sob o efeito do gás, machucara o joelho, que sangrava abundantemente. Interrogado por Wells, a vítima asse- gurou que nada sentira. No dia seguinte, 11 de dezembro de 1844, Wells pediu para um colega lhe extrair um dente sadio enquanto ele inalava o gás hilariante. A partir de então, passou a extrair dentes dos clientes com o auxílio do gás. Em se- guida fez uma demonstração em Boston, na Faculdade de Medicina. Como não dominasse ainda a técnica de administração do gás, ele o fez de maneira inadequada e insuficiente, pois temia um acidente; resultado: o pa- ciente urrou durante a extração. Sob os gritos de canalha e charlatão, voltou para sua cidade. Mas não desistiu. Fez outra demonstração pública, deu bastante gás, e o paciente quase morreu, matando em Wells avontade de usá-lo. Dedicou-se à criação de canários, depois passou a vender quadros, comprando na França e vendendo, com lucros, para os amadores americanos. WILLIAM THOMAS GREEN MORTON Era um dentista da cidade de Boston. Tinha traba- lhado com Wells, mas o consultório não progredira como desejaram e em pouco tempo Wells voltou para sua ci- dade, Hartford. Morton persistiu e a situação melhorou, podendo até pagar as dívidas que fizera. Naquela época, procurava-se um método para fixar com segurança as coroas sobre as raízes dos dentes. Morton conseguiu uma ANESTESIA 13 massa especial, que permitia fixar solidamente os dentes artificiais sobre as placas de ouro. Era uma perspectiva rentável, mas a colocação dos aparelhos e dentes artifi- ciais era extremamente dolorosa e os clientes desistiam. A dor prejudicava seu negócio. Reiniciou seus estudos de Medicina, que havia abandonado por falta de recursos. Ficou sabendo, por um médico e químico famoso, Charles Jackson, que o éter, aplicado localmente, insensibilizava a pele. Nessa época, Wells fracassava na demonstração com o gás hilariante. Morton achou que poderia substituir o gás pelo éter. Lendo e estudando, encontrou o trabalho de Faraday, que comparava o éter com o gás hilariante. Começou a fazer experiências com o cãozinho da espo- sa. Ela descobriu e fez uma enorme cena doméstica. Depois, quem desapareceu foi o peixinho dourado; a empregada não achou a galinha para o assado, tendo sido achada no laboratório. De outra feita, o próprio Morton foi encontrado inconsciente, pela esposa. Persistindo, Morton conseguiu dois estudantes para observar os efei- tos do éter nos seres humanos, mas, covardemente, eles não apareceram para a segunda sessão... Morton estava com problemas e não queria recor- rer ao Doutor Jackson, que não era de muita confiança (Jackson encontrara Samuel Morse, numa viagem de navio, e ficou sabendo das pesquisas de Morse que resul- tariam na descoberta do telégrafo. Quando Morse deu a público sua invenção, Jackson foi para os jornais, dizen- do que ele é quem tinha dado a pista para Morse e que Morse era um ladrão). Mas acabou procurando Jackson. Soube, então, que o éter que usara, e em gotas, era o éter clorídrico, de ação local. Para inalação, deveria ser usado A colocação dos aparelhos e dentes artificiais era extremamente dolorosa. 14 ANESTESIA o éter sulfúrico, bem retificado e sem impurezas. Com- prou o éter sulfúrico e o inalou em casa. Na noite de 30 de setembro de 1846 extraiu um dente de Eben Frost, com o auxílio do éter, iniciando “uma nova era na cirurgia dentária”. DA CIRURGIA DENTÁRIA ÀS GRANDES CIRURGIAS Na manhã do dia seguinte, foi ao cartório registrar sua invenção. Enquanto seus colegas protestavam contra essa “descoberta nefasta”, seu consultório estava sempre cheio. E Morton passou a considerar a possibilidade de usar seu invento na “grande cirurgia”. Começou a aper- feiçoar um aparelho para administrar éter. Os cirurgiões não lhe davam ou- vidos. Resolveu tentar a sorte no Hos- pital Geral de Massachusetts, Boston, cujo fundador e diretor era o Dr. Warren. Não foi fácil entrar no hospital, tendo esperado toda a manhã e boa parte da tarde, para conversar e convencer o Dr. Warren para que lhe desse uma chance. O Hospital Geral era o maior da América e todos os dias apareciam aventurei- ros querendo provar algo sensacional. No dia 16 de outubro de 1846, às dez horas, seria operado Gilbert Abbott, portador de um tumor sob o maxilar direito, e Morton teria sua oportunidade. Na véspera, Morton ficou trabalhando até as duas horas da madrugada. Eram 10h15min da manhã; na sala de cirurgia, o paciente já estava deitado, o cirurgião já se impacientava, a assistência começava a se agitar, surgiam risos, piadas, e Morton não aparecia. Os cirurgiões não lhe davam ouvidos. ANESTESIA 15 A cirurgia ia começar no sistema tradicional: à for- ça. Então Morton irrompeu na sala, esbaforido pela cor- rida. Trazia junto o músico Eben Frost, como testemu- nha. O atraso foi causado pelo fabricante do seu novo inalador, que quase o aprontou tarde demais. Pediu des- culpa pelo atraso, montando seu aparelho sob o olhar irônico e descrente de todos. Começou a trabalhar, di- zendo para Warren: – Senhor, o paciente é seu. Morton tinha tudo para fracassar. Devia ter chega- do cedo para preparar tudo, e chegou tarde; precisava ter calma para controlar a situação, mas devia estar com os nervos à flor da pele; devia sentir-se seguro, mas não domi- nava o assunto, e o aparelho era gros- seiro; o paciente não estava devidamen- te preparado; e por último, naquela sala, a única pessoa que acreditava em Wil- liam Thomas Green Morton era William Thomas Green Morton... A cirurgia terminou e Warren virou-se para uma assistência estática: – Senhores, isto não é uma farsa. Nenhuma descoberta é resultado isolado, levado a termo por um único homem: Roentgen usou o tubo com vácuo, criado por Crookes, quando descobriu os raios X; Colombo usou um compasso criado por outro; Wells usou o gás hilariante formulado por Priestley; Lister empregou a teoria de Pasteur para tornar a cirurgia as- séptica. Por sugestão do médico e poeta Oliver Wendell Holmes, aquela ciência passou a chamar-se anestesia, palavra grega que significa ausência de sensações. A única pessoa que acreditava em William Thomas Green Morton era William Thomas Green Morton... 16 ANESTESIA OS DIFERENTES PREÇOS DOS INVENTOS Morton tinha vinte e sete anos de idade. Diferia com- pletamente de Wells, que era sonhador, tímido, observa- dor, sério. Morton era ambicioso; queria dinheiro, roupas, posição social. Morton era fleugmático, lutando com unhas e dentes contra as investidas de Jackson, habilidoso e em- preendedor; Wells era facilmente desen- corajado, deprimia-se, era influenciado pelos outros. Nem Morton nem Wells eram cientistas, mas Robert Koch e Tho- mas Edison também não eram. Dizem que a sorte ajuda os auda- ciosos, e isso é verdade quanto a Mor- ton. Wells não teve sorte. A única vez que não se pode falhar é quando se tenta pela última vez. Wells falhou. Morton, para provar que o éter não era explosivo, acen- deu fogo a poucos centímetros da boca de um paciente que inalava o éter, e nada aconteceu. Morton não dominava a administração do éter, mas obteve bom resultado, porque seu paciente era magro, filho de tuberculoso, e apenas administrou o anestésico. Wells teve um paciente forte; devia fazer a anestesia e extrair o dente, ao mesmo tempo. Deu pouco anestésico e falhou. Morton lembrou-se do que acontecera a Wells, e foi mais generoso na quantidade usada. A assistência de Wells, sabendo que era protóxido de azoto o agente empregado, já ia duvidosa dos resulta- dos. Morton, mais artista, mais misterioso, não disse qual era o agente. Chamou-o Leteon (um rio da Grécia cujas águas tinham a capacidade de fazer esquecer a dor), ten- do acrescentado drogas perfumadas e corantes, para dis- farçar o cheiro do éter, e isso colaborou para o suspense. Nem Morton nem Wells eram cientistas, mas Robert Koch e Thomas Edison também não eram. ANESTESIA 