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Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT PRÉ-NATAL DA GESTAÇÃO DE ALTO RISCO CONCEITO Toda gestação traz em si mesma risco para a mãe ou para o feto. No entanto, em pequeno número delas esse risco está muito aumentado e é então incluído entre as chamadas gestações de alto risco. Desta forma, pode-se conceituar gravidez de alto risco "aquela na qual a vida ou saúde da mãe e/ou do feto e/ou do recém-nascido, têm maiores chances de serem atingidas que as da média da população considerada". A gestação é um fenômeno fisiológico e, por isso mesmo, sua evolução se dá na maior parte dos casos sem intercorrências. Apesar desse fato, há uma parcela pequena de gestantes que, por serem portadoras de alguma doença, sofrerem algum agravo ou desenvolverem problemas, apresentam maiores probabilidades de evolução desfavorável, tanto para o feto como para a mãe. Essa parcela constitui o grupo chamado de “gestantes de alto risco”. A definição do nível de assistência necessário para a solução dos problemas dependerá do problema apresentado e qual intervenção será realizada. É importante alertar que uma gestação que está transcorrendo bem pode se tornar de risco a qualquer momento, durante a evolução da gestação ou durante o trabalho de parto. Portanto, há necessidade de reclassificar o risco a cada consulta pré- natal e durante o trabalho de parto. A intervenção precisa e precoce evita os retardos assistenciais capazes de gerar morbidade grave, morte materna ou perinatal. Os fatores de risco gestacional podem ser prontamente identificados no decorrer da assistência pré-natal desde que os profissionais de saúde estejam atentos a todas as etapas da anamnese, exame físico geral e exame gineco-obstétrico e podem ainda ser identificados por ocasião da visita domiciliar, razão pela qual é importante a coesão da equipe. Pode significar apenas uma frequência maior de consultas e visitas domiciliares, sendo o intervalo definido de acordo com o fator de risco identificado e a condição da gestante no momento. Além disso, atenta-se para uma necessidade maior de ações educativas dirigidas aos problemas específicos detectados nas gestantes. Em muitos casos, intervenções junto à família e à comunidade podem gerar impactos positivos. O objetivo do acompanhamento pré-natal é assegurar o desenvolvimento da gestação, permitindo o parto de um recém-nascido saudável, sem impacto para a saúde materna, inclusive abordando aspectos psicossociais e as atividades educativas e preventivas. Iniciar o pré-natal na Atenção Primária à Saúde até a 12ª semana de gestação (captação precoce). Talvez o principal indicador do prognóstico ao nascimento seja o acesso à assistência pré-natal (grau de recomendação B). Os cuidados assistenciais no primeiro trimestre são utilizados como um indicador maior da qualidade dos cuidados maternos (grau de recomendação B). Se o início precoce do pré-natal é essencial para a adequada assistência, o número ideal de consultas permanece controverso. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número adequado seria igual ou superior a 6 (seis). Pode ser que, mesmo com um número mais reduzido de consultas (porém, com maior ênfase para o conteúdo de cada uma delas) em casos de pacientes de baixo risco, não haja aumento de resultados perinatais adversos (grau de recomendação A). BAIXO RISCO O total de consultas deverá ser de, no mínimo, 6 (seis), com acompanhamento intercalado entre médico e enfermeiro. Sempre que possível, as consultas devem ser realizadas conforme o seguinte cronograma: Até 28ª semana – mensalmente; Da 28ª até a 36ª semana – quinzenalmente; Da 36ª até a 41ª semana – semanalmente. A maior frequência de visitas no final da gestação visa à avaliação do risco perinatal e das intercorrências clínico-obstétricas mais comuns nesse trimestre, como trabalho de parto prematuro, pré-eclâmpsia e eclâmpsia, amniorrexe prematura e óbito fetal. Não existe “alta” do pré-natal antes do parto. Quando o parto não ocorre até a 41ª semana, é necessário encaminhar a gestante para avaliação do bem-estar fetal, incluindo avaliação do índice do líquido amniótico e monitoramento cardíaco fetal. O acompanhamento da mulher no ciclo grávido-puerperal deve ser iniciado o mais precocemente possível e só se encerra após o 42º dia de puerpério, período em que a consulta de puerpério deverá ter sido realizada. Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT FATORES DE RISCO 1. Características individuais e condições sociodemográficas desfavoráveis: - Idade maior que 35 anos; - Idade menor que 15 anos ou menarca há menos de 2 anos*; - Altura menor que 1,45m; - Peso pré-gestacional menor que 45kg e maior que 75kg (IMC30); - Anormalidades estruturais nos órgãos reprodutivos; - Situação conjugal insegura; - Conflitos familiares; - Baixa escolaridade; - Condições ambientais desfavoráveis; - Dependência de drogas lícitas ou ilícitas; - Hábitos de vida – fumo e álcool; - Exposição a riscos ocupacionais: esforço físico, carga horária, rotatividade de horário, exposição a agentes físicos, químicos e biológicos nocivos, estresse. OBS: *A Adolescência, em si, não é fator de risco para a gestação. Há, todavia, possibilidade de risco psicossocial, associado à aceitação ou não da gravidez (tentou interrompê- la?), com reflexos sobre a vida da gestante adolescente que podem se traduzir na adesão (ou não) ao preconizado durante o acompanhamento pré-natal. O profissional deve atentar para as peculiaridades desta fase e considerar a possível imaturidade emocional, providenciando o acompanhamento psicológico quando lhe parecer indicado. Apenas o fator idade não indica procedimentos como cesariana ou episiotomia sem indicação clínica. 2. História reprodutiva anterior: - Abortamento habitual; - Morte perinatal explicada e inexplicada; - História de recém-nascido com crescimento restrito ou malformado; - Parto pré-termo anterior; - Esterilidade/infertilidade; - Intervalo interpartal menor que dois anos ou maior que cinco anos; - Nuliparidade e grande multiparidade; - Síndrome hemorrágica ou hipertensiva; - Diabetes gestacional; - Cirurgia uterina anterior (incluindo duas ou mais cesáreas anteriores). 3. Condições clínicas preexistentes: - Hipertensão arterial; - Cardiopatias; - Pneumopatias; - Nefropatias; - Endocrinopatias (principalmente diabetes e tireoidopatias); - Hemopatias; - Epilepsia; - Doenças infecciosas (considerar a situação epidemiológica local); - Doenças autoimunes; - Ginecopatias; - Neoplasias. 