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Otfried Hoffe, JUSTIÇA POLÍTICA

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--.::li-.• 
•·. -·-----~:-· 
Biblioteca Sede Campus Chile 
Justiça política : fundamentação de uma filosofia critica 
Ac. 47841 -R 467826 Ex. 4 
Compra - Livraria Curitiba , 
Nf.: 34735 R$ 39,81-04/01.1010 
@ gaoça9 
JUSTIÇA POLÍTICA 
Fundamentação de uma filosofia 
crítica do direito e do Estado 
Otfried Hõffe 
Tradução 
ERNILDO STEIN 
Martins Fontes 
CENTRO UNf~~hWf'q, •• _~9ttf CURITIBA 
UNI CURITIBA 
I 
' 
>) 
' 
. ' 
15. Estratégias da justiça política-
uma perspectiva 
Do ponto de vista prático-político, a legitimação subsidiá-
ria do direito e do Estado levanta uma dificuldade que o discur-
so político fuodamental não pode ocultar, mas cuja investiga-
ção mais detida ultrapassa sua tarefa: para ajudar a justiça a se 
tomar realidade, o poder jurldico público recebe o monopólio 
do poder. Quem possui o monopólio do poder não tem apenas 
suficiente poder para impor a justiça; ele também possui sufi-
ciente poder para recusá-lo. Para ficarmos com a imagem da 
Justiça: a eSpada que a Justiça carrega é apenas uma espada, 
portanto, uin instrumento do poder que não está obrigado à 
justiça, propriamente falando. Como qualquer instrumento de 
poder, a espada possui dois gumes; ela tem caráter técnico e po-
de servir à justiça, mas também pô-la em risco. 
Mas a espada se converte em um instrumento da justiça 
quando perde sua duplicidade e, desde o inicio, está obrigada 
com a justiça. A tentativa de levar a sério esta obrigação prévia 
é o Estado plitico, no projeto político da modernidade. En-
quanto a modernidade radicaliza, do ponto de vista teórico, o 
discurso da legitimação, ela, do p'onto de vista práticó-político, 
procura assumir o resultado \lo discurso, a justificação apenas 
subsidiária na estruturação concreta do poder de direito e de 
Estado e organizar os poderes públicos efetivamente, de modo 
que sua obrigação cQm a justiça não fique entregue ao arbítrio 
de cada setor do poder que aparece. Pois mesmo os detentores 
do poder não estão inteiramente a serviço da justiça, livres de 
todas as paixões. Eles também podem "esquecer" suas atribui-
ções e buscar o poder por ele mesmo. Além disso, eles não 
i..;· 
,.,...... 
412 
· JUSTIÇA POLlriCA 
estão situados além de qualquer co~. mas são, nos confron-
tos sociais, eles mesmos interessadose podem então abusar de 
sua posição privilegiada. .. 
Pelo fato de os poderes legítimos do Estado não apenas pro-
tegerem princípios de justiça, mas também os ameaçarem, fa-
lha, de resto, Hobbes com sua teoôa do poder de Estado abso-
luto e indiviso, meta fundamental de sua ítlosofia política; a 
garantia certa da autoconservação e da livre aspiração à felici-
dade dos cidadãos. Reconhecer um soberano absoluto seria 
pois com Locke "considerar os seres humanos tão idiotas que 
buscam evitar o que podem fazer marmotas, mas são felizes e 
tomam por segurança serem engolidos por leões" (Second 
Treatise, § 93). 
Denomino estratégias de justiça política os múltiplos "mé-
todos": os caminhos, forças e procedimentos para comprome-
ter (o mais possível) os poderes públicos com a justiça. Visto 
sistematicamente, eles possuem uma dupla face, o lado volun-
tário e o lado cognitivo; aquele se refere à tarelà do reconheci-
mento, este à tarefa de determinação do poder jurídico público. 
Em correspondência, há dois tipos mutuamente complementa-
res de estratégias de justiça. Com o auxilio das estratégias de 
positivação, os princípios da justiça encontram seu reconheci-
mento histórico concreto; com o auxílio das estratégias de jul-
gamento, as formas juridicas que devem ser reconhecidas são 
sempre determinadas novamente. 
A investigação sistemática de ambos os tipos de estratégia 
se resume numa pragmática moral-pragmática que se vincula à 
reflexão sobre os fundamentos éiicos do direito e do Estado, 
para cuja elaboração mais detida a filosofia não tem senão uma 
competência parcial delimitada. Pois são experiências históri-
cas e considerações interdisciplinares que esclarecem de que 
modo os princípios dà justiça e sua condição de realidade, o 
poder juridico coletivo, se reàlizam adequadamente no mundo 
empírico. Por outro lado, a fundamentação do direito e do Esta-
do que desenvolvemos poderia ser mal entendida se o proble-
ma que leva a questão adiante não for ao menos assinalado 
(para aspectos parciais das estratégias da justiça, cf. Hõffe, 
1979, cap. 14, e Hõffe, 1975). 
A JUSTIÇA POLiTI CA COMO P RINC/PIO 
15.1 Tarefas de positivação 
a) Garante a democracia os direitos humanos? 
413 
A democracia, muitas vezes, na medida em que ela é com-
preendida como forma de Estado, é valorizada como um mode-
lo político em que é suprimida a ambivalência dos poderes do 
Estado e em que o poder público é organizado de modo a que, 
desde o começo, seja ela limitada à tarefa de proteção (deixa-
mos aqui de considerar o outro aspecto de que a democracia 
mesma tem um significado de justiça já que os direitos demo-
cráticos de co-participação fazem parte dos direitos humanos, 
portanto, dos princípios médios de justiça). São atribuídos par-
ticularmente à influência de um parlamento eleito democrati-
camente, à representação popular, à diferença das câmaras al-
tas, o interesse e o poder, tanto de frear a dominação absolutis-
ta como também de impedir novas formas de um Estado totali-
tário, portanto, primeiro, conquistar a liberdade e as liberdades 
para todo o povo e, em. seguida, proteger imparcial e efetiva-
mente o que foi conquistado contra o constante risco de atenta-
dos ilegítimos do Estado. 
Entre os defensores de uma tal teoôa de democracia a ser-
viço da justiça e da liberdade. está, por exemplo, Jean-Jacques 
Rousseau (O contrato social, I 6). Do modo mais incisivo se 
afirmou na Revolução Francesa que a democracia garante para 
todos a mesma liberdade. A tese que a democracia seria a úni-
ca ou então a melhor forma de Estado para garantir aos homens 
sua liberdade é fundamentada no seguinte tipo de argumenta-
ção (incluo a multidão de variantes definidas antes e depois de 
Rousseau). 
Se os parlamentos são eleitos por todo o povo, então sua 
constituição e legislação garantiriam, por isso, a mesma liber-
dade para todos, porque, por um lado, todos colaboram com o 
mesmo direito na elaboração das leis (confira a regra democrá-
tica fundamental one man, one vote) e porque, por outro lado, 
ninguém decidiria algo prejudicial a ele. Já que a mesma liber-
dade de todos remete ao princípio fundamental da justiça, se-
l! 
,I 
414 JUSTIÇA POLITICA 
gue que a democracia não é apenas, 'O caminho relativamente 
melhor, mas, até mesmo, o mais seguro para a justiça concreta, 
e, mais ainda: que a democracia é a forma exata de organiza-
ção do Estado de justiça e que não são possíveis tensões entre 
democracia e justiça. 
