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Poder constituinte estadual - Tercio

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PRINCÍPIOS CONDICIONANTES DO PODER CONSTITUINTE ESTADUAL EM
FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional | vol. 3 | p. 719 | Mai / 2011
DTR\2012\1083
Tercio Sampaio Ferraz Junior
Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Área do Direito: Constitucional
Sumário:
Revista de Direito Público RDP 92/34 out.-dez./1989
Na República Federativa do Brasil, os Estados-membros organizam-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios da Constituição Federal de 1988(art. 25). O preceito
constitucional, completado pelo art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, manda
que as Assembléias Legislativas, com poderes constituintes, elaborem as Constituições estaduais,
no prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição Federal e, reitera-se, obedecidos os
princípios desta.
O federalismo constitucional brasileiro, portanto, manda que as Assembléias elaborem as
Constituições. Obviamente, as Assembléias cujos componentes estão no exercício do mandato no
momento em que se promulga a Constituição. Estas Assembléias, com poderes constituintes, como
diz o citado art. 11, enquanto qualificada por uma competência jurídica de ordem constituinte, não se
confundem com a Assembléia Legislativa de que nos fala o art. 27 da CF. Aquelas possuem uma
competência constituinte diferente da que tem uma Assembléia Legislativa eleita conforme os
mandamentos de uma Constituição Estadual e da Constituição Federal para o exercício do Poder
Legislativo.
O mandamento do art. 11 das Disposições Transitórias, portanto, nos chama a atenção para os
diferentes sentidos de poder constituinte no âmbito de uma Federação: no que se refere à
Constituição Federal, falamos no poder constituinte originário e no poder constituinte derivado; já
com referência às Constituições estaduais, é preciso distinguir também aí um poder constituinte
quase originário e um poder constituinte derivado de ordem estadual. Esclarecendo este poder
constituinte quase originário, Manoel Gonçalves Ferreira Filho nos fala de poder constituinte
decorrente, como aquele que, decorrendo do originário, não se destina a rever sua obra, mas a
institucionalizar coletividades com caráter de Estado que a Constituição preveja (Curso de Direito
Constitucional, Saraiva, São Paulo, 1984, p. 27).
O poder constituinte decorrente, costuma-se dizer, não é soberano, mas goza de autonomia.
Autonomia significa a competência, em virtude de direito próprio e não de delegação, de estabelecer
normas jurídicas vinculantes. A autonomia tem algo da originalidade, na medida em que é, no âmbito
territorial de sua competência, princípio de uma ordem. Dela se separa, porém, na medida em que
este atributo da principialidade nasce condicionado. Principialidade significa que os atos do poder
constituinte são vistos como início, o começo de algo novo, suas normas não pertencem a um
sistema por força de procedimentos e competências previstos, posto que não se inserem nele, mas o
instauram. Gozar de autonomia é gozar desta principialidade, atributo essencial da soberania, mas,
no caso do poder constituinte decorrente, está pressuposto que o sistema normativo estadual como
um todo há de se inserir no contexto da Constituição Federal. E aí está o seu condicionamento. Em
outras palavras, enquanto o poder constituinte originário é incondicionado na sua principialidade,
posto que instaura um sistema que não havia antes, o poder constituinte decorrente instaura também
um sistema novo, mas que deve inserir-se no contexto da Constituição Federal de forma harmônica.
Isto se explica pelo próprio sentido da ordem jurídica num Estado Federal. Há uma só ordem global,
não obstante a descentralização de competências. O pressuposto dogmático da unidade da ordem
jurídica federal significa que seu fundamento de validade é um único: a norma vinculante estatuída
pelo poder constituinte originário que, num certo sentido, corresponde à Constituição Federal mas
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em face da Constituição Federal
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que, a bem da verdade, é mais do que ela, pois abarca também as projeções constitucionais sobre
os Estados-membros e, afinal, os sistemas normativos que os instauram. A ordem jurídica de um
Estado Federal é, pois, uma ordem integrante e isto a separa tanto dos Estados unitários quanto dos
Estados confederados. Nos Estados unitários, a ordem é uma só e produzida por uma competência
constituinte cuja principialidade é também única, fá nos Estados confederados, a ordem jurídica
também é uma só, mas produzida pelo encontro de competências constituintes cada qual provida
integralmente o seu atributo da principialidade. No primeiro caso, trata-se de um sistema que não se
reparte em subsistemas. No segundo, é um sistema constituído por sistemas. No Estado federal,
temos um sistema que se reparte em subsistema.
O poder constituinte decorrente, por sua vez, também não se confunde com o poder constituinte
derivado. Este, como diz a própria expressão, deriva do originário, portanto não goza do atributo da
principialidade nem mesmo em forma condicionada. Ou seja, suas normas pertencem ao sistema
instaurado pelo poder constituinte originário por força de procedimentos e competências ali previstos.