4. Condições ou complicações que podem surgir no decorrer da gestação, transformando-a em uma gestação de alto risco: a) Exposição indevida ou acidental a fatores teratogênicos (radiação, substâncias tóxicas...) b) Doença obstétrica na gravidez atual: - Desvio quanto ao crescimento uterino, número de fetos e volume de líquido amniótico; - Trabalho de parto prematuro e gravidez prolongada; - Ganho ponderal inadequado; - Pré-eclâmpsia e eclâmpsia; - Diabetes gestacional; - Amniorrexe prematura; - Hemorragias da gestação; - Insuficiência istmo-cervical; - Aloimunização; - Óbito fetal. 3. Intercorrências clínicas: - Doenças infectocontagiosas vividas durante a presente gestação (ITU, doenças do trato respiratório, rubéola, toxoplasmose etc.); - Doenças clínicasdiagnosticadas pela primeira vez nessa gestação (cardiopatias, endocrinopatias). OBS: a ausência de controle pré-natal, por si mesma, é um fator de risco para a gestante e o recém-nascido. A AVALIAÇÃO DO RISCO GESTACIONAL DEVE ACONTECER EM TODAS AS CONSULTAS. Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT FATORES DE RISCO QUE PERMITEM A REALIZAÇÃO DO PRÉ-NATAL PELA EQUIPE DE ATENÇÃO BÁSICA Fatores relacionados às características individuais e às condições sociodemográficas desfavoráveis: - Idade menor do que 15 e maior do que 35 anos; - Ocupação: esforço físico excessivo, carga horária extensa, rotatividade de horário, exposição a agentes físicos, químicos e biológicos, estresse; - Situação familiar insegura e não aceitação da gravidez, principalmente em se tratando de adolescente; - Situação conjugal insegura; - Baixa escolaridade (menor do que cinco anos de estudo regular); - Condições ambientais desfavoráveis; - Altura menor do que 1,45m; - IMC que evidencie baixo peso, sobrepeso ou obesidade. Fatores relacionados à história reprodutiva anterior: - Recém-nascido com restrição de crescimento, pré-termo ou malformado; - Macrossomia fetal; - Síndromes hemorrágicas ou hipertensivas; - Intervalo interpartal menor do que dois anos ou maior do que cinco anos; - Nuliparidade e multiparidade (cinco ou mais partos); - Cirurgia uterina anterior; - Três ou mais cesarianas. Fatores relacionados à gravidez atual: - Ganho ponderal inadequado; Infecção urinária; - Anemia. FATORES DE RISCO QUE PODEM INDICAR ENCAMINHAMENTO AO PRÉ- NATAL DE ALTO RISCO O pré-natal de alto risco abrange cerca de 10% das gestações que cursam com critérios de risco, o que aumenta significativamente nestas gestantes a probabilidade de intercorrências e óbito materno e/ou fetal. Atenção especial deverá ser dispensada às grávidas com maiores riscos, a fim de reduzir a morbidade e a mortalidade materna e perinatal (grau de recomendação A). Fatores relacionados às condições prévias: - Cardiopatias; - Pneumopatias graves (incluindo asma brônquica); - Nefropatias graves (como insuficiência renal crônica e em casos de transplantados); - Endocrinopatias (especialmente diabetes mellitus, hipotireoidismo e hipertireoidismo); - Doenças hematológicas (inclusive doença falciforme e talassemia); - Hipertensão arterial crônica e/ou caso de paciente que faça uso de anti-hipertensivo (PA>140/90mmHg antes de 20 semanas de idade gestacional – IG); - Doenças neurológicas (como epilepsia); - Doenças psiquiátricas que necessitam de acompanhamento (psicoses, depressão grave etc.); - Doenças autoimunes (lúpus eritematoso sistêmico, outras colagenoses); - Alterações genéticas maternas; - Antecedente de trombose venosa profunda ou embolia pulmonar; - Ginecopatias (malformação uterina, miomatose, tumores anexiais e outras); - Portadoras de doenças infecciosas como hepatites, toxoplasmose, infecção pelo HIV, sífilis terciária (USG com malformação fetal) e outras DSTs (condiloma); - Hanseníase; - Tuberculose; - Dependência de drogas lícitas ou ilícitas; - Qualquer patologia clínica que necessite de acompanhamento especializado. Fatores relacionados à história reprodutiva anterior: - Morte intrauterina ou perinatal em gestação anterior, principalmente se for de causa desconhecida; - História prévia de doença hipertensiva da gestação, com mau resultado obstétrico e/ou perinatal (interrupção prematura da gestação, morte fetal intrauterina, síndrome Hellp, eclâmpsia, internação da mãe em UTI); - Abortamento habitual; - Esterilidade/infertilidade. Fatores relacionados à gravidez atual: - Restrição do crescimento intrauterino; - Polidrâmnio ou oligoidrâmnio; - Gemelaridade; - Malformações fetais ou arritmia fetal; - Distúrbios hipertensivos da gestação (hipertensão crônica preexistente, hipertensão gestacional ou transitória); OBS: é necessário que haja evidência de medidas consecutivas que sugiram hipertensão. Nestas situações, não Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT se deve encaminhar o caso com medida isolada. Em caso de suspeita de pré-eclâmpsia/eclâmpsia, deve-se encaminhar a paciente à emergência obstétrica. - Infecção urinária de repetição ou dois ou mais episódios de pielonefrite (toda gestante com pielonefrite deve ser inicialmente encaminhada ao hospital de referência, para avaliação); - Anemia grave ou não responsiva a 30-60 dias de tratamento com sulfato ferroso; - Portadoras de doença infecciosas como hepatites, toxoplasmose, infecção pelo HIV, sífilis terciária (USG com malformação fetal) e outras DSTs (condiloma); - Infecções como a rubéola e a citomegalovirose adquiridas na gestação atual; - Evidência laboratorial de proteinúria; - Diabetes mellitus gestacional; - Desnutrição materna severa; - Obesidade mórbida ou baixo peso (nestes casos, deve-se encaminhar a gestante para avaliação nutricional); - NIC III (nestes casos, deve-se encaminhar a gestante ao oncologista); - Alta suspeita clínica de câncer de mama ou mamografia com Bi-rads III ou mais (nestes casos, deve-se encaminhar a gestante ao oncologista); - Adolescentes com fatores de risco psicossocial. FATORES DE RISCO QUE INDICAM ENCAMINHAMENTO À URGÊNCIA/ EMERGÊNCIA OBSTÉTRICA Os profissionais de saúde dos hospitais regionais e da emergência obstétrica deverão avaliar as gestantes encaminhadas e confirmar, ou não, o diagnóstico inicial, assim como determinar a conduta necessária para cada caso: internação hospitalar, referência ao pré-natal de alto risco ou contrarreferência para acompanhamento pela atenção básica. São fatores de risco: - Síndromes hemorrágicas (incluindo descolamento prematuro de placenta, placenta prévia), independentemente da dilatação cervical e da idade gestacional; - Suspeita de pré-eclâmpsia: pressão arterial > 140/90, medida após um mínimo de 5 minutos de repouso, na posição sentada. Quando estiver associada à proteinúria, pode-se usar o teste rápido de proteinúria; Obs.: Edema não é mais considerado critério diagnóstico (grau de recomendação C). - Sinais premonitórios de eclâmpsia em gestantes hipertensas: escotomas