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1CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO SERVIÇO SOCIAL Esta edição da Revista Conexão Geraes aborda alguns componentes da dimensão técnico-operativa da profissão, além de outros temas relevantes para a categoria profissional Ilustração da capa e verso do livro Contribuições para o exercício profissional de assistente social - coletânea de leis, que tem lançamento previsto para outubro de 2013. 2 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 FOTO DE MARCOS PAULO DE JESUS HORÁCIO, VENCEDOR DA CATEGORIA EVENTOS E PAISAGENS E PRIMEIRO LUGAR GERAL DO CONCURSO “NOSSA HISTÓRIA E NOSSA MEMÓRIA: NÃO TIRE NADA ALÉM DE FOTOS”, REALIZADO EM MAIO DE 2013, PELO PROGRAMA PÓLOS DE CIDADANIA, DA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG. 3CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 Apresentação Cara(o) Assistente Social, Chegamos à terceira edição da revista Conexão Geraes. Neste número, destacamos o tema da dimensão técnico-operativa do Serviço Social. Fundamentalmente, o horizonte de preocupações emergentes no âmbito do Serviço Social exige novas respostas profissionais, o que movimenta significativas alterações nos campos do ensino, da pesquisa e da organização política dos assistentes sociais. Hoje, somos mais de 18.000 assistentes sociais em Minas Gerais e vivemos em um estado com grandes dimensões e muitas expressões. Queremos, a cada instante, romper com as amarras do conservadorismo que insistem em tentar nos parar. Vivemos um cenário de lutas e de construção de um projeto ético-político profissional, que afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e a opção profissional vinculada à construção de uma nova lógica societária. Vivemos, sim, as contradições impostas pela sociedade capitalista contemporânea, com a mercantilização da vida, com a promiscuidade das relações institucionais que confundem público e privado, reduzindo a esfera pública em favor da manutenção de interesses privados e privatistas. Reafirmar nossa condição de classe trabalhadora e enfrentar a luta de classe continuam mais atuais do que nunca. A história é construída cotidianamente por nós trabalhadores. Realizamos em junho deste ano o 3º Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, em que foram usadas diferentes expressões - música, vídeo e poesia. Mas no evento, principalmente, palestras e debates afirmaram os nossos posicionamentos na luta pela direção estratégica da profissão em Minas Gerais, e em articulação com o Conjunto CFESS-CRESS e outros sujeitos coletivos, com objetivo de dar ao projeto ético-político fôlego, vida longa e munição na batalha das ideias e das ruas, ao lado daqueles que persistem nas lutas sociais em defesa de uma sociedade sem exploração e sem opressão. Estes são tempos que nos requisitam profunda reflexão e um balanço da nossa construção histórica, tendo em vista realimentá-la. Nosso esforço coletivo tem buscado garantir espaços de debates e formação continuada a exemplo dos minicursos desenvolvidos, em que os profissionais têm a oportunidade de discutir temas importantes para fortalecer reflexões e qualificar a nossa intervenção profissional. Devemos sempre nos comprometer com a consolidação e a ampliação dos direitos, especialmente para a parcela da classe trabalhadora empobrecida, marginalizada do acesso aos bens e serviços e destituída dos direitos humanos mais fundamentais: o direito à vida, à educação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à alimentação, para os quais a nossa prática profissional deve convergir com vistas à sua materialização. A não garantia desses direitos revela a violência social inaceitável da sociedade brasileira, que se expressa nas demandas que chegam cotidianamente ao nosso exercício profissional. Em qualquer dos espaços sociocupacionais em que nos situamos, deparamo-nos com demandas por alimentação, moradia, habitação, saúde, por direitos, por justiça e por dignidade, os quais FOTO DE MARCOS PAULO DE JESUS HORÁCIO, VENCEDOR DA CATEGORIA EVENTOS E PAISAGENS E PRIMEIRO LUGAR GERAL DO CONCURSO “NOSSA HISTÓRIA E NOSSA MEMÓRIA: NÃO TIRE NADA ALÉM DE FOTOS”, REALIZADO EM MAIO DE 2013, PELO PROGRAMA PÓLOS DE CIDADANIA, DA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG. 4 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 são cada vez mais negligenciados pela sociedade, sobretudo no momento em que vivemos. Portanto, discutir a dimensão técnico-operativa do Serviço Social implica reconhecer a sua complexidade, o quanto ela é essencial para nós assistentes sociais, tendo em vista a diversidade de espaços sociocupacionais que transitamos; a própria natureza das ações nos diferentes âmbitos do exercício profissional, como por exemplo, a proposição e formulação de políticas sociais, o planejamento, gestão e articulação de serviços e programas sociais e o atendimento direto aos usuários em diferentes instituições e programas sociais. O processo interventivo do Serviço Social não se constrói, a priori, sem uma reflexão crítica e propositiva em torno da dimensão técnico-operativa da profissão. Ao contrário, é fundamental que no trajeto, esta construção seja apreendida no processo histórico e socioinstitucional, para que a categoria assimile as condicionantes dadas no curso das relações sociais junto aos atores, segmentos e classes, dentro dos campos de atuação profissional, os quais revestem as ações socioprofissionais de inúmeras determinações que desafiam a materialização do projeto ético-político no campo operativo da profissão. Sabemos que nossa prática profissional está sujeita às limitações impostas pelas instituições nas quais trabalhamos e que, para superá-las, precisamos nos unir e nos organizar politicamente. O nosso grande desafio, hoje, é avançar nessa direção, o que impõe a necessidade de construção de condições intelectuais através da formação profissional, da pesquisa e da produção de conhecimento. Trata-se, ainda, de aprofundarmos o compromisso por meio do fortalecimento da organização política e da articulação das lutas no âmbito da profissão e junto às demais forças da sociedade, no intuito de contribuir para a construção de respostas adequadas às contraditórias demandas colocadas ao Serviço Social. Temos muito para debater, trocar, articular e construir coletivamente. Certamente, esta revista contribuirá enormemente para aprofundar as reflexões sobre os desafios que se colocam ao Serviço Social, na perspectiva de reafirmação de nossos valores, princípios e projeto ético-político profissional. Boa leitura! CRESS 6ª REGIÃO Serviço Social, linguagem e comunicação pública: desafios na contemporaneidade página 5 Sobre o financiamento das políticas sociais no Brasil página 11 Avaliação de políticas, programas e projetos página 16 Instrumental técnico e o Serviço Social, é preciso continuar o debate! página 19 A dimensão técnico-operativa e os instrumentos e técnicas no Serviço Social página 25 Cotidiano: produção social da existência humana página 31 Breve reflexão em torno da educação popular e do Serviço Social página 34 Autonomia profissional X trabalho assalariado: exercício profissional do assistente social página 37 Considerações sobre a fiscalização aos assistentes sociais que atuam na Nefrologia em Minas Gerais página 43 O título correto do texto de Eunice Fávero publicado na segunda edição da Revista Conexão Geraes é “Serviço Social e proteção de direitos de crianças vítimas de violência sexual: considerações sobre a escuta profissional e o depoimento judicial”. Índice ERRATA INSTITUCIONAL 5CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 Há alguns anos o Conjunto CFESS-CRESS2 vemconstruindo uma identidade para o Serviço Social no debate das comunicações e, há cerca de duas décadas, tem construído meios para uma comunicação profícua com a categoria e a sociedade. A realização do 3º Seminário Nacional de Comunicação, com o tema “Serviço Social e Comunicação - Redes Sociais, Linguagem e Política”, em setembro de 2013, vem em momento oportuno e demonstra a ousadia e compromisso da categoria em decifrar a realidade, lutar pela democracia e pelos direitos humanos. A comunicação do Conjunto CFESS-CRESS emergiu na década de 1990, em decorrência da necessidade de aprimorarmos nosso diálogo com a categoria e com a sociedade, de estabelecermos referenciais e instrumentos de comunicação comuns ao Conjunto, bem como estratégias articuladas de informação e divulgação. A realização de dois Seminários Nacionais de Comunicação (2006 e 2010), com aprovação de diretrizes para a área, possibilitou o desenvolvimento de um trabalho de comunicação articulado entre o CFESS e os CRESS, partindo de uma unidade na diversidade, uma vez que a autonomia, as particularidades e a capacidade criativa das entidades estão asseguradas. Atualmente o CFESS, bem como muitos CRESS, já possuem uma Assessoria de Comunicação, sendo que alguns instrumentos de comunicação, a exemplo dos sites, possibilitam um trabalho em rede, ampliando possibilidades de acesso e troca de informações. Sem dúvida, a presença dos profissionais de Comunicação no Conjunto alterou a capacidade interventiva, por assegurar uma maior e melhor visibilidade da categoria e do projeto ético-político. O estágio alcançado aponta para o acerto nas estratégias deliberadas e implementadas ao longo desses anos, o que permite, na atualidade, a entrada no frenesi das redes sociais, já que, ao postar, provoca-se ali uma intensidade de manifestações a qual é preciso estar presente