17 Quando Morton administrou o éter para uma ci- rurgia grande, falhou completamente, mas como era paciente particular, não havia assistência. Por ocasião da segunda grande cirurgia, o cirurgião, não confiando muito em Morton, receitara, primeiramente, cem gotas de tintura de ópio, e com essa medicação Morton facilmente administrou o éter, agora na presença de assistentes. O aparelho usado por Wells era de borracha e se perdeu. O edifício onde foi feita a demonstracão fracas- sada acabou destruído. O aparelho de Morton é peça de museu, o hospital ainda existe e a sala onde foi realizada a primeira anestesia está intacta, com as peças nos devidos lugares,como um tabuleiro de xadrez onde a dor recebeu xeque-mate. Wells comprava seus quadros na França e lá ouvia todos falarem de Morton; apenas a Academia Francesa disse ser ele o merecedor das glórias, e não Morton. Amargurado, Wells acabou viciado em éter e cloro- fórmio, sentindo-se feliz sob o efeito dessas drogas. Aca- bou jogando vitríolo em mulheres que passeavam na Broadway. Foi preso e, em meio a grande desespero, sui- cidou-se, após ter inalado clorofórmio e rasgado a arté- ria femural com uma tesoura. Tinha 33 anos de idade. Dias depois lhe chegaria da França o título de Ben- feitor da Humanidade, concedido pela Academia Fran- cesa. Após o sucesso da manhã de 16 de outubro, Mor- ton foi para casa às quatro horas da madrugada. E, se as palavras diziam que ele tinha saído vencedor, a expressão de seu rosto era de tristeza. Morton era dentista; os den- tistas não anunciavam suas descobertas e ele quis regis- trar, explorar seu invento, escondendo a composição do Um tabuleiro de xadrez onde a dor recebeu xeque-mate. 18 ANESTESIA Leteon. Entretanto, cedeu seus aparelhos para os hospi- tais de caridade e ele mesmo administrava a anestesia, até que foi impedido de continuar suas atividades se não anunciasse a composição do Leteon. A magia do Lete- on, uma vez revelada, perdeu o impacto e seu descobri- dor viu sua importância diminuída. Jackson escreveu para a França e outros países da Europa dizendo ser ele o criador da anestesia e que Morton era apenas seu aluno e empregado, que Mor- ton fora mandado fazer a anestesia no Hospital Geral. Em 1850, a Academia Francesa iria declarar Jackson o descobridor da anestesia. Apenas Velpeau discordou, dizendo que a anestesia tinha sido feita com o méto- do e o aparelho de Morton. Então, o prêmio foi re- partido entre os dois. A Jackson, pela idéia (imediata- mente recolheu os dois mil e quinhentos francos), e, pela aplicação da idéia, para Morton, que se recusou a receber o dinheiro. Como o dinheiro deveria ser em- pregado num prêmio, os franceses resolveram fazer uma medalha comemorativa dedicada a Morton, sem constar o nome de Jackson. Colocaram uma coroa de louros para completar o valor dos dois mil e quinhentos fran- cos. Por meio de uma antiga emprega- da de Morton, Jackson obteve contas pagas dos antigos clientes de Morton. E em nome de seu inimigo, enviou novamente essas contas. Morton aca- bou perdendo toda sua clientela. Os credores entravam em sua casa, levando seus pertences para compensar as contas não pagas. Sua casa foi vendida em leilão, e por obra de amigos, que a compraram, continuou morando nela, com a esposa e cinco filhos. Morton acabou perdendo toda sua clientela. ANESTESIA 19 Enquanto isso, o presidente do comitê médico do Hospital Geral de Massachusetts reunia-se com Warren, Oliver Holmes e outros, para tomar uma atitude em be- nefício de Morton e sua família. Quando o comitê en- trou naquilo que deveria ser a casa de Morton, na peça que tinha sido a sala de visitas, os visitantes puderam notar nas paredes as marcas deixadas pelos quadros que antes ali existiam. Morton iniciou um gesto de mandar os visitantes sentarem, mas parou, porque não havia mais cadeiras. Emocionado, recebeu uma caixa de prata con- tendo dez notas de cem dólares e ficou olhando seus sal- vadores, que saíram mudos, lenta e silenciosamente. No Congresso dos Estados Unidos, Daniel Webs- ter propôs um prêmio de cem mil dólares para Morton, que vai a Washington, sendo recebido como herói na- cional. Jackson protesta, exigindo o prêmio e atrasando a entrega. Warren defende Morton, que saiu vencedor. Wells já tinha morrido e Jackson foi falar com a viúva, dizendo que o prêmio era dela. Mais demoras, mais comissões, mas Morton venceu novamente, e Jack- son apelou para Long como último recurso, dizendo que, pouco tempo antes de Long, ele já conhecia o poder do éter, podendo reclamar e dividir o prêmio. Long não acei- tou a divisão, mas o processo se arrastou. Certa feita, na frente da casa de Morton, queima- ram um boneco que o representava, enquanto o chama- vam de ladrão e canalha. No dia seguinte, ele teve uma crise de choro e desespero. Nesse mesmo dia, a primeiro de dezembro de 1862, por decisão da maioria do Con- gresso era anulado o prêmio de cem mil dólares a ele destinado. Tempos depois, um velho, numa casa de penhores, perguntava quanto valia uma medalha de ouro. O dono 20 ANESTESIA da casa examinou a medalha e leu: “Ao benfeitor da hu- manidade W. T. G. Morton”. – De onde você roubou esta me- dalha? – pergunta intrigado. – Não roubei. Eu sou o Doutor Morton. Preciso do dinheiro, porque amanhã não teremos nada para comer. A 15 de julho de 1868, Morton descansou. Os progressos acumularam-se desde então, mas pouco mais de um século nos separa dos profetas Pries- tley, Davy e Hickmann, dos pioneiros Long, Wells e Morton, e diariamente suas memórias são reverenciadas quando se diz ao cirurgião: “Senhor, o paciente é seu”. “Ao benfeitor da humani- dade W. T. G. Morton”. ANESTESIA 21 Anestesiologistas são médicos que cuidam da vida durante a realização de um procedimento cirúrgico ou de um exame diagnóstico ou terapêutico. Como médi- cos, cursaram seis anos de faculdade de Medicina e como especialistas na área, cumpriram, no mínimo, dois anos de especialização em Anestesiologia. A denominação anes- tesista tem um caráter mais genérico e pode ser usada para denominar qualquer pessoa ou médico que faz anestesia. Segundo a Sociedade Brasileira de Anestesiologia, a melhor denominação para o especialista da área da anes- tesia é de anestesiologista. Anestesiologistas são médicos com especialização e treinamento, responsáveis pela avaliação do paciente, escolha da técnica anestésica adequada, administração da anestesia, vigilância e manutenção dos sinais vitais (respiração, circulação e outros) e recuperação dos efei- tos da anestesia. O anestesiologista domina conhecimen- tos fundamentais para a avaliação pré-anestésica, medi- cina de pacientes graves (UTI) e traumatizados, reani- mação, controle da dor pós-operatória e da dor crônica. A anestesiologia é uma especialidade médica de atu- ação multidisciplinar. Exige conhecimentos profundos de medicina clínica e cirúrgica, principalmente da fisio- logia, da farmacologia e da fisiopatologia. Além de co- nhecer os medicamentos utilizados pelos pacientes, são necessários sólidos conhecimentos sobre como funcio- nam os medicamentos anestésicos. 