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CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Aula 03 Olá, Pessoal! Está é nossa terceira aula do curso. Nela, veremos os seguintes itens dos editais: TCU: 12. Governabilidade e governança. Intermediação de interesses (clientelismo, corporativismo e neocorporativismo). CGU: 4. Estado unitário e Estado federativo. 5. Relações entre esferas de governo e regime federativo. 8. Sistemas de governo. 9. Governabilidade e governança. Intermediação de interesses (clientelismo, corporativismo e neocorporativismo). Mais uma vez, apesar da maior parte do conteúdo fazer parte apenas do edital concurso da CGU, estamos tratando de temas importantes para o conhecimento de outros itens e de outras matérias. O Estado Federal é cobrado em direito constitucional no concurso do TCU, tanto que no concurso de 2007 uma das questões discursivas cobrava o conhecimento do Estado Federal. Veremos esta questão nesta aula. Não deixem de ler os textos que eu coloco em “Leitura Sugerida”, pois eles ajudam a aprofundar e fixar a matéria. ÍNDICE 1 Estado unitário e Estado federativo ............................................................................ 2 1.1 Relações entre esferas de governo e regime federativo ...................................... 9 1.2 Estado Federal no Brasil .................................................................................... 12 2 Sistemas de governo ................................................................................................ 18 2.1 Presidencialismo no Brasil ................................................................................. 20 3 Governabilidade e governança ................................................................................. 23 3.1 Crise de Governabilidade ................................................................................... 27 1 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS 3.2 Intermediação de Interesses .............................................................................. 30 4 Questões Comentadas ............................................................................................. 37 5 Lista das Questões ................................................................................................... 71 6 Gabarito .................................................................................................................... 85 7 Leitura Sugerida........................................................................................................ 85 8 Bibliografia ................................................................................................................ 86 1 Estado unitário e Estado federativo O Estado Moderno e Contemporâneo tem assumido, basicamente, duas formas: a forma federada, quando se conjugam vários centros de poder autônomo, e a forma unitária, caracterizada por um poder central que conjuga o poder político. Segundo Paulo Bonavides: Das formas de Estado, a forma unitária é a mais simples, a mais lógica, a mais homogênea. O modelo unitário se caracteriza, politicamente, pela unidade do sistema jurídico, excluindo qualquer pluralidade normativa e, administrativamente, pela centralização da execução das leis e da gestão dos serviços. No Estado unitário, poder constituinte e poder constituído se exprimem por meio de instituições que representam sólido conjunto, bloco único. Bonavides classifica os Estados unitários em centralizados e descentralizados. Podemos dizer que existem duas formas de centralização: a política e a administrativa, que estão presentes no Estado unitário centralizado. A centralização política se exprime pela unidade do sistema jurídico, comportando o país um só direito e uma só lei. A centralização administrativa implica na unidade quanto à execução das leis e quanto à gestão dos serviços. Já o Estado unitário descentralizado é definido por alguns autores como uma terceira forma de Estado, o Estado Regional. Contudo, a maioria dos autores ainda considera o Estado Regional como um Estado unitário, só que mais descentralizado. O Estado unitário descentralizado caracteriza-se unicamente pela descentralização administrativa. Não há descentralização política, visto que está se coloca conceitualmente para o Estado Federal. Maria Sylvia Zanella Di Pietro classifica os tipos de descentralização da seguinte forma: 2 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS ƒ Descentralização Política: ocorre quando o ente descentralizado exerce atribuições próprias que não decorrem do ente central; é a situação dos Estados- membros da federação e, no Brasil, também dos Municípios. Cada um desses entes locais detém competência legislativa própria que não decorre da União nem a ela se subordina. ƒ Descentralização Administrativa: ocorre quando as atribuições que os entes descentralizados exercem só têm valor jurídico que lhes empresta o ente central. A titularidade do serviço continua com o ente central Dentro da descentralização administrativa, a autora enquadra três tipos de descentralização: ƒ Territorial ou Geográfica: verifica-se quando uma entidade local é dotada de personalidade jurídica própria, de direito público, com capacidade administrativa genérica. É própria dos Estados unitários, constituídos por Departamentos, Regiões, Províncias, etc. A capacidade administrativa genérica é a capacidade de exercer a totalidade ou a maior parte dos encargos públicos de interesse da coletividade. No entanto, é importante realçar que a descentralização administrativa territorial mantém a sujeição a controle pelo poder central. Ela nem sempre impede a capacidade legislativa, só que esta é exercida sem autonomia, porque subordinada às normas emanadas do poder central. ƒ Por Serviços, Funcional ou Técnica: ocorre quando o poder público cria uma pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela atribui a titularidade e a execução de determinado serviço público. No Brasil, esta criação somente pode dar-se por meio de lei e corresponde, basicamente, à figura de autarquia, mas abrange também as fundações governamentais, sociedades de economia mista e empresas públicas, que exerçam serviços públicos. ƒ Por Colaboração: ocorre quando se transfere a execução de determinado serviços público a pessoa jurídica de direito privado, previamente existente, conservando o Poder Público a titularidade do serviço. Ocorre por meio da concessão, permissão ou autorização de serviço público. Portanto, no Estado unitário só podemos falar em descentralização administrativa, já que se trata de faculdades derivadas, delegadas, oriundas do poder central, que apenas transmite determinada parcela de poderes às coletividades territoriais, conservando, porém, intacta e permanente tutela sobre os quadros locais de competência. Por conseguinte, o traço definidor da descentralização administrativa vem a ser a ausência precisa de autonomia e independência. Não se institui aqui um poder originário de arbítrio, um instrumento soberano de comando, visto que, assim, ao invés de administrativa, teríamos uma descentralização política, o que caracteriza os Estados federados. Etimologicamente,federação quer dizer pacto, aliança. O Estado Federal é, portanto, uma aliança ou união de Estados. Em qualquer época da história humana encontram-se 3 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS referências a alianças entre Estados, reconhecendo-se que só algumas se constituíram federações, o que demonstra que essa união deve apresentar algumas peculiaridades importantes que a distinguem das demais. O Estado Federado é um fenômeno moderno, que só aparece no século XVIII, não tendo sido conhecido na Antigüidade e na Idade Média. O Estado Federal nasceu com a constituição dos Estados Unidos da América, em 1787. Jellinek definiu o Estado Federal como: Estado soberano, formado por uma pluralidade de Estados, no qual o poder do Estado emana dos Estados-membros, ligados numa unidade estatal. Segundo Georges Scelle o sistema federativo repousa sobre dois princípios essenciais: ƒ a lei da participação: os estados membros tomam parte da formação da vontade estatal referida a toda ordem federativa. ƒ a lei da autonomia: há competência constitucional própria e primária para organizar, estatuir e gerir o seu ordenamento, dentro dos limites traçados pela Constituição federal. Não depende da União naquilo que constitui a esfera de suas atribuições específicas. É dotado de poder constituinte O poder político é compartilhado pela União e pelas unidades federadas. Além do governo federal, existem governos estaduais dotados de autonomia política, podendo fixar sua própria orientação nos assuntos de seu interesse, desde que não contrariem a Constituição Federal. Para assegurar a participação dos Estados no governo federal foi constituído o poder legislativo bicameral, em que o Senado é o órgão de representação dos Estados, sendo praxe, embora haja algumas exceções, assegurar-se a todas as unidades federadas igual número de representantes. Na outra casa é o povo que está representado. Segundo Lenio Streck: A federação, como estratégia de descentralização do poder político, implica uma repartição rígida de competências entre o órgão do poder central, denominado União, e as expressões das organizações regionais, mais freqüentemente conhecidas por Estados-Membros, sendo que estes participam naquela via representação. Podemos dizer que são três os tipos de autonomia de que são dotadas as unidades federadas: – Auto-Organização: refere-se ao poder de os entes federados elaborarem suas próprias constituições e leis; – Autogoverno: refere-se à eleição dos governadores e dos Deputados Estaduais, que governarão o estado sem nenhuma intervenção da União. Refere-se também a possibilidade de montarem seus próprios poderes. 