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Age de Carvalho Belérn, PA - 1958 NEGRO, forceja reconhecer a laje marcada, conspira contra a cripta: véspera do nome, véstia da paixão toda paixão, aquI cresce uma cruz na última palavra - A oferrada, irreperida, ir- recusável. [de A rena, Areia 1 Mühlauer Friedhof* Me- dita, a branca sombra da neve, o nevo desse silêncio, fendido: Trakl. (Arde, arde a folha forasteira, o louro latim das folhas, 123 124 o cego vento ledor das folhas). Aberta, a pedra interroga da. * Cemitério de Mühlalf, em Innsbrucl; Áustria. fine Triine rollt in ihr Auge zurück Paul Celan TRISTE-TRISTE, cisca a alegria atrás do mundo, junto à cerca, quando o tempo se destampa - Cunca, me ouves' É verão, de novo. A cidreira queimada [de Arena, Areia 1 na gaveta desanda a florir, uma lágrima rola de volta ao olho, a promessa, de ré, res- pira, arde por se cumprir: tens uma casa e uma cama, João do teu lado direito, 125 moras comigo. Ouves? Tudo pede perdão. [de Caveira 4' 1 CARBONO 14, teu nome: têxtil, lês para nós a imagem do mundo, sua fé selvagem. Redatado, voltas na camisa crucificada. [de Caveira 4 t 1 126 Nasclunarkt No olho da amêndoa, no damasco, exposto numa lágrima de figo, sabes: eu não sou daqui, nunca cheguei, nunca saí daqui. Caroço sem carne, só osso, os cernes dessa verdade. E a verdade, circum- aberta no coração, desfechada no coração, de pé se despe: abre-se em gumes, cordialmente. [de Caveira 41 1 > Um duplo exílio - geográfico e poético - caracteriza a 127 trajetória desse escritor que está à margem das principais linhas de força da literatura brasileira, mas que por isso mesmo traz ares renovadores. Nascido no Pará, portanto fora do circuito das grandes cidades do Sudeste (que aca- bam atraindo escritores de todo o país e constituindo pó- los da produção editorial), ~g~_~!:_~~~_~_~_l}!:~_!.l:_?~~~__~!:!:Y~~_~ _ na, onde trabalha como designeI' gráfico. O ambiente de língua alemã é responsável pelas referências, explícitas nos poemas aqui publicados, a autores como o expressionista Georg Trakl (morto na Primeira Guerra após uma existên- cia marcada por perturbações psíquicas) e o romeno Paul Celan - que adotou o alemão como idioma literário para expressar traumas vividos durante a Segunda Guerra (como a morte de seus pais num campo de concentração nazista). Ou seja, Age de Carvalho dialoga com uma poé- tica que fala de experiências-limite, que só podem ser ex- pressas por uma linguagem áspera, descontínua, bem dis- tante do lirismo coloquial e do rigor construtivo e metalingüístico que caracterizam as vertentes poéticas de- rivadas do modernismo. Daí sua poesia ao mesmo tempo hermética (conteú- dos de difícil entendimento, que só a muito custo conse- guem emergir à consciência) e límpida - pois alheia aos procedimentos retóricos que "poetizarn" a expressão dessas vivências e imagens familiares, que irrornpern no poema 128 como fragmentos do passado - "caroço sem carne,! só osso, os/ cernes/ dessa verdade". Mesmo quando trata de um tema mais claro para o leitor, o poeta o faz para com- por uma "imagem do mundo" que "abre-se em gumes": assim, quando um ícone religioso é dessacralizado, subme- tido ao carbono 14 (como no poema cujo título se refere ao teste científico que averiguou a autenticidade do Santo Sudário), a paixão de Cristo volta, redatada, na "camisa crucificada" . Principais Obras: Arquimura dos Ossos (1980). A Fala Entre Parêntesis (1982. com Max Martins). Arma, Areia (!986). Pedra-um (1990) - todos incluídos no volume Ror: 1980-1990 (Duas Cidades. 1990) -. Cavei.-a 41 (7 Lerras/Co- sac Naify. 2003). Selcu: (antologia. Paka-Tatu, 2003).
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