Já o poder constituinte decorrente, como vimos, goza de uma principialidade ainda que
condicionada. Para distinguir os três conceitos de poder constituinte, portanto, a noção de
principialidade é crucial. Na prática normativa, a principialidade se revela, p. ex., na outorga que se
faz o poder de seu próprio regimento constituinte. Esta outorga é um ato principal, como é um ato
principal a convocação de uma constituinte. Principialidade, neste sentido, é tipicamente um conceito
dogmático, pois por seu intermédio, o jurista que sabe, obviamente, que nenhuma Constituição é
primeira norma em termos fáticos (históricos e sociológicos), confere-lhe o caráter de primeira norma
posta, de norma fundamental positiva. O poder derivado não goza desta principialidade em nenhuma
forma, pois as emendas que produz não são consideradas em novo início, mas acrescem e
modificam o que já foi iniciado por um ato principal. Já o poder decorrente instaura um início, posto
que, dogmaticamente, o Estado-membro e, neste sentido, o próprio desígnio de se instituir um
Estado federal, sem ele não se constitui. Nestes termos, o poder constituinte decorrente, em face do
poder constituinte derivado, é mais do que este, porque goza de principialidade, mas é menos,
porque não é soberano. Isto é, o poder constituinte derivado é um poder de emendar e, como tal,
está adstrito aos procedimentos que lhe são impostos e às matérias constantes no art. 60, § 4.º, da
CF. Fora destes limites, porém, ele tem competência para alterar princípios constitucionais. Isto é,
embora não possa mudar o Estado federal, pode alterar princípios da ordem econômica, da ordem
social, da ordem política, e seus atos são considerados soberanos, isto é, não estão subordinados a
nenhum outro poder constitucional e valem para todos os demais, fá o poder constituinte decorrente
não pode alterar nenhum princípio da Constituição Federal, posto que não é soberano, embora
possa iniciar algo que o poder derivado não pode: instaurar um Estado-membro.
Estas considerações iniciais são importantes para bem entendermos os limites do poder constituinte
decorrente. Quando a Constituição Federal usa a expressão “observados os princípios desta
Constituição” não está estabelecendo um limite da mesma forma que o legislador ordinário, federal,
estadual ou municipal, também está obrigado, na sua atividade legislativa, a respeitar, obviamente, a
Constituição. Por isso é preciso entender esta determinação no seu contexto próprio.
Ao fazer o traçado constitucional da Federação, a Constituição brasileira se vale de princípios e
regras. Ambos são conteúdo de normas constitucionais.Teoricamente podemos dizer que princípios
são pautas de segundo grau que presidem a elaboração de regras de primeiro grau. Isto é, princípios
são prescrições genéricas, que se especificam em regras. Esta distinção, formulada em tese, não é
fácil, porém, de ser sustentada na análise do texto constitucional. Por exemplo, o art. 37 dispõe: “A
administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade e também ao seguinte:”. Note-se que o texto, ao final, fala no singular:
ao seguinte. Não diz: e também aos seguintes, o que deixa claro que, o que se segue, não são
princípios. A rigor, se os quatro primeiros são princípios, o que segue são regras. Contudo, no art.
135 está prescrito: “Às carreiras disciplinadas neste título aplicam-se o princípio do art. 37, XII, e o
art. 39, § 1.º”. O título se refere à Organização dos Poderes. A referência a princípio faz do texto do
art. 37, XII (“os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser
superiores aos pagos pelo Poder Executivo”) um princípio. Ao que devemos, então, perguntar se só
este inciso, ou se também os demais devem ser considerados princípios.
Teoricamente, os incisos do art. 37 não são propriamente princípios, mas regras que contêm
vedações, que ocorrem na forma de normas de proibição/obrigação. A terminologia, porém, mesmo
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teoricamente, não é pacífica. José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. RT
1988, p. 130) chama estas vedações de princípios “estabelecidos”. Isto exige, pois, de nossa parte,
um esclarecimento terminológico.
Embora a distinção entre princípio e regra não seja fácil de ser sustentada teoricamente, podem-se
propor os seguintes critérios, que ajudam o intérprete (cf. Carrió, Princípios Jurídicos y Positivismo
Jurídico, Abeledo-Perrot, Buenos Aires, 1970, p. 52, citando Dworkin):
1. Os princípios não exigem um comportamento específico, isto é, estabelecem ou pontos de partida
ou metas genéricas; as regras, ao contrário, são específicas em suas pautas;
2. Os princípios não são aplicáveis à maneira de um “tudo ou nada”, pois enunciam uma ou algumas
razões para decidir em determinado sentido, sem obrigar a uma decisão particular; já as regras
enunciam pautas dicotômicas, isto é, estabelecem condições que tornam necessária sua aplicação e
conseqüências, que se seguem automaticamente;
3. Os princípios têm um peso ou importância relativa, ao passo que as têm uma imponibilidade mais
estrita; assim, princípios comportam avaliação sem que a substituição de um por outro de maior peso
signifique a oclusão do primeiro; já as regras, embora admitam exceções, quando contradirias
provocam a exclusão do dispositivo colidente;
4. O conceito de validade cabe bem para as regras (que ou são válidas ou não o são), mas não para
os princípios, que, por serem submetidos a avaliação de importância, mais bem se encaixam no
conceito de legitimidade.