4 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS – Auto-Administração: manifesta a capacidade de cada ente político para prestar os serviços e desempenhar as atividades a eles cometidas. Dalmo Dallari elenca as seguintes características fundamentais do Estado Federal: 1. A união faz nascer um novo Estado e, conseqüentemente, aqueles que aderiram à federação perdem a condição de Estados: No caso norte-americano, como no brasileiro e em vários outros, foi dado o nome de Estado a cada unidade federada, mas apenas como artifício político, porquanto na verdade não são Estados, já que eles perdem sua soberania. 2. A base jurídica do Estado Federal é uma Constituição, não um tratado: Baseando-se a união numa Constituição, todos os assuntos que possam interessar a qualquer dos componentes da federação devem ser conduzidos de acordo com as normas constitucionais. 3. Na federação não existe direito de secessão: Uma vez efetivada a adesão de um Estado este não pode mais se retirar por meios legais. Em algumas Constituições é expressa tal proibição, mas ainda que não seja, ela é implícita. 4. Só o Estado Federal tem soberania: Os Estados que ingressam na federação perdem sua soberania no momento mesmo do ingresso, preservando, contudo, uma autonomia política limitada. Do ponto de vista do direito internacional, o Estado Federal aparece como um Estado simples. A soberania reside na União e não nos Estados-membros, que não fazem parte da ordem jurídica internacional. Daí porque o direito de representação ativa e passiva, a nacionalidade, o território, o direito de guerra e paz, etc. é matéria da competência da União. Do ponto de vista, porém, do direito público interno, o Estado Federal aparece em seu aspecto complexo, uma união de Estados, uma ordem jurídica em que coexistem e cooperam dois poderes estatais: o da União e o dos Estados. 5 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS 5. No Estado Federal as atribuições da União e as das unidades federadas são fixadas na Constituição, por meio de uma distribuição de competências: Não existe hierarquia na organização federal, porque a cada esfera de poder corresponde uma competência determinada. No caso norte-americano os Estados, que estavam organizando a federação, outorgaram certas competências à União e reservaram para si todos os poderes residuais. Esta regra tem variado nas Constituições dos Estados Federais, havendo alguns que tornam expressa a competência dos Estados e outorgam à União os poderes residuais, havendo casos, ainda, de atribuição de poderes expressos à União e às unidades federadas. No Brasil, para a União e os Municípios foram outorgadas competências expressas, enquanto os Estados ficaram com a competência residual, ou seja, foram outorgadas todas as competências que não lhes tenham sido expressamente vedadas na Constituição. Modernamente, tornou-se comum a atribuição de competências concorrentes, ou seja, outorga de competências à União e às unidades federadas para cuidarem do mesmo assunto, dando-se precedência, apenas neste caso, à União. A Constituição Federal, que fixa a competência da União e dos Estados, é elaborada ou aprovada expressamente pelos estados e, portanto, a limitação que ela faz na competência deles é uma auto-limitação. 6. A cada esfera de competências se atribui renda própria: Este é um ponto de grande importância e que só recentemente começou a ser cuidadosamente tratado. Como a experiência demonstrou, dar-se competência é o mesmo que atribuir encargos. É indispensável, portanto, que se assegure a quem tem os encargos uma fonte de rendas suficientes, pois do contrário a autonomia política se torna apenas nominal, pois não pode agir, e agir com independência, quem não dispõe de recursos próprios. 7. O poder político é compartilhado pela União e pelas unidades federadas: Existe um governo federal, do qual participam as unidades federadas e o povo, e existem governos estaduais, dotados de autonomia política, podendo fixar sua própria orientação nos assuntos de seu interesse, desde que não contrariem a Constituição Federal. Para assegurar a participação dos Estados no governo federal foi constituído o poder legislativo bicameral. O Senado é o órgão de representação dos Estados, sendo praxe, embora haja algumas exceções, assegurar-se a todas as unidades igual número de representantes. Na outra Casa do poder legislativo é o próprio povo quem se faz representar.6 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS 8. Os cidadãos do Estado que adere à federação adquirem a cidadania do Estado Federal e perdem a anterior: Não há uma coexistência de cidadanias, como não há também, em relação aos direitos de cidadania, um tratamento diferenciado entre os que nasceram ou residam nas diferentes unidades da federação. No concurso do TCU de 2007, o CESPE cobrou a seguinte questão discursiva: 1. (CESPE/TCU/2007) Discorra de forma breve sobre as origens do Estado Federal e aponte suas características básicas, explicando cada uma delas. Seria praticamente impossível falar da origem do Estado Federal e dessas características que Dallari aponta em somente 20 linhas. Creio que seria importante falar que os entes federados perdem soberania, a qual passa a ser monopólio do Estado Federal, que as unidades federadas são dotadas de autonomia e que o poder político é compartilhado entre União e unidades federadas. Vamos ver um exemplo de redação: Várias foram as formas de União de Estados ao longo da história. Contudo, o Estado Federal não existiu antes do Século XVIII, quando as ex-colônias inglesas na América do Norte se uniram para formar os Estados Unidos da América. Isto porque as características essenciais do federalismo não estavam presentes anteriormente. A primeira dessas características é a perda da condição de Estado pelos entes que aderem à federação. Somente o Estado Federal possui soberania, fazendo com que no direito internacional ele seja visto como um Estado simples. Apesar de perderem soberania, os entes federados são dotados de autonomia, que pode ser dividida em três aspectos: auto-organização, que se refere à possibilidade de elaborarem suas próprias constituições e legislação; autogoverno, possibilidade de elegerem seus governantes; e auto-administração, possibilidade de estabelecerem seus próprios serviços públicos. Outra característica é o compartilhamento do poder político pela União e unidades federadas, não havendo hierarquia entre elas. O Estado Federal é caracterizado pela descentralização política, que ocorre 7 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS quando o ente descentralizado exerce atribuições próprias que não decorrem do ente central. Dalmo Dallari afirma que o Estado Federal, com seu governo peculiar, demonstrou ser capaz de dificultar, ainda que não impedir, a acumulação de poder num só órgão, dificultando por isso a formação de governos totalitários. A par disso, assegurou oportunidades mais amplas de participação no poder político, pois aqueles que não obtiverem ou não desejarem a liderança federal poderão ter acesso aos poderes locais. Além desses aspectos, a organização federativa favorece a preservação de características locais, reservando uma esfera de ação autônoma a cada unidade federada. Por tudo isso, o Estado Federal passou a ser visto como sendo mais favorável à defesa das liberdades do que o Estado centralizado. Outra vantagem é que ele se mostra mais democrático, pois assegura maior aproximação entre governantes e governados, uma vez que o povo tem sempre acesso mais fácil aos órgãos do poder local e por meio deste influi sobre o poder central. Maria Hermínia Tavares de