diariamente. O tema escolhido para ser debatido em encontros regionais, acumulando para o nacional, é um passo importante que está sendo dado na direção da utilização de um instrumento atual que são as redes sociais. Este momento registra o quanto se avançou em relação à política de Comunicação do Conjunto CFESS-CRESS, Assistente social graduada em 1988 pela PUC-MG. Professora de Serviço Social na UnB. Mestre em Serviço Social e Políticas Sociais pela Uerj. Doutoranda em Comunicação na FAC/UnB KÊNIA AUGUSTA FIGUEIREDO Serviço Social, linguagem e comunicação pública: desafios na contemporaneidade 1 Índice INSTITUCIONAL 6 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 por ampliar possibilidades que vão para além da informação e divulgação de ideias e ações. As redes sociais colaboram para uma relação mais dialógica e dinâmica, promovendo uma maior aproximação e confiabilidade. No entanto, a abordagem da questão das “redes sociais” deve considerar os nexos existentes, a fim de percebê-la numa totalidade, decifrando as forças políticas em presença no debate sobre comunicação pública, principalmente no que tange à regulação da internet no Brasil e no mundo. Não há duvidas, como aponta Bianco (2005), de que a revolução tecnológica tem alterado a experiência de mundo, assim como a Revolução Industrial modificou as relações técnicas de produção, modificando as relações sociais e de poder. A adesão às redes pode colaborar com o que Freire, na Pedagogia do Oprimido, apontou: ser a comunicação - embora esta possa se dar por meio de muitas linguagens, um encontro entre os homens mediados pela palavra, a fim de dar nome ao mundo. É pelo diálogo que os homens transformam o mundo e, ao transformá-lo, humanizam para a humanização de todos. Na era das comunicações, o repasse de informações se dá de forma difusa. Antes bastava pagar um espaço no jornal impresso que a comunicação estava assegurada. Hoje os meios são variados, bem como o público. Hoje a categoria dos assistentes sociais está constituída por mais de 100 mil pessoas. Neste sentido, as redes devem estar inseridas na Política Nacional de Comunicação do Conjunto CFESS-CRESS, com todos os cuidados necessários à ética e à linguagem escrita. No entanto, existem questões relacionadas ao mundo das comunicações que os assistentes sociais não podem se omitir, a exemplo do debate sobre os marcos regulatórios da comunicação pública no Brasil e no mundo, já que vivemos em tempos de mundialização. Como temos acompanhado o debate sobre neutralidade da rede? Sabemos o que é isso? Conhecemos sobre o comitê gestor da internet no Brasil, sobre quem são seus componentes? E ainda, como é construída a governança sobre este assunto? Como tem se dado o desenvolvimento de políticas e leis voltadas para viver em rede, na internet brasileira? Temos estado presente nos debates sobre o Marco Civil da Internet? O início dos debates sobre redes sociais deve considerar as normativas da área e em especial o acompanhamento do debate sobre o Marco Civil da Internet, em pauta no Congresso Nacional. Sem a perspectiva de totalidade e sem a mobilização de nossa capacidade articuladora e interventiva, corre-se o risco de daqui a pouco o acesso aos diversos tipos de linguagem totalmente disponíveis a todos serem escalonadas de acordo com a capacidade financeira de cada indivíduo. Ou seja, quem tem mais recursos acessará todas as formas de linguagem, quem tem menos acessará menos e etc. Estará instituído um aprofundamento da desigualdade refletida no mundo virtual e aí o sentido de rede social será outro. O Serviço Social tem um lugar no movimento pela democratização da comunicação, já que lutamos pela democratização da comunicação, pelo direito à informação, pela democracia plena. Então, se há disponibilidade política é preciso entender alguns conceitos, sendo um deles o da comunicação pública, tanto no que tange suas normativas quanto no seu aspecto filosófico. CONCEITOS O Artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição de 1988, assegura a todos o direito de receber dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, 7CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 sendo estas prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, exceto aquelas cujo sigilo seja necessário à segurança da sociedade e do Estado. Trata-se do direito à informação, que é um direito social, de acordo com Ramos (2005), que requer transparência e fidedignidade nas informações veiculadas pelo Estado, por meio de seus organismos e de seus agentes. Daqui tem derivado várias ações e normativas, dentre elas a Lei da Transparência Pública, nº 12.527, de 18 de Novembro de 2011. A comunicação pública é um elemento central para o Estado democrático, pois ocupa na comunicação da sociedade um lugar privilegiado ligado aos papéis de regulação, de proteção ou de antecipação do serviço público. O direito à informação é uma liberdade democrática e condição para uma autônoma e igualitária participação dos indivíduos. A comunicação pública trabalha na lógica da informação como meio de construção da cidadania e pressupõe uma interlocução ativa com o receptor. Trata-se, portanto, de um processo que se instaura por meio de agentes entre o Estado, o governo e a sociedade, e que se propõe a ser um espaço privilegiado de negociação entre os interesses das diversas instâncias de poder constitutivas da vida pública social. Como se percebe, a luta pela comunicação pública tem uma relação muito estreita com o Serviço Social por estar permeada do mesmo espírito do Código de Ética e da Lei que regulamenta a profissão, bem como do projeto ético-político. Há ainda, na perspectiva da fundamentação teórico-metodológica, as contribuições de Iamamoto (1982), que apontamo conhecimento e a linguagem como instrumentos de trabalho do assistente social. Neste sentido, é preciso indagar o que é linguagem? De acordo com Chalhub (1990), a linguagem participa de aspectos mais amplos que apenas o verbo. São várias as formas de comunicar: Costa (2004) aborda que o fenômeno linguístico pode ser considerado como parte do complexo social, entendendo-o como o conjunto de relações sociais. Essas possibilidades de produzir a vida estão vinculadas, de acordo com Marx, com a consciência, sendo a linguagem a exteriorização do individuo consciente. Portanto, a linguagem e consciência possuem uma relação dialética, uma implicação mútua, não podendo ser pensadas uma sem a outra. A linguagem como a consciência é essencialmente social, pois nasce da necessidade de interação entre os homens. Desta forma, linguagem é também o trabalho linguístico geral realizado pela humanidade em sua experiência histórica de comunicação. Por comunicação se compreende “a ação de tornar comum”. Sua raiz é o adjetivo communis, comum, que significa “pertencente a todos ou a muitos”. E o verbo comunicare, comunicar, que significa “tornar comum, fazer saber”. “Fazer saber” está presente no trabalho do assistente social. Constitui parte de nossas atribuições, conforme indica a Lei que regulamenta a profissão - Lei 8662, de 7 de junho de 1993: prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população (art. 4º, inciso III). Podemos dizer assim, que o uso da linguagem em nosso trabalho tem um valor de uso. É no sentido de “fazer saber” que a deliberação “O corpo fala, a fotografia flagra, a arquitetura recorta espaços, a pintura imprime, o teatro encena o verbal, o visual e o sonoro, a poesia que é uma forma especificamente inédita de linguagem, a música irradia sons, a escultura tateia, o cinema movimenta e etc”. (Chalhub, 1990, p.6) 8 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 do 41º Encontro Nacional do Conjunto CFESS- CRESS, realizado em 2012, em Palmas (TO), acerca do uso da linguagem não discriminatória, no caso a linguagem não sexista, deve ser analisada. A questão da não discriminação tem uma relação muito direta com o Código de Ética da profissão, sendo importante o seu destaque. Afinal, sem movimento não há liberdade3. Mas, igualmente, é preciso analisar o período atual, porque “quem erra na análise, erra na ação”4. Se a linguagem tem várias funções, tem um valor de uso e os canais que levam as mensagens são singulares e na atualidade são muitos, o que é prioridade para a categoria em termos do que comunicar e como comunicar. No campo dos assistentes sociais, há presente no mínimo quatro grandes sujeitos para os quais a comunicação precisa ser estruturada com qualidade para se assegurar densidade, sejam: a categoria em si; as instituições - com ênfase para o Estado, as quais a categoria está vinculada; a sociedade em geral, tendo os meios de comunicação como os possíveis canais para essa aproximação; e os usuários. Destaca-se que a ordem aqui utilizada não reflete relação hierárquica entre os segmentos representados. Há quase duas décadas, o desafio que vem acompanhando o Conjunto é o de dar visibilidade ao Serviço Social de forma que seja superada a visão messiânica e voluntarista que no geral se tem da profissão. A busca é “fazer saber” a sociedade o Serviço Social reconceituado, capaz de produzir conhecimentos críticos e intervir com qualidade nas manifestações da questão social, pois possui ferramentas teóricas e metodológicas consistentes e comprometidas com a transformação da ordem estabelecida. O desafio enfrentado ao longo desses anos tem sido o de inserir na agenda da sociedade, a categoria como especialistas qualificados para análise e intervenção social. O que se quer comunicar, fazer saber, é que os