Por mais belo que seja este resultado, a argumentação que a 
embasa representa uma falácia múltipla. Desconsiderando que 
também existe um "masoquismo político", a saber, a disposi-
ção de assumir sobre si desvantagens, aquilo que não se julga 
prejudicial, nem sempre, "na verdade", deixa de ser prejudi-
cial. Pois as representações momentâneas sobre o útil podem 
ser perturbadas por falta de informação, por erros sobre con-
teúdos fáticos, por julgamento apressado, por expectativas ilu-
sórias bem como por diversas barreiras emocionais. Além 
disso, uão existem apenas perturbações superficiais que po-
dem ser controladas através de melhor informação bem como 
através de técnicas de controle interior (por autocontrole). Tam-
bém existem perturbações profundas políticas, neuróticas, psi-
cóticas e ideológicas que atuam por conta dos que decidem e 
deslocam alguns de seus interesses ao espaço de atenção para 
ele reprimir outros. Finalmente existem efeitos colaterais não 
previstos, talvez nem mesmo previsíveis, cujo prejuízoultra-
passa as vantagens primárias. Em suma, com base nos limites 
cognitivos ou emocionais dos atores das decisões, pode o apa-
rentemente não-prejudicial ser com certeza prejudicial. 
Afora isso, procedimentos democráticos de decisão são 
determinados por regras de maioria, mas decisões de maioria 
são, quando muito, vantajosas para a maioria, mas de modo al-
gum, para todos. Mas a maioria pode impor seus interesses à 
minoria, de modo que a democracia pode se tomar uma varian-
te do "direito do mais forte" já criticado por Platão (República, 
livro I) e por Aristóteles (Política, IV, 4, l29a 15 ss. e passim); 
devemo-nos proteger também - com Mill (Sobre a liberda-
de, introdução)- contra uma "tirania da maioria". Por conse-
guinte, devemos concordar com Rousseau, que no terceiro livro 
do Contrato social ( cap. 4) considera a democracia não simples-
mente como a forma adequada de Estado, mas somente sob 
' 
A JUSTIÇA POL/17CA COMO PRINCIPIO 415 
condições suplementares. No caso, pode ficar como suposto 
que as condições de Rousseau são necessárias e suficientes: 
nenhum partido de Estado, uma assembléia popular em vez de 
uma representação popular, limitação de seu poder a uma 
legislação gera~ uma pequena coletividade bem como ampla 
igualdade dos cidadãos na sua função social e situação econô-
mica. Em todo caso, a democracia não é nem uma condição 
necessária, nem suficiente para a introdução e a proteção dos 
direitos humanos. 
A questão dos limites da democracia, considerada do ponto 
de vista da história do direito e da constituição, não pode ser 
colocada em termos de como funciona a democracia como 
"guardiã da liberdade e da justiça" quer a democracia efetiva-
mente garanta a liberdade de todos, quer se crie na garantia 
universal da liberdade pela democracia. Mas a experiência his-
tórica provoca ceticismo. Ela nos mostra a escravatura nos Es-
tados Unidos, o nacional-socialismo, que, ao mesmo tempo, se 
confessava adepto do princípio democrático, e -é claro bem 
menos contrastante - a Igreja do Estado na Suécia ou a proibi-
ção dos jesuítas e dos mosteiros, revogada na Suíça apenas nos 
anos setenta de nosso século. 
Portanto a democracia apenas não pode abolir aquela "re-
gra fundamental da gramática politica": quem possui suficien-
te poder para impor a justiça, também tem poder suficiente 
para recusá-la. 
b) O Estado constitucional democrático 
Diante do possível abuso de poder por parte dos poderes 
democráticos do Estado, naturalmente não se precisa capitular. 
É, contudo, necessário também fixar limites claros a um poder 
jurídico democrático: Aristóteles viu os limites nas leis (Polí-
tica, IV, 4), portanto, em determinações que não regulam casos 
individuais, mas certos tipos de casos, e com o auxílio de crité-
rios que- sem consideração da pessoa- valem para cada caso 
que se subsume ao tipo. 
: -:· 
416 JUSTIÇA POLiT1CA 
Os limites que devem ser postos p,.ra os poderes do Estado 
podem ser aiDda mais estreitos; também os critérios não po-
dem ser escolhidos arbittariamente. )lles devem, pelo contrá-
rio, ser conquistados segundo a medida das mesmas regras de 
segunda ordem, regras que devem satisfazer, por seu lado, ao 
princípio da justiça e seus princípios médios, os direitos huma-
nos. Estes princípios de justiça têm, na democrncia, a função 
de proteção das minorias e garantem direitos iguais daqueles 
que não são das mesmas convicções econômicas, sociais, polí-
ticas e religiosas ou lingilistico-culturais da respectiva maioria; 
eles formam um corretivo crítico contra os excessos da sobera-
nia, mesmo de um soberano democrático. 
Para que esta medida seja reconhecida, não apenas em cir-
cunstâncias acidentalmente favoráveis, mas, por princípio, é 
preciso consolidá-la, institucionalizá-la e fazê-la parte com-
ponente do direito vigente aqui e agora. Por esta positivação, 
os direitos humanos não têm mais o ~ignificado de idéias, 
esperanças e posllilados que podem ser· até justificados, mas 
que em face da realidade dominante permanecem importan-
tes. Também os direitos humanos não são mais simplesmente 
solenes declarações de intenção, mas, muito antes, uma parte 
obrigatória da ordem do direito e dQ Estado. Eles perderam o 
caráter de simples princípios de legitimidade e se tomaram 
princípios de legalidade. Nisto, se distinguem duas formas de 
legalização. Nos editos de tolerãncia da nascente modernida-
de, direitos humanos, sobretudo a liberdade de religião, são 
reconhecidos somente por razões de oportunidade e foram no-
vamente suprimidos quando a situação política mudou. Em 
oposição a esta legalização insuficiente, um sério reconheci-
mento dos direitos humanos exige que eles .existam não ape-
nas juridicamente na forma de tolerãncias gilrantidas gratuita-
mente e a cada momento revogáveis. Seu lugar jurídico, siste-
maticamente adequado, é a constituição (escrita ou não-escri-
ta) e em seu âmbito, aquela parte que está protegida contra as 
decisões da maioria das colisões que se sucedem. A positiva-
ção dos direitos humanos, própria do ponto de vista da teoria 
da legitimação, não acontece na democracia, mas somente no 
Estaâo democrático constitucional. 
' 
-~ 
.I JUSTIÇA POLITICA COMO PRINCIPIO 417 
Para destacar o novo, o positivo significado jurídico dos di-
R:itos humanos, também se fala de direitos fundamentais. Se-
zundo esta convicção terminológica, os direitos fundamentais 
designam, bem como os direitos humanos, pretensões jurídi-
cas válidas pré e suprapositivamente. Apenas falta aos "puros 
direitos humanos" aquela força jurídica positiva que possuem 
como direitos fundamentais. Enquanto os direitos humanos e 
as direitos fundamentais são iguais, sob o ponto de vista de 
conteúdo, seu modo de existência é diferente. Os direitos hu-
.anos são padrões morais, aos quais uma ordem jurídica se 
deveria submeter. Os direitos fundamentais ao contrário são os 
cireitos humanos, na medida em que efetivamente são reconhe-
cidos por uma ordem jurídica dada. Lá se trata de postulados 
ético-políticos, os quais, do ponto de vista do tempo e do espa-
ço, são universais. Aqui se trata de normas jurídicas que, limi-
lldas à respectiva cóletividade, têm vigência positiva. 