Almeida, afirma que o federalismo é um sistema baseado na distribuição territorial do poder e autoridade entre as instâncias de governo, constitucionalmente definida e assegurada, de tal forma que os governos nacional e subnacionais sejam independentes na sua esfera própria de ação. O Federalismo constitui um compromisso peculiar entre difusão e concentração do poder político em virtude de algum modelo compartilhado de nação e de graus socialmente desejados de integração política e de eqüidade social. Segundo a autora: O Federalismo caracteriza-se, assim, pela não centralização, isto é, pela difusão dos poderes de governo entre muitos centros, cuja autoridade não resulta da delegação de um poder central, mas é conferida por sufrágio popular. Os que são contra a organização federativa entendem que o Estado Federal é inadequado para a época atual, em que, para atender a solicitações muito intensas, é necessário um governo forte. Outro aspecto que vem sendo ressaltado é o da planificação. O Estado, que atua muito, deve agir racionalmente, dentro de uma planificação global, para aproveitamento mais adequado e eficiente dos recursos sociais, econômicos e financeiros disponíveis. O Estado Federal dificulta, e às vezes impede mesmo, a planificação, pois é constitucionalmente impossível obrigar uma unidade federada a enquadrar-se num plano elaborado pela União. Paralelamente a isso, o Estado Federal, segundo se alega, provoca a dispersão dos recursos, uma vez que obriga a manutenção de múltiplos aparelhos burocráticos, sempre dispendiosos e desejando executar seus próprios planos. Argumenta-se ainda que a organização federativa tende a favorecer a ocorrência de conflitos jurídicos e 8 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS políticos, pela coexistência de inúmeras esferas autônomas, cujos limites nem sempre podem ser claramente fixados. 1.1 Relações entre esferas de governo e regime federativo Segundo Maria Hermínia Tavares de Almeida: Por serem estruturas não-centralizadas, os sistemas federais contemporâneos — que, a exemplo dos estados unitários, se caracterizam pela presença de significativo intervencionismo estatal — moldam formas peculiares de relações intergovernamentais, constitutivamente competitivas e cooperativas, bem como modalidades de interação necessariamente baseadas na negociação entre esferas de governo. Assim, a existência de competências concorrentes e de competências comuns entre instâncias governamentais resulta seja da natureza não centralizada do federalismo, seja da onipresente intervenção do Estado. A autora afirma que a literatura sobre a temática descreve que as relações intergovernamentais variam muito entre os diversos países que adotaram o Federalismo, bem como ao longo do tempo em um mesmo sistema federal. Ela apresenta uma classificação com três tipos de arranjos federativos. 1. O primeiro, chamado federalismo dual, espelha o modelo americano originário, no qual "os poderes do governo geral e dos estados, ainda que existam e sejam exercidos nos mesmos limites territoriais, constituem soberanias distintas e separadas, que atuam de forma separada e independente, nas esferas que lhes são próprias". Os dois outros resultam da transformação do arranjo dual, em conseqüência da tendência à expansão do âmbito do governo federal, isto é, de um processo mais ou menos acentuado de centralização. 2. O federalismo centralizado implica na transformação dos governos estaduais e locais em agentes administrativos do governo federal. Este possui um forte envolvimento nos assuntos das unidades subnacionais, além de primazia decisória e de recursos. 3. Já o federalismo cooperativo comporta graus diversos de intervenção do poder federal e se caracteriza por formas de ação conjunta entreinstâncias de governo, nas quais as unidades subnacionais guardam significativa autonomia decisória e capacidade própria de financiamento. Ganham importância as funções do Estado ligadas a integração das unidades federadas. É preciso uma coordenação dos diversos entes e esferas envolvidos. Segundo Abrucio: 9 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS O governo federal também pode ter um papel coordenador e/ou indutor. Por um lado, porque em vários países os governos subnacionais têm problemas financeiros e administrativos que dificultam a assunção de encargos. Por outro, porque a União tem por vezes a capacidade de arbitrar conflitos políticos e de jurisdição, além de incentivar a atuação conjunta e articulada entre os níveis de governo no terreno das políticas públicas. Toda federação deriva de uma situação federalista. Duas condições conformam esse cenário. A primeira é a existência de heterogeneidades que dividem uma determinada nação, de cunho territorial (grande extensão e/ou enorme diversidade física), étnico, lingüístico, sócio-econômico (desigualdades regionais), cultural e político (diferenças no processo de constituição das elites dentro de um país e/ou uma forte rivalidade entre elas). Qualquer país federativo foi assim instituído para dar conta de uma ou mais heterogeneidades. Se um país desse tipo não constituir uma estrutura federativa, dificilmente a unidade nacional manterá a estabilidade social ou, no limite, a própria nação corre risco de fragmentação. A segunda condição federalista é a existência de um discurso e de uma prática defensores da unidade na diversidade, resguardando a autonomia local, mas procurando formas de manter a integridade territorial em um país marcado por heterogeneidades. A coexistência dessas duas condições é essencial para montar-se um pacto federativo. Os entes federativos têm instrumentos políticos para defender seus interesses e direitos originários. Um deles é a existência de cortes constitucionais, que garantem a integridade contratual do pacto originário, ou seja, da Constituição. No nosso caso é o STF. Outro instrumento é uma segunda casa legislativa representante dos interesses regionais (geralmente o Senado). Há ainda a representação desproporcional dos entes menos populosos (e muitas vezes mais pobres) na câmara baixa. Por fim, há o grande poder de limitar mudanças na Constituição, criando um processo decisório mais intrincado, que exige maiorias qualificadas e, em muitos casos, é necessária a aprovação dos legislativos estaduais ou provinciais. E mais: alguns princípios básicos da federação não podem ser emendados em hipótese alguma, como é caso das cláusulas pétreas. O fato é que a soberania compartilhada só pode ser mantida ao longo do tempo caso estabeleça-se uma relação de equilíbrio entre a autonomia dos pactuantes e sua interdependência. A interdependência federativa não pode ser alcançada pela mera ação impositiva e piramidal de um governo central, tal qual em um Estado unitário, pois uma federação supõe uma estrutura sustentada por uma soberania compartilhada. É claro que as esferas superiores de poder estabelecem relações hierárquicas frente às demais, seja em termos legais, seja em virtude do auxílio e do financiamento às outras unidades governamentais. O governo federal tem prerrogativas específicas para manter o equilíbrio federativo e os governos intermediários igualmente detêm forte grau de 10 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS autoridade sobre as instâncias locais. Mas a singularidade do modelo federal está na maior horizontalidade entre os entes, devido aos direitos originários dos pactuantes subnacionais e à sua capacidade política de proteger-se. O compartilhamento de poder e decisão em uma federação, desde a sua invenção nos Estados Unidos, pressupõe a existência de controles mútuos entre os níveis de governo – trata-se dos “checks and balances”, ou “feios e contrapesos”. O objetivo desse mecanismo é a fiscalização recíproca entre os entes federativos para que nenhum deles concentre indevidamente poder e, desse modo, acabe com a autonomia dos demais. Assim sendo, a busca da interdependência em uma federação democrática tem de ser feita conjuntamente com o controle mútuo. Mas, além da garantia da autoridade nacional sem retirar a autonomia local e da necessidade de “checks and balances” entre os níveis de governo, um novo aspecto torna mais complexo o funcionamento das federações. É que o desenvolvimento recente dos Estados Modernos levou ao crescimento do papel dos governos centrais, especialmente no que se refere à expansão das políticas sociais. No caso dos sistemas federais, em que vigora uma soberania compartilhada, constituiu-se um processo negociado e extenso de “shared decision making”, ou “processo decisório compartilhado”, ou seja, de compartilhamento de decisões e responsabilidades. A interdependência enfrenta aqui o problema da coordenação das ações de níveis de governo