cintilantes, cefaleia típica occipital, epigastralgia ou dor intensa no hipocôndrio direito; - Eclâmpsia (crises convulsivas em pacientes com pré- eclâmpsia); - Crise hipertensiva (PA > 160/110); - Amniorrexe prematura: perda de líquido vaginal (consistência líquida, em pequena ou grande quantidade, mas de forma persistente), podendo ser observada mediante exame especular com manobra de Valsalva e elevação da apresentação fetal; - Isoimunização Rh; - Anemia grave (hemoglobina < 8); - Trabalho de parto prematuro (contrações e modificação de colo uterino em gestantes com menos de 36 semanas); - IG a partir de 41 semanas confirmadas; - Hipertermia (Tax > = 37,8C), na ausência de sinais ou sintomas clínicos de Ivas; - Suspeita/diagnóstico de abdome agudo em gestantes; - Suspeita/diagnóstico de pielonefrite, infecção ovular ou outra infecção que necessite de internação hospitalar; - Suspeita de trombose venosa profunda em gestantes (dor no membro inferior, edema localizado e/ou varicosidade aparente); - Investigação de prurido gestacional/icterícia; - Vômitos incoercíveis não responsivos ao tratamento, com comprometimento sistêmico com menos de 20 semanas; - Vômitos inexplicáveis no 3º trimestre; - Restrição decrescimento intrauterino; - Oligoidrâmnio; - Casos clínicos que necessitem de avaliação hospitalar: cefaleia intensa e súbita, sinais neurológicos, crise aguda de asma etc. - Nos casos com menos de 20 semanas, as gestantes podem ser encaminhadas à emergência clínica. - Óbito fetal Uma vez encaminhada para acompanhamento em um serviço de referência especializado em pré-natal de alto risco, é importante que a gestante não perca o vínculo com a sua equipe de atenção básica onde iniciou o seu acompanhamento de pré-natal. É importante também que a equipe seja informada a respeito da evolução da gravidez e dos tratamentos administrados à gestante por meio da contrarreferência, assim como são importantes a busca ativa e o acompanhamento das gestantes em sua área de abrangência, por meio da visita domiciliar mensal do ACS. Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT SEGUIMENTO DAS GESTAÇÕES DE ALTO RISCO O intuito da assistência pré-natal de alto risco é interferir no curso de uma gestação que possui maior chance de ter um resultado desfavorável, de maneira a diminuir o risco ao qual estão expostos a gestante e o feto, ou reduzir suas possíveis consequências adversas. A equipe de saúde deve estar preparada para enfrentar quaisquer fatores que possam afetar adversamente a gravidez, sejam eles clínicos, obstétricos, ou de cunho socioeconômico ou emocional. Para tanto, a gestante deverá ser sempre informada do andamento de sua gestação e instruída quanto aos comportamentos e atitudes que deve tomar para melhorar sua saúde, assim como sua família, companheiro(a) e pessoas de convivência próxima, que devem ser preparados para prover um suporte adequado a esta gestante. A equipe de saúde que irá realizar o seguimento das gestações de alto risco deve levar em consideração continuamente: a) Avaliação clínica b) Avaliação obstétrica Estabelecimento mais acurado da idade gestacional, correto acompanhamento da evolução da gravidez (ganho ponderal, PA e crescimento uterino) e crescimento e vitalidade fetal. c) Repercussões mútuas entre as condições clínicas da gestante e a gravidez Conhecer alterações gravídicas d) Parto Não existe consenso sobre a determinação da via de parto e o momento ideal apara as gestações de alto risco. A decisão deve ser tomada de acordo com cada caso, garantindo a gestante a sua participação no processo decisório mediante as explicações necessárias. Gravidez de risco não é sinônimo de cesárea. Em muitas situações é possível a indução do parto visando o seu término por via vaginal ou mesmo aguardar o seu início espontâneo. e) Aspectos emocionais e psicossociais Equipe multidisciplinar (enfermagem, psicologia, nutrição e serviço social); desafio adaptativo emocional para a mulher; ansiedade; classificação como “gestação de alto risco” amplifica esse aspecto; a hospitalização, tão comum quanto por vezes necessária, já é um fator estressante adicional; reação da família e, principalmente, do companheiro; equipe que tem boa comunicação e se relaciona bem com a paciente ou não. ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS É de extrema relevância o trabalho das equipes de Saúde da Família (SF) (ou das equipes das UBS tradicionais), com o mapeamento da população da sua área de abrangência, respectiva classificação de risco das gestantes e a identificação dos equipamentos de saúde responsabilizados para atendimento em cada caso específico. A captação precoce das gestantes e o início imediato da assistência pré-natal com avaliação de riscos pode ser facilitada pela utilização dos meios de comunicação, visitas domiciliares e atividades educativas coletivas. O ponto de interlocução da rede assistencial é a atenção básica de saúde, que é responsável pela captação precoce das gestantes, atendimento ao pré-natal de risco habitual, identificação de gestantes de alto risco e encaminhamento para os serviços de referência. A linha de cuidado das gestantes pressupõe o acompanhamento por parte das equipes da estratégia da Saúde da Família ou da atenção básica tradicional, mesmo quando são de alto risco, em conjunto com o atendimento dos serviços de referência/especializados. Para isso um sistema de referência e contrarreferência eficiente é fundamental. A gestação de risco que demandar referência poderá ser encaminhada primeiramente aos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) ou ambulatórios de referência que, havendo necessidade de atendimento mais especializado, poderão encaminhar aos ambulatórios de nível terciário, com especialistas. CUIDADOS COM A SAÚDE BUCAL DA GESTANTE DE ALTO RISCO Durante o pré-natal é necessário que o acompanhamento da gestante seja multiprofissional, incluindo o odontólogo, e o prontuário deve ser único, para que todos profissionais possam acompanhá-la integralmente, conhecendo a problemática já identificada. Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT Assim que a gestante iniciar o seu pré-natal é importante que o seu médico (a), enfermeiro(a) ou agente comunitário de saúde faça o encaminhamento para o profissional da área de saúde bucal, para que busquem integrar o atendimento/acompanhamento. Qualquer doença periodontal advém da má higienização da boca. Quando associada a outros fatores predisponentes, como alterações hormonais, hipertensão, diabetes ou xerostomia, acarreta uma maior susceptibilidade/sensibilidade da gengiva aos efeitos tóxicos dos produtos bacterianos. A interação interdisciplinar quanto à orientação da dieta balanceada indica a necessidade de diminuir o consumo de alimentos adocicados e aumenta a ingestão de líquidos, no intuito de atuar na diminuição do risco de doenças bucais, assim como de outras doenças associadas, como, por exemplo, a xerostomia. Também são necessárias orientações preventivas: pelo motivo da ingestão mais frequente de alimentos, a higienização também deverá ser mais frequente, com escova e fio dental. Há gestantes que, por estarem sentindo náuseas, acabam negligenciando a higiene da boca. Os profissionais devem atentar na identificação de suas causas e propor outras alternativas. Em qualquer fase do período gestacional a grávida poderá ser tratada pelo cirurgião dentista. Aquelas cuja gravidez tem curso normal, bom prognóstico e cujo tratamento envolve apenas a prevenção, profilaxia e restaurações simples, deverão ser atendidas na Unidade Básica de Saúde (UBS), pois o tratamento não oferece riscos a ela ou ao bebê. As gestantes com alterações sistêmicas não controladas, como diabetes ou outras condições que implicam risco maior deverão ser encaminhadas para Centros de Atendimentos Especializados em Odontologia, a exemplo dos Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), para receber o atendimento necessário e adequado, de acordo com sua fase gestacional. O profissional dentista da unidade básica de saúde vai continuar acompanhando essa gestante nas consultas de pré-natal de rotina. As doenças bucais, especialmente a doença periodontal, tem sido associadas a diversas condições patológicas perinatais, incluindo o parto prematuro, a rotura prematura de membranas e a ocorrência de baixo peso. Embora os estudos controlados 26 não demonstrem um claro efeito do tratamento da doença periodontal na diminuição destas condições, provavelmente por serem multifatoriais, recomenda-se sobretudo que a prevenção com a higiene bucal seja enfaticamente realizada durante a gestação, pois acredita-seque isso exerça um papel sinérgico junto com outras medidas dirigidas à prevenção do parto prematuro. Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT SÍNDROMES HIPERTENSIVAS NA GRAVIDEZ CONCEITOS A Doença Hipertensiva Específica da Gestação (DHEG), de acordo com Cintra (2001), é uma patologia obstétrica que surge após a vigésima semana de gestação, sendo mais frequente no terceiro trimestre e estendendo-se até o puerpério. Caracteriza-se por apresentar hipertensão arterial, edema e/ou proteinúria, podendo culminar com convulsões e coma. Para o Ministério da Saúde (Brasil 2000; Brasil 2005), a Pré- eclâmpsia pode ocorrer anteriormente à vigésima semana de gravidez, na moléstia trofoblástica gestacional, sendo, predominantemente, uma patologia de primigesta. A doença, quando não tratada, evolui naturalmente para as formas graves, entre elas, a eclâmpsia e a síndrome HELLP. Hipertensão arterial - Pressão arterial igual ou maior que 140/90mmHg baseada na média de pelo menos duas medidas. - A pressão arterial deve ser mensurada com a gestante sentada, com o braço no mesmo nível do coração e com um manguito de tamanho apropriado. Se for consistemente mais elevada em um braço, o braço com os maiores valores deve ser usado para todas as medidas. Para a medida da pressão arterial, deve-se dar preferência aos aparelhos de coluna de mercúrio ou aneroides calibrados. - Considera-se como hipertensão arterial, na gravidez, a constatação de uma PA sistólica, de pelo menos, 140 mmHg; e PA diastólica, de pelo menos, 90 mmHg. Também é considerada hipertensão arterial a elevação de 30 mmHg ou mais nos níveis habituais de pressão arterial sistólica e elevação de 15 mmHg ou mais nos níveis habituais de pressão arterial diastólica. Proteinúria - A proteinúria é definida como a excreção de 0,3g (300mg) de proteínas ou mais em urina de 24 horas, ou 1+ ou mais na fita em duas ocasiões, em uma determinação de amostra única sem evidência de infecção. - Devido à discrepância entre a proteinúria de amostra única e a proteinúria de 24 horas na pré-eclâmpsia, o diagnóstico deve ser baseado em exame de urina de 24 horas. Outra alternativa é a relação proteína/creatinina urinária em coleta única de urina. - Nessa técnica, o resultado da divisão do valor da proteinúria pela creatinina urinária (em mg/dL) ≥ 0,3 tem uma boa correlação com a proteinúria na urina de 24 horas ≥ 0,3g. Plaquetopenia - Menos de 100.000/mm3, com maior gravidade quando menor que 50.000/mm3 . Elevação de enzimas hepáticas - Aspartato aminotransferase (AST) ou Transaminase Glutâmico Oxalacética (TGO) e Alanina aminpotransferase (ALT) ou Transaminase Glutâmico Pirúvica (TGP) >60U/L - Desidrogenase láctica (DHL) >600U/L. Anemia microangiopática - Bilirrubina acima de 1,2mg/dL, - Presença significativa de esquizócitos em sangue periférico (>5% no campo microscópico). HISTÓRIA CLÍNICA A primeira etapa no rastreamento é avaliar o risco de pré- eclâmpsia, mediante anamnese cuidadosa. Os FATORES QUE AUMENTAM ESSE RISCO incluem primiparidade, primeira gravidez com um novo parceiro, história de pré- eclâmpsia em um parente próximo, pré-eclâmpsia de início precoce em gravidez anterior, hipertensão crônica, diabetes e gestações múltiplas. Embora seja útil para ajudar a determinar o nível apropriado de atenção pré-natal, nenhum desses fatores é muito específico ou sensível. Muitas gestações desenvolvem-se normalmente, apesar da pressão arterial elevada. Isso indica que são mantidos fluxos sanguíneos útero-placentários adequados para os órgãos maternos. Certo grau de hipertensão pode ser benéfico, uma vez que mantém pressões de perfusão na presença de resistência vascular elevada (Febrasgo 2007). Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT EPIDEMIOLOGIA - As síndromes hipertensivas representam em todo o mundo uma das alterações que ocorrem com maior frequência na gravidez. - Nas mulheres em idade procriativa a prevalência vai de 0,6 a 2,0%, na faixa etária de 18 a 29 anos, e de 4,6 a 22,3%, na faixa etária de 30 a 39 anos1,2. - Diferente dos países desenvolvidos, a HA na gestação permanece a primeira causa de morte materna direta no Brasil (37%), sendo a proporção maior nas regiões Norte e Nordeste em relação ao Sudeste, Sul e Centro-Oeste. - Sua incidência ocorre entre 2 e 8% das gestações, nos países desenvolvidos, podendo, no Brasil, chegar a 10% ou mais. - Atinge várias camadas sociais, ocorre em torno de 12 a 22% das gestações e é responsável por 17,6% de mortes maternas nos E.E.U.U. - Encontram-se entre as principais causas de morte materna no Brasil e a terceira causa no mundo, cursando ainda com elevada taxa de morbimortalidade perinatal, oscilando entre 5 e 20%. - Estes altos índices de mortalidade materna