Como mostram numerosas investigações de história e teo-
õa das constituições (c( para muitas investigações Schur I 964 
cKieinheyr, 1975), o desenvolvimento moderno representa um 
(lllpel particular no processo da positivação de direitos huma-
ms. As primeiras declarações dos direitos fundamentais de 
lignificado para os direitos humanos se encontram apenas na 
&ogunda metade do século XVIII. A tradição da declaração de 
clreitos de liberdade certamente começa muito mais cedo. Mas 
as muitas cartas medievais de-alforria, como, por exemplo, a 
Jlagna charta liberta/um (1215) ou a Bula áurea de André 11 
ela Hungria ( 1222), não assumem a proteção de direitos huma-
DDS, mas garantem a certas cidades e classes direitos particula-
RS, e, além disso, vêm "de cima", de um soberano. Esta situa-
çio somente se modifica com a Virginia Bi/1 of Rights (I 776). 
Esta foi lançada "de baixo", pelos ''representantes do bom povo 
elo Virgínia", e deve, portanto, sua origem ao povo soberano e 
Diio atribui mais as liberdades a certos privilegiados, ·mas a to-
dos os homens. 
Já que em poucas gerações a maioria dos Estados segue com 
sanelhantes declarações de direitos fundamentais, parece que 
Greconhecimento histórico dos princípios médios de justiça é 
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418 JUSTIÇA POUTICA 
wn processo tardio, mas rápido e, e~ua essência, eucerrado: 
wna história breve na história universal que dura milênios e 
centenas de milênios. Examinado mais de perto, deve-se, con-
tudo, corrigir este ponto de vista pelos dois lados. A história 
dos direitos hwnanos não começa nemcom declaração de direi-
tos fundamentais nem se encerra com ela. Na idéia de uma 
"breve história dos direitos humanos" se expressa uma tendên-
cia da modernidade a exagerar em sua importãncia. 
Contra a tentativa de deslocar a história da positivação in-
teiramente para a modernidade fala o fato de que o reconheci-
mento dos direitos humanos como direitos fundamen1ais é, no 
melhor dos casos, a pedra que coroa o processo, que não pode-
ria ser posta sem aquelas raízes da história do espírito e do 
direito que devem ser acompanhadas até o iluminismo europeu 
e as cartas de alforria e que recuam até a filosofia clássica dos 
gregos, o pensamento helenístico e as concepções religiosas 
dos judeus e do cristianismo. 
Apoiando-nos nwn célebre pensamento de Hegel (A razão 
na história, 62 ss. ), poderiamos ler a história universal como 
wn progressivo - mas lento - reconhecimento dos direitos hu· 
manos. Mas esta história, segundo Hegel, não começa com os 
grandes impérios orientais, nos quais apenas um, o déspota, 
era líder. Ela começa com a formação de um direito penal (pri-
meiro consuetudinário), no qual se representam - ao lado do 
direito civil - as comunidades jurídicas, desde seu início. Por 
isso, a primeira grande "onda de justiça", a primeira "onda de 
positivismo dos direitos humanos" não começa na modernida-
de, e tampouco na época do helenismo ou do cristianismo, mas 
com a formação (mais ou menos formal) de um direito penal 
que protege, pelas suas sanções, liberdades fundamentais como 
corpo e vida, honra e propriedade. Com os inícios de tim direi-
to penal a positivação de direitos humanos não chegou certa· 
mente à sua consumação. Pois o direito penal contém determi-
nações de séculos que, seja como conteúdos penais (por exem-
plo, bruxaria e heresia), seja como tipos de punições (castigos 
corporais, até torturas), não se compatibilizam com os direitos 
hwnanos. 
' 
' 
,I 
A JUSilÇA POL/TICA COMO PRINCIPIO 419 
Como segunda etapa no desenvolvimento da justiça, pode-
ríamos citar cidades-Estados gregas nas quais reside o poder 
jurídico público na comunidade de livres e iguais, na qual, 
contudo, por causa da instituição da escravidão e também da 
desigualdade jurídica da mulher, o ser humano enquanto ser 
humano não se tornou sujeito da coletividade jurídica e estatal. 
No helenismo bem como no judaísmo e no cristianismo se de-
senvolve então a idéia da liberdade de todos os seres humanos, 
aliás, também apenas a idéia. Pois conseqüências jurídicas não 
são prnticamente tiradas. Paulo, por exemplo, não critica nem 
a instituição da escravidão, nem a submissão da mulher ao 
homem. Somente nas revoluções americana e francesa os di-
reitos humanos são reconhecidos como princípios positivos do 
direito e assumidos, então, com maior ou menor rapidez pelos 
outros Estados. 
Neste seu reconhecimento jurídico positivo, os direitos hu· 
manos têm um duplo significado. Primeiro sistematicamente 
eles são pretensões dos seres humanos mas em face dos outros, 
secundariamente também são pretensões contra aquela instân· 
cia que deve proteger as pretensões do Estado. Pois os direitos 
humanos não são apenas ameaçados por parte dos seres. hurna· 
nos e, por isso, são protegidos pelo Estldo. Eles também são 
pretensões ameaçadas pelo próprio "poder de proteção", corpo 
e vida, por exemplo, por prisão arbitrária, por castigos exage· 
rados ("draconianos") ou também por medidas inteiramente 
injustificadas como a tortura E, ainda, um Estado ameaça a 
propriedade por desapropriação (arbitrária e sem indenização), 
a ho013 pelo tratamento desigual dos cidadãos, talvez também 
por exorbitãncia da burocracia, a liberdade de opinião por me-
didas de censuras e a liberdade de religião por privilégios e 
discriminações. 
As discussões dos direitos humanos da modernidade até 
mesmo se acendem nestes problemas. Sob as condições do iní-
cio da modernidade de urna união de Estado e da Igreja que du· 
rou por muito tempo, e nas tendências absolutistas dos poderes 
estatais, os direitos à .liberdade assumem a forma de direitos de· 
fensivos contra os poderes do Estado; de acordo com a moder-
420 JUSTIÇA POL/11CA 
na teoria constitucional, são eles dijoeitos públicos subjetivos 
nos quais o Estado não pode intervir (assim chamado status 
negativus). E no âmbito destes direitos de defesa, aparecem a 
liberdade de religião, a liberdade de opinião e a liberdade da 
pessoa.·( o direito fundamental do habeas corpus: a proteção 
contra a prisão arbitrária) como os direitos de liberdade mais 
importantes. 
Para a positivação destes direitos, a modernidade possui de 
fato um significado particular. Certamente a idéia de um direi-
to de defesa é bem mais antiga, mas ela se articula, por exem-
plo, na resistência de Antigona contra o rei Creonte. Mas Anti-
gana apela a um direito não-escritivo (divino), enquanto no Es-
tado constitucional moderno os direitos de defesa formam uma 
parte do direito positivo vigente. Assim, a modernidade traz 
uma segunda onda de justiça, sob o pano de fundo de um longo 
desenvolvimento da história do espírito e da constituição. 
Se tomarmos em consideração a longa pré-ltistória da ltis-
tória do espírito e do direito das declarações do direito funda-
mental, não mais se ·lê a ltistória dos direitos humanos como 
uma breve história mas como um romance, e particularmente 
como um romance de desenvolvimento, de progresso constan-
te, como um romance de desenvolvimento; sem dúvida, que, 
desde algumas gerações, está, em princípio, encerrado. Essa 
maneira de ler é decisivamente mais diferenciada, mas ainda 
sempre imprecisa. Contra o ponto de vista de um romance li-
near de desenvolvimento, fala o fato de que o desenvolvimento 
constitucional ocidental conhece, ao lado do crescente reco-
nhecimento dos direitos humanos, também regressões delica-
das. E nisto não é preciso apontar primeiro para as quedas na 
bárbarie, quedas em que nosso século é extremamente rico. Na 
assembléia popular e de julgamento, no Thing, por exemplo, 
todos os homens livres capazes de carregar armas eram iguais, 
enquanto na Idade Média a importância destes órgãos jurídi-
cos democráticos foi enfiaquecida e no fim foi reprimida no 
começo da modertúdade pelo Estado territorial absolutista. De 
modo análogo, se lê a história de ROma, ao menos em parte, 
como uma perda de elementos republicanos eni favor de um 
' 
A JUSTIÇA POLiTICA COMO PRINCiPIO 421 
império central. E ainda o cristianismo luta primeiro pela li-
berdade da religião, mas, uma vez arvorado à religião do Esta-
do, ele abandona logo a tolerância religiosa. Nas situações de 
dependência dos camponeses novamente encontramos na mo-
dernidade não apenas sua supressão, mas primeiro sua exacer-
bação. Não em último lugar, tiveram os membros das socieda-
des medievais e do começo da modernidade provavelmente 
mais direitos que os operários das grandes empresas dos pri-
mórdios do capitalismo. 