autônomos, aspecto-chave para entender a produção de políticas públicas em uma estrutura federativa contemporânea. Paul Pierson define o funcionamento das relações intergovernamentais no federalismo da seguinte forma: Mais do que um simples cabo de guerra, as relações intergovernamentais requerem uma complexa mistura de competição, cooperação e acomodação. Daí toda federação ter de combinar formas benignas de cooperação e competição. No caso da primeira, não se trata de impor formas de participação conjunta, mas de instaurar mecanismos de parceria que sejam aprovados pelos entes federativos. Por outro lado, as federações requerem determinadas formas de competição entre os níveis de governo. Primeiro, devido à importância dos controles mútuos como instrumento contra a dominação de um nível de governo sobre os demais. Além disso, a competição federativa pode favorecer a busca pela inovação e pelo melhor desempenho das gestões locais, já que os eleitores podem comparar o desempenho dos vários governantes, uma das vantagens de ter-se uma multiplicidade de governos. Contudo, a competição pode trazer uma série de problemas. O primeiro refere-se ao excesso de concorrência, que afeta a solidariedade entre as partes. Quanto mais heterogêneo é um país, em termos socioculturais ou sócio-econômicos, mais complicada é a adoção única e exclusiva da visão competitiva do federalismo. 11 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Outro problema é o que Paul Peterson chamou de “corrida ao fundo do poço”, ou “race to the bottom”. O autor percebeu o fortalecimento de uma visão acerca do federalismo: a de que os cidadãos “votam com os pés”, ou seja, podem escolher o lugar que otimize melhor a relação entre carga tributária e políticas públicas. Diante disso, os estados ficaram entre duas opções: ou forneciam um cardápio amplo de proteção social, tendo como efeito a atração de pessoas mais pobres para morar nesses lugares, aumentando os gastos públicos e, em tese, diminuindo a competitividade econômica daquele lugar; ou, ao contrário, os governadores deveriam constituiruma estrutura mínima de prestação de serviços públicos e baixar os impostos, reduzindo com isso a afluência dos mais pobres àquela região. Muitos governadores americanos escolheram a segunda opção. Em suma, o modelo competitivo levado ao extremo piora a questão redistributiva. O federalismo puramente competitivo vem estimulando, ainda, a guerra fiscal entre os níveis de governo. Trata-se de um leilão que exige mais e mais isenções às empresas, em que cada governo subnacional procura oferecer mais do que o outro, geralmente sem se preocupar com a forma de custear esse processo. Ao fim e ao cabo, a resolução financeira dessa questão toma rumos predatórios, seja acumulando dívidas para as próximas gerações, seja repassando tais custos para o nível federal e, por tabela, para a nação como um todo. O desafio é encontrar caminhos que permitam a melhor adequação entre competição e cooperação, procurando ressaltar seus aspectos positivos em detrimento dos negativos. Segundo Daniel Elazar: Todo sistema federal, para ser bem sucedido, deve desenvolver um equilíbrio adequado entre cooperação e competição e entre o governo central e seus componentes. 1.2 Estado Federal no Brasil Nos EUA, o surgimento do Estado Federal está relacionado à necessidade de união entre treze ex-colônias soberanas, que resultou num processo centralizador, ou seja, optaram pelo sistema federativo para criar uma nova unidade, representado por um Poder central. No Brasil, o movimento foi inverso, ou seja, descentralizador. Segundo Dallari: Partiu-se da existência de uma unidade com poder centralizado e se distribuiu o poder político entre várias unidades, sem eliminar o poder central. Cada uma dessas unidades, que era apenas uma subdivisão administrativa chamada Província, recebeu uma parcela de poder político e a afirmação formal de sua individualidade, passando a denominar-se estado. Aqui, portanto, o movimento foi descentralizador. A Constituição Federal de 1988, já no seu primeiro artigo, coloca que: 12 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: Já vimos na Aula 01 a questão do último concurso do TCU que dizia que o Brasil apresenta uma forte tradição municipalista. Contudo, agora em dezembro, o CESPE colocou a seguinte questão no concurso do IPEA: 2. (CESPE/IPEA/2008) O federalismo no Brasil caracteriza-se, historicamente, por períodos de maior centralização na esfera federal e períodos de maior compartilhamento de competências entre a União e os demais entes da Federação. O gabarito da questão é CERTA. Eu havia discordado do gabarito, dizendo que “ao longo de nossa história se alternaram períodos de descentralização, como na Constituição de 1891, a redemocratização em 1945 e em 1988; com outros de centralização, como o Estado Novo e a Ditadura de 1964”. Segundo Abrucio: A história federativa brasileira foi marcada por sérios desequilíbrios entre os níveis de governo. No período inicial, na República Velha, predominou um modelo centrífugo, com estados tendo ampla autonomia, pouca cooperação entre si e um governo federal bastante fraco. Nos anos Vargas, o Estado nacional fortaleceu-se, mas os governos estaduais, particularmente no Estado Novo, perderam a autonomia. O interregno 1946-1964 foi o primeiro momento de maior equilíbrio em nossa federação, tanto do ponto de vista da relação entre as esferas de poder como da prática democrática. Mas o golpe militar acabou com esse padrão e por cerca de 20 anos manteve um modelo unionista autoritário, com grande centralização política, administrativa e financeira. Foram feitos inúmeros recursos àquela questão do TCU alegando justamente o que está sendo dito na questão do IPEA. Mesmo assim eles mantiveram o gabarito. Um dos maiores problemas em concursos é que as bancas cobram conhecimentos que não são unânimes e, como as questões são elaboradas por pessoas diferentes, nem sempre as bancas mantém coerência na sua linha de raciocínio. Vamos deixar isso de lado e seguir em frente. Com a CF/88, um novo federalismo nascia no Brasil. Foi estabelecido de um amplo processo de descentralização, tanto em termos financeiros como políticos. Em relação aos Municípios, as Leis Orgânicas estão sujeitas a uma dupla vinculação: devem obedecer tanto a Constituição Federal quanto a Constituição Estadual. Além disso, os Municípios não possuem representantes no Senado Federal, e os Prefeitos e as Câmaras Municipais, coletivamente, não detêm competência para o oferecimento de proposta de emenda à Constituição Federal. 13 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Enfim, o regramento constitucional dos Municípios distingue-se em aspectos relevantes do regramento constitucional da União, dos Estados e do Distrito Federal. Essas diferenças de tratamento jurídico, entre outras considerações, fizeram com que, nos anos imediatamente subseqüentes à entrada em vigor da Constituição Federal, muitos de nossos doutrinadores negassem aos Municípios a condição de verdadeiros entes federativos. José Afonso da Silva se inseria nessa corrente, afirmando que: A Constituição consagrou a tese daqueles que sustentavam que o Município brasileiro é "entidade de terceiro grau, integrante e necessária ao nosso sistema federativo". Data venia, essa é uma tese equivocada, que parte de premissas que não podem levar à conclusão pretendida. Não é porque uma entidade territorial tenha autonomia político-constitucional que necessariamente integre o conceito de entidade federativa. Nem o Município é essencial ao conceito de federação brasileira. Não existe federação de Municípios. Existe federação de Estados. Estes é que são essenciais ao conceito de qualquer federação. Não se vá, depois, querer criar uma câmara de representantes dos Municípios. Entretanto, apesar de posicionamentos desse teor, paulatinamente foi-se consolidando o entendimento de que os Municípios são verdadeiros membros de nossa Federação, e que as peculiaridades de seu tratamento constitucional de forma alguma os coloca em nível hierárquico inferior ao dos demais entes federativos. O STF e o STJ já emitiram pronunciamentos no sentido de que os Municípios são efetivamente entes federados, gozando das três capacidades que integram a autonomia política: auto-organização; autogoverno; e auto-administração. A CF/88 promoveu uma ampla descentralização política, num movimento contrário a centralização do período ditatorial. Os estados e municípios receberam uma série de competências, aproximando a gestão das políticas públicas das comunidades. O princípio fundamental da divisão de competências entre os entes federativos é o da predominância do interesse. Neste, à União caberá as matérias de