2 O que faz o anestesiologista 22 ANESTESIA Ao anestesista cabe ainda dominar as técnicas para realizar procedimentos como bloqueios anestésicos, ter conhecimento prático e experiência no manuseio de apa- relhos e equipamentos, assim como dos métodos e meios de monitorização, invasivos e não-invasivos. Essas habi- lidades envolvem outras áreas do conhecimento, tais como: Física, Química, Eletricidade e Bioengenharia. O papel do anestesiologista e sua responsabilidade transcendem os limites físicos da sala de cirurgia. Além de ser o intensivista da sala de cirurgia, exis- te a necessidade de o anestesista conhe- cer e saber se conduzir em cada procedi- mento anestésico, bem como no pós-ope- ratório imediato, de acordo com as pe- culiaridades específicas de cada caso ci- rúrgico. Ademais, dentre diversas outras atividades profissionais dos anestesiolo- gistas, podemos citar: o tratamento da dor aguda ou pós- operatória, o tratamento da dor crônica, em consultórios de avaliação pré-anestésica, em medicina de emergência, em equipes de resgates e ambulâncias. Em algumas locali- dades, os anestesiologistas participam de equipes ou chefi- am Unidades de Cuidados Intensivos (UTIs), podem ser professores em universidades, exercer cargos administrati- vos e de chefia em unidades cirúrgicas. Aliviar a dor, bloquear aconsciência, monitorizar o organismo, manter as funções vitais, principalmente a respiração, a estabilidade cardíaca e vascular, prover re- posição de líquidos (soroterapia) e de sangue (transfu- são), manter a temperatura corporal, diagnosticar pro- blemas que podem acontecer durante a realização do pro- cedimento e tratar sempre que necessário, essas são as funções básicas exercidas pelo anestesiologista antes, no transcorrer e após o ato operatório. O papel do anestesiologista e sua responsabilidade transcendem os limites físicos da sala de cirurgia. ANESTESIA 23 Anestesia, palavra de origem grega, significa “priva- ção da sensação”; portanto, é uma condição de ausência de sensações, sejam elas dolorosas, táteis, olfatórias, de- gustatórias ou visuais. Significa levar o paciente ao esta- do de anestesia, isto é, privá-lo de todas as sensações, entre elas a dor. É uma tarefa complexa e delicada que exige habilidade clínica, conhecimento de técnicas e arte ao executá-las. A palavra médico vem do latim medicare, que sig- nifica aliviar a dor. Esse alívio, na sua forma integral, é obtido com o auxí- lio de medicamentos anestésicos. A dor, qualquer que seja a origem, gera sofrimento físico e mental nas pes- soas, provoca danos incalculáveis à alma humana e deve ser eliminada para que os procedimentos curati- vos possam ser realizados. 3 O que é a anestesia A dor provoca danos incalculáveis à alma humana. ANESTESIA 25 ANESTESIA GERAL A anestesia geral é obtida pela combinação de qua- tro elementos: hipnose, analgesia, relaxamento muscu- lar e bloqueio das respostas reflexas do organismo ao es- tresse e ao trauma cirúrgico. Um dos objetivos fundamentais da anestesia geral é conferir ao paciente um estado de inconsciência de ins- talação suave e rápida, de maneira adequada, durante o tempo necessário e, a seguir, permitir uma recuperação rápida da consciência. No início, a anestesia era obtida com o uso de ape- nas um agente, o éter. Provavelmente é por isso que os leigos ainda imaginam o processo anestésico como a mera injeção de um medicamento na veia ou que se trata ape- nas de dar uma cheiradinha, como se administrar aneste- sia fosse semelhante a cheirar um perfume. Moderna- mente, atingem-se os quatro componentes da anestesia com o uso de diversos medicamentos. Tipos de anestesia geral 1 – Venosa: Anestesia obtida pela injeção de anesté- sicos numa veia do paciente. Atinge diretamente a cor- rente sangüínea e em seguida alcança o cérebro, onde o anestésico realiza sua ação principal. 4 Tipos de anestesia 26 ANESTESIA 2 – Inalatória: Anestesia feita pela inalação de gases e vapores anestésicos através das vias aéreas. Nos pul- mões, o anestésico é absorvido pela corrente sangüínea e daí atinge o cérebro. 3 – Balanceada: Anestesia que combina o uso de medicamentos pelas vias inalatória e venosa. A associa- ção permite reduzir as doses e obter melhores resultados com menos efeitos colaterais. ANESTESIA REGIONAL OU CONDUTIVA É o tipo de anestesia em que se bloqueia a condu- ção do estímulo nervoso, especialmente o da sensibilida- de. Também denominada de anestesia regional, é citada comumente para os leigos como anestesia local ou par- cial. Compreende a produção de estado de insensibilida- de localizada, de caráter reversível, sem alteração do ní- vel de consciência. Dependendo da quantidade da droga anestésica in- jetada, o bloqueio da sensibilidade pode ser acompa- nhado do bloqueio da motricidade, isto é, impossibilidade de mexer os membros ou parte deles. A anestesia regional pode ir desde a anestesia tópica, na superfície das mucosas, até o bloqueio da condução em nervos, plexos nervosos ou raízes medulares, dependendo do local onde a droga, deno- minada anestésico local, é aplicada. Em relação às anestesias condutivas mais freqüen- temente realizadas na prática, podem-se citar a raquia- nestesia e a anestesia peridural. Tanto a raquianestesia quanto a anestesia peridural são hoje bastante utilizadas tanto para promover aneste- ANESTESIA 27 sia completa como para a obtenção apenas de alívio da dor (analgesia). O exemplo mais significativo desta últi- ma é a analgesia de parto, que permite fazer com que a mulher não sinta as dores do parto e mantenha a contração uterina. A analgesia pode ser utilizada no período pós-operatório de cirurgias que provocam intenso estímulo dolo- roso. Tipos de anestesia regional 1 – Local: A injeção do anestésico é feita numa pe- quena área, em qualquer parte do corpo, com vistas a atingir apenas as terminações nervosas daquele local es- pecífico. Torna insensível uma porção do corpo necessá- ria para realizar pequenas cirurgias, como, por exemplo, retirada de uma verruga, sutura de um corte, etc. 2 – Troncular: Um nervo, isoladamente, ou um conjunto de nervos que forma um tronco nervoso é blo- queado por anestésico local, com o objetivo de conse- guir a anestesia de uma região bem específica do corpo, como nervos maxilares e mandibulares. É o caso das anes- tesias realizadas pelos dentistas. 3 – Plexolares: Um conjunto de nervos que forma um plexo nervoso é bloqueado por anestésicos locais, para conseguir a anestesia de uma região maior do corpo. Ple- xo braquial, por exemplo, significa que se anestesiou todo o membro superior. 4– Bloqueios espinhais (raqui ou peridural): Quan- do todo um segmento do sistema nervoso central é blo- queado por anestésico local, para obtenção de anestesia. A analgesia pode ser utilizada no período pós- operatório de cirurgias que provocam intenso estímulo doloroso. 28 ANESTESIA 5 – Anestesia tópica: Aplicação de anestésico local na superfície da pele ou de uma mucosa, para impedir a sensa- ção dolorosa na aplicação de uma injeção, por exemplo. A disponibilidade de diversos tipos de anestesia con- dutiva oferece ao anestesista opções que, dependendo da cirurgia proposta, podem dispensar o uso da anestesia geral. Assim, se o paciente necessita retirar uma unha encravada, pode ter anestesiado apenas um dedo. A anes- tesia condutiva pode ser usada de forma combinada com a anestesia geral, para acrescentar benefícios, como o de estender a analgesia ao período pós-operatório. Outro dado importante é que muitas vezes o pa- ciente tem medo ou não quer perma- necer acordado. Isso não invalida a uti- lização simultânea de uma das técnicas de anestesia regional, pois, para con- forto e tranqüilidade, essas técnicas po- dem e devem ser combinadas com sedação, isto é, um estado de sono leve. Muitas vezes o paciente tem medo ou não quer permanecer acordado. ANESTESIA 29 AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Para que o anestesiologista possa desempenhar seu tra- balho a contento, deve ele conhecer as condições de saúde do paciente com antecedência. Esse exame clínico, deno- minado avaliação pré-anestésica, preferencialmente, deve ser feito com algumas semanas de antecedência, em consultó- rio de anestesia, ou após a internação no hospital, no caso de alguma impossibilidade. A história médica, acrescida do exame físico e de eventuais exames de laboratório fornecem subsídios para que o anestesista decida sobre qual a técnica de anestesia mais indicada (como vimos, são várias as op- ções), que detalhes devem merecer maiores cuidados, quais as drogas que