são, devido a uma gama de complicações, como coagulação intravascular disseminada/síndrome HELLP (10 – 20%), edema pulmonar e aspiração (2 – 5%), insuficiência renal aguda (1 – 5%), descolamento prematuro de placenta (1 – 4%), eclâmpsia (< 1%), hemorragia ou insuficiência hepática (< 1%), tromboembolismo, hemorragia cerebral, entre outras. - Dentre as principais complicações neonatais, temos: parto prematuro (15 – 67%); restrição de crescimento intra-útero (10 – 25%); e morte perinatal (1 – 2%). - Nos países desenvolvidos a eclâmpsia ocorre mais raramente, enquanto nos países em desenvolvimento as estimativas são maiores. - No Brasil, encontramos uma incidência em torno de um para 1.000 partos (2004), sendo ainda maior em centros de referência, como no IMIP, em torno de 1 para 135. CLASSIFICAÇÃO a) Hipertensão crônica b) Pré-eclâmpsia/Eclâmpsia c) Pré-eclâmpsia superposta à hipertensão crônica d) Hipertensão gestacional HIPERTENSÃO CRÔNICA - Observada antes da gravidez, ou antes de 20 semanas de gestação, ou diagnosticada pela primeira vez durante a gravidez e não se resolve até 12 semanas após o parto. - Mulheres com estágio 1 de hipertensão arterial têm baixo risco de complicações cardiovasculares durante a gestação e são candidatas a somente modificarem seu estilo de vida como estratégia terapêutica. - Normalmente, a pressão arterial cai na primeira metade da gestação, facilitando o controle da hipertensão sem medicamentos ou com suspensão dos medicamentos que estiverem sendo usados. Os exercícios aeróbicos devem ser restritos, com base nos conhecimentos teóricos de que o fluxo placentário inadequado pode aumentar o risco de pré- eclâmpsia, e a redução de peso pode não ser observada, mesmo em gestantes obesas. Embora os dados sejam esparsos e não concludentes, muitos especialistas recomendam a restrição de sal (sódio) na dieta, a valores semelhantes ao da hipertensão arterial primária em geral, ou seja, de 2,4g. Uso de álcool e de cigarro deve ser fortemente desencorajado durante a gestação. - Pode ser diagnosticada em retrospecto quando a pré- eclâmpsia ou a hipertensão gestacional não retornam aos níveis tensionais iniciais. - Mulheres com hipertensão crônica têm risco elevado para a pré-eclâmpsia superimposta: 25%. - Saber o tipo de hipertensão crônica é de fundamental importância pois vai identificar a paciente de maior ou menor risco durante a gestação, além de orientara conduta. Ministério da Saúde e Febrasgo Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT Um aumento de 30mmHg na pressão sistólica ou 15mmHg na diastólica quando os valores absolutos estejam abaixo de 140/90mmHg não deve ser usado como critério diagnóstico. Na presença de um aumento de 30mmHg na sistólica ou 15mmHg na diastólica, deve-se fazer medidas de pressão e consultas mais frequentes, com observação mais amiúde, especialmente se houver proteinúria e hiperuricemia (ácido úrico maior ou igual a 6mg/dL). PRÉ-ECLÂMPSIA - Hipertensão associada à proteinúria ou ainda, na ausência de proteinúria, quando há associação com sintomas visuais e cerebrais persistentes (cefaléia , turvação visual e escotomas), dor no quadrante superior direito do abdome ou exames laboratoriais alterados (plaquetopenia e enzimas hepáticas); - A pré-eclâmpsia caracteriza-se por início súbito ou piora da hipertensão, acompanhada de proteinúria e elevação dos níveis de creatinina sérica, ácido úrico e transaminases. - O diagnóstico é realizado usualmente após a 20ª semana de gestação, embora casos precoces possam surgir na mola hidatiforme, hidropsia fetal ou doença trofloblástica fetal. - Síndrome específica da gravidez observada após a 20a semana de gestação com pressões iguais ou maiores que 140 x 90 mmHg, acompanhada de edema e importante proteinúria (maior que 300 mg nas 24 horas). O edema pode estar, em alguns casos, oculto ou presente fisiologicamente pela gravidez. A proteinúria pode ser de aparecimento tardio. - Duas formas de hipertensão podem complicar a gestação: hipertensão preexistente (crônica) - mulheres com hipertensão arterial pregressa, por mais de quatro anos, têm aumento do risco de desenvolverem pré-eclâmpsia de cerca de 25%; e hipertensão induzida pela gestação (pré- eclâmpsia/eclâmpsia), que pode ocorrer isoladamente ou de forma associada. - Pode ser classificada em LEVE (PA < 5 g/24 horas) e GRAVE (PA ≥ ou =160/110 mmHg; proteinúria ≥ ou = 5 g/24 horas; plaquetas < 100.000/mm3; enzimas hepáticas elevadas). PRÉ-ECLÂMPSIA LEVE - PA ≥ 140/90 mmHg após 20 semanas de IG em paciente normotensa antes da gestação. - Proteinúria de 1+ em fita (duas amostras de urina com 4-6 horas de intervalo que se correlaciona a 30mg/dl em amostra de urina, quando excluída presença de infecção urinária), mas confirmada com ≥ 0,3 g em urina de 24 horas. - Sintomas cerebrais (cefaleia, tonturas, visão borrada, escotomas), ou digestivos (dor epigástrica ou no quadrante superior D, náuseas ou vômitos), ou trombocitopenia e alteração de enzimas hepáticas, mesmo na ausência de proteinúria. PRÉ-ECLÂMPSIA GRAVE ≥ 1 dos seguintes critérios: Pressão sistólica ≥ 160 mmHg e/ou diastólica ≥ 110 mmHg associada a proteinúria. Hipertensão associada a proteinúria grave (acima de 2,0 g nas 24 h). Hipertensão associada a comprometimento de múltiplos órgãos (edema pulmonar ou cianose, oligúria - < 500 mL/dia e insuficiência renal – creatinina sérica ≥ 1,2ml/dL em paciente com função renal normal prévia). Hipertensão associada a sintomas persistentes (visuais, cerebrais e dor epigástrica ou no quadrante superior direito persistentes) ou exames laboratoriais alterados (plaquetopenia - < 100.000 por μL e enzimas hepáticas – TGO e TGP > 70 UI/L). Síndrome de HELLP (agravamento da PE) hemólise, elevação das enzimas hepáticas e diminuição das plaquetas) Restrição de crescimento fetal. OBS: Pré-eclâmpsia leve – hipertensão associada à proteinúria, que não preenche os critérios abaixo de pré- eclâmpsia grave; Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT - O edema, quando existente, pode ser localizado ou generalizado. - Dor no hipocôndrio direito = rotura da cápsula de Glinson, anemia hemolítica microangiopática = hemólise, icterícia e/ou elevação das enzimas hepáticas e crescimento intra-uterino retardado = CIUR. - Edema não é mais critério diagnóstico porque aparece em muitas gestações normais. - Desfechos mais graves ocorrem em pacientes que desenvolveram o quadro antes de 35 semanas de gestação ou naquelas com pré-eclâmpsia em gestação anterior ou com doença vascular pré-existente. - Em certas pacientes, a hipertensão pode virar um quadro de urgência ou emergência hipertensiva, requerendo hospitalização, monitorização contínua, parto