predominante interesse nacional, como manter relações com Estados Estrangeiros e participar de organizações internacionais; os Estados ficarão responsáveis pelas matérias de predominante interesse regional, como instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes; restando aos Municípiosas matérias de predominante interesse municipal, como criar, organizar e suprimir distritos. Outro aspecto da CF/88 foi a descentralização financeira. Para que haja uma verdadeira autonomia dos entes federados, é preciso que eles tenham também autonomia financeira. Para Gremaud, a descentralização incorpora um conjunto de pelo menos três aspectos: ƒ administrativos – com a passagem da responsabilidade de gerencia na provisão de determinados serviços públicos e de gestão de políticas 14 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS ƒ fiscal – com a passagem de pelo menos parte da responsabilidade na obtenção de recursos necessários ao financiamento das políticas e ƒ política – com a autonomização decisória não apenas quanto à forma de promover a política, mas na própria escolha entre diferentes serviços a serem ofertados e sua estrutura de financiamento. Podemos dizer que o Brasil se caracteriza por uma descentralização fiscal, como está nesta questão do CESPE: 3. (CESPE/SENADO/2002) Pelos padrões internacionais, o Brasil pode ser considerado um país com considerável descentralização fiscal, bem maior que os outros países da América Latina. A questão CERTA. Segundo Abrucio: A nova autonomia dos governos subnacionais deriva em boa medida das conquistas tributárias, iniciadas com a Emenda Passos Porto, em 1983, e consolidadas na Constituição de 1988, o que faz do Brasil o país em desenvolvimento com maior grau de descentralização fiscal. Cabe ressaltar que os municípios tiveram a maior elevação relativa na participação do bolo tributário, apesar de grande parte deles depender muito dos recursos econômicos e administrativos das demais esferas de governo. O fato é que os constituintes reverteram a lógica centralizadora do modelo unionista-autoritário e mesmo as recentes alterações que beneficiaram a União não modificaram a essência descentralizadora das finanças públicas brasileiras. No entanto, depois da CF/88, a participação dos estados e municípios tem diminuído, já que o governo federal tem adotado a estratégia de criar contribuições sociais ao invés de impostos, isto porque parte da arrecadação com impostos deve ser transferida para estados e municípios, e essa obrigação não existe para as contribuições. Como exemplos temos a COFINS e a CPMF. Além disso, apesar de haver uma descentralização financeira e política a partir da CF/88, as conquistas da descentralização não apagam os problemas dos governos locais brasileiros. Para Abrucio, cinco são as questões que colocam obstáculos ao bom desempenho dos municípios do país: ƒ a desigualdade de condições econômicas e administrativas; ƒ o discurso do “municipalismo autárquico”; ƒ a “metropolização” acelerada; ƒ os resquícios ainda existentes tanto de uma cultura política como de instituições que dificultam a accountability democrática 15 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS ƒ o padrão de relações intergovernamentais. Desde a fundação da federação, o Brasil é historicamente marcado por fortes desigualdades regionais, inclusive em comparação com outros países. A disparidade de condições econômicas é reforçada, ademais, pela existência de um contingente enorme de municípios pequenos, com baixa capacidade de sobreviver apenas com recursos próprios. Somado ao obstáculo financeiro e administrativo, o bom andamento da descentralização no Brasil foi prejudicado pelo municipalismo autárquico, visão que prega a idéia de que os governos locais poderiam sozinhos resolver todos os dilemas de ação coletiva colocados às suas populações. O municipalismo autárquico incentiva, em primeiro lugar, a “prefeiturização”, tornando os prefeitos atores por excelência do jogo local e intergovernamental. Cada qual defende seu município como uma unidade legítima e separada das demais, o que é uma miopia em relação aos problemas comuns em termos “micro” e macrorregionais. Outro fenômeno que marcou o processo de descentralização foi a intensa metropolização do país. Não só houve um crescimento das áreas metropolitanas, em número de pessoas e de organizações administrativas, como também os problemas sociais cresceram gigantescamente nesses lugares. No entanto, a estrutura financeira e político-jurídica instituída pela Constituição de 1988 não favorece o equacionamento dessa questão. No que se refere ao primeiro aspecto, a opção dos constituintes foi por um sistema de repartição de rendas intergovernamentais com viés fortemente antimetropolitano, favorecendo inclusive a multiplicação de pequenas cidades A quarta característica da descentralização é a sobrevivência de resquícios culturais e políticos anti-republicanos no plano local. A despeito dos avanços que ocorreram, que foram muitos se os enxergarmos de uma perspectiva histórica, diversas municipalidades do país ainda são governadas sob o registro oligárquico, em oposição ao modo poliárquico que é fundamental para a combinação entre descentralização e democracia. No plano intergovernamental, não se constituiu uma coordenação capaz de estimular a descentralização ao longo da redemocratização. Na relação dos municípios com os estados, predominava a lógica de cooptação das elites locais, típica do ultrapresidencialismo estadual. Adicionalmente, as unidades estaduais ficaram, com a Constituição de 1988, em um quadro de indefinição de suas competências e da maneira como se relacionariam com os outros níveis de governo. Esse vazio institucional favoreceu uma posição “flexível” dos governos estaduais: quando as políticas tinham financiamento da União, eles procuravam participar; caso contrário, eximiam-se de atuar ou repassavam as atribuições para os governos locais. Vimos que nos Estados Federais é comum a presença do bicameralismo, sendo que o Senado é composto pelos representantes dos Estados e a Câmara pelos representantes do povo. Assim, no Senado cada Estado possui o mesmo número de representantes – no nosso caso são três. Já na Câmara dos Deputados, a representação se daria de forma proporcional ao tamanho da população de cada Estado. Assim, se o país tem em 16 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS torno de 180 milhões de habitantes e o número de deputados é de 513, então teríamos um deputado para cada 350 mil habitantes. Assim, como São Paulo tem quase 40 milhões de habitantes, teria direito a 114 deputados; por outro lado se Roraima tem 395 mil habitantes, teria direito a representação de apenas um deputado. No entanto, a CF/88 afirma que: Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal. § 1º - O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. Assim, São Paulo não pode ter mais que 70 deputados e Roraima não pode ter menos que oito. Assim, temos pelo menos oito Estados queestão representados com mais deputados do que a população comportaria. Do outro lado, além de São Paulo, Minas Gerais também perde representação, devido aos ajustes que devem ser feitos. Outro aspecto de nosso federalismo é que a forma federativa é cláusula pétrea. Segundo o art. 60 da CF: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. A expressão “tendente a abolir” significa dizer que não é qualquer emenda que disponha sobre as matérias protegidas como cláusula pétrea que será considerada inconstitucional. Estas matérias poderão ser objeto de emenda à Constituição, desde que essas emendas não sejam “tendentes a abolir” tais matérias. Assim, o voto, os direitos e garantias individuais, a forma federativa poderão ser objeto de emenda à Constituição, desde que a emenda não tenda à abolição, ao enfraquecimento, à supressão desses direitos gravados como cláusula pétrea. Por fim, vamos dar mais uma olhada no art. 1º da CF/88: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: Quando ela fala em “união indissolúvel”, veda de forma expressa e terminativa o direito à secessão, ou seja, a possibilidade de um de nossos entes autônomos tentar se dissociar 17 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS da República Federativa do Brasil e constituir, por si só, um Estado soberano, sendo qualquer tentativa nesse sentido flagrantemente inconstitucional. 