podem ser usadas sem provocar interações indesejadas e as que devem ser evitadas, e se existe a necessi- dade de uma técnica especial para aliviar a dor no pós-ope- ratório. Nesta etapa, da avaliação pré-anestésica, o aneste- siologista desempenha funções de clínico geral; precisa visualizar o paciente e seus problemas como um todo, para prever os cuidados específicos que merecerá. ANESTESIA PROPRIAMENTE DITA Preparo O anestesiologista é o primeiro médico da equipe a chegar na salade cirurgia e o último a sair. Antes mesmo 5 Etapas da anestesia 30 ANESTESIA de o paciente entrar na sala de cirurgia, o anestesiologis- ta é responsável pelo preparo de todos os equipamentos e materiais que serão utilizados na anes- tesia. Esse preparo exige tempo. Os equipamentos hoje utilizados para a realização da anestesia são com- plexos e sofisticados. Durante a cirur- gia vários monitores e aparelhos eletrô- nicos são utilizados: o aparelho de anestesia, máquina de uso específico pelo anestesiologista; monitores como o aparelho de pressão (mede a pressão arterial); o estetos- cópio (serve para auscultar as batidas do coração e os sons dos pulmões); eletrocardiógrafo (faz eletrocardio- grama de forma contínua); oxímetro de pulso (mede a oxigenação do sangue); capnógrafo (mede a eliminação de gás carbônico pelos pulmões), termômetros (para ve- rificar a temperatura corporal); analisadores de gases (para medir a concentração de anestésicos inalados). Para elevar o padrão de segurança do ato anestési- co-cirúrgico, hoje, em praticamente todos os ambientes cirúrgicos esses monitores estão presentes. Uma das gran- des vantagens resultantes da utilização desses monitores resulta do caráter não-invasivo, isto é, para serem utilizados não há necessidade de cortar a pele, ou de introduzir qual- quer aparelho no organismo. Mais do que isso, eles forne- cem medidas contínuas, e o anestesiologista vigia as fun- ções do organismo pela clínica e através dos monitores. O aparelho de anestesia, sempre presente, mesmo quando a anestesia for local, é usado para administrar oxigênio e/ou para administrar misturas de vapores anes- tésicos. Fazem parte do aparelho de anestesia uma série de componentes essenciais e válvulas de segurança. Um O anestesiologista é o primeiro médico da equipe a chegar na sala de cirurgia e o último a sair. ANESTESIA 31 componente importante é o ventilador que substitui- rá, total ou parcialmente, a respiração durante uma anestesia geral. Outros materiais que estão sempre prontos para uso, mesmo que a anestesia não seja geral, são aqueles usados para garantir que as vias aéreas não fiquem obstruídas, facilitando assim a respiração. Aqui estão incluídos o la- ringoscópio, que permite visualizar as cordas vocais e, através delas, passar um tubo de borracha especial, o tubo endotraqueal, que garantirá uma via de acesso para ven- tilar os pulmões, entregar oxigênio e agentes anestésicos inalatórios para manter a anestesia e evitar a aspiração de vômito. Além dos equipamentos, vários medicamentos de- vem estar preparados e diluídos, em seringas identifica- das, para utilização durante a anestesia. Tudo isso deve ser preparado e checado antes de o paciente entrar na sala para a realização da cirurgia. Após o preparo de todo o material necessário, é chegado o momento de o paciente entrar na sala de cirurgia. Inicia-se a monitorização, punciona-se uma ou mais veias, para permitir a administração de dro- gas e para repor as perdas decorrentes do jejum, bem como daquelas que advirão da própria cirurgia. Daí por diante, de acordo com o tipo de anestesia mais adequado para o caso, inicia-se o processo de aneste- sia. Indução, manutenção e recuperação No caso da anestesia geral, podemos subdividi-la em três fases: indução, manutenção e recuperação. 32 ANESTESIA A indução da anestesia visa a levar o indivíduo do seu estado normal de consciência ao de anestesia. Ao se obter o estado de anestesia adequado, é au- torizado o início do procedimento cirúrgico, e a anes- tesia entra no estado denominado de manutenção. Durante todo o ato cirúrgico, o anestesiologista permanece junto ao paciente, pois sem a sua presença a segurança de todo o processo fica ameaçada. A vigi- lância total é obrigação básica do exercício da aneste- siologia. Mesmo que tudo esteja tranqüilo, o aneste- siologista deve estar presente para identificar qualquer necessidade que possa surgir. Além disso, para manter o estado de anestesia, a administração de fármacos é con- tínua. A administração controlada dos fármacos é uma premissa para se manter a anestesia adequada. Ao terminar o procedimento cirúrgico o aneste- siologista inicia a reversão da anestesia, buscando o mais rápido possível que a consciên- cia volte ao normal. Livre da admi- nistração dos fármacos que mantinham a anestesia, tudo começa a voltar ao esta- do anterior. As funções vitais do organis- mo, como a respiração e a circulação re- tornam aos poucos aos valores prévios. Em alguns minutos, o paciente estará acordando, de prefe- rência sem dor, sem agitação, sem náuseas e sem vômito. Esta é a fase de recuperação. Como o vôo de um avião... Freqüentemente a anestesia é comparada ao vôo de um avião. Embora esta seja uma forma simplória de vi- Durante todo o ato cirúrgico, o anestesiologista permanece junto ao paciente. ANESTESIA 33 sualizar o processo como um todo, contém vários fato- res em comum. A indução seria a decolagem, a manu- tenção seria a permanência do avião no ar, o equilíbrio e a segurança, e a recuperação, a aterrissagem. O aneste- siologista seria o comandante do vôo, que os passagei- ros, muitas vezes, nem sequer conhecem mas nele confi- am, colocando suas vidas aos cuidados desse profissional que, acreditam, tenha formação e responsabilidade suficien- tes para conduzi-los, de forma segura e suave, ao destino planejado. RECUPERAÇÃO PÓS-ANESTÉSICA A terceira e última etapa de qualquer anestesia aconte- ce fora da sala de cirurgia, mas ainda dentro do bloco cirúr- gico. Denomina-se recuperação pós-anestésica. Logo após a anestesia, é necessário um período de tempo de vigilância. O organismo precisa voltar ao estado normal. Eli- minar os fármacos e seus efeitos, leva um tempo maior, e é num local especial, a Sala de Recuperação, onde isso acontece. Os cuidados são mantidos pela enfermagem com a supervisão de um médico anestesiologista e visam a obter uma recuperação confortável e sem efeitos indesejáveis. A permanência nessa sala varia muito. O paciente aí ficará até estar completamente desperto ou recupera- do. Só aí é que o anestesiologista dará autorização para que ele seja levado de volta para o quarto. A alta da Sala de Recuperação dependerá de uma soma de fatores, como: duração, tipo e porte da cirurgia; a estabilidade das funções do organismo; o tipo de anes- tesia utilizada; o caráter ambulatorial ou internado do procedimento; as doenças concomitantes... 34 ANESTESIA Se o caso exigir, a recuperação pode se realizar ou continuar na Unidade de Cuidados Intensivos (UTI). Embora possa parecer complicado, o resultado de todo esse processo é seguro, sendo raras as complicações e os acidentes. Estima-se, em várias estatísticas nacionais e internacionais, que a mortalidade em anestesia seja da ordem de uma morte para cada 20 mil procedimentos, ou até menos. Destaque-se que o principal fator de risco é o estado de saúde prévio do paciente. ANESTESIA 35 O paciente deve ficar em jejum antes da cirurgia. O tempo mínimo de jejum será informado pelo anes- tesiologista ou pelo cirurgião. Deve informar a verda- de sobre todas as perguntas realizadas. Ainda que al- gumas possam parecer constrangedo- ras, nada deve ser omitido. O uso de cigarros, bebidas alcoólicas ou outras drogas de uso lícito ou ilícito deve ser informado. Se o anestesiologista não tiver conhecimento disso, não pode- rá evitar ou entender interações com as medicações que ele utiliza. Nenhum julgamento sobre a pessoa ou seus atos será realizado e a informa- ção prestada será mantida em sigilo médico. Deve o paciente informar também sobre os produ- tos ou remédios que provocam qualquer tipo de alergia. Se já realizou alguma cirurgia antes, é fundamental rela- tar as experiências anteriorescom a anestesia. Não es- quecer de contar alguma má experiência ou resultado da anestesia em familiares próximos. Isso servirá de alerta ao anestesiologista sobre problemas que podem eventual- mente ocorrer durante a anestesia. É necessário informar ao anestesiologista os nomes de todos os remédios que usa regularmente, ou usou; e, sobretudo, seguir as orientações dos médicos, esclarecen- 6 Como colaborar para o sucesso da anestesia? O paciente deve informar a verdade sobre todas as perguntas realizadas pelo anestesiologista. 