tão logo quanto possível, tratamento anti-hipertensivo parenteral e terapia anticonvulsivante. - A pré-eclâmpsia, isolada ou superposta à hipertensão arterial crônica, está associada aos piores resultados, maternos e perinatais, das síndromes Síndromes Hipertensivas na Gestação. - Diferenciar uma hipertensão preexistente da pré-eclâmpsia - síndrome específica da gestação, com vasoconstrição exagerada e perfusão de órgão reduzida - é tarefa importante da equipe de atenção no pré-natal. - O aumento de peso é visto como sinal de retenção de fluidos e pode ser considerado como evidência de pré- eclâmpsia. O desenvolvimento de convulsões maternas em adição ao quadro anterior caracteriza a eclâmpsia que pode resultar em morte. SINAIS E SINTOMAS - PA maior ou igual a 160 x 110 mmHg, ou com qualquer cifra tensional e um ou mais dos sinais e sintomas abaixo relacionados são sinais premonitórios de eclâmpsia. - Sintomas: dor de cabeça importante (cefaléia), vômitos, visualização de escotomas e borramento de visão; sinais de falência cardíaca (falta de ar, cansaço, aumento do número de batimentos cardíacos); dor abdominal, principalmente sobre a região do fígado. FATORES DE RISCO - Vários fatores de risco para a pré-eclâmpsia têm sido identificados, como: risco aumentado nas mulheres que tiveram pouca exposição ao esperma do mesmo parceiro antes da concepção; diminuição do risco nas mulheres com passado de pré-eclâmpsia que mudaram de parceiros; em homens que geraram filhos em uma gestante com pré- eclâmpsia existe um aumento do risco de gerar outro filho em mulher diferente também com pré-eclâmpsia; a primipaternidade; os avanços da tecnologia da reprodução assistida, que afetam a interação do sistema imune materno produzindo um aumento do risco; o aumento do índice de massa corpórea, que se apresenta relacionada com a resistência à insulina também são de risco; tem sido observado um aumento na taxa de trombofilias nas pacientes com pré-eclâmpsia; e baseado no conceito de que a pré- eclâmpsia é o extremo final de uma resposta inflamatória, então, fatores que aumentam a resposta inflamatória podem estar envolvidos no aumento do risco de pré-eclâmpsia como infecções (infecção do trato urinário, doença periodontal, chlamydia e citomegalovírus) e doenças reumatológicas. Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT TRATAMENTO Pré-eclâmpsia leve 1. Repouso no maior tempo, em decúbito lateral esquerdo, para promover uma melhora do fluxo útero-placentário e renal, da diurese, da filtração glomerular com redução dos níveis pressóricos. (repouso relativo, evitar grandes esforços) 2. Avaliação semanal de peso e níveis pressóricos. 3. Avaliação laboratorial a cada 2 semanas dos seguintes exames: Hemograma completo, plaquetometria, glicose, uréia, creatinina, ácido úrico, transaminases e proteinúria de 24 horas. 4. Sedação com benzodiazepínicos (nunca mais que 10 mg nas 24 horas)18. 5. Dieta hiperprotéica e normossódica. 6. Avaliação da vitalidade fetal, semanalmente a partir da 32a semana,através do perfil biofísico fetal (cardiotocografia e ultrassom). 7. Doppler-fluxometria de artérias uterinas para visualização de incisuras diastólicas bilaterais, sinal de tendência para quadro futuro de eclâmpsia. As gestantes portadoras de pré-eclâmpsia apresentam sistema vascular vasoconstrito e hemoconcentração; o uso de diuréticos deve ser evitado porque podem produzir retenção de substâncias nitrogenadas e agravar mais a hemoconcentração. As exceções são: • Insuficiência cardíaca congestiva • Edema cerebral • Edema agudo do pulmão Pré-eclâmpsia grave 1. Internação hospitalar 2. Repouso em decúbito lateral esquerdo 3. Dieta hiperprotéica e normossódica 4. Controle dos sinais vitais com balanço hídrico rigoroso 5. Prevenção da eclâmpsia 6. Restabelecimento do equilíbrio hidroeletrolítico 7. Avaliação laboratorial mais completa 8. Avaliação da vitalidade e maturidade fetais Terapêutica anti-hipertensiva Tem como finalidade evitar complicações da hipertensão arterial como a hemorragia cerebral e retardar a retirada de concepto que ainda não se apresentou com peso e vitalidade satisfatória. O importante é reduzir os níveis tensionais com o cuidado para não permitir queda acentuada de PA, evitando que a pressão diastólica atinja valores abaixo de 90 mmHg, pois a redução de fluxo útero-placentário poderá levar ao sofrimento fetal. Metildopa É o medicamento mais usado para o tratamento da hipertensão na gravidez. Seu efeito hipotensor deve-se à estimulação dos receptores alfa adrenérgicos inibidores de ação simpática central. Doses iniciais de 750 mg/dia podem ser usadas em 3 vezes nas 24 horas, sendo a dose máxima de 2g/dia. Não interfere com o débito cardíaco e reduz a resistência vascular. Os efeitos colaterais maternos mais Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT comuns são hipotensão postural, sedação, boca seca, depressão. Devido ao pouco efeito colateral e à boa eficácia, deve ser a droga de escolha no tratamento da hipertensão na gravidez. O tratamento anti-hipertensivo está indicado ante valores acentuadamente elevados de pressão arterial, mas não há consenso sobre quais são esses valores. Níveis diastólicos superiores a 105 ou 110 mmHg são os comumente referidos. Tratamento anti-hipertensivo quando os níveis pressóricos são mais baixos reduzem a perfusão placentária e podem prejudicar desfechos perinatais. INTRODUÇÃO SOBRE A GESTAÇÃO NORMAL Na gestação normal ocorre a migração e invasão do citotrofoblasto extravilositário em direção às arteríolas espiraladas, com degeneração do endotélio vascular e perda da camada músculo-elástica, tornando-as mais distensíveis e levando a progressiva dilatação destes vasos (Sibai et al., 2005). Isto se inicia através da primeira onda de invasão trofoblástica, que ocorre entre a 6ª e 8ª semana com término entre a 12ª e 14ª semana de gestação, limitando-se ao seguimento decidual das arteríolas espiraladas. Ainda há a segunda onda de invasão trofoblástica, a qual atinge a porção mais profunda das arteríolas, a miometrial, durante a 16ª e a 20ª semana de gravidez. Desta forma, ocorre o aumento do fluxo sangüíneo necessário para o crescimento da placenta e do feto. Esta fisiologia do fluxo das artérias uterinas se reflete na dopplervelocimetria, na qual o índice de resistência diminui com evoluir da gestação (Parretti et al., 2003). No início da gestação normal o estudo Doppler apresenta-se com alta resistência e presença da incisura protodiastólica. Com o evoluir da gravidez, observa-se aumento da velocidade do fluxo diastólico devido à segunda onda de migração trofoblástica, que se caracteriza pela alteração do fluxo para baixa resistência e