2 Sistemas de governo Já vimos que não podemos confundir “formas de governo” com “sistemas de governo”. As formas são a monarquia e a república, enquanto os sistemas são o presidencialismo e o parlamentarismo. A análise dos sistemas de governo busca olhar para as relações entre o poder executivo e o poder legislativo. São dois os sistemas de governo: o presidencialismo e o parlamentarismo. O parlamentarismo foi produto de uma longa evolução histórica. Suas características foram se definindo paulatinamente, durante muitos séculos, até que se chegasse, no final do século XIX, à forma precisa e bem sistematizada que a doutrina batizou de parlamentarismo, mas que recebe o nome também de governo de gabinete. Segundo Dallari, as principais características do parlamentarismo são: ƒ Distinção entre Chefe de Estado e Chefe de Governo: o chefe de Estado, monarca ou Presidente da República, não participa das decisões políticas, exercendo preponderantemente uma função de representação do Estado. O chefe de governo, por sua vez, é a figura política central do parlamentarismo, pois é ele que exerce o poder executivo. ƒ Chefia do governo com responsabilidade política: o chefe de governo é apontado pelo chefe de Estado e se torna Primeiro Ministro depois da aprovação do parlamento. Ele não tem mandato com prazo determinado, podendo permanecer no cargo por alguns dias ou por muitos anos. Há dois fatores que podem determinar a demissão do Primeiro Ministro: a perda da maioria parlamentar ou o voto de desconfiança. Se um parlamentar desaprova a política desenvolvida pelo Primeiro Ministro, propõe um voto de desconfiança. Se este for aprovado pela maioria parlamentar, isso revela que o chefe de governo está contrariando a vontade da maioria do povo, de quem os parlamentares são representantes. ƒ Possibilidade de Dissolução do Parlamento: isso pode ocorrer quando o Primeiro Ministro percebe que só conta com uma pequena maioria e acredita que a realização de eleições gerais irá resultar em uma ampliação dessa maioria. Ou então quando ele recebe um voto de desconfiança, mas acredita que é o Parlamento que está em desacordo com a vontade popular. O Presidencialismo, assim como o parlamentarismo, não foi produto de uma criação teórica. Contudo, o presidencialismo não resultou de um longo e gradual processo de elaboração. Pode-se afirmar que o presidencialismo foi uma criação americana do século XVIII. A péssima lembrança que tinham da atuação do monarca, enquanto 18 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS estiveram submetidos a coroa inglesa, mais a influência dos autores que se opunham ao absolutismo, como Montesquieu, determinou a criação de um sistema que, consagrando a soberania da vontade popular, adotava ao mesmo tempo um mecanismo de governo que impedia a concentração do poder. O sistema presidencial norte-americano aplicou, com o máximo rigor possível, o princípio dos freios e contrapesos, contido na doutrina da separação dos poderes. As características básicas do presidencialismo, segundo Dallari são: ƒ O Presidente da República é o chefe de estado e o chefe de governo: o mesmo órgão unipessoal acumula as duas atribuições, desempenhando as funções de representação, ao mesmo tempo em que exerce a chefia do poder executivo. ƒ A chefia de governo é unipessoal: a responsabilidade pela fixação de diretrizes do poder executivo cabe exclusivamente ao Presidente da República. ƒ O Presidente da República é escolhido pelo povo: o povo escolhe diretamente o nome do chefe de governo, não apenas os parlamentares. Assim, mesmo que determinado partido recebe menos votos, ainda assim pode eleger o presidente. ƒ O Presidente da República é escolhido por um prazo determinado: para não configurar uma monarquia eletiva, foi estabelecido um prazo determinado para o mandato do presidente. ƒ O Presidente da República tem poder de veto: orientando-se pelo princípio da separação de poderes, os constituintes norte-americanos atribuíram ao Congresso a totalidade do poder legislativo. Entretanto, para que não houvesse o risco de uma verdadeira ditadura do legislativo, reduzindo-se o chefe do executivo à condição de mero executor automático das leis, lhe foi concedida a possibilidade de interferir no processo legislativo através do veto. Já Paulo Bonavides afirma que são três os princípios básicos do presidencialismo: 1. Historicamente, é o sistema que perfilhou de forma clássica o princípio da separação de poderes; 2. Todo o poder executivo se concentra ao redor da pessoa do Presidente, que o exerce inteiramente, fora de qualquer responsabilidade política perante o poder legislativo. Via de regra, essa irresponsabilidade política total do presidente se estende ao seu ministério, instrumento da imediata confiança presidencial, e demissível ad nutum do Presidente, sem nenhuma dependência política do Congresso; 3. O Presidente deve derivar seus poderes da própria Nação; raramente do Congresso, por via indireta. Os defensores do parlamentarismo consideram-no mais racional e menos personalista, porque atribui responsabilidade política ao chefe do executivo e transfere ao Parlamento a competência para fixar a política de Estado, ou, pelo menos, para decidir sobre a 19 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS validade da política fixada. Os que são contráriosa esse sistema de governo argumentam com sua fragilidade e instabilidade, sobretudo na época atual em que o Estado não pode ficar numa atitude passiva, de mero vigilante das relações sociais. O Estado precisa de mais dinamismo e energia, que não se encontram no parlamentarismo. O regime presidencial tem sido preferido nos lugares e nas épocas em que se deseja o fortalecimento do poder executivo, sem quebra da formal separação de poderes. A seu favor argumenta-se com a rapidez com que as decisões podem ser tomadas e postas em prática. Além disso, cabendo ao presidente decidir sozinho, sem responsabilidade política perante o parlamento, existe unidade de comando, o que permite um aproveitamento mais adequado das possibilidades do Estado. O principal argumento que se usa contra o presidencialismo é que ele constitui, na realidade, uma ditadura a prazo fixo. Eleito por um tempo certo e sem responsabilidade política efetiva, o presidente pode agir francamente contra a vontade do povo ou do Congresso sem que haja meios normais para afastá-lo da presidência. O presidencialismo conduziria à reprovável e abusiva concentração de poderes nas mãos de uma única pessoa, à hipertrofia de seu poder pessoal, ao governante onipotente. O presidencialismo traz na aparência a estabilidade dos governos, mas uma vez desencadeadas as crises e não podendo os dirigentes ser removidos antes de expirado o prazo constitucional do mandato que exercem, a solução ordinariamente conduz às revoluções, golpes de Estado, tumultos e ditaduras, fazendo instáveis as instituições mesmas. Segundo Bonavides: A esses vícios outros se vêm somar: a influência perturbadora do presidente na operação sucessória, buscando eleger seu sucessor ou até mesmo, se for o caso, reformar a Constituição para reeleger-se; a debilidade e a subserviência do Congresso à vontade presidencial, convertendo-se o Legislativo num Poder ausente, caracterizado por impotência crônica, sistema onde não há em verdade a colaboração dos poderes, senão o predomínio de um poder sobre outro ou a disputa de hegemonia entre os poderes; onde as crises de governo geram a crise das instituições; onde o Congresso, entrando em conflito com o Executivo, só dispõe de instrumentos negativos de controle: a recusa de dotações orçamentárias, a obstrução legislativa, etc. 2.1 Presidencialismo no Brasil O Ministério no sistema presidencial é um corpo de auxiliares da confiança imediata do Presidente, responsável perante este, sem nenhum vínculo de sujeição política ao Congresso. Nos países onde o presidencialismo é mais próximo ao modelo americano tradicional, os ministros são pessoas estranhas às casas legislativas, em cujas 20 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS dependências o presidente jamais vai recrutá-los, fazendo assim realçar o princípio da separação dos poderes. Essa regra vem sendo consideravelmente abalada em alguns Estados como o nosso. Surgiu o conceito de presidencialismo plebiscitário para descrever o sistema no qual o chefe do Poder Executivo é escolhido diretamente pela população para mandatos fixos, independente do apoio parlamentar, a quem são outorgados, pela Constituição, poderes para decidir a composição do ministério. Como não há relação com o apoio parlamentar, para que ele o obtenha se vê obrigado a conceder ministérios para outros partidos. Para atender a todos, criam-se mais ministérios. Além de ser caracterizado por um presidencialismo plebiscitário, dizemos que no Brasil também vigora o "presidencialismo de coalizão". Essa expressão foi cunhada por Sérgio Abranches em 1988. Como as eleições para presidência e parlamento são distintas, o eleitor pode optar por eleger um presidente de um partido e um representante parlamentar de outro. Neste