36 ANESTESIA do as dúvidas e discutindo o controle da dor no pós- operatório. Finalmente, após sentir-se tranqüilo, deve ser dado o consentimento para a técnica de anestesia que está sendo proposta. Para aprofundar o entendimento deste tema, reco- mendamos a leitura do Capítulo 9 (pág. 61). ANESTESIA 37 ANTES A literatura mais moderna considera a anestesia a parte da Medicina dedicada ao alívio da dor e ao total cuidado do paciente cirúrgico, antes, durante e após a cirurgia. Para poder oferecer esses cuidados com a mais alta qualidade, é muito importante que o anestesiologista possa, inicialmente, realizar uma boa avaliação de cada paciente antes da cirurgia proposta. À exceção das situações de emergência, quando o risco iminente de morte ou dano profundo dominam suas preocupações, ele sempre tem presente a importân- cia desse contato prévio. É fundamental que o paciente também a tenha. Só assim o anestesiologista toma co- nhecimento das condições de saúde e das doenças que o acometeram no passado ou ainda o acometem, os medi- camentos em uso no presente ou no passado recente, bem como os resultados obtidos com eles. Com a análise cuidadosa de todos os exames labo- ratoriais, integrando-os, o anestesiologista tenta formar a idéia mais aproximada da real situação funcional dos seus órgãos e sistemas. Além disso, esse primeiro contato tem importância fundamental para o desenvolvimento da relação ótima que todos desejamos, médicos e pacien- tes, estes podendo expressar seus medos, fantasias, dese- jos e esperanças. 7 Como é feita a anestesia 38 ANESTESIA De posse dessas informações, o anestesiologista pode então escolher as melhores drogas e as mais inócuas, bem como qual a técnica mais indicada a ser aplicada. É sempre importante lembrar que essa entrevista também permite prever possíveis acontecimentos tran- soperatórios que podem comprometer o resultado final, possibilitando a tomada antecipada de atitudes que evi- tem sua instalação. Ao final, com o perfil fisiológico e psíquico do pacien- te, o anestesiologista decide pela necessidade de utilização, ou não, de drogas tranqüilizantes, sedativas, hipnóticas ou analgésicas, que, complementando todas as explicações for- necidas, permitam-lhe chegar à sala de operações suficien- temente sedado, evitando desgastes e estresse, com uma eco- nomia de energias metabólicas que de outra forma seriam consumidas quando confrontado com a aproximação da cirurgia. Essa possibilidade de planejar cada ato anestésico é uma das bases da segu- rança. As outras são a existência de dro- gas e equipamentos confiáveis, dispo- nibilizados pelos hospitais e o amplo conhecimento de clínica, de fisiologia e de farmacologia exigíveis dos anestesiologistas. AS TÉCNICAS E AS DROGAS DE ANESTESIA Para o seu estabelecimento, a anestesia depende de drogas que produzam hipnose ou perda da consciência, analgesia ou abolição da dor, relaxamento muscular que possibilite a cirurgia se desenvolver com mínima lesão tecidual e bloqueio das reações mais refinadas do orga- Essa possibilidade de planejar cada ato anestésico é uma das bases da segurança. ANESTESIA 39 nismo ao trauma (respostas cardiovasculares, endócrinas, metabólicas e imunológicas). Para que todos esses bene- fícios da anestesia se estabeleçam, inúmeras drogas de- vem estar à disposição para uso isolado ou em infindá- veis combinações. Sobre todas elas o anestesiologista deve ter profundo conhecimento, aliado a um seguro domínio sobre as técnicas de sua administração. Para que um determinado estímu- lo, como a incisão da pele, não seja en- tendido como algo doloroso, agressivo, traumático, perigoso para o paciente e sua sobrevivência, a percepção do estímulo deve ser im- pedida, o que se consegue de várias maneiras. A aneste- sia local produz isso, através da insensibilização das ter- minações nervosas que percebem e transmitem a dor nas mais diferentes partes do corpo. Depois de incidido um estímulo, ele pode ser blo- queado em diferentes níveis durante sua transmissão até o sistema nervoso central. Assim atuam os anestésicos locais quando são administrados sobre os trajetos nervo- sos, nos nervos dos braços, pernas ou tronco. A essas téc- nicas denominamos bloqueios de nervos periféricos. Outra maneira de atingir o mesmo resultado, ou seja, impedir que um determinado estímulo doloroso atinja o cérebro, é impedir sua transmissão na medula espinhal. Situada dentro do canal vertebral, constituído pelas vértebras da coluna, esta porção do sistema nervo- so central é forrada por várias membranas para a sua pro- teção (as meninges). Os anestésicos locais e determina- dos analgésicos podem ser administrados em diversos pontos em torno da medula espinhal, através da punção com agulhas especiais e muito finas, impossibilitando Inúmeras drogas devem estar à disposição para uso isolado ou em infindáveis combinações. 40 ANESTESIA então que os estímulos dolorosos subam pelos vários tra- jetos intramedulares e alcancem os centros superiores de percepção. A essas técnicas de anestesia denominamos bloqueio subaracnóideo ou raquianestesia e bloqueio peridural, dependendo do exato local onde as drogas são depositadas. Todas as cirurgias superficiais sobre as extremida- des, se não houver contra-indicações, podem ser execu- tadas sob esses tipos de anestesia descritos. Nessas situa- ções, além de administrar o anestésico local no ponto escolhido, o anestesiologista fornece adequada sedação por via venosa, impedindo que o paciente sofra por estí- mulos de outras naturezas, como o frio, o calor ou o medo, ou não tolere a imobilidade prolongada e deter- minados posicionamentos na mesa de cirurgia. Sempre que agentes externos, como os gerados pela cirurgia, interrompem a integridade das estruturas e fun- ções das diferentes partes do corpo humano, ameaçan- do-o, uma série de reações são postas em funcionamen- to, visando a sua autopreservação. Dentre todas as se- qüências dessas reações, destacam-se as que constituem a reação inflamatória. Para o tratamento anestésico ade- quado e completo da dor que acompanha a agressão da cirurgia é importante que essa reação inflamatória seja impedida ou pelo menos atenuada, de preferência até mesmo antes que os estímulos da cirurgia se estabele- çam. Com essa finalidade são utilizadas as drogas antiin- flamatórias potentes que hoje existem. A outra maneira de se impedir que os estímulos dolorosos gerados pela cirurgia atinjam os centros supe- riores localizados no cérebro é atuar diretamente sobre eles, deprimindo suas funções. Os analgésicos, princi- palmente os que derivam natural ou sinteticamente do ANESTESIA 41 ópio, fazem isso. Administrados na corrente sangüínea, de maneira intermitente ou contínua (por meio de bom- bas de infusão controladas por computadores), atingem concentrações pré-definidas pelo anestesiologista, ao ní- vel dos receptores centrais da dor. Essas drogas analgésicas potentes, pertencentes