desaparecimento da incisura protodiastólica a partir da 26ª semana de gestação. A onda dopplervelocimétrica da artéria uterina caracterizada com o índice de resistência alto e a persistência da incisura protodiastólica uni- ou bilateral no segundo trimestre de gestação está associada com mais de seis vezes ao aumento da taxa de pré-eclâmpsia. FISIOPATOLOGIA A pré-eclâmpsia exterioriza o nível de pressão arterial, porém este é apenas um dos dados, pois a síndrome atinge vários sistemas orgânicos com várias manifestações. Na pré-eclâmpsia, há decréscimo da produção de PGI2 causando desequilíbrio na relação Tx A2 / PGI2, o que resulta em vasoconstrição e agregação plaquetária11. Algumas alterações encontradas na pré-eclâmpsia divergem das existentes na hipertensão crônica, tais como: • Lesões das células endoteliais; • Redução do volume plasmático com aumento de permeabilidade capilar; • Ativação de cascata de coagulação; • Alteração da função tubular proximal renal. São alterações que habitualmente precedem o aparecimento da hipertensão na pré-eclâmpsia. As alterações hemodinâmicas mais características encontradas na pré-eclâmpsia são vasoespasmo generalizado e alterações endoteliais com conseqüências sobre os diversos órgãos e sistemas, mas nem sempre com elevação importante da pressão arterial, como poucos casos que podemos observar com níveis até inferiores a 140 x 190 mmHg. Os órgãos e sistemas mais afetados na pré-eclâmpsia são: Rim A lesão histológica é a endoteliose capilar glomerular que chega a causar redução de 30% ou mais na filtração glomerular Fígado As complicações funcionais do fígado na pré-eclâmpsia evidenciam-se pela elevação dos níveis plasmáticos das transaminases (TGP, TGO). Nos casos graves, sangramento da glândula poderá distender a cápsula de Glisson com dor no hipocôndrio direito. SNC Na eclâmpsia, as ocorrências de edema cerebral e vasoespasmos seriam responsáveis pelos sintomas de irritabilidade do sistema nervoso central, levando a cefaléia, escotomas, diplopia e confusão mental que costumam anteceder a crise convulsiva. A vasoconstrição exagerada resultaria em isquemia cerebral 15. Sistema cardiovascular Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT O volume intravascular na pré-eclâmpsia é baixo, resultante da lesão endotelial que aumenta a permeabilidade capilar, facilitando a saída de líquido para o extravascular (edema) com conseqüente redução da pressão coloidosmótica no intravascular. O vasoespasmo e a duração do quadro hipertensivo concorrem para este fato 16. A redução do volume intravascular levará a uma redução no rendimento cardíaco que tentará compensar pelo aumento de volume sistólico e/ou da freqüência cardíaca. Alterações hematológicas A redução da perfusão trofoblástica leva à disfunção endotelial que perde a capacidade de produzir agentes vasodilatadores facilitando a ação vasoconstritora da endotelina, tromboxane A2 e os procoagulantes como ativador do fator XII e o fator de crescimento derivado da plaqueta que é também vasoconstritor. A fibronectina e o antígeno do fator VIII, conseqüência da injúria das células endoteliais, estão aumentadas na pré-eclâmpsia. A ativação da cascata de coagulação, incluindo a ativação plaquetária e a redução dos níveis de antitrombina III, são importantes alterações encontradas na pré-eclâmpsia. - A elevação da pressão arterial, principal sinal clínico da pré-eclâmpsia/eclâmpsia, pode ser considerada como uma consequência da doença e não a causa, já que parece ter como função, compensar a diminuição do fluxo sanguíneo materno-fetal. - Várias teorias são propostas na tentativa de desvendar o evento, dentre elas, a de que a pré-eclâmpsia esteja associada a alterações imunológicas, como o marco inicial do processofisiopatológico. - Aventa-se uma possível implicação do gene da síntese do óxido nítrico e do sistema HLA na gênese da pré-eclâmpsia. Desta forma, a resposta imunológica materna anormal ao trofoblasto determinará a má-adaptação placentária, desencadeando lesões endoteliais. Além disso, outro importante ponto é que esses fatores e o endotélio possam ser in- fluenciados pelas grandes modificações ocasionadas pela gestação, como a ativação da cascata inflamatória normal na gravidez. - Atualmente, sabe-se que a má adaptação placentária é um pré-requisito na etiologia da pré-eclâmpsia, aceitando-se a clássica teoria de que o evento básico constitui uma falha da remodelação e infiltração das células trofoblásticas nas artérias espiraladas, levando a hipoperfusão placentá- ria quando a necessidade de O2 pelo feto é alta; - A subseqüente isquemia da circulação útero-placentária ocasiona a liberação de muitas substâncias vasoativas na circulação materna, causando dano endotelial e conseqüente alteração de sua função. Essa injúria ao endotélio leva a uma variedade de mudanças na interface sangue-tecido, incluindo agregação plaquetária, ativação do sistema de coagulação, aumento da permeabilidade da parede do vaso e aumento da reatividade e do tono do músculo liso vascular. - A clássica teoria da má adaptação placentária explica em parte a causa da pré-eclâmpsia, mas não a sua totalidade. Pois, uma vez que a isquemia placentária é crônica, ocorre restrição de crescimento fetal, principalmente nos casos precoces, e pode não ocorrer com a doença tardia. - Sendo assim, nas gestantes não complicadas parece não haver aumento da resistência útero-placentária. Ao contrário, nas gestantes com complicações, que apresentam índices de resistência mais elevados, sugere-se um processo de má- adaptação placentária. - Como consequência final dessas alterações fisiopatológicas, ocorre vasoespasmo generalizado, levando a alterações funcionais e morfoló- gicas em vários órgãos, resultando na complexa manifestação clínica chamada de pré-eclâmpsia. - Desta forma, a pré-eclâmpsia/eclâmpsia não é apenas uma hipertensão induzida pela gestação, mas provavelmente secundária a interações imunogenéticas e a uma má perfusão placentária, assim como alterações da função endotelial materna. CONVULSÕES - Quanto aos possíveis mecanismos de surgimento de convulsões nas pacientes com pré-eclâmpsia, foi observado que o aumento da pressão arterial média em gestantes saudáveis ocasiona uma diminuição da resistência cerebral materna quando comparado a gestantes com pré- eclâmpsia e gestantes saudáveis. Tal fato pode ser explicado pelo mecanismo de auto-regulação, no qual esta diminuição pode estar relacionada à abertura dos vasos ocluídos, ocasionando shunts na circulação cerebral. Este efeito vasodilatador da auto-regulação mantém o fluxo sangüíneo cerebral, até certo ponto. Com base neste dado, foi observada uma falha deste