caso, o presidencialismo difere do parlamentarismo justamente pelas origens distintas do poder executivo e do poder legislativo. A "coalizão" está relacionada aos acordos feitos entre partidos, geralmente por meio da ocupação de cargos no governo e alianças entre forças políticas para alcançar determinados objetivos. Na maioria das vezes a coalizão é feita para sustentar um governo, dando-lhe suporte político no legislativo e influenciando na formulação das políticas. Segundo Abranches, a lógica da formação das coalizões tem dois eixos: o partidário e o regional (estadual). Além de buscar formar a coalizão com base em interesses partidários, o governo tem de olhar também para os interesses regionais. Segundo o autor: É isso que explica a recorrência de grandes coalizões, pois o cálculo relativo à base de sustentação política do governo não é apenas partidário-parlamentar, mas também regional. Segundo Abranches, há outros países que apresentam governos de coalizão. No entanto, o Brasil é o único país que, além de combinar proporcionalidade, multipartidarismo e o “presidencialismo imperial”, organiza o executivo em grandes coalizões. O presidencialismo imperial é caracterizado pela independência entre os Poderes, com a predominância do Executivo. O autor afirma que: A capacidade de formar maiorias estáveis e a necessidade de recorrer a coalizões não são exclusivamente determinadas pela regra de representação, nem pelo número de partidos, mas também pelo perfil social dos interesses, pelo grau de heterogeneidade e pluralidade na sociedade e por fatores culturais, regionais e lingüísticos, entre outros, que não são passíveis de anulação pela via do regime de representação. 21 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Entre os fatores que influenciam a amplitude das coalizões está a representação proporcional. Existem dois tipos de sistemas eleitorais no Brasil: o majoritário e o proporcional. O primeiro é utilizado nas eleições para Presidente, Governadores, Prefeitos, Senadores. Já a eleição proporcional visa à representação da população de determinada circunscrição eleitoral, almejando assegurar a participação dos diversos segmentos da sociedade, organizados em partidos políticos, sendo utilizado na Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais. A Argentina usou o sistema majoritário para o parlamento até 1962, quando dois terços dos lugares disputados eram dados à lista com maior número de votos. Este sistema produzia uma maioria esmagadora. Contudo, os sistemas majoritários tendem a estreitar excessivamente as faixas de representação, com o risco de excluir da representação setores da sociedade que tenham identidade e preferências específicas. Os sistemas proporcionais ajustam-se melhor à diversidade, permitindo admitir à representação a maioria desses segmentos significativos da população. O problema do sistema proporcional é que ele aumenta a heterogeneidade na representação, dificultando a formação de maioria, o que aumenta a necessidade de um governo de coalizão. Em síntese, a situação brasileira contemporânea indica as seguintes tendências: ƒ Alto grau de heterogeneidade estrutural, quer na economia, quer na sociedade, além de fortes disparidades regionais; ƒ Alta propensão ao conflito de interesses, cortando a estrutura de classes, horizontal e verticalmente, associada a diferentes manifestaçõesde clivagens (separação, oposição) inter e intra-regionais. ƒ Fracionamento partidário-parlamentar, entre médio e mediano, e alta propensão à formação de governos baseados em grandes coalizões, muito provavelmente com índices relativamente elevados de fragmentação governamental; ƒ Forte tradição presidencialista e proporcional. A primeira indicando, talvez, a inviabilidade de consolidação de um regime parlamentarista puro. A segunda, apontando para a natural necessidade de admitir à representação os diversos segmentos da sociedade plural brasileira; ƒ Insuficiência e inadequação do quadro institucional do Estado para resolução de conflitos e inexistência de mecanismos institucionais para a manutenção do “equilíbrio constitucional”. No presidencialismo de coalizão, a presidência se define como uma entidade extrapartidária ou superpartidária. Por isso, a instabilidade da coalizão pode atingir diretamente a Presidência. É menor o grau de liberdade de recomposição de forças, através da reforma do gabinete, sem que se ameace as bases de sustentação da coalizão governante. Segundo Abranches: 22 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Governos de coalizão requerem procedimentos mais ou menos institucionalizados para solucionar disputas interpartidárias internas à coalizão. Existe sempre um nível superior de arbitragem, que envolve, necessariamente, as lideranças partidárias e do Legislativo e tem, como árbitro final, o presidente. Na medida em que este seja o único ponto para o qual convergem todas as divergências, a presidência sofrerá danosa e desgastante sobrecarga e tenderá a tornar-se o epicentro de todas as crises. O autor afirma ainda que: É um sistema caracterizado pela instabilidade, de alto risco e cuja sustentação baseia-se quase exclusivamente, no desempenho corrente do governo e na sua disposição de respeitar estritamente os pontos ideológicos ou programáticos considerados inegociáveis, os quais nem sempre são explícita e coerentemente fixados na fase de formação da coalizão. Desde os primórdios o presidencialismo brasileiro foi caracterizado pela concentração do poder nas mãos do presidente. Rui Barbosa, um dos maiores defensores do presidencialismo no início, mas que se tornou um crítico do modelo com as frustrações da sua aplicação no país, já dizia: O presidencialismo brasileiro não é senão a ditadura em estado crônico, a irresponsabilidade geral, a irresponsabilidade consolidada, a irresponsabilidade sistemática do Poder Executivo. 3 Governabilidade e governança Estudamos na Aula 01 o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. O fato do nome do Plano falar em “Reforma do Aparelho do Estado” ao invés de “Reforma do Estado” não é algo sem importância. A maior parte dos autores associa a reforma do Estado à busca de maior governabilidade e a reforma do aparelho do Estado à busca de maior governança. Segundo o próprio PDRAE: O governo brasileiro não carece de “governabilidade”, ou seja, de poder para governar, dada sua legitimidade democrática e o apoio com que conta na sociedade civil. Enfrenta, entretanto, um problema de governança, na medida em que sua capacidade de implementar as políticas públicas é limitada pela rigidez e ineficiência da máquina administrativa. Segundo Bresser Pereira: 23 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Governabilidade e governança são conceitos mal definidos, freqüentemente confundidos. A capacidade política de governar ou governabilidade deriva da relação de legitimidade do Estado e do seu governo com a sociedade, enquanto que governança é a capacidade financeira e administrativa em sentido amplo de uma organização de implementar suas políticas. Podemos dizer que a governabilidade está associada às condições de exercício do poder e de legitimidade do Estado e do seu governo derivadas da sua postura diante da sociedade civil e do mercado. Já a governança pode ser entendida capacidade que um determinado governo tem para formular e implementar as suas políticas, capacidade esta que pode ser dividida em financeira, gerencial e técnica. Contudo, apesar de associarmos a governabilidade a um plano político e a governança a um plano administrativo, não podemos dizer que estes são conceitos muito bem separadas. Governabilidade e governança são termos muitas vezes confundidos porque não há uma separação muito nítida entre os dois. Podemos tentar entender isso na figura abaixo: Governabilidade Governança Há uma área em que os dois conceitos se confundem e há divergência entre os autores. Para Bresser Pereira: No conceito de governança pode-se incluir, como o faz Reis (1994), a capacidade de agregar os diversos interesses, estabelecendo-se, assim, mais uma ponte entre governança e governabilidade. Uma boa governança, conforme observou Fritschtak (1994) aumenta a legitimidade do governo e, portanto, a governabilidade do país. Veremos mais a frente que Vinicius de Carvalho coloca “agregar os múltiplos interesses dispersos pela sociedade” dentro do conceito de governabilidade. O conceito de governança não se restringe aos aspectos gerenciais e administrativos do Estado, tampouco ao funcionamento eficaz do aparelho de Estado. A discussão mais recente do conceito de governança ultrapassa o marco operacional para incorporar questões relativas a padrões de articulação e cooperação entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais que coordenam e regulam transações dentro e através das fronteiras do sistema econômico. Com a ampliação do conceito de governança fica cada vez mais imprecisa sua distinção daquele de governabilidade. 