Enquanto, portanto, por um lado, a história dos direitos hu-
manos, de modo algum, mostra um processo de constante pro-
gresso no reconhecimento, representa, por outro lado, as de-
clarações de direito, de direitos fundamentais como os da Vir-
gínia, apenas um aspecto parcial na positivação de princípios 
médios de justiça. São, por exemplo, compatíveis inteiramente 
com a continuação da escravidão; mais ainda: a Virgínia faz 
parte dos Estados nos quais a escravidão é permitida na consti-
tuição até a declaração geral da libertação dos escravos ( 1862). 
Em outros lugares, são privilégios religiosos e discriminações 
ou a desigualdade de homem e mulher perante a lei, que em 
parte ainda persistem até hoje. Por isso, uma declaração dos 
direitos fundamentais é, sob diversos aspectos, primeiro um 
programa político e não a última pedra na positivação dos di-
reitos do homem. As declarações expressas dosdireitos funda-
mentais têm, muitas vezes, mais importância programática, 
por isso um documento constitucional como o Virgínia Bill of 
Rights, que decreta direito vigente de acordo com seu modelo, 
não é tão fundamentalmente diferente, como muitos teóricos 
da constituição crêem, da Déc/aration des droits de I 'homme et 
du citoyen (1789) da França revolucionária que foi pensada, 
primeiro, expressamente, como pragmática. 
Ainda que a positivação dos direitos humanos assuma mais 
a forma de wna declaração de direitos fundamentais que de um 
programa político constitucional -em ambos os casos, as pos-
sibilidades de vincular tanto a entidade juridica como a entida-
de do Estado, desde o começo, a princípios de justiça, não 
estão esgotadas. Para que a obrigação da justiça chegue a seu 
422 JUSTIÇA POLITICA 
pleno desempenho, existe um instrl)lnental de etapas que co-
meça com a garantia constitueional dos direitos humanos e 
continua na veiculação da legislação com a constituição, bem 
como o exame desta vinculação pela suprema corte, como um 
tribunal constitucional. E ainda, o governo e a administração 
devem estar submetidos à constituição e às leis conformes com 
a constituição, e esta submissão necessita novamente de exa-
me, por exemplo, na forma de tribunais administrativos. 
Para que as diversas vinculações do poder estatal e seu 
exame funcionem, os poderes públicos devem ser divididos 
devendo sobretudo os tribunais ser independentes. Mesmo n~ 
interior dos poderes individuais se recomenda um controle 
para o que se faz importante uma ativa oposição, no âmbito d~ 
atividade legislativa e de governo. À limitação e ao controle do 
poder serve finalmente aquela "decisão vertical de poderes" 
que se reahza .nas instâncias de apelação dos tribunais, na es-
trutura federalista de uma umdade de Estado e em comunas for-
tes econõmica e politicamente. Enfim, é apenas pela rede de 
malha f' ma do Estado constitucional democrático que o poder 
público perde, na medida do possível, sua ambivalência. Em 
lugar da "gramática política" de um poder absoluto, segundo o 
qual aquele que possui suficiente poder de proteger a todos 
também possui suficiente poder de oprimir a todos, toma lu-
gar, corno nova gramática, um sistema de "checks and balan-
ces". Os direitos humanos só alcançam a plena realidade juri-
dtca quando o monopólio de poder está com a coletividade, e 
quando ninguém, nenhuma instãocia, nenhum órgão estatal pos-
sui poder ilimitado, mas o poder estatal tem uma múltipla arti-
culação e se une numa rede de poderes públicos que se contro-
lam reciprocamente. 
As indicações anteriores de estratégia de positivação da 
justiça não devem ser supervalorizadas. Elas se tomam muito 
sumárias não só porque apontam para além de reflexão sobre 
os fundamentos. Mas também são questões de uma "organiza-
ção .de justiça" cuja resposta depende de condições marginais 
htstonco-culturats. Estas condições, porém, se tomam diferen-
tes nas diversas sociedades e se transformam, porque existe 
A JUSTIÇA POLITICA COMO PRINCIPIO 423 
mais de um modelo para converter os princípios médios da jus-
tiça no direito vigente aqui e agora. 
c) Estado mínima/ ou Estado social 
Contra a legitimação subsidiária de direito e do Estado até 
agora desenvolvida, se poderia objetar que ela somente justifi-
ca um Estado mínima! que se restringe a algumas funções es-
treitamente delimitadas, como a proteção contra o poder, o 
roubo, a trapaça ou a efetivação de contratos (Nozick, 1974, 
IX), sendo por isso cega em face dos problemas específicos 
dos séculos XIX e XX, a saber, em face das questões sociais e 
da proteção do meio ambiente. Uma discussão mais detida 
desta objeção ultrapassa, certamente, o trabalho de fundamen-
tação, sendo, no entanto, permitida uma breve indicação (so-
bre a proteção do meio ambiente como tarefa do Estado, cf. pro-
visoriamente Hõffer 1981 a, cap. 7). 
Para a fundamentação de uma responsabilidade social do 
Estado existem duas estratégias de argumentação. Enquanto 
uma argumentação absoluta procura demonstrar que a respon-
sabilidade social como uma tarefa do Estado, válida, indepen-
de dos outros princípios de uma coexistência justa, uma argu-
mentação funcional continua a direção da legitimação sofrida 
até agora. Ela considera o Estado como uma condição de reali-
dade da justiça e mostra que sem certos elementos de Estado 
social as liberdades fundamentais não encontram uma adequa-
da realidade histórica. De acordo com a legitimação funcional, 
o Estado social é uma estratégia de justiça política. A possibili-
dade de uma legitimação absoluta certamente se decide apenas 
após um detido exame dos diversos argumentos. Ela porém não 
sobressai; permanece, por isso, fora de consideração, no esbo-
ço de legitimação que segÜe. 
A legitimação funcional põe valor .em compreender o Esta-
do social não como Estado de bem-estar. Pois a expressão de 
bem-estar se situa muiio próxima do bem-estar e da.fulicidade. 
A opinião de que o Estado moderno poderia e deveria ajudar os 
424 JUSTIÇA POLfTICA 
homens a alcançar sua felicidade é,:porém, uma expectativa, 
talvez até uma promessa de cujo cumprimento o Estado não é 
capaz, nem autorizado. A legitima~o funcional do Estado so-
cial começa, por isso, com uma desmistificação; ela aponta 
para o fato de que ocasionalmente se insinua, no projeto políti-
co da modernidade, um elemento que é, ao mesmo tempo, irreal 
e ilegítimo. 