ao grupo químico dos opióides (morfina, por exemplo), pos- suem potência (capacidade específica de bloquear a dor), início de ação, duração de efeito, grau de metabolização e velocidade de eliminação próprias. Além disso, seus efei- tos colaterais sempre devem ser levadosem conta, prin- cipalmente os que se referem à depressão do sistema car- diovascular e respiratório. A escolha de uma delas, para cada tipo de paciente e cirurgia, obriga o anestesiologis- ta a ter tudo isso em mente. Impedir a percepção da dor é fundamental para a definição da anestesia. Abolir a consciência dos aconte- cimentos que acompanham todo o ato cirúrgico não é menos importante. Atuando sobre re- giões específicas do sistema nervoso central, diferentes categorias químicas de hipnóticos desconectam o paciente do ambiente da sala de operações, evi- tando-lhe o medo, a apreensão e as outras sensações que a vida de relação consciente lhe permite. Os barbitúri- cos, certos diazepínicos e outros hipnóticos mais recen- tes fazem isso via diferentes mecanismos. A perfeição, a rapidez de instalação da hipnose e a qualidade do despertar que essas drogas conseguem pro- duzir é algo belíssimo de ser acompanhado por aneste- siologistas e pacientes. Já é bem conhecida a experiência de certos pacien- tes, que, estimulados por determinado assunto no exato Impedir a percepção da dor é fundamental para a definição da anestesia. 42 ANESTESIA momento em que perdem a consciência, por ocasião da indução da anestesia, ao despertarem dela retomam o mesmo tema, como se alguns minutos ou mesmo mui- tas horas de anestesia não tivessem se interposto entre os dois momentos. O uso associado desses dois grupos de drogas, os analgésicos e os hipnóticos, administrados por via veno- sa, intermitente ou continuamente, constituem a cha- mada anestesia intravenosa total, de grande aceitação entre os anestesiologistas nos dias atuais. Administrados em concentrações elevadas, também inibem ou bloque- iam as respostas cardiovasculares, endócrinas e metabó- licas ao trauma da cirurgia, colaborando assim para a recuperação pós-operatória mais precoce e integral. Esses últimos efeitos reativos ao trauma da cirurgia também podem ser inibidos especificamente por drogas bloqueadoras do sistema nervoso autônomo (sistema que, entre outras funções, controla a atividade do coração e dos vasos sangüíneos). Dessa maneira, pode-se notar que, durante a cirur- gia, é permitido ao anestesiologista controlar, de manei- ra estreita e eficaz, a freqüência com que o coração bate, a quantidade de sangue que ele envia ao corpo, o calibre dos vasos arteriais e venosos e a pressão arterial. Todas essas ações, indispensáveis ao estabelecimen- to de uma anestesia com sucesso, também podem ser produzidas pelo uso de agentes anestésicos introduzidos no organismo através da respiração e dos pulmões. Dife- rentemente dos analgésicos e dos hipnóticos, os anesté- sicos gerais (representados pelos halogenados, derivados remotos ou recentes do éter) levam a um estado de de- pressão generalizada, não específica, de todos os centros e funções do sistema nervoso central. Essa depressão, que ANESTESIA 43 é tanto maior quanto maior a concentração inalada do anestésico, ao deprimir indistintamente as funções das es- truturas neuronais, produz um estado de inconsciência em que os mais diferentes estímulos vindos do meio externo, inclusive os que produzem dor, são imperceptíveis. Com relação a esses anestésicos inalatórios, vale o mesmo que foi dito para os analgésicos e hipnóticos. Eles são vários, apresentam diferentes perfis de atuação e re- cuperação, capacidade de agir mais ou menos depressi- vamente sobre a circulação e a respiração, devendo, por- tanto, ser profundamente conhecidos pelos anestesiolo- gistas, para que o paciente se beneficie de seu uso. As drogas de uso intravenoso e inalatório podem também ser utilizadas associadamente. Por exemplo, a perda da consciência, necessária para a anestesia geral, pode ser conseguida mais confortavelmente para o pa- ciente por uma droga intravenosa, enquanto a manu- tenção da inconsciência e a modulação das respostas car- diovasculares podem ser obtidas por um agente inalató- rio. Nessas situações é costume utilizar um opióide in- travenoso para a analgesia. Para obter relaxamento mus- cular, facilitar a cirurgia e a ação do respirador, podem ser utilizados relaxantes musculares. DE OLHO NOS EFEITOS DAS DROGAS Todos os tipos de drogas mencionadas interferem, de uma maneira ou de outra, em algum aspecto da respi- ração, e algum grau de incapacitação pulmonar sobre- vém durante a anestesia e a cirurgia. Por isso é funda- mental que o anestesiologista tenha o mais amplo con- trole dessa importante função orgânica. 44 ANESTESIA Por meio de monitores sofisticados que indicam as concentrações de oxigênio no sangue e de gás carbônico no ar exalado, pode o anestesiologista decidir sobre a ne- cessidade de auxílio ou mesmo de completa substituição da função ventilatória dos pulmões por aparelhos, cha- mados de ventiladores de pulmão. Estes, modernamen- te dotados de diversas regulagens e alarmes, se ajustam perfeitamente às necessidades do paciente, podendo rea- lizar essa função com muita segurança. Mas não só os pulmões merecem atenção e su- porte adequados. Os rins, o fígado, o cérebro e o estômago, por meca- nismos diversos, se não forem per- feitamente protegidos, podem sofrer perdas funcionais mais ou menos importantes em função da cirurgia, perdas que podem aparecer mesmo durante a aneste- sia e a cirurgia, ou nas primeiras horas do pós-opera- tório. Muitas vezes, esses órgãos já se encontram afetados por doenças prévias à cirurgia e a avaliação pré-operató- ria já referida deve detectá-las. Cuidados como adequada hidratação com solu- ções apropriadas administradas pelas veias, uso judi- cioso dos anestésicos e drogas coadjuvantes, manu- tenção da temperatura corporal, manutenção do flu- xo sangüíneo mais adequado possível para todos os tecidos e órgãos. Quando isso não é possível em fun- ção das características ou necessidades da cirurgia, corrigem-se prontamente as conseqüências da falta temporária de nutrição tecidual. Todas essas são medidas que estão entre as preocu- pações do anestesiologista, durante e após a cirurgia. Os ventiladores de pulmão se ajustam perfeitamente às necessidades do paciente. ANESTESIA 45 O significado mais antigo da palavra dor é punição ou castigo, imposto de fora, por outras pessoas ou forças. A Bíblia registra: “Parirás com dor”. Um poeta escreveu: “Te conhecerás pela dor”. Assim, a dor acabará fazendo parte dos nossos dias ao nos atingir ou atingindo os que nos cercam. Vamos esclarecer que dor e prazer não se excluem, já que ambos podem ocorrer ao mesmo tempo, mas sabe- se que o ser humano gasta mais energia fugindo da dor do que buscando o prazer. Os mecanismos neurológicos e mentais e as áreas envolvidas que per- mitem identificar a dor e o prazer são distintos. A dor, como a febre, é útil pelo alerta que dispara, mostrando que alguma ameaça está acontecendo. A partir dessa informação, o organismo se prepara e reage, dependendo do nível na escala animal: muda de cor, protege-se, defende-se, foge, voa, corre, luta. Para cada uma dessas reações, existe uma série de acon- tecimentos químicos e atos reflexos, que são executados antes mesmo que o cérebro esteja consciente de todos os fatos que ocorrem. Mimetismo, aumento do metabolismo, descarga de adrenalina, liberação de substâncias que diminuem a dor e favorecem os atos de defesa e proteção são alguns exemplos. Assim, a dor é importante fator para nossa sobrevi- vência, ao nos alertar para retirar a mão de um ferro quen- 8 A dor: um bem ou um mal? Dor e prazer não se excluem. 