24 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Além disso, como podemos ver no texto de Bresser, uma boa governança aumenta a governabilidade, ou seja, há uma relação estreita entre os dois conceitos. Uma má governança também pode diminuir a governabilidade. Foi o que aconteceu na crise do modelo burocrático. Vimos na aula demonstrativa que esta crise teve dois aspectos. O primeiro estava ligado ao fato de a administração pública não conseguir nem mesmo proteger o patrimônio público, a razão pela qual ela instituía tantos controles. O segundo era a ineficiência do modelo, que devido aos controles e rigidez era lento, caro, auto- referido. Podemos observar que o modelo burocrático tinha uma má governança porque não administrava os recursos públicos adequadamente, não tinha capacidade para formular e implementar as suas políticas. Essa má governança foi gerando a insatisfação na sociedade, tanto que ocorreram as revoltas dos taxpayers, ou revolta dos contribuintes, em que as pessoas não queriam pagar mais impostos já que não viam os resultados. O Estado perdeu legitimidade, ou seja, perdeu governabilidade. Portanto, temos que tomar cuidado na hora da prova. A melhor coisa a fazer é associar a governabilidade às condições políticas, capacidade de governar, e a governança à capacidade de administrar, seja em termos financeiros, gerenciais ou técnicos. Segundo Eli Diniz, a governabilidade refere-se às condições sistêmicas de exercício do poder por partedo Estado em uma determinada sociedade. Seria uma somatória dos instrumentos institucionais, recursos financeiros e meios políticos de execução das metas definidas. As principais características da governabilidade seriam: ƒ a forma de governo, ou seja, se o sistema é parlamentarista (com todas as suas variantes), presidencialista ou misto, como no caso brasileiro; ƒ a relação Executivo-Legislativo: se esta for mais assimétrica para um ou para outro podem surgir dificuldades de coordenação política e institucional, vitais para a governabilidade plena; ƒ a composição, formação e dinâmica do sistema partidário (com poucos ou muitos partidos), o que pode dificultar a relação Executivo-Legislativo e Estado- sociedade; ƒ o sistema de intermediação de interesses vigente na sociedade (corporativista, institucional pluralista, dispersos, ONGs etc.); e ƒ todo o conjunto das relações Estado-sociedade, ou seja, as relações dos movimentos organizados, associações e da cidadania com o Estado no sentido de ampliar a sua participação no processo de formulação/implementação de políticas das quais sejam beneficiários. A autora fala em “formas de governo”, mas o correto é “sistemas de governo”, já que ela está falando do presidencialismo e do parlamentarismo. Segundo Vinícius de Carvalho Araújo: 25 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Em uma definição genérica, podemos dizer que a governabilidade refere-se às próprias condições substantivas/materiais de exercício do poder e de legitimidade do Estado e do seu governo derivadas da sua postura diante da sociedade civil e do mercado (em um regime democrático, claro). Pode ser concebida como a autoridade política do Estado em si, entendida como a capacidade que este tem para agregar os múltiplos interesses dispersos pela sociedade e apresentar-lhes um objetivo comum para os curto, médio e longo prazos. Como falei acima, o autor coloca a agregação dos interesses dentro da sociedade, algo que outros autores colocam dentro de governança. O autor afirma ainda que os cidadãos e a cidadania organizada são a fonte da governabilidade, e não da governança, que tem como origem os agentes públicos ou servidores do Estado. Segundo o autor: É importante lembrar também, como mais um elemento distintivo com a governança, que a fonte ou origem principal da governabilidade são os cidadãos e a cidadania organizada, ou seja, é a partir deles (e da sua capacidade de articulação em partidos, associações e demais instituições representativas) que surgem e se desenvolvem as condições citadas acima como imperativas para a governabilidade plena. Destacamos aqui que, diferente da governabilidade, a fonte da governança não são os cidadãos ou a cidadania organizada em si mesma, mas sim um prolongamento desta, ou seja, são os próprios agentes públicos ou servidores do Estado que possibilitam a formulação/implementação correta das políticas públicas e representam a face deste diante da sociedade civil e do mercado, no setor de prestação de serviços diretos ao público. O autor define governança como: Já a governança pode ser entendida como a outra face de um mesmo processo, ou seja, como os aspectos adjetivos/instrumentais da governabilidade. Em geral, entende-se a governança como a capacidade que um determinado governo tem para formular e implementar as suas políticas. Esta capacidade pode ser decomposta analiticamente em financeira, gerencial e técnica, todas importantes para a consecução das metas coletivas definidas que compõem o programa de um determinado governo, legitimado pelas urnas. Outra definição importante de governança é a do Banco Mundial, segundo o qual governança é: O exercício da autoridade, controle, administração, poder de governo. É a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando o desenvolvimento, 26 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS implicando a capacidade dos governos de planejar, formular e implementar políticas e cumprir funções. Eles falam em poder, algo que nos remeteria a governabilidade, mas é o poder no gerenciamento dos recursos sociais e econômicos, por isso está relacionado à governança. 3.1 Crise de Governabilidade Já vimos nas aulas anteriores que o modelo burocrático entrou em crise em virtude de dois aspectos. Primeiro porque era ineficiente, extremamente rígido, não dando conta das necessidades da sociedade. Segundo, porque não conseguia nem mesmo proteger o patrimônio público, razão pela qual defendia o uso de inúmeros controles. Vimos também que o Estado de Bem-Estar Social foi marcado e prejudicado pelo modelo burocrático, já que o Estado se propunha a desempenhar uma série de serviços, mas a sua administração era lenta e ineficiente. A crise do Estado de Bem-Estar estaria associada a uma crise de governabilidade. A sociedade estava cada vez mais insatisfeita com a gestão pública, tanto que surgiram as revoltas dos contribuintes, ou “taxpayers”, agravando ainda mais a crise fiscal do Estado. O diagnóstico contemporâneo sobre governabilidade ou “crise do Estado”, no contexto da globalização, tem como argumento central a crise fiscal nos centros do capitalismo avançado. Vimos que as duas crises do petróleo na década de 1970 dificultaram o acesso dos Estados aos financiamentos internacionais, fazendo com que ficasse inviável cumprir todas as promessas do Estado de Bem-Estar. No entanto, a crise de governabilidade não é fruto somente da crise fiscal. Veremos agora como alguns autores classificam as causas da crise de governabilidade. Segundo Norberto Bobbio. o termo mais usado entre governabilidade e não- governabilidade é o último. Segundo o autor, esta palavra, carregada de implicações pessimistas (crise de governabilidade) e, freqüentemente conservadoras, presta-se a muitas interpretações. De um lado se encontram aqueles que atribuem a crise de governabilidade à incapacidade dos governantes; de outro, aqueles que atribuem a não- governabilidade às exigências excessivas dos cidadãos. Em linhas gerais, as duas versões apresentam vários pontos de contato; porém, quando estritamente distintas, podem chegar, freqüentemente, até a atos de acusação (contra governantes ou alguns grupos sociais, quase sempre os sindicatos), ou a posições ideológicas (obediência dos cidadãos ou superação do capitalismo). Segundo Bobbio: A fraqueza substancial destes posicionamentos consiste na falta de ajuste, a nível analítico, dos dois componentes fundamentais, capacidade e recursos, em sentido lato, dos Governos e dos 27 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS governantes, e solicitações, apoio e recursos dos cidadãos e dos grupos sociais. A governabilidade e a não-governabilidade não são, portanto, fenômenos completos, mas processos em curso, relações complexas entre componentes de um sistema político. Bobbio divide as teorias a não-governabilidade nas seguintes hipóteses: 1. A não-governabilidade é o produto de uma sobrecarga de problemas aos quais o Estado responde
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