Numa ordem de direito e de Estado, mesmo numa ordem 
inteiramente justa, somente se decide sobre possibilidades da 
aspiração humana à felicidade enquanto a escolha e o aprovei-
tamento das possibilidades permanece entregue aos indivíduos 
e grupos. Aquilo por que por fim se vive- a felicidade, a auto-
realização ou a humanidade pessoal- resulta apenas do enfren-
tamento ativo ou também criativo com as condições que se 
encontram pela frente. Esta circunslância não sigo i fica certa-
mente que as condições do direito e de Estado sejam sem im' 
portância em face da aspiração hwnana à felicidade. Ao con-
tràrio, elas decidem sobre suas condições e limites, a saber, so-
bre os possíveis empecilhos e barreiras, talvez até sobre espa-
ços nos quais se tornam possíveis formações de identidade, 
vínculos afetivos e relações pessoais, nos quais se torna possí-
vel o aperfeiçoamento da formação e da eticidade humanas, 
em suma: nas quais se torna possível uma existência com sen-
tido. Mas mesmo quando uma ordem juridica e de Estado põe 
à disposição talvez até espaços de ação para a felicidade, auto-
realização e solidariedade humanas, estamos apenas diante de 
suas condições básicas limitadoras e não de uma realização 
efetiva. 
Certamente a rejeição de um elemento mítico que se oculta 
em muitas esperanças políticas da modernidade não acontece 
indistintamente. Pois a felicidade por cuja aspiração (pursuit of 
happiness) os seres humanos têm até um direito, conforme 
reza a declaração americana da independência, não precisa ser 
entendida como a "felicidade privada", pela qual o Estado nem 
pode ser respoosável, nem o serve. Pode também significar uma 
"felicidade pública", a saber, o direito de poder falar e decidir 
nas questões da comunidade (confirma Arendt, 1963, p. 152). 
I 
.. 
A JUSTIÇA POLiTICA COMO PRINCiPIO 425 
Então, este decreto se desloca para perto daqueles direitos de 
cooperação democrática que recebem, no âmbito de uma con-
tinuação sistemática desta fundamentação, um lugar seguro na 
teoria da justiça política. Segundo o argumento da teoria da 
legitimação, de que não existe soberano nato, todos são cida-
dãos (adultos responsáveis) ou imediatamente membros das 
corporações constituintes, legislativas e executivas ou então 
possuem o mesmo direito de eleger representantes para estas 
corporações e deixar-se eleger como tais. 
Os direitos democráticosà cooperação apenas não contêm 
ainda um elemento do Estado social, mas formam o ponto de 
partida para sua legitimação funcional-democrática. 
Assim, a coletividade arca com uma co-responsabilidade 
para aquelas condições definidoras econômicas, sociais, cultu-
rais e políticas sem as quais os direitos à cooperação não po-
dem ser realizados como tais ou então somente o podem em 
parte minima e com muita dificuldade. Analogamente é pensá-
vel uma legitimação fimcional do Estado do direito, na qual 
certas tarefas sociais do Estado são destinadas, como condições 
definidoras, para o Estado de direito. Ambas as estratégias de 
legitimação, a estratégia democrática e a estratégia funcional 
do Estado de direito, não justificam o Estado social in globo, 
mas mostram que aspectos importantes fazem parte das condi-
ções de realidade da justiça política. Não é na democracia 
constitucional, mas somente no Estado constitucional demo-
crático e social que se completa a positivação da justiça. 
Contra a opinião de que somente no âmbito de uma legiti-
mação subsidiària de justiça é defensável um Estado minimal, 
falam ainda argumentos da teoria das instituições. Assim, a 
coletividade política é uma instituição de segunda ordem que 
não apenas coordena instituições primàrias de família etc., mas 
as relativiza em sua autonomia, a saber, em seu direito e auto-
ridade. Com a relativização das instituições primárias não ape-
nas lhes diminui a responsabilidade, mas também lhes tira po-
der, poder-se-ia exigir "indenização" pela diminuição de poder 
e exigir da coletividade de ao menos assumir responsabilidade 
por aquelas tarefas que as instituições como a famHia não mais 
426 JUSTIÇA POLITJCA 
cumprem ou somente cumprem de niodo precário, por causa 
de sua discriminação de poder. Segundo esta fundamentação, o 
Estado social aparece como um dever de compensação e uma 
responsabilidade que não é assumida como tal, mas por consi-
derações de justiça. 
Um outro argumento a favor do Estado social pode ser ex-
traído da síntese de necessidade de instituições: como outras 
instituições, assim também o Estado enriquece, ao longo da his-
tória, o núcleo de suas tarefas especificas com uma "roupa-
gem" de outras funções. Este enriquecimento não é, ao menos 
aí, um crescimento ilegítimo, um desenvolvimento injustifica-
do, onde consiste de pressupostos e efeitos que fazem parte do 
cumprimento da tarefa específica. Assim, por exemplo, com 
base em sua forma individual, uma eniidade de direito e de Es-
tado se converte, com o tempo, ein uma comunidade de cultu-
ra, sobretudo uma comunidade de destino. 
Mesmo observações sumárias sobre a positivação dos di-
reitos humanos não podem ser interrompidas sem esta indica-
ção: nas múltiplas estratégias de positivação é aumentada a 
chance para a justiça concreta, mas não lhe é dada gar.mtia al-
guma. A justiça concreta permanece um objeto de discussão 
política que por sua vez depende de interesses particolares e 
potenciais de poder e ameaça. Por isso, pode-se dizer de deter-
minadas estruturas constitucionais que são mais justas que ou-
tras. Mas aquilo que o Estado, conforme seu conceito de justi-
ça, pretende ser, a ilimitada "efetividade da idéia ética'" (Hegel, 
Filosofia do direito, § 257), não pode ser reclamado por ne-
nhuma coletividade empírica, tampouco por qualquer Estado 
democrático e social. Desta reserva não se pode certamente 
deduzir que o Estado· se possa "desmascarar com'uma aparên: 
cia superficial de uma época burguesa". Bem ao contrário, se 
efetivam num tal Estado condições essenciais da justiça. As 
condições não são certamente nenhuma garantia para a justiça 
concreta. 
Como nenhum Estado empírico é a realidade da idéia ética, 
não se pode - como Sócrates no Criton ou mais tarde Kant 
(Rechtslehre, pp. 320ss.; cf. Gemeinspruch, pp.303 ss.) -excluir 
A JUSTIÇA POLITICA COMO PRINCIPIO 427 
a priori um direito de resistência contra poderes do Estado 
ou, menos pateticamente, uma desobediência civil contra o Esta-
do. É claro, contra o Estado da justiça cada resistência é basica-
mente ilegítima. Nenhum Estado empírico, porém, ou "Estado 
natural" se pode denominar "Estado de justiça". Por outro lado, 
existem no Estado constitucional democrático e social múltiplas 
possibilidades de contradição, motivo pelo qual uma desobe-
diência civil somente pode ser legítima como ultima ratio: em 
situações de exceção bem singulares e sob condições limito res-
tritivas (das discussões recentes, vide Rawls, 1982, §§55 até 59. 
Dreier, 1985 e outros, também Hõffe, 1981 a, cap. 8). 
15.2 Processo de avaliação 
a) Sobre a reabilitação da faculdade de julgar 
Tão logo os princípios médios da justiça são institucionali-
zados na forma de um Estado constitucional democrático e so-
cial apoiados juridica e politicamente por um sistema de deci-
são de poderes, multiplamente articulado, se poderia conside-
rar resolvida a tarefa das estratégias de justiça e encerrada, em 
princípio, sua pragmática ético-politica a que é obrigada. Em 
sociedades pouco diferenciadas e sobretudo estáticas, isto é de 
fato assim. É claro que ocorrem sempre novas controvérsias 
sobre como devem ser interpretados os direitos humanos posi-
tivados e em geral as determinações juridicas em casos concre-
tos. Para sua solução, os tribunais que cumprem sua tarefa 
conforme o modelo ou uma cultura servem de argumentação e 
decisão altamente desenvolvida e não, em último lugar, com o 
auxílio de princípios de justiça processual, como por exemplo 
audiatur et altera pars ou nemo est judex in causa sua. 