assistentes sociais não são gestores da pobreza, mas uma profissão que se reformulou por ser, também, fruto dos “agentes que a ela se dedicam” (Iamamoto, 2012, p.39). Comunicar isso em tempos de capital fetiche, de desmonte das profissões e precarização do trabalho é remar contra a maré, uma vez que existe todo um construto que culpabiliza a pobreza cotidianamente. Seja pela forma como a mídia estrutura sua mensagem ou pelas ações da sociedade organizada e pelos interesses contidos no Estado, a exemplo do retorno do debate para alteração na legislação sobre a redução da maioridade penal ou da contraofensiva burguesa neste momento representada pelos “Felicianos”, que disputam a permanência em espaços institucionais estratégicos ocupados nos últimos anos por representantes mais identificados com os movimentos sociais. Além desse cenário político que aponta para limites e possibilidades da comunicação e, portanto, diz sobre linguagens, há também as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que podem ampliar as possibilidades de interação desde que sejam consideradas as características relacionadas ao perfil da linguagem de cada meio. São tempos de utilização de vários meios de comunicação, alguns acessíveis, outros não. O fato é que a deliberação sobre visibilidade da categoria já obteve avanços, mas não êxito, e ainda se mantém como carro-chefe das deliberações do setor, no Conjunto CFESS-CRESS. Neste sentido, é preciso indagar sobre o quanto é oportuno estabelecer como norma geral, a adoção de uma linguagem padrão para todo e qualquer tipo de meio de comunicação. A deliberação, da forma que foi aprovada, desconsidera a especificidade de cada instrumento de comunicação, a linguagem utilizada, bem como os interlocutores. É preciso mediar no sentido de construir uma linguagem que dê visibilidade ao 9CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 compromisso dos assistentes sociais com uma sociedade de iguais, o que necessariamente não passa pela utilização indiscriminada da linguagem não sexista. É pouco provável que num release para a imprensa ou numa peça publicitária se consiga emitir a mensagem com sucesso, utilizando o artigo “o” barra, artigo “a”, ou vice e versa (o/a ou a/o). Outro elemento contido na deliberação é sobre a “utilização da linguagem não sexista, incorporando a linguagem de gênero como uma ação pedagógica e critica à gramática machista, androcêntrica, heteronormativa e racista”. A ideia contida é muito pertinente e indica um diferencial estratégico no exercício profissional do assistente social: a função pedagógica. No entanto, duas questões precisam ser destacadas: i) as peças de comunicação de massa têm por objetivo destacar um assunto, chamar a atenção do público, divulgar produtos. Elas podem completar e servir de apoio a ações desencadeadas, no caso ações educativas, e não servir especificamente a este propósito, por ter em sua natureza outros propósitos. ii) sendo a linguagem uma ferramenta de trabalho e a tradição oral o recurso de comunicação mais utilizado pela categoria, como compatibilizar no uso da fala esta orientação? É certo que a deliberação está restrita à Comunicação do Conjunto CFESS-CRESS, mas todas as deliberações buscam uma interação com a categoria como um todo. Reflete nela e é refletido por ela. Estas reflexões apontam para a necessidade de um aprofundamento a respeito da relação entre o Serviço Social e linguagem na era das comunicações. O tema do 3º Seminário Nacional, não poderia ser mais oportuno. Vem iluminar um aspecto da profissão muito pouco visitado pela categoria. Afinal, como o assistente social tem desenvolvido esta ferramenta de trabalho na era das comunicações? Quais reflexões o profissional tem acumulado sobre a linguagem e comunicação na relação com o empregador, a sociedade e com os usuários dos serviços prestados? Como oprofissional percebe a tradição oral como um dos principais recursos de linguagem no exercício profissional? Como o profissional tem incorporado as novas tecnologias de comunicação no trabalho? Elas colaboram para o desenvolvimento da ação pedagógica? Em sendo afirmativo, ela se dá de que forma? E por fim, quais são as linguagens mais requeridas pelo assistente social no cotidiano de seu trabalho e como ele as acessa e as produz? Enfim, a deliberação do 41º Encontro Nacional demonstrou uma necessidade de a categoria abrir o diálogo com profissionais de outras áreas a fim de ampliar o conhecimento acerca de um elemento essencial ao trabalho do assistente social: a linguagem. Para o momento, com base nas aspirações que a categoria tem carregado ao longo de muitos anos, o de dar visibilidade ao seu papel reconceituado na divisão sociotécnica do trabalho e ainda, visto as particularidades dos instrumentos de comunicação, bem como a relação que o assistente social tem estabelecido com este instrumento de trabalho, importa a flexibilização da deliberação. Ou seja, a adoção da linguagem não sexista no lugar em que for considerado que não haverá prejuízos à mensagem. Desta forma, ela entra como uma recomendação para o Conjunto e deste para a categoria, e não no campo da deliberação que significa aplicação imediata da medida. Este tempo de travessias constantes em densos nevoeiros, de “tempo que voa e escorre pelas mãos”, exige consistência teórico-metodológica e a capacidade de por meio do pensamento dialético ser capaz de deflagrar processos, com paciência histórica. As Assessorias de Comunicação foram instituídas no Conselho Federal e nos Regionais em decorrência da consciência de que, embora comunicar não seja privilégio de uma profissão, é certo que o uso dos instrumentos exige conhecimento técnico 10 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 para os quais os assistentes sociais não possuem. Importa também o registro de uma deliberação já implementada recente, decorrente do acúmulo de experiência do Conjunto, de realizar ao inicio de cada gestão, cursos que orientam os conselheiros na relação com a mídia, a exemplo de como dar uma entrevista e etc. É corrente em toda a categoria a dificuldade de síntese do assistente social, visto o complexo universo de atuação. No entanto, também é corrente entre a categoria, a necessidade de encontrar meios de simplificar, ou melhor, de ajustar a linguagem a cada público com o qual o profissional se relaciona, seja o usuário, seu empregador, seus pares e a sociedade por meio da mídia. A questão do Serviço Social e sua relação com a linguagem, bem como sua inserção no debate da comunicação pública precisa ocupar um espaço na formação profissional, como também junto aos profissionais, de forma mais direta, já que é fundamental à qualidade do serviço oferecido a extração do máximo de potencial que a linguagem, enquanto instrumento de trabalho, possa oferecer. Além disso, a presença da categoria na luta pela comunicação como bem público, em contraposição ao monopólio e à mercantilização, significa coerência com as normativas enquanto reflexo da visão de mundo da categoria. Afinal, como especialistas sabemos que a comunicação é um direito humano e a informação essencial para a autonomia e liberdade dos sujeitos. REFERÊNCIAS BIANCO, Nelia R. Noticiabilidade no rádio em tempos de internet. http://ebookbrowse.com/bianco-nelia-noticiabilidade-radio- tempos-internet-pdf-d281413421. Acesso em 18 jul. 2012. BRANDÃO, Elizabeth. Comunicação Pública. Texto apresentado no XXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Recife: Mimeo, 1998. CHALHUB, Samira. Funções da Linguagem. 4. ed. São Paulo: Ática, 1990. CONJUNTO CFESS-CRESS, Relatório Final do 41º Encontro Nacional do. No mundo de desigualdade toda violação de direitos é violência. Palmas (TO). Período: 6 a 9 set. 2012. Realização CFESS e CRESS-TO. COSTA, Nelson Barros. Contribuições do Marxismo para uma Teoria Critica da Linguagem. Documentação de estudos em linguística e teoria aplicada. São Paulo: Mimeo, 2004. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50 ed.rev.e.atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. IAMAMOTO, Marilda. “Projeto Profissional, Espaços Ocupacionais e trabalho do Assistente Social na Atualidade”. In: CFESS. Atribuições Privativas do/a Assistente Social em Questão. Brasília, CFESS, 2012. IAMAMOTO, Marilda V. e CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil – Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 2008. RAMOS, Murilo César. Comunicação, Direitos Sociais e Políticas Públicas. In: MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da informação. São Bernardo do Campo: Unesp, 2005. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, 2001. BRASIL. Lei da Transparência Pública, nº 12.527, de 18 de Novembro de 2011. BRASIL. Lei que regulamenta a profissão de assistente social – Lei 8662, de 7 de junho de 1993. NOTAS 1 - Texto base do pronunciamento realizado na Roda de Conversa Serviço Social e Comunicação - Redes Sociais, Linguagem e Política, promovido pelo CRESS-MG, em 26/04/2013. Texto ajustado para fins de publicação. 2 - Nomenclatura dada à articulação do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e dos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS). Anualmente ocorre o Encontro Nacional do Conjunto CFESS-CRESS, no qual é definida uma agenda política comum a ser cumprida ao longo de um ano. 3 - Campanha de Gestão do Conjunto CFESS-CRESS 2011- 2014, intitulada “No mundo de desigualdade, toda violação de direitos é violência”. Esta campanha, lançada em 10 dezembro de 2012, Dia Internacional dos Direitos Humanos, apresenta o slogan “Sem movimento não há liberdade”, divulgando à sociedade, de forma provocativa, por meio de dados e imagens, as múltiplas expressões da violência em nosso país. 4 - Frase recorrente utilizada pelo prof. José Paulo Neto em diversas palestras proferidas. 11CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 Assistente social, mestre e doutora em Serviço Social pela UFRJ ELAINE ROSSETTI BEHRING Em 2003 fundamos, na Faculdade de Serviço Social da Uerj, o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Orçamento Público e Seguridade Social (Gopss). Hoje somos professores, doutorandos, mestrandos, bolsistas de iniciação científica e, mais recentemente, pós-doutorandos (18 membros). Desde então viemos monitorando o orçamento público federal, com destaque para a Seguridade Social, mas também há pesquisas sobre o orçamento fiscal, outras políticas públicas e sobre os demais entes federativos (estados e municípios). Este acompanhamento vem permitindo chegar a algumas caracterizações da dinâmica político-econômica que envolve a alocação de recursos pelo Estado para as políticas sociais, com destaque para as políticas de Seguridade Social, seu núcleo duro, ao lado da Educação. Neste breve espaço vamos apenas sintetizar alguns desses pontos de chegada, que para a pesquisa são sempre pontos de novas partidas. O monitoramento do desempenho do Orçamento da Seguridade Social (OSS) no âmbito do Orçamento Geral da União (OGU) entre os anos de 1997 e 2011, e o acompanhamento da produção sobre o assunto no nível nacional, permitem caracterizar a manutenção de uma espécie de crescimento vegetativo do OSS. Ele cresce quanto aos valores correntes ano a ano, mas abaixo do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), da carga tributária - a receita, e da demanda, com o que vislumbramos certa estagnação como percentual do PIB - entre Sobre o Financiamento das Políticas Sociais no Brasil 12 CRESS-MG| Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 11,7% em 2008, e 13% em 2012 - e também como peso percentual do OGU - entre 28,3% em 2008 e 31,3% em 2012 - em valores constantes. Esta característica permite afirmar que apesar das mudanças de governo e de mudanças internas na orientação do gasto da Seguridade Social, a exemplo do destaque aos programas de transferência de renda, não houve nesse período um boom de investimento no núcleo central da política social brasileira, que envolve Assistência Social, Previdência, Saúde e Trabalho. Este crescimento pífio tem sido desigual entre as três políticas que compõem a Seguridade Social brasileira, sendo que o orçamento da Assistência Social sensivelmente é o que tem crescido com maior vigor. A Saúde tem sido a política mais atingida pela lógica de ajuste fiscal que ainda prevalece no Estado brasileiro, com seu orçamento estagnado ou em linha descendente, com o que esta política vem vivendo um verdadeiro processo de privatização induzida, a exemplo da implantação das Organizações Sociais (OS) e da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). A Previdência Social sofre injunções da lógica do mercado de trabalho, onde houve crescimento da formalização do emprego, mas, de uma maneira geral, seu orçamento permanece pouco oscilante. Se nos referirmos ao financiamento, cabe acompanhar a despesa ou execução e a receita. Sobre esta última, tem-se que as fontes do OSS têm sido largamente utilizadas para a política econômica de ajuste fiscal no país, cuja persistência vem enevoada pelos ares neodesenvolvimentistas, ainda que sejam mantidos os parâmetros de alocação do fundo público constituídos desde o Plano Real. Assim, as fontes de recursos que sustentam o núcleo duro da política social, que é a Seguridade Social, são utilizadas para formar o superávit primário e para o pagamento de encargos, juros e amortizações da dívida pública, além da renúncia fiscal da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), por exemplo, que financia largamente ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A observação da questão tributária brasileira que repercute nas fontes de recursos, mostra que não houve nos últimos anos uma reorientação redistributiva desta política. Assim, o financiamento da Seguridade Social recai fortemente sobre os trabalhadores, considerando a composição da carga tributária brasileira. Por outro lado, deparamo-nos, nesse mesmo período, com tentativas explícitas de realizar uma contrarreforma tributária que aprofundaria ainda mais esse processo. É evidente que existe a necessidade inadiável de uma reforma tributária no Brasil, pois uma das principais características do sistema tributário brasileiro é a sua regressividade. Ele tem impacto sobre os trabalhadores, realizando uma punção dos salários e da mais-valia socialmente produzida e que se transforma em lucros, juros e renda da terra. A partir de nossa fundamentação na crítica da economia política, observamos que nesse âmbito se realiza uma superexploração do trabalho, já que dele já foi extraída a mais-valia que compõe o excedente, quando a tributação incide sobre o trabalho necessário. Assim, a exploração da força de trabalho na produção é acompanhada de uma espécie de exploração tributária (Cf. também Salvador, 2010 e Behring, 2008, 2010 e 2012). Essa capacidade extrativa de trabalho excedente e necessário compõe o fundo público, cuja alocação será disputada no âmbito da correlação de forças entre as classes e seus segmentos na sociedade civil e no Estado. O fundo público no Brasil é composto por tributação indireta (impostos sobre o consumo) em 58,7%. Isso significa que apenas 25,2% % incidem sobre a renda e 3,4% sobre o patrimônio (Salvador, 2010). Aqui cabe lembrar 13CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 que a falta de correção na tabela do Imposto de Renda (IR) determina o seu pagamento por trabalhadores com renda acima de 3,9 salários mínimos. Em 1995 o limite era de 10,4 salários mínimos, sendo que a partir de 1998 a tabela do IR colocou como tributação mínima, 15% quando a faixa mínima correspondia em 1985 a 5% (Salvador, 2007). A carga tributária brasileira cresceu desde o Plano Real, de 29% para 37% do PIB, o que mostra que o neoliberalismo não construiu no Brasil nenhum Estado mínimo e mais que isso, onerou pesadamente os salários. Os dados anteriores mostram a sua incidência principal sobre os trabalhadores. Para Evilásio Salvador (2008), vem ocorrendo já há alguns anos uma contrarreforma tributária silenciosa que desonera o capital e a propriedade e onera a renda, sobretudo as baixas rendas. Seu estudo revela que a carga tributária incidiu mais sobre as rendas de 1 a 3 salários mínimos do que sobre as rendas de 30 salários mínimos. É evidente que a reforma tributária que o Brasil precisa é aquela que vai redistribuir renda - no país de maior concentração de renda do mundo; financiar políticas sociais consistentes, universais e redistributivas; e atacar a desigualdade da distribuição funcional da renda, e não apenas o Coeficiente de Gini - usado para medir a desigualdade, cuja queda sutil foi tão comemorada, e que indica não a desigualdade entre a renda do capital e do trabalho, mas sim aquela entre os assalariados, revelados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Na verdade, temos observado que são os benefícios previdenciários e assistenciais constitucionais, associados ao salário mínimo (aposentadoria rural, BPC, RMV), que vêm tendo impactos sobre o Gini, com diminuição das desigualdades entre os trabalhadores. Apesar desse processo não afetar a desigualdade funcional da renda, impor os princípios da equidade, da progressividade e da capacidade contributiva, no caminho da justiça fiscal e social, e não o da neutralidade, aquele que percebe o Estado como um ente que não deve invadir as relações de mercado, conforme o princípio neoclássico liberal. No entanto, a proposta que esteve em discussão no Congresso Nacional (PEC 233/2008) segue noutra direção, mostrando um nítido caráter contrarreformista. Por quê? Porque seu principal objetivo é a simplificação tributária e não o enfrentamento das questões que apontamos, e porque não reverte recursos para as políticas sociais. Pelo contrário, atinge as fontes das políticas de Seguridade Social, de Educação e do Trabalho, colocando aquela numa condição de insegurança de financiamento ainda maior que a que vêm revelando nossas pesquisas. Vimos mostrando o quanto recursos da Seguridade Social estão sendo desviados para o pagamento da dívida pública e a formação do superávit primário, pilares da política macroeconômica em curso, desde 1999. No entanto, mesmo sob ataques constantes que vêm produzindo uma obstaculização do conceito de Seguridade Social e a propagação ideológica do malfadado déficit da previdência, há hoje determinações constitucionais a serem cumpridas e fontes de financiamento efetivas para as políticas de Assistência Social, Saúde, Previdência Social, Educação e Trabalho - ainda que sejam atingidas em 20% pela DRU. As medidas propostas pela PEC 233/2008 são: “a) a criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA-F), com a extinção de quatro tributos federais (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins; contribuição para o Programa de Integração Social (PIS); a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de combustíveis - Cide; e a contribuição social do Salário-educação); b) a incorporação da 14 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL) ao Impostode Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); c) a