46 ANESTESIA te ou evitar enterrar uma agulha no dedo. É a dor nor- mal, fisiológica, que dá o recado e desaparece. Viver sem o recurso da dor seria muito perigoso ou quase impossí- vel, como ocorre com certas doenças onde há perda ou ausência de sensibilidade dolorosa. PRECONCEITOSApesar de existirem recursos para tratar o paciente com dor há muito tempo, a crença de que a dor e o sofrimento eram punições vindas dos deuses impedia uma atitude mais eficiente, para que os deuses não se sentissem afrontados. Com a evolução da sociedade e da democracia, o crescimento do valor do ser humano, a consciência indi- vidual e, mais adiante, da consciência social, surgiram vozes clamando por alívio de suas do- res. Quando esses fatores estavam no auge, favorecidos por recursos técnicos, apoiados por conhecimento científico, libertos de temores religiosos, surgiu a anestesia, em 1846. Mesmo assim, por mais de cem anos, o paciente com dor não recebeu todos os benefícios que a Medicina poderia oferecer para aliviá-lo de seus males. A omissão médica, sem dúvida, foi grave. PAGANDO A DÍVIDA Coube a um anestesista americano descendente de imigrantes italianos, John Bonica, iniciar o resgate dessa dívida da Medicina. A anestesia surgiu em 1846. ANESTESIA 47 Aos nove anos de idade, tendo perdido o pai, ven- dia verduras nos bairros de Nova Iorque para ajudar a mãe. Era violinista e lutador de box, o que lhe permitiu custear seus estudos. Bonica acabou assumindo a gigantesca e árdua ta- refa de estudar a dor, divulgar métodos para seu adequado tratamento, conquistar adeptos, pesquisar, ensinar, escrever livros, fundar sociedades voltadas ao estudo da dor. Podemos dizer que, nos últimos trinta anos, a quantidade de artigos e livros publicados sobre a dor é maior que tudo que fora escrito nos 2.000 mil anos anteriores. CONCEITOS ATUAIS Hoje se define dor como “uma experiência senso- rial e psíquica desagradável, associada com destruição te- cidual ou descrita em tais termos”. Geralmente, a dor é desencadeada por ferimentos que destroem os tecidos ou células, mas pode aparecer sem a ocorrência dessa destruição teci- dual. A experiência psíquica desagradá- vel está presente e manifesta-se através de alterações do humor, choro, gritos, depressão, aspectos que dependem do tipo de dor, da personalidade do pa- ciente, de seu histórico doloroso, entre muitos outros itens. Uma dor de cabeça pode ser muito oportuna quando serve de desculpa para faltarmos a um compromisso desagradável. Um tiro na perna pode ser um presente do céu, e não doer quase nada, se ele signi- Uma dor de cabeça pode ser muito oportuna quando serve de desculpa para faltarmos a um compromisso desagradável. 48 ANESTESIA fica voltar para casa quando se estava no meio de uma guerra. São utilizações, valorizações e significados que envolvem o paciente com dor. CLASSIFICAÇÃO DAS DORES Uma das maneiras de estudar a dor é dividi-la em três grandes grupos: a dor aguda, a crônica e a dor do câncer. Dor aguda é uma dor de duração limitada, que ces- sa em algumas horas ou dias: dor pós-operatória, dor do parto, dor de dente, cólica renal. Dor crônica é aquela que dura mais de três ou seis meses: neurite pós-herpética, dor facial, neurite diabética, dor lombar, artrite, gota, ou aquela que re- aparece com freqüência variável, como a enxaqueca. Outra maneira de descrevê-la é afirmar que a dor crô- nica é uma dor aguda que o organismo não conseguiu resolver. A dor do paciente com câncer é um grande e im- portante campo de trabalho. O paciente pode ter dor constante e ainda ser atingido por doen- ças que provoquem outras dores soma- das com a que já sofria. No câncer, muitas são as causas de dor: o próprio câncer, ao invadir estruturas e órgãos vizinhos; compressão de nervos; dores provocadas pelos procedimentos diagnósticos; dores provocadas por tra- tamentos: cirúrgico, radioterápico, quimioterápico. Até para aliviar a dor, pode ser provocada mais dor. Na dor crônica e na dor do câncer cresce a impor- tância do aspecto psíquico. A dor contínua vai minando a resistência do indivíduo. A dor contínua vai minando a resistência do indivíduo. ANESTESIA 49 Milton, o poeta inglês que escreveu O Paraíso Per- dido, disse: “Através da dor nós conhecemos as profun- dezas do inferno e um cavalheiro acaba perdendo a pa- ciência”. Perde a paciência, o humor, o sono, o apetite, a vontade de conviver com a família, com os amigos, per- de a vontade de trabalhar e até a vontade de viver. Sabe- se que 71% dos pacientes que apelaram para o suicídio assistido nos Estados Unidos tinham dor crônica, não dor do câncer. No paciente com câncer existe o receio de que uma nova dor ou de uma mais forte signifiquem o avanço da doença, provocando enorme desgaste emo- cional até a situação ser esclarecida. O mecanismo da dor de parto é diferente do meca- nismo da dor de ouvido, que é distinto do da enxaqueca, que não é o mesmo do da neurite pós-herpética. A dor que se sente numa perna amputada, que não existe mais e que dói, não é do mesmo tipo da dor que se sente depois de uma cirurgia de vesícula biliar. Essas distin- ções são importantes no diagnóstico e para a escolha das drogas para o tratamento. CONSEQÜÊNCIAS DA DOR Uma das conseqüências da dor é a própria dor. Ela pode ficar gravada nos nervos e no cérebro. Quando sur- ge uma dor nova, ou reaparece uma antiga, a memória da dor no sistema nervoso faz com que ela surja com mais rapidez, mais forte e atingindo área mais extensa. Outro exemplo das consequências da dor é o que pode acontecer na dor pós-operatória que não é tratada adequadamente. Esse tipo de dor exige tra- Uma das conseqüências da dor é a própria dor. 50 ANESTESIA tamento antes que apareça outra dor, isto é, antes que o bisturi corte a pele. Fazendo a prevenção da dor, menos estímulos do- lorosos atingem a medula espinhal e o cérebro, podendo diminuir a quantidade e a necessidade de remédios no pós-operatório. Quando a dor não é aliviada no pós-operatório, além do desconforto que impõe, por limitar a respiração, ela pode: – diminuir o oxigênio do sangue (uma causa de in- fecção na incisão); – favorecer o acúmulo de secreções nos pulmões (fa- vorecendo infecções pulmonares e pneumonia); – fazer com que o paciente não repouse; – levar o paciente a não colaborar com a fisioterapia; – manter o paciente mais tempo no leito; – favorecer o surgimento de embolia pulmonar; – levar o paciente a se demorar mais para se alimen- tar; – manter o paciente por mais tempo no hospital. Esse conjunto de problemas traz outro como con- seqüência: mais despesa. Permanecendo mais tempo no hospital, o paciente terá mais despesas e retornará ao tra- balho mais tarde ainda. Os planos de saúde e as segura- doras terão mais despesas para pagar. Os hospitais aca- bam deixando de receber por atendimentos, mais equi- pamentos usados, trabalho de médicos e de enfermagem, remédios que foram usados a mais, etc. etc. Além disso, os hospitais onde os pacientes não têm tratada sua dor perdem pacientes, pois faltam leitos para novas internações. Sem falar na divulgação que o pa- ciente fará do hospital sempre que tiver sua dor adequa- damente tratada. ANESTESIA 51 O alívio da dor pós-operatória, por diminuir o des- conforto do paciente, por diminuir o uso de medica- mentos, por diminuir possibilidade de complicações, por liberar salas de recuperação pós-operatória e unidades de tratamento intensivo, por evitar que a dor vire crônica (como pode acontecer depois de cirurgias de pulmão), permitindo que o paciente vá para casa mais cedo, traz uma grande economia para a sociedade. Um hospital médio que faça mil cirurgias por mês, num ano fará 12.000; cem desses hospitais farão um milhão e duzentas mil cirurgias. Se, por receber adequado tratamento da dor o paciente deixar o hospital um dia antes do previsto, quanto dinheiro terá sido economizado? Sem falar no dia que o paciente ganhará para produzir para si e para a família. O paciente com dor deve ser avaliado sob múltiplosaspectos, até que se obtenha o perfil físico, pessoal, familiar e social. Feito o diagnóstico, as alternativas de tratamento são explicadas e discutidas com o paciente e seus familiares, já que todos terão influência nos resultados. COMO SE MEDE A DOR “Se a dor é minha, eu acredito; nas dos outros, não tenho tanta certeza”. Agora está mudando. A dor pode ser medida. Existem várias maneiras para saber quanta dor um paciente tem. Podemos olhar um paciente que chora ou um paciente imóvel, mas que está suando e vermelho, e concluir que existe dor. Era o que se fazia. Hoje existem escalas de dor: o paciente diz que tem nenhuma dor, pouca dor, dor mé- O paciente com dor deve ser avaliado sob múltiplos aspectos. 