No Ocidente, contudo, desde a Alta Idade Média, se pôs 
em ação um processo de diferenciação social que se acelera ao 
longo da modernidade. As sitnações sociais, outrora relativa-
mente homogêneas e estáveis, são dissolvidas e cedem sob mui-
tos aspectos a uma sociedade pluralista e dinâmica. Nela a po-
.. 
·-
428 JUSTIÇA POLinCA 
sitivação da justiça se converte n~ processo inacabado. Já 
que as formas da justiça co.ncreta ; serem positivadas não se 
encontram prontas em lugar algum. a entidade do direito e do 
Estado, a saber, as manifestações do direito, têm a tarefa de 
sempre de novo encontrar as formas. Nesta tarefu, pode-se fa-
lar de novas estratégias de justiça política; mas aqui não mais 
de estratégias de positivação mas de avaliação. 
Os princípios médios da justiça- os direitos à liberdade, os 
direitos à cooperação e o Estado social (em função da liberdade 
e da democracia) são facilmente vistos como plano ideal que 
se deveria se realizar passo a passo, ou como um modelo ideal 
que se deveria copiar fielmente. Uns, os realistas, acrescentam 
então - não sem resignação - que a plena realização, respecti-
vamente a cópia fiel, não é possível; o que importa é assumir 
mais ou menos grandes compromissos com a realidade. Os ou-
tros, ao contrário, os idealistas, consideram o plano como uma 
utopia concreta, e segundo seu modelo, todas as situações polí-
ticas e sociais teriam que ser progressivamente instaladas. 
Na verdade, os princípios da justiça são pontos de vista re-
lativamente gerais, segundo os quais as situações de direito e 
de Estado devem ser percebidas como específicas da área e 
adequadas à situação, avaliadas, projetadas e, fmahnente, re-
conhecidas como válidas juridicamente. Os princípios da justi-
ça são padrões de avaliação critica para uma faculdade ético-
política de julgar. Enquanto sua investigação, na filosofia clás-
sica, foi um terna importante- pense-se na justiça da phronesis 
de Aristóteles -,ela é fortemente descuidada na filosofia mo-
derna. Em Maquiavel, por exemplo, a faculdade de julgar per-
de sua dimensão ética e também Kant define a prudência como 
uma competência eticamente neutra que seria responsável pe-
los imperativos pragmáticos e que, ao contrário do iinperativo 
ético oucategórico, tomava como objetivo o bem-estar pessoal 
ou social. No imperativo ético, ao contrário, ele atribui à facul-
dade do juízo, sem dúvida, um certo papel, mas ela deve apli-
car as convicções conquistadas moral-filosoficamente aos ca-
sos que ocorrem na experiência. Mas como a Kant primeira-
mente importa a fundamentação e então.a elabonição .sistemá-
~ 
A AJSTIÇA POLITICA COMO PRINCIPIO 429 
tica de uma "metafísica dos costumes" pré-empírica, esta fa-
c*lade de julgar não é examinada mais detidamente. 
O segundo tipo de estrntégia de justiça política tenta agora 
tomar nas mãos a tarefa da força do juízo numa esfera parcial 
da ação pública, a da legislação, não da jurisdição e desenvol-
v<Ho, sob as condições contemporâneas de sociedade pluralis-
ta e dinâmica. Nisto as estratégias de apreciação da justiça 
pdítica situam-se na tradição aristotélica da phronesis, na 
malida em que compreendem a faculdade de julgar, não num 
se.tido ético neutro ou num sentido não-ético (Aristóteles fala 
dedeinotes: astúcia, habilidade, de panourgia: astúcia, sapiên-
cia). Como a expressão diz, as estrntégias se sentem devedoras 
denm ponto de vista ético, justamente da justiça política. 
A investigação das novas estrntégias da justiça inicia, pri-
meiro, como :análise do déficit, como critica em uma concep-
ção demasiado simples, mnna crítica do paradigma do cálculo 
de vantagens, assumida da tradição utilitarista e da teoria da 
ciê.cia. Segundo este paradigma, deve ser encontrada, em si-
tuação de preferência de fins dados, uma solução com vanta-
g.,.. máximas, a partir de possibilidades alternativas de ação. 
Mlllo, via de regra, são tratadas tanto as possibilidades alterna-
tivas de ação como tambêm as necessidades e interesses dos 
afetados como dados prévios, com base nos quais se pode ai-
caçar a possibilidade da máxima vantagem. 
Se olharmos para os ternas da política do direito que desen-
cadearam no último ou nos dois últimos decênios as grandes 
pailões, veremos que este paradigma encurta perigosamente a 
es1rutura para encontrar decisões públicas. 
Em discussão estavam e estão ainda sempre a humanização 
do direito penal e do cumprimento da pena, os novos diagnós-
tioos e possibilidades de terapia que a pesquisa médica abre ou 
vulnerabilidade da natureza através de intervenções tecnológi-
case a ameaça que delas decorre para o meio ambiente huma-
no. Em todas estas teses, estão em jogo, de um lado, certos di-
reilos fundamentais ou outros princípios jurídicos já de há 
muito reconhecidos em princípio, como por exemplo questões 
da proteção da vida, da liberdade de pesquisa e da propriedade, 
i 
430 JUSTIÇA POLITICA 
que têm o significado de dados pré;~~ios normativos e não per-
mitem um cálculo de vantagens, deles independente. De outro 
lado, nem está claro o que signific:un, afinal, mais de perto, os 
direitos fundamentais nas esferns temáticas politicamente dis-
cutidas. Em parte, entram em questão diversos direitos funda-
mentais, motivo pelo qual é litigiosa a ponderação objetiva dos 
direitos fundamentais; em parte, o conteúdo dos direitos fun-
damentais é demasiado geral para dar uma orientação jurídica 
suficiente, em face dos novos problemas, por exemplo, as des-
cobertas médicas ou também a "sociedade do computador''. 
Ocasionalmente também devem ser interiormente desenvolvi-
dos os princípios básicos normativos válidos até agora; assim, 
na proteção ao mundo ambiente, por exemplo, deve-se exigir 
uma justiça além das fronteiras nacionais e para as gerações 
vindouras ,ou, na proteção dos animais, urna redefirução do 
status jurídico-objetivo aceito até aqui. Não em último lugar, 
se trata de tarefas públicas de decisão que se levantam pela pri-
meira vez ou aparecem numa ordem de grandeza antigamente 
inimaginável e que agora têm um efeito retroativo desconheci-
do até agora sobre outras esferas de problemas. Por isso, nem 
as possibilidades alternativas de ações, nem a espécie e o peso 
dos interesses controversos são dados prévios em cuja base se 
poderia avançar para um cálculo da vantagem máxima. 
Como o paradigma do cálculo das vantagens encurta a es-
trutura das tarefas públicas de decisão, eu defendo um contra-
modelo estruturalmente mais complexo, um processo comum·-
cativo de avaliação e também de decisão. Nele estão inseridos 
aspectos discursivos, como, por exemplo, científicos e, de mo-
do secundário, também elementos de cálculo de vantagens. 