redução gradativa da contribuição dos empregadores para previdência social, a ser realizada nos anos subsequentes da reforma, por meio do envio de um projeto de lei no prazo de até 90 dias da promulgação da PEC; d) a unificação da legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), a ser realizada por meio de lei única nacional e não mais por 27 leis das unidades da federação; e) a criação de um Fundo de Equalização de Receitas (FER) para compensar eventuais perdas de receita do ICMS por parte dos estados; f) a instituição de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), permitindo a coordenação da aplicação dos recursos da política de desenvolvimento regional.” Portanto, as três fontes mais importantes para a Seguridade Social sofreriam modificações, com a extinção da Cofins e da CSLL e a desoneração da contribuição patronal sobre a folha de pagamento, por meio de legislação específica, após as mudanças constitucionais. A PEC destina para essa área, 38,8% do produto da arrecadação dos impostos sobre renda (IR), produtos industrializados (IPI) e operações com bens e prestações de serviços (IVA-F). Rompe-se, assim, definitivamente com o princípio constitucional da diversidade das bases de financiamento da Seguridade Social inscrita no Artigo 195 da Constituição de 1988, voltando a uma situação anterior na qual a seguridade disputava recursos com outros setores e entes federativos, caso a proposta avance. Dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) referentes ao ano de 2007 mostravam que o corte de R$ 36 bi em receitas da Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF) mais a subtração de quase R$ 39 bi, pelos efeitos da Desvinculação de Receitas da União (DRU), extrapolam facilmente os R$ 61 bi do superávit realmente existente do Orçamento da Seguridade Social naquele ano. Os cinco tributos a serem extintos pela PEC (Cide, Cofins, CSLL, PIS, Salário-educação/FNDE), alcançaram aproximadamente um montante de R$ 154 bi em 2008. Essas receitas são vinculadas exclusivamente a fundos sociais que financiam as políticas da Seguridade Social, Educação e Trabalho. No contexto da crise do capital, essas tendências regressivas tendem a se ampliar, principalmente por mecanismos como a renúncia fiscal, para estimular investimentos e sob o argumento de proteger o emprego. O primeiro PAC já fazia isso, desfinanciando a Seguridade Social, a exemplo da alíquota 0% de Cofins para o setor de TV digital, dentre outros expedientes. Esse tem sido o caminho: desoneração dos automóveis, do material de construção, da linha branca de eletrodomésticos, etc. E esses são apenas os impactos para a Seguridade, mas ainda há fortes impactos para a Educação e o Trabalho. Diante dessas constatações, o Gopss passou a participar do Movimento em Defesa dos Direitos Sociais Ameaçados na Reforma Tributária. O discurso do déficit da previdência é persistente, reproduzido pelos governos e muito especialmente pela grande mídia, apesar da existência factual de um superávit da Seguridade Social, especialmente se a DRU não incidisse sobre suas fontes. Mas a ideia de déficit parte de um cálculo atuarial que desconsidera o conceito constitucional de Seguridade Social, bem como os impactos da DRU e do superávit primário - mecanismos perversos da política econômica em curso - sobre suas fontes de recursos, configurando-se como um forte mecanismo ideológico de deslegitimação da Seguridade Social brasileira e da Previdência 15CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 Social, em especial. Essa estratégia tem um objetivo político econômico evidente, que é fortalecer os fundos de pensão e os bancos, agentes importantes no mundo da finança e que operam neste âmbito com recursos dos trabalhadores, por meio da previdência privada fechada e aberta. Pelos elementos acima sinalizados, constatamos que ideia de Estado mínimo, largamente difundida pelo pensamento neoliberal é de natureza ideológica, considerando que o Estado não diminuiu em sua intervenção, especialmente na garantia das condições gerais de produção. Pelo contrário, cresceu sua capacidade extrativa, expressa pela carga tributária, ainda que tenha ocorrido uma diminuição patrimonial expressiva com as privatizações. Temos chegado à conclusão de que se alteraram principalmente suas funções, modificando-se o chamado Estado Social na perspectiva da assistencialização, com prevalência das ações focalizadas, numa perspectiva de gestão da pobreza e não de seu combate ou erradicação. Neste passo, ampliou-se a função coercitiva do Estado, com crescimento do encarceramento e equipagem das polícias, com ampla criminalização dos pobres, dos movimentos sociais e extermínio de jovens. É possível afirmar que a perspectiva redistributiva e reformista contida limitadamente na Constituição de 1988, inspirada no projeto social-democrata e beveridgeano e na teoria da cidadania em Marshall, foi posta de lado, seja em tempos de neoliberalismo explícito, seja sob a égide do projeto liberal periférico, que reivindica o novo- desenvolvimentismo, caracterização bastante polêmica. O fundo público, que tem crescido e não diminuído, vem se configurando como um suporte estrutural do processo de acumulação do capital, operando no circuito do valor, por meio de sua repartição (entre lucro e juro, por exemplo), da aceleração ou interferência na rotação do capital (realização do valor), e da gestão de contratendências à operação da queda tendencial da taxa de lucros, tendo em vista amortecer/controlar os ciclos de crise. Contudo, esse lugar do fundo público no circuito do valor é a expressão mais contundente da contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção. Este é um desenvolvimento teórico que está em curso atualmente no Gopss, ou seja, analisar os processos de alocação do fundo público à luz da crítica da economia política e da correlação de forças na luta de classes que não tem favorecido um financiamento redistributivo e de cobertura ampliada da política social brasileira. REFERÊNCIAS BEHRING, Elaine Rossetti. Trabalho e Seguridade Social: o neoconservadorismo nas políticas sociais. IN: BEHRING, Elaine Rossetti e ALMEIDA, Maria Helena Tenório de. Trabalho e Seguridade Social – percursos e dilemas. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 2010. BEHRING, Elaine Rossetti. Acumulação Capitalista, Fundo Público e política social. IN: BOSCHETTI, Ivanete, BEHRING, Elaine Rossetti, SANTOS, Silvana Mara de Morais dos e MIOTO, Regina Célia Tamaso (ORGs.). Política Social no Capitalismo: Tendências Contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008 BEHRING, Elaine Rossetti. Crise do Capital, Fundo Público e ValorIN: BOSCHETTI, Ivanete, BEHRING, Elaine Rossetti, SANTOS, Silvana Mara de Morais dos e MIOTO, Regina Célia Tamaso (ORGs.).Capitalismo em Crise, Política Social e Direitos. São Paulo: Cortez, 2010 _________________. Rotação do Capital e Crise: fundamentos para compreender o fundo público e a política social. In: SALVADOR, Evilásio, BOSCHETTI, Ivanete, BEHRING, Elaine e GRANEMAN, Sara (Orgs.) Financeirização, Fundo Público e Política Social. São Paulo: Cortez, 2012. SALVADOR, Evilásio. Fundo Público e Seguridade Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. 16 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 Assistente social, graduada em Direito, mestre em Serviço Social pela UFPE, doutora em Sociologia pela Université La Sorbonne-Nouvelle e pós-doutora em Psicologia da Educação pela UnB ANA CRISTINA BRITO ARCOVERDEA avaliação de políticas, programas e projetos tem se constituído, nas últimas décadas, em desafio incontornável e crescente para um número cada vez maior de gestores e pesquisadores envolvidos, direta ou indiretamente, com os rumos da política pública, tanto no Brasil, como no mundo todo. No contexto brasileiro, o tema tem adquirido maior visibilidade na agenda pública, sobretudo a partir dos anos 1980, quando os movimentos sociais passaram a demandar um alargamento do horizonte das políticas públicas e, em particular, das políticas sociais, exigindo destas a universalização e a transparência na condução administrativa e financeira. Simultaneamente, desenvolve-se um movimento de pressão dos organismos financiadores, principalmente os internacionais, no sentido de dimensionar a política pública e inseri-la num contexto de maior racionalidade dos gastos públicos. Assim, avaliar políticas, programas e projetos, sobretudo os públicos, ergue-se como condição essencial para obtenção de financiamentos, a partir de três lógicas de aferição: eficiência, efetividade e eficácia. O processo de redemocratização do país validou a avaliação de políticas públicas como uma necessidade de colocar os gestores públicos frente a um crescente patamar de responsabilidade com a chamada “coisa pública”, contribuindo para consolidar o debate democrático, na medida em que auxilia as tomadas de decisões sobre os fundamentos, as diretrizes e os rumos da política. Ao mesmo tempo, a redemocratização favorece maior aproximação com esses pontos, através dos diversos sujeitos sociais envolvidos na sua execução, impulsionando a superação da opacidade própria aos períodos ditatoriais. Portanto, a avaliação passa a ser incorporada à gênese, ao desenvolvimento e aos resultados das políticas públicas no Brasil. Política pública guarda coerência e pertinência com a relação construída entre Estado e “Entende-se por eficiência ou rentabilidade econômica, a relação entre os custos despendidos e os resultados do