52 ANESTESIA dia ou dor insuportável. O paciente pode mostrar numa régua, numerada ou não, em qual nível está a dor. Ou lhe é pedido para dar uma nota à sua dor: se não tem nenhuma dor, a nota é zero; se a dor não dá para agüen- tar ou é a pior que pode imaginar, a nota é dez. Isso é conseqüência dos recentes progressos no es- tudo da dor: se o paciente diz que tem dor, então ele tem dor, e deve ser tratado adequadamen- te. Situações onde a dor é fingida, para obtenção de vantagens como receber drogas controladas, ganhos indenizató- rios ou para manipular médicos e fa- miliares, podem ser identificadas por testes farmacológicos e por avaliações psiquiátricas. A avaliação e a medida da dor servem para acompa- nhar e julgar se as drogas, doses e horários que estão sen- do utilizados trazem o resultado procurado. Se a dor di- minuiu, mostrado na escala de avaliação, se o paciente está tranqüilo e confortável, então deve ser mantido o que se está fazendo. Se o paciente não está satisfeito, se sua avaliação diz que a dor está como antes ou aumen- tou, desde que não estejam ocorrendo outras complica- ções da cirurgia ou clínicas, então o tratamento deve ser remanejado. Se o tratamento provocou muita sonolên- cia ou até inconsciência do paciente, as drogas e doses devem ser repensadas ao mesmo tempo em que são re- vertidos ou corrigidos os efeitos exagerados ou indesejá- veis. Todos os acontecimentos observados nos pacien- tes, tanto os detectados pela enfermagem como os ob- servados pelos médicos, são registrados no prontuário, para que haja total conhecimento do que está sendo fei- to, a razão e os resultados. As avaliações são feitas a cada Se o paciente diz que tem dor, então ele tem dor, e deve ser tratado adequadamente. ANESTESIA 53 duas, seis ou doze horas, dependendo das necessidades, já que as situações podem mudar com rapidez. O TRATAMENTO DA DOR O desenvolvimento no estudo e no tratamento da dor exige trabalho em equipe. Para a dor aguda, no pós- operatório, por exemplo, surgiram há doze anos os Ser- viços de Dor Aguda. São equipes compostas principal- mente por médicos, enfermeiros, psiquiatras e farmacêu- ticos. Dos médicos, o anestesiologista geralmente é o coordenador da equipe, pela experiência com o uso de drogas, bloqueios analgésicos, respiração e reanimação. Cirurgiões e clínicos também lideram esses serviços, que geralmente existem ou estão sendo criados nos hospitais. Principalmente na dor aguda, o papel da enfermagem é um dos mais importantes e indispensáveis dentro do Ser- viço de Dor Aguda. Seria difícil e até impossível a existência desses serviços sem a participação da en- fermeira. Em alguns países é uma enfer- meira especializada em dor quem está na coordenação. Os Serviços de Dor Agu- da, além de tratar pacientes com dor, ser- vem de consultorias para outras áreas da Medicina, promo- vem treinamento de médicos, enfermagem e estudantes, pesquisam o uso de novas técnicas e novas drogas que pos- sam melhorar o atendimento dos pacientes. Os remédios para dor podem ser administrados de inúmeras maneiras, sem esquecer a via oral ou a injeção no músculo ou na veia. Assim, as drogas podem ser ad- ministradas pelas vias sublingual, bucal, gengival, nasal, por nebulização, subcutânea, transcutânea e retal. Os remédios para dor podem ser administrados de inúmeras maneiras. 54 ANESTESIA Quando o paciente participa do tratamento, os re- sultados podem ser melhores, com menor quantidade de drogas; é o caso da técnica, muito útil e prática, cha- mada Analgesia Controlada pelo Paciente. Ela consiste no emprego de aparelhos que permitem programar a quantidade de analgésicos que o próprio paciente pode- rá se administrar quando surgir a dor. O aparelho está conectado por um cateter na veia ou nas costas do pa- ciente, que, através de botões, comanda a administração da droga em doses e horários já incluídos na bomba de infusão. O efeito psicológico para o paciente, por poder controlar sua dor, ajuda na redução das quantidades de analgésicos usados. Grande avanço em analgesia surgiu quando, há menos de trinta anos, se mostrou que pequenas doses de morfina administradas próximo da medula espinhal ali- viavam a dor por quase trinta horas. Isto é, em lugar de injetar 5 ou 10 mg de morfina na veia ou no músculo a cada três ou quatro horas, incomodando o paciente com injeções e sobrecarregando a enfermagem, uma pequena dose de 0,1 a 0,4 mg injetada dentro do líquor assegura alívio da dor por vinte a trinta horas. O alívio é mais estável com menos enjôo ou sonolência. Também pode ser empregada a morfina, ou outros opióides, em bloqueios peridurais, com alívio de 10 a 16 horas. Como o tratamento da dor geralmente é mais pro- longado, podem ser colocados cateteres plásticos no es- paço peridural e as drogas administradas quando neces- sário, sem necessitar de nova punção nas costas. Também podem ser usados anestésicos locais, em concentrações muito baixas, ao mesmo tempo que se usa a morfina. Usando-se os dois no bloqueio peridural, as doses de cada um podem ser reduzidas ainda mais, e o ANESTESIA 55 alívio até pode ser maior, pela associação de efeitos, já que o opióide age de uma maneira e o anestésico local de outra, para dar mais analgesia. Em Medicina, sempre se pesa o be- nefício e o risco de um remédio, de um exame ou de uma cirurgia. Se o benefí- cio possível é grande e o risco pequeno, administra-se a droga, ou realiza-se o procedimento. Se os riscos são maiores que os benefícios, buscam-se outras al- ternativas, talvez menos eficientes, mas que sejam me- nos prejudiciais. A farmacologia, diz-se, é a toxicologia fracionada. Isto é: usam-se remédios em doses para obter o máximo de efeito benéfico e o mínimo de efeitos tóxicos e inde- sejados. Na anestesiologia e no tratamento da dor, usam-se drogas potentes. Ainda não foi retirada a agulha da veia, quando se administrou uma droga, e ela já está fazendo efeito. Portanto, no caso do tratamento da dor, pode- mos ter efeitos indesejados ou complicações. Os opióides, dos quais a morfina serve de padrão, podem causar uma série de efeitos, além de aliviar a dor: alteração do humor, sonolência, depressão da respiração, prurido, náusea, vômitos, constipação, retenção de uri- na... Os anestésicos locais podem provocar convulsões, alergia, queda de pressão, diminuição das forças nos bra- ços ou nas pernas, entre outros efeitos. Os sedativos podem somar-se aos efeitos dos opiói- des e provocar mais sedação e sono no paciente. A arte médica consiste em, ajustando e adaptando condutas e tratamento, trabalhar de modo que ocorram Em Medicina, sempre se pesa o benefício e o risco de um remédio, de um exame ou de uma cirurgia. 56 ANESTESIA poucas ou nenhuma dessas situações. E na eventualida- de de ocorrerem, os anestesiologistas estarão vigilantes e preparados para corrigir o quadro rapidamente. Hoje não só dispomos de inúmeras maneiras de administrar medicamentos, assim como existem cente- nas de medicações, procedimentos tipo bloqueios anes- tésicos, hipnotismo, acupuntura,
Compartilhar