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Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 1 www.cursoenfase.com.br Sumário 1. Lei penal no tempo ................................................................................................. 2 1.1 Abolitio criminis ................................................................................................ 2 1.1.1 Descriminalização formal ............................................................................ 3 1.2 Continuidade normativa ................................................................................... 5 1.3 Retroatividade parcial ....................................................................................... 7 1.4 Lei intermediária ............................................................................................. 10 1.5 Ultra-atividade gravosa das leis temporárias ou excepcionais ...................... 11 1.6 Leis declaradas inconstitucionais .................................................................... 11 Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 2 www.cursoenfase.com.br 1. Lei penal no tempo 1.1 Abolitio criminis Reza o artigo 5º, inciso XL, da Carta da República: CRFB, Art. 5º. [...] XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; Concomitantemente, positivam-se as regras da irretroatividade e retroatividade benéfica da lei penal no seio do dispositivo. Seguindo, vide o artigo 2º do CP, o qual consigna o instituto da abolitio criminis. CP, Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime [ou contravenção penal], cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória [reincidência, maus antecedentes, etc.]. CP, Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: [...] III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; Se o Estado não mais possuir interesse em punir determinada conduta, o Legislativo, atento às mudanças sociais, cria novel diploma abolindo a criminalização de tal conduta. O efeito dessa nova lei é a extinção da punibilidade (gênero que comporta as pretensões punitiva e executória), conforme leciona o artigo 107, inciso III, do Estatuto Punitivo. Preocupou-se o Legislador, ao redigir o artigo 2º, com a pior hipótese de incidência da abolitio criminis, a saber, sentença penal condenatória transitada em julgado. No ponto, observe-se que o instituto traja-se de contornos superpoderosos, na medida em que tem força para desconstituir a coisa julgada. Tudo, naturalmente, para beneficiar o réu. Uma vez editada a abolitio criminis após o trânsito em julgado, os efeitos extrapenais mantêm-se preservados, porquanto a sentença condenatória já se constituiu como título executivo apto a ensejar, por exemplo, uma reparação civil.1 Caso a lei supressora da conduta criminosa seja criada antes do trânsito em julgado, terá ela o condão de extinguir a pretensão punitiva, evitando o aperfeiçoamento da condenação, e também os efeitos extrapenais são afastados, pois que a sentença penal não passou em julgado e assim materializou título executivo. Registre-se, ainda, que, ocorrendo 1 Curiosamente, como observa o professor Marcelo Uzeda, os efeitos penais (mais gravosos) afastam- se, ao passo que os efeitos extrapenais são mantidos. Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 3 www.cursoenfase.com.br a abolitio criminis, eventual condenação não constará da folha de antecedentes do indivíduo beneficiado pela lex mitior. Naturalmente, a descriminalização de dada conduta não significa que o comportamento se tornará lícito noutra esfera, como a administrativa ou a civil. Exemplo: alteração do Código Penal para excluir a condescendência criminosa do rol de infrações penais. Se isso ocorrer, tal conduta, cuja pena é baixíssima, continuará a ser um ilícito administrativo. 1.1.1 Descriminalização formal Questão amplamente debatida no artigo 28 da Lei 11.343/2006. Lei 11.343/2006, Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. O antigo diploma (Lei 6.368/76) punia com pena privativa de liberdade o portador de entorpecentes para consumo pessoal. Com o advento da Lei 11.343/2006, operou-se uma mudança no paradigma das sanções cominadas. Nenhuma delas ostenta caráter restritivo da liberdade. Desvelam-se como medidas de justiça terapêutica. O artigo 1º da Lei de Introdução do Código Penal traz-se o conceito legal de crime e de contravenção penal. LICP, Art. 1º Considera‑se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Essa conceituação formal é bastante relevante. Prova disso é a impossibilidade de alguém ser receptador de produto objeto de contravenção penal; a pena diferenciada àquele dá causa a instauração de procedimento investigatório por imputar a outrem, que sabe ser inocente, a prática de contravenção penal (denunciação caluniosa); a tipificação da Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 4 www.cursoenfase.com.br conduta daquele que calunia alguém, imputando-lhe, falsamente, fato definido como crime (e não contravenção2). Com base no conceito trazido a lume pelo artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, Luiz Flavio Gomes, acompanhado de parte da doutrina, sustenta que o artigo 28 da Lei Antidrogas operou uma descriminalização formal do porte de entorpecentes para uso próprio, haja vista a impossibilidade de classificar tal conduta como crime ou contravenção penal. Cuida-se de infração penal sui generis. A celeuma de que padece essa tese é a não explicação da reincidência, cuja ocorrência faz com que as penas cominadas nos incisos II e III do artigo 28 sejam dobradas. Argumenta a corrente capitaneada por LFG e outros que a reincidência descrita no artigo 28, §4º, está em seu sentido popular; não, técnico. No ponto, valioso pequeno esclarecimento sobre o que é reincidência. O artigo 63 do Código Penal: CP, Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Adiante, pequeno quadro esquemático, extraído do site “dizer o direito”3, paraaclarar o tema: SE A PESSOA É CONDENADA DEFINITIVAMENTE POR E DEPOIS DA CONDENAÇÃO DEFINITIVA PRATICA NOVO(A) QUAL SERÁ A CONSEQUÊNCIA? CRIME (no Brasil ou exterior) CRIME REINCIDÊNCIA CRIME (no Brasil ou exterior) CONTRAVENÇÃO (no Brasil) REINCIDÊNCIA CONTRAVENÇÃO (no Brasil) CONTRAVENÇÃO (no Brasil) REINCIDÊNCIA CONTRAVENÇÃO (no Brasil) CRIME NÃO HÁ reincidência. Foi uma falha da lei. Mas gera maus antecedentes. CONTRAVENÇÃO (no estrangeiro) CRIME ou CONTRAVENÇÃO NÃO HÁ reincidência. Contravenção no estrangeiro não influi aqui. 2 Caso o indivíduo impute a outrem a prática de contravenção penal responderá por difamação. 3 Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2014/03/5-anos-apos-o-cumprimento-ou- extincao.html> Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 5 www.cursoenfase.com.br Observação1: de acordo com essa corrente minoritária, o menor de 18 anos que portasse cloridrato de cocaína para consumo pessoal, não sofreria qualquer responsabilização pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, eis que é digno de reprimenda o ato infracional análogo a crime, e o artigo 28 da Lei Antidrogas encerra infração penal sui generis. Observação2: o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a questão, refutou a tese da infração sui generis. Afirmou que continua a ser crime. Não houve descriminalização. Em verdade, houve despenalização moderada. A uma, porque a conduta está inserida no tópico dos crimes. A duas, pelo fato de que o sistema próprio da Lei Antidrogas permitiria a cominação de penas não privativas de liberdade para alguns dos crimes ali previstos. Necessário avivar que nem toda infração penal ensejará penas corporais ao agente; exemplo disso são os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95. A três, porquanto os compromissos assumidos pelo Brasil no cenário internacional contempla a criminalização do usuário de estupefacientes. A terceira corrente (Guilherme Nucci, Rogério Greco, etc.) concorda com o Pretório Excelso. Entretanto, discorda do argumento da despenalização. Operou-se, em verdade, uma descarcerização. O Legislador não optou por não penalizar. Mas, sim, aplicar penas que não enviassem o indivíduo à prisão. 1.2 Continuidade normativa Por vezes, o Legislador revoga determinado artigo ou lei. Contudo, a conduta continua a ser considerada criminosa. Exemplo1: a Lei 12.015/2009 revogou a Lei 2.252/54 e inseriu no artigo 244-B do Estatuto da Criança e Adolescente a figura da corrupção de menores de 18 anos. No ponto, vale a pena a leitura do recente enunciado sumulado do Superior Tribunal de Justiça: Verbete nº 500 – Súmula do STJ A configuração do crime do art. 244-B do ECA independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal. Exemplo2: o artigo 214 do CP, revogado pela Lei 12.015/2009, previa o atentado violento ao pudor. Tal conduta não mais existe. Foi incorporada ao artigo 213 do CP, para o qual a prática de atos libidinosos, mediante violência ou grave ameaça, é estupro. Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 6 www.cursoenfase.com.br CP, Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) O tipo penal do artigo 213 do CP é cumulativo ou alternativo? R. Tipo misto cumulativo é aquele que comporta diferentes crimes no mesmo dispositivo legal. Como consequência, a prática no mesmo contexto de conjunção carnal e atos libidinosos4 resultaria em concurso material. De outra banda, se se considerar que o tipo penal é misto alternativo, há um mesmo crime que pode ser praticado de formas variadas. Ao acolher-se essa última tese, há único crime. Sem embargo, como o agente praticou vários conteúdos do mesmo tipo penal, a pena base poderá ser agravada, eis que presente circunstância judicial para tanto. A posição prevalecente nos tribunais superiores é a do tipo misto alternativo. Conseguintemente, o que era concurso material passou a ser crime único ou crime continuado. Diante disso, pergunta-se: a Lei 12.015/2009 é benéfica ou gravosa? Nesse ponto, é benéfica. Vejamos o artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal. CP, Art. 2º. [...] Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Imagine-se indivíduo que fora condenado por atentado violento ao pudor e estupro em concurso material à pena de 12 anos. No curso do cumprimento da pena, edita-se a Lei 12.015/2009. Por se tratar de lei benevolente, será aplicada ao caso. A pena, outrora de 12 anos, decairá para 6 anos, sem prejuízo, naturalmente, de eventual acréscimo na pena base em decorrência da presença de circunstâncias judiciais. Problemático no caso sob estudo é o fato de ao juízo da execução ser vedado realizar retificação no quantum da sanção aplicada. Nada obstante, soluciona-se a celeuma com o verbete nº 611 da Súmula do STF. 4 Na visão da jurisprudência dos tribunais superiores, atentado violento ao pudor e estupro não são crimes da mesma espécie. Assim, quando houve a alteração pela Lei 12.015/2009 e um mesmo tipo passou a contemplar ambas as condutas, não haveria de ser reconhecida a continuidade delitiva, mas, sim, concurso material. Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 7 www.cursoenfase.com.br Enunciado nº 611 – Súmula do STF Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das Execuções a aplicação da lei mais benigna. Observação: entendem as Cortes maiores que o juiz da execução, na aplicação da lei benéfica, deve limitar-se aos elementos objetivos (cálculo de pena, readequação do regime, etc.). Veda-se-lhe a reapreciação do mérito da sentença condenatória. Permitindo o novel diploma a nova apreciação do mérito, pode o condenado valer-se da revisão criminal ou, excepcionalmente, um habeas corpus. O artigo 224 do Estatuto Punitivo também foi revogado. No ponto, necessária a leitura do artigo 9º da Lei 8.072/90. Lei 8.072/90, Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal. Tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal já se manifestaram sobre o tema. Posicionaram-se nosentido de que, tendo o artigo 224 do CP sido revogado, o artigo 9º da Lei 8.072/90 ficou sem remissão. Assim, incabível o aumento de pena previsto nesse dispositivo. Vê-se, aqui, mais uma benesse trazida pela Lei 12.015/2009. 1.3 Retroatividade parcial Também conhecida como retroatividade em tiras ou combinação de leis. Quanto ao tema, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela impossibilidade de combinação e sumulou seu entendimento. Verbete nº 501 – Súmula do STJ É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis. Assentou a Corte não ser cabível a combinação entre as Leis 11.343/2006 e 6.368/76 para, com vistas a beneficiar o agente, utilizar a pena dessa última (3 anos) e a causa de redução prevista na primeira (artigo 33, §4º - redução de 1/6 a 2/3). Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 8 www.cursoenfase.com.br Há corrente argumentando pela possibilidade de retroatividade parcial. A uma, pela ausência de vedação legal5 ou constitucional a que se faça isso. A duas, porque, quando o magistrado procede a tal aplicação benéfica no caso concreto, estaria a fazer justiça; a agir por equidade. Tese intermediária, sustentada por Cezar Peluso, advogava em favor da não aceitação da combinação de leis. Entretanto, explanava que, no caso específico das Leis 11.343/2006 e 6.368/76, inexistiria falar em combinação. Isso porque o novel diploma, a bem da verdade, traria em seu seio benefício inédito, qual seja, a causa especial de redução, o que viria a colmatar a lacuna havida na Lei 6.368/76. Hodiernamente, o Supremo Tribunal Federal (por maioria) e o Superior Tribunal de Justiça (entendimento sumulado) defendem corrente no sentido de ser impossível a mistura de lei. É que o magistrado, ao fazê-lo, estaria operando hibridismo penal (lex tertia = fruto da combinação de fatores benéficos de leis diferentes). Por conseguinte, violaria o princípio da legalidade, porquanto somente lei em sentido formal pode criminalizar condutas e estabelecer sanções. Outrossim, o magistrado, ainda que a pretexto de realizar justiça, estaria a atuar como legislador no caso concreto. Violaria, pois, o princípio da separação dos poderes. Observação1: a decisão de qual lei é mais benevolente fica a cargo do magistrado. À defesa é viável, no máximo, requerer a aplicação de tal ou qual diploma revela-se melhor ao acusado. Observação2: o anteprojeto do novo Código Penal prevê a possibilidade de combinação de leis. Ainda no bojo do tema de retroatividade parcial, cabe a análise de alguns enunciados da súmula do STJ. Enunciado nº 442 – Súmula do STJ É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante do roubo. Essa inadmissibilidade, a teor do que preconiza o STJ, é decorrente de entendimento contrário consubstanciar-se em hibridismo penal. Aclare-se. A pena do furto qualificado varia de 2 a 8 anos, ao passo que o roubo circunstanciado sofre majoração de 1/3 a ½. Tese defensiva alegava que dobrar a pena de um furto simples e, apenas, realizar um acréscimo no roubo por força da mesma circunstância representaria uma violação ao princípio da 5 O artigo 2º, §2º, do Código Penal Militar, consigna ser incabível a combinação de leis. Contudo, nada há nesse sentido no Código Penal. Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 9 www.cursoenfase.com.br proporcionalidade. O STJ rechaçou a argumentação. Assinalou não haver se falar em mácula ao aludido princípio porque, dentro dos sistemas do furto e do roubo (os quais não são crimes da mesma espécie), as respectivas duplicação (furto) e majoração (roubo) das penas nos delitos qualificados (furto) e circunstanciados (roubo) se revelam como proporcionais aos crimes em comento. Ademais, narrou que proceder a essa combinação seria operar hibridismo penal, na medida em que, por meio de duas disposições legais distintas, o juiz estaria a criar uma terceira figura (furto circunstanciado pelo concurso de pessoas). Nesse diapasão, salutar tecer considerações acerca das modalidades simples (artigo 180, caput, CP) e qualificada da receptação (artigo 180, §1º, do CP). Na modalidade simples da receptação, o agente sabe da origem espúria da coisa. Ou seja, atua com dolo direto. Distintamente, na receptação qualificada, o agente deve saber, o que caracteriza o dolo eventual, pois assume um risco (dúvida + indiferença). CP, Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. CP, Art. 180. [...] § 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. Diz a doutrina que punir alguém que deve saber (dolo eventual) com pena triplicada no mínimo e dobrada no máximo em relação ao que sabe (dolo direto) materializa conspurcação ao princípio da proporcionalidade. Trata-se de uma inversão de valores, haja vista que quem tem dúvida deve sofrer reprimenda mais suave do que aquele que tem certeza. A solução para a celeuma apresenta diversas nuances. Há quem sugira a mantença do preceito primário do artigo 180, §1º, CP, com a utilização do preceito secundário do artigo 180, caput, CP, a fim de que se respeite o princípio da proporcionalidade. Mais um exemplo de hibridismo penal. Os tribunais superiores não aceitam essa tese. Ventilam que o princípio da proporcionalidade não é lesionado pelo §1º do artigo 180, porque, há rigor, não se faz valoração da intensidade do dolo. De igual modo, inexiste falar em mácula à proporcionalidade da pena. Isso porque maior juízo de reprovação incide na conduta Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 10 www.cursoenfase.com.br daquele que, ao atuar na ordem econômica, engendra maiores reflexos sociais. Imagine-se, por exemplo, a qualidade do chocolate, obtido por meio de saque a caminhão tombado, comprado por empresário e vendido em sua loja. Reincidência e regime inicial O regime inicial de cumprimento de pena varia conforme o quantum da pena aplicada. É o que determina o artigo 33 do Código Penal. Por orientação legal, ao reincidente, independente da pena aplicada, fixa-se o regime fechado para início do cumprimento da pena. Reputando por altamente rigoroso o comando legal, o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado 269 de sua súmula, flexibilizou a regra e permitiu a fixação de regime semiaberto ao reincidente.Verbete nº 269 – Súmula do STJ É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais. Observação: pelo fato de o regime ser fixado consoante as regras da lei (art. 33 do CP), as quais sofrem clara mescla no presente verbete, o professor Marcelo Uzeda entende que a Corte operou verdadeiro hibridismo penal. A despeito disso, precioso olhar para o artigo 44, §3º, do Estatuto Punitivo, o qual comporta a possibilidade de substituição da pena corporal pela restritiva de direitos ao reincidente. Ora, se viável a substituição da pena, contanto que atendidos determinados requisitos, com muito mais acerto é cabível a fixação de regime mais brando. Trata-se de materialização do princípio da prorpocionalidade. CP, Art. 44, §3º. Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. 1.4 Lei intermediária Dá-se quando um fato é praticado sob a égide da Lei “A”, sobrevém a Lei “B” (mais benéfica e por isso retroage) e, posteriormente, cria-se a Lei “C” (mais gravosa que a Lei “B”). Mesmo revogada, a Lei “B” continua a projetar seus efeitos para o futuro. Assim, por agir para trás e para frente, diz-se que essa lei tem duplo efeito (retroatividade e ultra- atividade) e é dotada de extra-atividade. Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 11 www.cursoenfase.com.br 1.5 Ultra-atividade gravosa das leis temporárias ou excepcionais Em comum, essas leis possuem a elementar de caráter temporal. CP, Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. A lei excepcional é circunstanciada. Enquanto perdura determinada circunstância, a lei mantém sua vigência. Tal lei é elaborada para ter curta duração. Foge à regra geral de que as leis são feitas para durar para sempre. Cessada a circunstância, automaticamente, é revogada. Exemplo: lei determinando que furtos e danos praticados durante período de manifestações contra a Copa do Mundo, o governo do Estado e do Município do Rio de Janeiro, etc., (comoção social) serão sempre qualificados. A lei temporária traz em seu bojo lapso temporal pelo qual perdurará. Exemplo: lei determinado que, nos 30 dias antecedentes à Copa do Mundo, crimes de furto e dano serão qualificados. Naturalmente, alguns fatos serão julgados após o período de vigência das leis excepcionais/temporárias. Por isso, diz-se que elas têm ultra-atividade. Aplicam-se aos fatos ocorridos durante sua vigência, ainda que o julgamento ocorra em período posterior. Um dos argumentos de defesa desse expediente é o evitar da impunidade, pois bastaria uma protelação no julgamento para o indivíduo furtar-se à responsabilização penal. Não fosse assim, ninguém a respeitaria e haveria chancela legal à impunidade. Com efeito, o melhor argumento é aventa que essa lei excepcional/temporária não necessariamente revoga a lei vigente anteriormente e também por essa lei, a qual cessada a circunstância ou o prazo volta a viger, não é revogada. Força nisso, entre elas não há critério de comparação a fim de se perquirir sobre qual delas é mais benéfica. Observação: se a lei temporária/excepcional for revogada por lei temporária/excepcional que trate do mesmo tema, em sendo esta última mais benéfica, abre-se mão da regra geral da ultra-atividade e observa-se o princípio da retroatividade para o benefício do réu. Ou seja, nesse caso, poderá a lei temporária/excepcional retroagir. 1.6 Leis declaradas inconstitucionais Agora, vejamos o verbete nº 471 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: Enunciado nº 471 – Súmula do STJ Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 12 www.cursoenfase.com.br Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei nº 11.464/2007 sujeitam‑se ao disposto no art. 112 da Lei no 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional. LEP, Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. Em 2006, no HC 82959, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o regime integral fechado, constante do artigo 2º, §1º, da Lei 8.072/90, seria incompatível com a Constituição por violar o princípio da individualização da pena. Declarou, pois, a inconstitucionalidade incidentalmente. PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. (HC 82959, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006, DJ 01-09-2006 PP-00018 EMENT VOL-02245-03 PP-00510 RTJ VOL-00200-02 PP-00795) Após a declaração de inconstitucionalidade, passou-se a utilizar, para fins de progressão de regime dos crimes hediondos, a regra do artigo 112 da LEP. Em 2007, criou-se a Lei 11.464 que, para os crimes hediondos, estabeleceu o regime inicial fechado e o cumprimento de 3/5 (reincidente6) ou de 2/5 (réu primário) de pena para haver progressão do regime. Como o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º, §1º, da Lei 8.072/90, o padrão de comparação da Lei 11.464/2007 para determinar se ela é mais benéfica não é a redação original da referida Lei 8.072, mas, sim, o artigo 112 da LEP. Nessa 6 Diverge a doutrina sobre se essa reincidência é específica de crimes hediondos ou diz respeito a quaisquer delitos. Direito Penal – Parte Geral Aula 03 O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 13 www.cursoenfase.com.br senda, decidiu a Corte que a Lei 11.464/2007 é mais gravosa, assim, só se aplica aos crimes cometidos a partir da sua vigência. Observação1: se o STF afastar a aplicação de determinada norma por conta de sua inconstitucionalidade deixa ela de ser padrão de comparação com outra lei para aferir se mais benéficaou não. Observação2: o Pretório Excelso reputou por inconstitucional a determinação ex lege do regime inicial fechado. Tal imposição, a um só tempo, violaria os princípios da individualização da pena e da fundamentação das decisões judiciais. Nesse sentir, os enunciados 718 e 719 da súmula do STF. Enunciado nº 718 – Súmula do STF A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada. Enunciado nº 719 – Súmula do STF A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.
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