programa; por efetividade, a relação existente entre resultados e objetivos; e por eficácia, o grau em que objetivos e metas foram alcançados na população beneficiária, num determinado período de tempo.” (SILVA, 2001, p.47). Avaliação de Políticas, Programas e Projetos 17CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 sociedade no Brasil, que nasce sob o signo do autoritarismo, sob regimes políticos centralizadores, concentradores e excludentes. Historicamente, a política pública tem apresentado perfil paternalista, clientelista e autoritário, assumindo traços privatistas presentes na cultura política brasileira, que construiu um Estado aprisionado aos interesses de determinadas classes sociais. Razão pela qual o clientelismo e a corrupção, sem falar nos insucessos dos resultados no campo das políticas públicas, têm sido apontados como problemas cruciais na condução da política pública brasileira, e que colocam em evidência a imbricação entre o público e o privado, a supremacia do poder de determinadas classes e grupos sociais sobre os interesses universais. É nesse âmbito que afirmamos a importância dos processos avaliativos como ferramentas capazes de conferir qualidade e visibilidade às demandas atendidas na esfera das políticas públicas. “A avaliação implica no exercício de importante direito democrático: o controle sobre as ações de interesse público.” (Gomes, 2001, p.21). A avaliação da política pública é concebida como ferramenta precípua para alargamento da esfera pública e da participação da sociedade civil, favorecendo ações substanciadas nos princípios da transparência e da democracia entendida como socialização da política. Avaliação é: O substantivo ou a palavra “avaliação” possui ou é utilizado no sentido lato e significa “determinar a valia”, valor, preço, merecimento ou estima de algo, mas, a avaliação é feita sem a percebermos cotidianamente. No sentido estrito, ela é complexa, orienta-se pelo método científico e possui múltiplas dimensões, sejam: valorativa, cognitiva, comportamental. Dependendo da área de conhecimento, a avaliação procura dar conta de problemas, realizar mensurações e buscar instrumentos capazes de aferir cada dimensão. Avaliação inclui a dimensão técnica e metodológica, além da teórica e política. A avaliação de políticas públicas se trata de métodos e técnicas da pesquisa social, que darão sentido à busca de subsídios para afirmar da contribuição ou não das mesmas para a melhoria das condições de vida da população em geral, e para a intervenção do Estado na realização da “res” pública. Avaliação é também entendida como uma ação que produz conhecimento, embora seja mais reconhecida a importância da avaliação como modo de julgar processos ou ações. (Barreira, 2000, p.17). É importante reforçar que suas duas dimensões, a técnico-metodológica e a política, não estão isoladas, mas estão articuladas, e que, em ambas, lança-se mão de métodos e técnicas da pesquisa social aplicada, que conferem sentido quando for possível subsidiar decisões e ações concretas. (Gomes in Silva, 2001, p. 48). Cohen & Franco (1993) tipificam avaliação conforme o momento em que ela é realizada e seus objetivos, a saber: antes, durante e depois. Na avaliação ex-ante, são antecipados os aspectos a serem considerados no processo decisório para conferir racionalidade ao mesmo; ordenar a política, programas e projetos segundo a eficiência e até decidir se devem ou não ser implementados. Para tanto, requer-se a análise da relação entre custo e benefício e entre custo e efetividade. Na avaliação ex-post, “estratégia de construção da esfera pública como mecanismo de articulação entre Estado e sociedade civil numa perspectiva de crescente democratização da vida brasileira, em uma nova ordem social que valoriza a universalização dos direitos de cidadania.” (GOMES, 2001, p.31). 18 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 que é realizada durante ou após a execução do projeto ou ação, o objetivo é buscar subsídios para fundamentar decisões qualitativas de manter ou introduzir modificações. Trata-se de avaliação de processo ou concomitante e avaliação terminal ou do depois, que é a avaliação de impacto. Browne & Wildavsky (1984), utilizando o critério do tempo de realização, classifica a avaliação como: retrospectiva, prospectiva, formativa, contínua e integrativa. Ainda, Cohen & Franco (1993) e Aguilar & Ander-Egg (1994), conforme quem realiza a avaliação, apontam para os tipos seguintes: externa, avaliação realizada por pessoas estranhas ao quadro da instituição, programa ou ação; interna ou auto-avaliação, realizada no interior da instituição por pessoas vinculadas ou não à formulação ou execução do programa. Ainda, falam de avaliação mista, que combina as modalidades interna e externa com a intenção de superar os limites de ambas e preservar as suas vantagens. Quanto aos destinatários das avaliações, Silva (2001), baseada em Cohen & Franco, indica serem os dirigentes superiores, os administradores e os técnicos que executam o programa, o projeto ou realizam as ações, os destinatários das avaliações. Pouco se focaliza a população como participante e destinatário da avaliação. Saul (1998, p.97-98), tratando da avaliação no bojo da ação educacional, chama a atenção para os pressupostos teórico- metodológicos e políticos que vão de encontro à avaliação de cunho positivista, e aponta para a avaliação emancipatória que se expressa como uma dimensão de prática social que influencia e é influenciada pelos contornos que a cercam. Assim, ao lado de decisões técnicas, uma proposta de avaliação, em especial a de políticas públicas,envolve decisões teóricas e políticas. REFERÊNCIAS AGUILAR, Maria José; ANDER-EGG, Ezequiel. Avaliação de serviços e programas sociais. Petrópolis: Vozes, 1994. ARCOVERDE, Ana Cristina Brito. Avaliação dos Impactos socioeconômicos dos Empreendimentos solidários em Pernambuco. (Projeto de Pesquisa). BARREIRA, Maria Cecília Roxo Nobre. Avaliação participativa de programas sociais. São Paulo: Veras Editora, 2000. BELLONI, Isaura; MAGALHÃES, Heitor de; SOUSA, Luzia Costa de. Metodologia de avaliação em políticas públicas. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2003. BOBBIO, N. O conceito de Sociedade Civil. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio Grande do Sul: Edições Graal Ltda. (Biblioteca de Ciências; v.23). BROWNE, A.; WILDAVSKY, A. (1984), “Implementation as exploration”, in: Pressman, J., Wildavsky, A. (Eds.), Implementation, 3 ed. California: University of California Press, pp.195-215. COHEN, E. & FRANCO, R. COHEN. Avaliação de projetos sociais. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1993. ______________ Avaliação de projetos sociais, 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. GOMES, Maria de Fátima Cabral Marques, Aspectos teóricos metodológicos da pesquisa avaliativa. In: SILVA, Maria Ozanira Silva e (ORG). Avaliação de Políticas e programas sociais teoria e prática. São Paulo: Vozes, 2001. RICO, E. M. (Org.). Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. São Paulo: Cortez, Instituto de Estudos Especiais/PUC-SP, 1998. ROCHE, C. Avaliação de impacto dos trabalhos de ONGs: aprendendo a valorizar as mudanças. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002. SAUL, Elizabeth ET Melo, Ana Maria. Avaliação Participante: uma abordagem crítico - transformadora. In: Elizabeth Melo Rico (org.) - Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. São Paulo: Cortez, 1998. SILVA, Maria Ozanira Silva e (Org.). Avaliação de Políticas e programas sociais teoria e prática. São Paulo: Veras, 2001. (Núcleo de Pesquisa, 6) 19CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 REFLEXÕES INICIAIS É inegável o reconhecimento das profundas mudanças societárias em curso, mesmo que sob a égide de um modo de produção, o capitalista, que se tornou hegemônico e globalizado. Em particular, o conjunto de mudanças científicas e tecnológicas que após a revolução industrial, consolidaram ao longo do século XX, um sistema onde impera o fluxo de informações, a velocidade de transformações, e a concentração das decisões. Este sistema científico e tecnológico teve sua constituição com a reorganização do trabalho humano por meio da força da máquina, o que afetou intensamente o seu tempo e o espaço de trabalho, culminando com a presença da informática e a automação da sociedade. Esta sociedade tecnológica gerou um conjunto de mudanças que afetam todas esferas da sociedade, isto é, a esfera econômica (base material), a esfera cultural (simbólica, o campo das ideias), e a esfera política (as inflexões no mundo do trabalho, na distribuição da riqueza e na socialização do poder). Inexoravelmente, própria do modo de produção capitalista, gesta-se um conjunto de contradições e crises por meio da reestruturação produtiva, da restauração econômica do capital e do ambiente de intervenção política entre Estado e sociedade, expressões das relações de classe, que revelam as faces da desigualdade e da violência no cotidiano daquelas esferas. Cabe destacar que não são mudanças exógenas ao homem, ao contrário, é fundamental reconhecer que são todas realizadas, produzidas e gestadas por este, em sua constituição histórica. Mesmo quando em vários momentos e circunstâncias, o produto de seu trabalho (humano) e de suas relações no intercâmbio com a natureza e a sociedade, pareça autonomizar-se e afastar-se dele, como produto exterior a ele. Esta condição humana contemporânea, a nosso ver, traz duas questões importantes a