São características do modelo mais complexo de avaliação 
e decisão três elementos estruturais: um processo comunicati-
vo se baseia, em primeiro lugar, numa deliberação que, em face 
de conflitos práticos (sobre "fins") e teóricos (sobre "meios"), 
procura um consenso. Como condição de possibilidade da for-
mação de consenso, em segundo lugar, pressupõem-se nos par-
ticipantes da deliberação a capacidade e a disposição para urna 
aprendizagem tanto teórica quanto prática, urna aprendizagem 
i ' 
A JUSTIÇA POÜTICA COMO PRINCfl'IO 431 
que não se realiza pela medida de vantagem e desvantagem, de 
força e fmqueza. Como condição de possibilidade de comuni-
cação e oomo pressuposto da disposição comunicativa de apren-
der, deve-se, finalmente, aceitar um momento de reconheci-
mento livre e recíproco. Nas diversas etapas dos direitos fun-
damentais, nos direitos à liberdade, à cooperação e no Estado 
social fimcional (democrático e de direito), é desenvolvido 
mais detidamente este momento de reconhecimento livre e re-
cíproco e tomado obrigatório, de ponto de vista do direito po-
sitivo. Os processos de decisão comunicativa pensados como 
estratégias de justiça política pressupõem, por isso, tais princí-
pios de justiça e, com eles, um alto nível de justiça concreta. 
Em face das sempre novas tarefas de decisão, eles procu-
ram pelo caminho metódico, alternadamente, ou conservar ou 
continuar o desenvolvimento do nível de justiça alcançado. 
b) Discursos ético-políticos 
Os processos comurucativos de deliberação em favor da jus-
tiça (concreta) podem ser denominados discursos da justiça ou 
"discursos ético-políticos" (Hõffe !98la). Nisto, as contribui-
ções do discurso podem situar-se em ruveis distintos e assiunir 
formas literárias diversas. Não conta apenas a consideração 
científico-filosófica, mas também o ensaio político ou um pa-
recer, nos meios de comunicação. 
Tematicamente os discursos da justiça naturalmente não es-
tão restritos ao último nível da concretização, a "aplicação", 
adequada à situação dos princípios médios da justiça. Do pon-
to de vista temático, iniciam com aquele discurso fundamental 
da justiça para o qual tentamos aqui um redimensionamento e 
continuam na determinação dos principias médios da justiça. 
Os disCUJSOS que se desenrolam no âmbito das estratégias da 
justiça se costroem, neste nível de discurso, e procuram inter-
mediar sm garantia positiva como direitos fundamentais, res-
pectivamente como fins normativos do Estado, com as sempre 
novas pravocações do mundo da vida social e política. 
'. 
432 JUSTIÇA POLiTICA 
A mediação apresenta uma tare,tà complexa, pois importa 
interpretar as exigências gerais da função de cada setor especí-
fico (por exemplo, a educação, a.saúde ou o meio ambiente 
natural) e as condições marginais especiais histórico-sociais (a 
nova siruação das necessidades e as novas possibilidades de 
ação) medindo-as pelos princípios médios da justiça. Para esta 
interpretação é necessária la minutie du savoir (Foucault 1971, 
p. 145), aquele cuidado do diagnóstico e da terapia que se com-
promete escrupulosamente com os detalhes e sutilezas, sem o 
qual não se pode superar a diferença que subsiste entre a gene-
rosidade dos princípios e a singularidade da vida. 
Neste momento do discurso de legitimação, pode-se dar ra-
zão a filósofos como Lyotard (1979, cap. 1), quando se volta 
contraas diversas tendências de uniformização e sustenta uma 
defesa da pluralidade. Sem dúvida; a tendência à uniformiza-
ção não está contida nos principias normativos a que se obrigam 
as estratégias de julgamento da justiça política, motivo pelo 
qual, sob este aspecto, a "Despedida do principal" de Marquardt 
(1981) é por demais apressada. Esta tendência passa a imperar 
quando se teme o esforço de contextualização, não mais procu-
rando realizar diferenciadamente os princípios, através da fa-
culdade de julgar, nas conjunturas variáveis das legalidades 
materiais e dos fatores situacionais. Mas no projeto político da 
modernidade, de fundamentação e positivação dos direitos hu-
manos, não está contida uma renúncia à contexrualização. O 
voto a favor da pluralidade contra as tendências à uniformiza-
ção é por isso legítimo, mas, apesar disso, não necessariamente 
"pós-moderno", quer dizer, não é nem um sinal nem uma ra-
zão para abandonar as conquistas políticas da modernidade. 
Por causa da superdimensionada complexidade das condi-
ções aruais de vida, a saber, por causa de seu alto grim de dife-
renciação e sua constante transformação, se impõe elaborar 
metodicamente as legalidades materiais e suas respectivas con-
dições marginais, numa parte essencial com o auxílio das ciên-
cias particulares correspondentes. Pode-se aprender, com ore-
curso do largo espectro das ciências do direito, da economia, 
da sociologia, das ciências da natureza, da medicina e da técni-
' 
A JUSTIÇA POLiTICA COMO PRINCiPIO 433 
ca, sob que circunstâncias e condições se colocam hoje ques-
tões da justiça e ainda que legalidades materiais determinam as 
esferas da vida nas quais emergem as questões, não por último, 
que possibilidades reais existem para resolvê-las. 
Nonet e Selznick (1978) sugeriram um modelo de desen-
volvimento do direito no qual distinguem três estágios de evo-
lução do direito. Num primeiro estágio repressivo, dizem, são 
legitimadas dominação e ordem política. Num segundo estágio 
autônomo e controlado, o poder e a garantia da integridade do 
direito. E num terceiro estágio "responsivo" o direito é entre-
gue a instituições flexíveis e capazes de aprender que reagem 
de modo sensível às necessidades sociais e aspirações huma-
nas, levam em consideração o saber das ciências sociais, reco-
nhecem mecanismos participativos e "repolitizam" o direito. 
Os discursos ético-políticos aqui esboçados que interme-
diam o princípio da justiça, reconhecidos com novos proble-
mas jurídicos, têm seu lugar no terceiro estágio do modelo de 
desenvolvimento apresentado. Pois eles reconhecem o direito 
como objeto da política e procuram, com base no saber cienti-
fico, responder de modo sensível a novas necessidades da so-
ciedade. O que diferencia esses discursos do modelo de Nonet 
e Selznick é que eles comprometem o desenvolvimento do 
direito mais fortemente com os principias da justiça. Pois não 
basta reagir de modo sensível às necessidades sociais; também 
importa, e precipuamente, empreender esta reação de modo 
justo. Também não é suficiente respeitar o saber das ciências 
sociais, já que -em oposição a um tal tipo de privilegiar- são 
necessários outros conhecimentos científicos na política eco-
nômica, por exemplo, o econômico, e na política energética, o 
saber das ciências naturais. E ainda fala contra Nonet e Selznick 
o fato de que simplificam excessivamente a história do direito 
e da constituição. E, finalmente, eles permanecem prisioneiros 
do modelo criticado (vide supra, cap. 14.2) de um poder de Es-
tado primeiro selvagem e domesticado. 
Através do recurso aos conhecimentos empíricos, fogem os 
discursos ético-políticos de uma falácia normaJivista. Em vez 
de acreditar poder determinar formas concretas de justiça sem 
CENTRO UN!VERSlTARlO CURlTIIlA 
UN!CURITIBA 
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I 
I 
434 JUSTIÇA POLITICA 
análises materiais detalhadas, a expçriência é reduzida em seu 
papel constitutivo nas estratégias da justiça política. Do mes-
mo modo, se evita o erro oposto, a falácia ser-dever-ser, segun-
do a qual cientistas particulares, a saber, da área das ciências 
sociais, crêem poder resolver as questões concretas da justiça 
somente com base no seu saber específico. Os discursos ético-
políticos somente podem ter recurso quando acontece uma co-
laboração dos dois lados, o que no nível científico significa 
um discurso ético interdisciplinar, uma cooperação da ética 
filosófica com as ciências particulares. 