mecanismo, na artéria cerebral média de pacientes com pré- eclâmpsia, ultimando-se com um dano vascular, levando à isquemia cerebral e à possível convulsão. - Uma nova proposta para o mecanismo da eclâmpsia tem sido sugerida como um “barotrauma cerebral”. Com a Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT hipertensão persistente e a perfusão cerebral excessiva nas artérias, o diâmetro das artérias cerebral anterior, média e posterior é danificado por um processo de barotrauma. Isto resulta em falha de regulação a este nível e o desenvolvimento de uma nova pressão de perfusão cerebral e encefalopatia hipertensiva. Os vasos sangüíneos distais são então expostos a pressões excessivas e edema cerebral vasogênico (ocasionalmente citotóxico). Se este vasoespasmo for desenfreado, isquemia cerebral com hemorragia pode ocorrer. Esta hipótese permite explicar tanto a presença de isquemia como de encefalopatia no mesmo paciente. PRÉ-ECLÂMPSIA COM HIPERTENSÃO CRÔNICA SOBREPOSTA - Presença de hipertensão crônica associada ao aumento súbito dos níveis pressóricos e/ou da proteinúria ou evidência de alguma disfunção orgânica, através de sintomas ou exames laboratoriais. - É a presença de pré-eclâmpsia na gestação, em mulher com hipertensão arterial crônica (há mais de quatro anos). - Apresentando proteinúria 20 semanas antes da gestação, com súbito aumento de duas a três vezes na proteinúria; um novo quadro de proteinúria após 20 semanas de gestação; súbito aumento de pressão arterial; trombocitopenia; TGO e TGP elevados. - É o surgimento de proteinúria (≥ 0,3 g/24h) após a IG de 20 semanas em portadora de HC, ou um aumento adicional da proteinúria em quem já apresentava aumento prévio, ou ainda um aumento súbito da PA em quem apresentava níveis controlados previamente, ou alteração clínica ou laboratorial característica de PE. - A paciente pode ser classificada como de baixo risco no início da gestação e evoluir para alto risco se apresentar PE sobreposta ou hipertensão descontrolada. - A duração da hipertensão > 4 anos e a história prévia de PE aumentam o risco de PE sobreposta, e a presença de insuficiência renal ou disfunção ventricular aumentam o risco de complicações clínicas graves, com piora do prognóstico materno e fetal. - A PE sobreposta deve ser suspeitada quando a paciente sem proteinúria antes das 20 semanas de idade gestacional (IG) passa a apresentar proteinúria ≥ 0,3 g/24h, ou aquela com proteinúria patológica prévia que após as 20 semanas apresenta aumento importante da PA (mesmo que previamente controlada com medicações), associada a sintomas tipo cefaleia, visão borrada, dor epigástrica e/ou alterações laboratoriais, como aumento de enzimas hepáticas e trombocitopenia. - As complicações perinatais são maiores em pacientes com hipertensão crônica do que na população obstétrica em geral (a mortalidade perinatal aumenta em 3-4 vezes) e são agravadas com o desenvolvimento de PE sobreposta. ECLÂMPSIA - Pré-eclâmpsia associada a convulsões que não podem ser atribuídas a outras causas; - Está associada ao aumento da mortalidade materna e frequentemente se acompanha de hemorragia cerebral. - A eclâmpsia caracteriza-se pela presença de convulsões tônico-clônicas generalizadas ou coma em mulher com qualquer quadro hipertensivo, não causadas por epilepsia ou qualquer outra doença convulsiva. Pode ocorrer na gravidez, no parto e no puerpério imediato. - Pode ocorrer na gravidez, parto ou até 10 dias de puerpério. - A iminência de eclâmpsia é caracterizada, clinicamente, por sinais de encefalopatia hipertensiva, dor no epigástrio e hipocôndrio direito. - A maioria das convulsões eclâmpticas ocorrem antes do parto (67%) e, entre as que ocorrem após o parto, cerca de 79% surgem depois de 48 horas (3-14 dias). É fundamental que as pacientes com PE sejam orientadas sobre a possibilidade desta complicação tardia na alta hospitalar. Elas devem ter a capacidade de reconhecer os sinais premonitórios (se presentes) e procurar recurso especializado com a maior brevidade possível. - As complicações maternas e neonatais mais frequentes são: Maternas: 1) DPP (1-4%); 2) Coagulopatia/Síndrome HELLP (10-20%); 3) Edema pulmonar/aspiração (2-5%); 4) Insuficiência renal aguda (1-5%); 5) Eclâmpsia (< 1%)*; 6) Insuficiência hepática ou hemorragia (< 1%); 7) AVC; 8) Morte; 9) Morbidade cardiovascular a longo prazo. Neonatais: 1) Prematuridade (15-67%); 2) Restrição de crescimento fetal (10-25%); 3) Hipóxia com lesão neurológica(< 1%); Renata Valadão Bittar – Medicina UNIT 4) Morte perinatal (1-2%); 5) Morbidade cardiovascular a longo prazo associada ao baixo peso ao nascer (P < 2.500 g). HIPERTENSÃO GESTACIONAL - Hipertensão que não cursa com proteinúria, após a 20ª semana de gravidez, em mulheres previamente normotensas. - O diagnóstico não é definitivo, sendo realizado frequentemente, após a 12ª semana pós-parto. - Desta forma, pode-se incluir tanto os casos de hipertensão crônica (quando a pressão se mantém elevada depois da 12ª semana pós-parto) como hipertensão transitória (quando não se desenvolve pré-eclâmpsia e os níveis tencionais voltam ao normal no pós-parto) e pré-eclâmpsia em desenvolvimento (quando posteriormente surge proteinúria e/ou sintomas na gestação ou no pós-parto). - (1) hipertensão transitória da gravidez: a pressão retorna ao normal até 12 semanas após o parto (diagnóstico retrospectivo) ou (2) hipertensão crônica: a elevação da pressão arterial persiste além de 12 semanas após o parto. - Pode representar uma PE que não teve tempo de desenvolver proteinúria, ou uma hipertensão transitória se a PA retornar ao normal após 12 semanas do parto, ou ainda uma HC se a PA persistir elevada4 . - Implicações clínicas da classificação - Tanto a apresentação como a evolução da PE é muito variável. A maioria das pacientes pode apresentar a forma leve e não progredir para a grave. No entanto, em alguns casos, a progressão para a forma grave pode ser acelerada, evoluindo em dias ou até horas. Como a grande importância do tratamento é evitar a morbimortalidade materna e perinatal, principalmente até o momento do parto, mesmo quando diagnosticadas como portadoras da forma leve, as pacientes devem ser monitoradas continuamente. - Pressão elevada detectada pela primeira vez na segunda metade da gestação e é diferenciada da pré-eclâmpsia pela ausência de proteinúria. Se a proteinúria se desenvolve e a hipertensão regride após a gravidez, o diagnóstico é modificado para pré-eclâmpsia. Se a hipertensão persiste, a hipertensão crônica é diagnosticada. Na ausência de outros dados, o diagnóstico proposto é de hipertensão transitória da gravidez.
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