serem destacadas acerca da ciência e da ética. No campo da ciência, vê-se com grande divulgação que os avanços científicos e tecnológicos contribuíram, ao longo do século XX e nesta primeira década do século XXI, para um conjunto de transformações cotidianas no âmbito das relações sociais e de produção impressionantes, aquilo que muitos autores têm denominado de transformações no mundo do trabalho. No entanto, é relevante lembrar que a ciência é parte das forças produtivas. Isto é melhor compreendido se pensarmos que os avanços da ciência integraram-se com o desenvolvimento da tecnologia industrial e Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC HÉLDER BOSKA DE MORAES SARMENTO Instrumental técnico e o Serviço Social, é preciso continuar o debate! A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO SERVIÇO SOCIAL 20 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 militar, e, recentemente para a esfera do mercado (financeiro e de serviços) e sua globalização. Aquilo que se colocava como “uma nova Atlântida” para lembrar Bacon (séc. XVI) ou como a fonte do progresso e de uma “nova humanidade” em Comte (séc. XIX) foi sendo reconhecido criticamente pelo cientificismo, e denunciado como uma concepção de domínio da natureza e da economia de forma destrutiva e exploradora. Muito mais do que isto, implicou uma forma de racionalidade que foi se enraizando no desenvolvimento econômico e sociocultural, base de legitimidade das sociedades modernas e contemporâneas. Esta racionalidade tecnocientífica (instrumental), desdobrou-se em um pensamento autoritário, que implica a especialização e o controle para além da esfera produtiva da fábrica, mas acima de tudo para a esfera pública, inclusive estatal, reduzindo o campo da participação democrática. Na contemporaneidade, avançou ainda mais, penetrando na esfera da vida privada, ao ponto de recriar necessidades e manipular desejos, transmutando todos em consumidores de massa e, qualquer crítica a esta condição, é considerada irracional e sem qualquer valor. O principal fator de embate do pensamento positivista, a neutralidade, torna-se inoperante, pois o desenvolvimento científico e tecnológico forja novas relações no campo da produção e da reprodução social, isto é, definiu uma nova moralidade no campo das organizações e instituições, da cultura e do poder. Com esta condição, as implicações morais, gestaram novas sociabilidades (questão ética). O homem contemporâneo transformou-se. Aquele homem que construiu sua própria condição de fazer escolhas como sujeito moral, torna-se a cada dia, objeto, ou seja, perde sua condição de sujeito, compromete sua condição ética e política de fazer escolhas, decidir e agir/responder sobre sua própria vida, agora definida pelo mercado (esse grande regulador de nossas relações), capaz de produzir felicidade, na proporção direta em que consome a si mesmo. O destaque desta breve incursão, não é o de retomar certo cientificismo que reforça o deslocamento da ciência da esfera sócio-histórica, e é preciso cuidado para não incorrer neste, nos dias atuais. A intenção aqui, vai na direção de afirmar que o homem contemporâneo parece perder sua posição central na vida societária. O desenvolvimento científico e tecnológico tem sido tão intenso e alcançou dimensões antes impensáveis, que o homem perde sua condição de sujeito, sua humanidade. É esta confluência que nos deixa tão preocupados com as questões entre ciência e ética na sociedade contemporânea, dado que as esferas material (econômica), cultural (simbólica) e política (poder), imbricam-se mutuamente, se transformam e tornam-se mais complexas, porém, mantendo o trabalho alienado, o trabalhador em mercadoria, e o homem limitado ao consumo, e não potencializado em sua condição de ser sujeito das situações. Recorrendoa Marx, na introdução de “Para a crítica da economia política”, ainda em sua primeira parte, ele nos dá pistas para pensar estas relações quando ao falar sobre a produção, consumo, distribuição, troca/circulação afirma “cada um não é apenas imediatamente o outro, nem apenas intermediário do outro: cada um, ao realizar-se, cria o outro”. (Marx, 1985, p. 111) No mesmo texto, continua, Esta perspectiva de análise nos faz compreender que estas questões estão muito mais articuladas “a produção não produz, pois unicamente o objeto de consumo, mas também o modo de consumo, ou seja, não só objetiva, como subjetivamente. Logo, a produção cria o consumidor. (...) a produção não se limita a fornecer um objeto material à necessidade, fornece ainda uma necessidade ao objeto material. (...) a produção não cria somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto”. (Marx, 1985, p. 110) 21CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 e imbricadas, portanto, a reiteração da concepção de totalidade apontada de que “o resultado a que chegamos não é que a produção, a distribuição, o intercâmbio, o consumo, são idênticos, mas que todos eles são elementos de uma totalidade, diferenças dentro de uma unidade” (Marx, 1985, p. 115) exposta na afirmação de que “o concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso” (Marx, 1985, p. 116). E O SERVIÇO SOCIAL? Diante de tão profundas mudanças e contradições pergunta-se: o ser humano é o mesmo? Mudou apenas a sintaxe? Não. O que foi indicado aqui não é apenas uma forma de disposição, relação e combinação das palavras na frase e das frases no discurso. Estamos diante de uma diversidade de situações e ambiguidades de grande proporção, uma realidade contraditória e em movimento, na qual não parece ser possível controlar todas as suas variáveis. Tanto pela condição na qual se encontra o sujeito (objeto) como na proporção em que predomina o objeto (sujeito). Se o homem mudou e com ele suas formas de sociabilidade, suas relações sociais e de produção, não mudaram também os meios ou instrumentos com que ele transforma o seu mundo? O que está sendo indicado é que novas configurações se fazem nos espaços de trabalho, nas formas de compreender este e nas intencionalidades que são impostas. Porém, cabe observar que esta indicação acerca do trabalho e das formas de pensar sobre ele seguem as condições sociais e históricas em que os indivíduos vivem, isto é, a forma como executamos e a maneira como pensamos. Nas atuais condições societárias, o trabalho não tem se tornado apenas um processo de alienação, também se expressa como sofrimento, desprazer e impossibilidade de realização humana. Isto é, sempre quando há comprometimento da possibilidade de emancipação, condição ou eliminação desta forma de compreensão crítica há descaracterização do trabalho e da condição humana. As transformações em curso provocaram mudanças na realidade e, portanto, não teriam também modificado a forma e o conteúdo técnico, ético e político da intervenção humana? Acredito que este movimento tem provocado profundo impacto nas práticas sociais que intervêm no processo de produção material e espiritual da força de trabalho. E consequentemente, tem chegado com a mesma intensidade nas práticas profissionais, por meio da divisão social e técnica do trabalho. Isto pode ser melhor compreendido se refletirmos um pouco sobre as alterações no mercado de trabalho e nas condições de trabalho, por meio de uma refuncionalização de procedimentos e rearranjo do perfil profissional e suas atribuições, situações que impõem o surgimento de novas problemáticas e mobilizam novas competências. Estas mudanças em curso têm gerado novas necessidades que são incorporadas pelas exigências dos sujeitos demandantes (e seus interesses de classe), expressadas em requisições socioinstitucionais e técnico-operativas, materializadas por meio do mercado de trabalho. Esta questão, portanto, tem rebatimento direto no Serviço Social. É evidente que uma profissão e os seus profissionais não desfrutam em qualquer condição de plena autonomia, ela é sempre relativa. É importante reafirmar que o Serviço Social faz parte do trabalho coletivo, ou seja, produz efeito nas condições materiais e sociais daqueles que trabalham – reprodução da força de trabalho. Porém, o assistente social para seu exercício profissional, não dispõe de todos os meios necessários para efetivação do seu trabalho, sejam financeiros, técnicos e humanos, pois 22 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 depende de recursos, programas e projetos. As instituições organizam o trabalho do assistente social, assim como, o profissional também organiza/operacionaliza as políticas institucionais e seus serviços, em suas distintas dimensões e em diferentes perspectivas (vale aqui reafirmar a posição de defesa dos direitos sociais, da liberdade e da democracia assumidos pela profissão). Da mesma forma e consequentemente, o conhecimento, por si só, não determina os procedimentos particulares para a condução da intervenção profissional, e vice-versa. Ainda, a intervenção profissional remete efetivamente a um conhecimento que a profissão historicamente desenvolveu e assimilou na divisão social do trabalho, e que hoje, fazemos sua crítica. Portanto, podemos afirmar que é impensável uma discussão metodológica sem uma reflexão teórica que lhe forneça suporte, portanto, teórico- metodológica. E esta fundamentação teórico- metodológica, diz respeito ao modo de ler, de interpretar e de se relacionar com o indivíduo social, com a sociedade presente que, é uma relação entre o sujeito cognoscente (que está buscando compreender e desvendar esta sociedade) e o objeto investigado (que ao ser compreendido é passível