Como o discurso fundamental da justiça, assim também os 
discursos ético-políticos não possuem um significado pura-
mente teórico. São discursos práticos que se desencadeiam nos 
problemas sociais e políticos da época e que querem contribuir 
para sua adequada solução. Assim, os discursos, do ponto de 
vista empírico, não acontecem fora da história e de seus múlti-
plos fatores determinantes, razão pela qual se desviam, sob 
diversos aspectos, de um "discurso ideal". Como na esfera aca-
dêmica, com relação aos temas e às figuras de argumentação, 
exercem um certo papel o prestígio, o acesso à mídia, as esco-
las e associações, e não em último lugar as modas, os discursos 
da justiça não estão, no pleno sentido da palavra, isentos de 
dominação mas pobres de dominação. Além disso, estão sub-
metidos a condições de escassez, particularmente sob a pres-
são de tempo e das urgências da ação. De acordo com a regra 
da experiência ars longa vita brevis, as discussões são tenden-
cialmente infinitas. As coletividades, porém, esperam por re-
sultados para que a justiça no aqui e agora do convívio real, e 
não no "constante amanhã e depois de amanhã" de uma coe-
xistência potencial, desenvolva sua força determinadora. Nesta 
medida, os discursos ético-políticos não buscam uma "verda-
de" por si mesma; eles devem antes resolver problemas que 
pressionam para a decisão. À urgência da ação do lado da prá-
xis, por isso, correspondem, numa falta de evidências do lado 
da "teoria", os discursos ético-políticos. 
\ 
A JUSTIÇA. POLITICA COMO PRINCIPIO 435 
c) Aconselhamento político-científico 
Pelo futo de os discursos da justiça sofrerem da falta de evi-
dência e da urgência de ação, atribui-se, facilmente, à retórica, 
uma função mediadora entre os discursos em si teóricos e sua 
intenção prática. Pois a tarefa retórica, a arte múltipla de con-
quistar alguém para a aceitação de uma opinião, é importante, 
sem dúvida, para processos de decisão pública. Para as estraté-
gias de justiça política ela não é específica. Antes, representa 
um papel caracteristico a deliberação política. Ela é questiona-
da, quando as condições de vida são tão complexas e dinâmi-
cas, que nem todo cidadão ou mesmo nem todo político profis-
sional pode ter urna visão abrangente delas, sob todos os as-
pectos. Nesta situação, exige-se uma competência técnica e me-
tódica que em muitos casós somente pode ser oferecida pela 
ciência. Os processos públicos de decisão podem e devem por 
isso se valer do apoio científico. Uma deliberação científica 
que se sitoa no contexto de estratégias de justiça deve preen-
cher então certas condições, na infra-estrutura, na estrutura in-
terna e na estrutura externa. 
Por mais variada que possa parecer, em seus detalhes, a infra-
estrutura, seu princípio fundamental, é antes trivial: a delibera-
ção política científica deve satisfazer aos conhecidos métodos 
e caracteristicas de qualidade da racionalidade científica. Me-
nos trivial é o fato de que as ciências podem oferecer sugestões 
de decisão, que não são nem claras nem certas. As razões para 
esta situação residem, em parte, no próprio processo de inves-
tigação científica, a saber, na falibilidade de todo conhecimen-
tos humano. Em parte, se fundam na teoria particular de uma 
deliberação por via científica, como na novidade de seus pro-
blemas e no caráter interdisciplinaraltamente complexo. Nas 
estratégias da justiça começam por isso muitas controvérsias, 
que um certo moralismo facilmente passa por alto - indepen-
dentemente do reconhecimento de certos princípios normativos 
- no diagnóstico empírico da situação do problema, na "análi-
se do déficit" e na apresentação neutra, no que respeita à justi-
ça, das possibilidades reais de ação. 
li li 
'I 
436 JUSTIÇA POLiTICA 
Como todos os enunciados sobr~.IConhecimento empírico e 
legalidades, visto de modo principal, em última análise, não são 
outra coisa senão opiniões que se c;llocam com outtas opiniões 
e corno para esta disputa das opiniões não existem instãncias 
de arbitragem absolutas mas, quando muito, relativamente con-
fiáveis, as ciências não representam nos processos de encontro 
de decisão pública, mesmo do ponto de vista imanente à ciên-
cia, nenhum outro significado senão o de instãncias negativas. 
Elas possuem uma espécie de direito de veto, sem dúvida, não 
um direito de veto político, já que não estão autorizadas a 
excluir certas propostas de decisão da discussão política. Mas 
elás possuem uma espécie de "direito racional de veto": com 
base na multiplícidade de seus conhecimentos materiais e pro-
cedimentos metódicos, elas podem eliminar todas as propostas 
de ação que não satisfazem às exigências científicas de forma-
ção consistente de conceitos, de teste metódico na experiência 
etc. Este procedimento de eliminação conduz, via de regra, a 
um espaço de solução e somente em casos especiais a uma úni-
ca solução. 
Mesmo nestes casos especiais, não têm as ciências a impor-
tãncia de uma instância positiva de decisão. Pois as propostas 
que elas elaboram pressupõem certos fins e objetivos para os 
quais os cientistas não têm mais competências de decisão. Elas 
podem certamente submeter novamente os fms e ol!jetivos aos 
próprios critérios de qualidade, consistência e precisão, mas de-
vem orientar-se nos princípios constitucionais vigentes, também 
em condições de discussão pública, para disso elaborar a re-
presentação de fms que prometem fornecer o fundamento de 
um novo consenso sócio-político. 
Pela tarefa de elaborar um consenso de fins para o qual não 
tem competência de decisão, converte-se uma deliberação po-
lítica científica exigente num experimento cujo resultado deve 
mostrar o que, em cada situação político-social, é possível em 
projetos de ação que podem valer como "esclarecidos" sob os 
pontos de vista da justiça, da racionalidade e da deliberação co-
municativa. Segundo sua estrutura interna, a deliberação polí-
tica é um consenso experimental: uma comprovação de um con-
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A JUSTIÇA POLiTICA COMO PRINCIPIO 437 
senso delimitado válido para a sociedade em seu conjunto, 
encontrado numa distãncÍll relativa das instâncias políticas, das 
controvérsias e querelas. 
Na terceira perspectiva, a estrutura externa, a deliberação 
política científica somente pode ter bons resultados quando os 
dois lados, ciência e politica, se aproximam reciprocamente 
sem um se apoderar do outro. Tanto uma presunção de domí-
nio de cientistaS sobre a política como a análoga presunção de 
politicos sobre a ciência tornaria impossível a busca da tarefa 
de mediação. A deliberação política científica se volta, por isso, 
tanto contra uma marginalização da política como ela acontece 
na afirmação absoluta de discursos ético-políticos, como con-
tra um decisionismo, segtmdo o qual as instâncias políticas to-
mam sua decisão com livre soberania. Nem os cientistas tomam, 
assim, as decisões políticas, nem se deixam usar ou usar mal, 
como ãlibi. Situados sistematicamente entre tecnocracia e 
expedientes que não convencem, procuram ciência e política, 
num '"terceiro caminho", IDila cooperação de parceiros e inter-
locutores com a preservação dos princípios de cada um. 
Também através da harmonia e confluência dos dois tipos 
de estratégia, das estratégias de positivação e das estratégias de 
deliberação, não se pode garantir a plena realização da justiça 
política. A convicção de que nenhum Estado natural pode cha-
mar-se, nwn sentido irrestrito, "Estado da justiça", permanece 
válida. Através da articulação destes elementos: os princípios 
positivados da justiça com a racionalidade científica, com o 
consenso experimental e as relações de cooperação entre ciên-
cia e política, recebem a coletividade uma chance competente de 
também encontrar e reconhecer, sob as condições atuais de so-
ciedades complexas, as formas concretas de justiça política, em 
suma: de realizá-la historicamente. 
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