de ações que podem transformá-lo). Um dos pontos de destaque apresentado pelas reflexões marxianas (Coutinho, 1990) é que, na sociedade, há uma articulação entre o momento da causalidade e o momento da teleologia, ou seja, entre o fato de que as ações humanas são determinadas por condições exteriores aos indivíduos singulares e o fato de que, ao mesmo tempo, a sociedade é constituída por projetos que os homens tentam implementar na vida social. Nesta reflexão, parece-nos que os fenômenos sociais são formados simultaneamente por momentos de estrutura e de ação, ou por determinismo e liberdade. Por mais factual que seja a sociedade, a ação humana individual ou coletiva é sempre teleológica, para a qual a construção dos meios é fundamental, e o trabalho é constituinte deste processo, elemento indissociável desta construção. Portanto, os processos de trabalho realizados pelo assistente social, não estão desconectados destas condições e contradições, destas determinações, e das questões da ciência e da ética, mas de que maneira tem se colocado para os próprios profissionais? Um primeiro ponto que é preciso indicar acerca destas questões refere-se ao fato que o estudo, pesquisa e sistematização acerca dos instrumentos e técnicas em Serviço Social não são meramente uma afirmação tecnicista de profissionais que abdicam de referenciais teóricos críticos e buscam meios de aplicação teórica. Muito menos há espaço para a neutralidade nesta discussão e definição de instrumentos e técnicas no exercício profissional. Da mesma maneira, não cabe a pobre crítica ao estereótipo de profissionais que buscam apenas aplicar técnicas em seu trabalho, como se elas fossem destituídas de sentido e interesses, sejam quais forem. Creio que colocar-se nos processos de trabalho é, também, pensar e construir meios de sua efetividade, isto é, posicionar-se e constituirinstrumentos que permitam a realização das intenções projetadas. E para esta construção, o exercício da crítica e da criatividade é imprescindível, o contrário, seria reforçar a negação de sujeito profissional. A crítica se realiza apenas com o esforço de uma razão que reconstrói o campo das mediações e vínculos entre o possível e o realizado. A criatividade é poder trazer à existência aquilo que não foi realizado (ALVES, 2013). No entanto, é um movimento que implica a razão, mas não apenas o intelecto. É fundamental que esta seja compreendida e articulada ao campo dos sentidos, do corpo, e da construção da linguagem em sua concepção ampliada. Um segundo aspecto, é o fato de que novas formas de gestão do trabalho têm se efetivado em nosso cotidiano do exercício profissional no espaço público e privado. Novas formas de 23CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 gestão, que trazem concepções de mundo, estratégias e objetivos muito bem definidos, compondo aos assistentes sociais, um espaço de atuação diferenciado, se não em sua essência (pois não indicam em sua intencionalidade novas sociabilidades), manifestam-se nas diferenciadas modalidades de racionalidade e de conhecimentos procedimentais acerca das políticas, programas e projetos em andamento. Nesta direção podem ser indicadas algumas expressões de nossos espaços sócio-ocupacionais. No espaço do judiciário, hoje, no que se refere aos conflitos de paternidade, têm um componente que demarca o terreno biológico desta questão, que é o exame genético (mesmo que o conflito não se reduza a esta realidade). Nas áreas da assistência social ou da saúde, sem dúvida, nossas ações implicam e são acompanhadas pelos registros técnicos que fazemos nos sistemas de informação próprios destas políticas e seus respectivos programas informatizados. O processo de descentralização das políticas forçam os profissionais a uma atuação ampliada no campo da organização e implementação de políticas nos municípios e de seus mecanismos de participação e controle social. Estes exemplos indicam novas requisições aos profissionais, e por que não, novas racionalidades e consequentemente inovações instrumentais (mesmo que a racionalidade instrumental ainda seja predominante). No entanto, não nos restringimos a este aspecto do espaço sócio-ocupacional, é preciso considerar as novas configurações “instrumentais” (racionalidade e procedimentos) que são trazidas por estas políticas e programas tais como o “acolhimento”, a “escuta qualificada” e a “busca ativa”. Por serem proposições aliadas as políticas governamentais e a política social, por meio de “normas operacionais básicas” são menos autoritárias e democráticas? Isto nos leva ao terceiro aspecto, os instrumentos são pensados e criados no marco de referências teóricas, são criados por meio de um conjunto de intenções éticas e políticas, portanto, não eram e nem são neutros e, por serem novos, não indicam necessariamente superação. Mesmo assim, quais análises têm sido feitas destas novas proposições instrumentais e qual a qualificação técnica e política realizada para subsidiar nossa formação e exercício profissional? Não creio que secundarizando esta discussão seja possível avanço em nossa atuação profissional1. Há que se fazer de forma competente um conjunto de procedimentos que sejam articulados entre si, isto é, técnicos (no sentido de saber fazer e conduzir tecnologia e conhecimentos); políticos (tomar posição e fazer escolhas na articulação de sujeitos e movimentos sociais); teóricos (capacidade de análise, compreensão e projeção); ético (não basta querer, é preciso saber o que se quer conhecer os fundamentos dos princípios e valores que norteiam nossas ações, tais como igualdade, justiça e liberdade). O seguinte aspecto, quarto, pode ser demonstrado em algumas dimensões objetivas que compõem os processos de trabalho dos assistentes sociais, são dimensões que se complementam e realizam no cotidiano do exercício profissional: - a dimensão concreta, que se refere à tecnologia com a qual se pode contar para realizar o trabalho, e às condições materiais e/ou ambientais em que se realiza; - a dimensão gerencial, que se refere ao modo pelo qual o trabalho é gerido, segundo o exercício das funções de planejar, organizar, dirigir e controlar. - a dimensão socioeconômica que abrange a articulação entre o modo de realizar o trabalho e as estruturas sociais, econômicas e políticas da sociedade. - a dimensão ideológica que consiste no discurso elaborado e articulado sobre o trabalho, no nível individual e coletivo, justificando o entrelaçamento das demais dimensões, especialmente, as relações de poder. - a dimensão simbólica, quando abrange os aspectos subjetivos da relação de cada indivíduo com o trabalho e suas relações com os demais sujeitos. E, por último, temos realizado poucos estudos acerca do sujeito profissional, em sua particularidade e singularidade. Não há dúvidas 24 CRESS-MG | Revista Conexão Geraes | 2º semestre de 2013 no quanto avançamos acerca das reflexões sobre as condições objetivas do assistente social enquanto trabalhador. Agora, se o trabalho e suas condições são hoje tão alienantes e alienadoras, como o assistente social tem se percebido e colocado enquanto sujeito ético e político? Como ser um sujeito de direitos em uma sociedade que nos materializa enquanto objetos? Quais são as condições em que temos criado, recriado e operado nossos instrumentos de trabalho? É fundamental que o assistente social seja reconhecido como sujeito que pensa, sente, e age, que também sofre e vive, são razões e emoções que compõem um quesito fundamental para o exercício profissional e o domínio do instrumental técnico em Serviço Social. Mais uma vez, recorremos a Marx, nos Manuscritos Econômico- Filosóficos quando nos diz E, ainda em Marx, mas outro texto, ele nos indica que a utilização da força de trabalho é o próprio trabalho ou capacidade de trabalho o É possível pensar e definir instrumentos e técnicas para o exercício profissional, desconectadas dos sujeitos profissionais que os operam, experimentam e vivenciam? São aspectos para pensar, refletir com toda acuidade e atenção teórica, ética e política. Se dantes nos colocávamos em uma arena restrita de crítica ao tecnicismo, hoje, os avanços científicos e tecnológicos penetraram as tramas de nosso cotidiano profissional. O que sem dúvida, nos impõe condições em uma sociedade altamente tecnificada, mesmo assim, é fundamental a qualificação do debate científico e tecnológico, inclusive dos meios de trabalho, como pauta de uma área de conhecimento que ainda precisa consolidar-se. Estes são apontamentos que nos inquietam e desafiam a continuar o debate sobre o instrumental técnico em Serviço Social. REFERÊNCIAS ALVES, Rubem. Variações sobre o prazer: Santo Agostinho, Nietzsche, Marx e Babette. São Paulo:Planeta do Brasil, 2011. COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci e as Ciências Sociais. In Revista Serviço Social e Sociedade. Ano XI, nº 34. São Paulo: Cortez, 1990. MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. In Marx, coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1985. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro 1, Parte III, Cap. 5.10ª ed. São Paulo:, Difel, 1985. SARMENTO, Hélder Boska de Moraes. Instrumentos e Técnicas em Serviço Social: elementos para uma rediscussão. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 1994. SARMENTO, Hélder Boska de Moraes. Instrumental Técnico e o Serviço Social. In SANTOS, CM.; BACKX, S.; GUERRA, Y. (orgs) A dimensão técnico-operativa no Serviço Social: desafios
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