Isto posto, é preciso, portanto, determinar, agora, o que significa, para o poder constituinte
decorrente, “observar os princípios”. Uma das regras fundamentais da hermenêutica constitucional
exige que o intérprete postule a unidade da Constituição. Esta regra da unidade nos obriga a vê-la
como um articulado de sentido. Tal articulado, na sua dimensão analítica, é dominado por uma lógica
interna que se projeta na forma de uma organização hierárquica. Ou seja, uma Constituição, da
mesma forma que o ordenamento em geral, também conhece, do ângulo hermenêutico, a estrutura
da ordem escalonada. O escalonamento é para a dogmática jurídica condição da unidade, que, por
sua vez, garante ao ato interpretativo o respeito aos valores da segurança e da certeza. Conforme a
tradição constitucionalista, sem esta unidade a Constituição corre o risco de se tornar instrumento de
arbítrio.
A noção de hierarquia, sobretudo numa época em que as Cons-tituições perdem o caráter de
conjunto de normas genéricas, para adquirir o caráter e complexidade quantitativa e qualitativa de
disposições de toda ordem, passa a ser um importante pressuposto hermenêutico (Engisch,
Einfuehrung in das juristische Denken, 4.ª ed., p. 157). Hierarquia significa que as disposições
constitucionais não estão todas postas horizontalmente umas ao lado das outras, mas também
verticalmente. Falamos, assim, em sistema escalonado, i. é, disposições coordenadas e
inter-relacionadas que se condicionam reciprocamente em escalões sucessivos. Assim, p. ex., é de
se reconhecer, no complexo constitucional, a presença do cerne fixo material representado pelos
direitos fundamentais e sua prevalência sobre as demais normas, bem como a diferença entre
normas que agasalham princípios, normas que instituem princípios, normas que pressupõem
princípios, normas que têm mero sentido técnico de organização, que instauram vedações, estatuem
objetivos, estabelecem condições etc.
Distinções formais, contudo, não são suficientes para compreender o sistema constitucional. Existem
aí aspectos econômicos, sociológicos, jurídicos e filosóficos que não podem ser reduzidos à mera
forma. Neste sentido, diz-nos Pinto Ferreira (Princípios Gerais de Direito Constitucional Moderno, Rio
de Janeiro, 1951, p. 64) que o “edifício” constitucional possui vários andares: “embaixo, a
infra-estrutura das relações econômicas, a técnica de produção e de trabalho, como símbolo de uma
economia individualista ou capitalista; logo em seguida as representações coletivas da sociedade, os
sentimentos e instituições dominantes da comunidade humana, como reflexo da consciência
comunal; depois, o sistema de normas jurídicas que, se inspirando nos antecedentes econômicos e
histórico-sociais, corporificam-no em uma carta política; e, acima de tudo, os princípios de justiça,
direito natural e segurança coletiva, como o ideal do regime constitucional perfeito”. Esta dimensão
material, exemplificada neste texto de Pinto Ferreira, mostra que o sistema e sua unidade
comportam complicações maiores que a simples ordem, analítica e formal.
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Tendo em vista, portanto, a complexidade formal e material do sistema constitucional e,
simultaneamente, a exigência hermenêutica da unidade do sistema, devemos concluir, numa
primeira aproximação do problema, que 1. toda Constituição contém, necessariamente, princípios e
que 2. no contexto infra-sistemático da Constituição, os próprios princípios, em face da estrutura
hierárquica, não têm o mesmo peso nem a mesma função. Donde se segue que a expressão
“observados os seus princípios” comporta análise e discriminação.
O. Bachof (Verfassugswidrige Verfassungsnormen Mohr, Tuebingen, 1951), ao discorrer sobre a tese
doutrinatória da existência de normas constitucionais inconstitucionais, distingue entre princípios de
caráter puramente positivo e princípios de caráter extrapositivo. A distinção não significa, porém,
uma discriminação entre princípios inscritos e não inscritos num texto constitucional, mas aponta
para a diferença entre princípios estatuídos e princípios reconhecidos pelo constituinte. Não é o caso
de aprofundar esta distinção. Não obstante ela assinala a existência de princípios – os reconhecidos
– cuja universalidade, em tese, ultrapassa os limites das Constituições estatuídas. Nestes termos, é
conhecido o disposto no art. 16 da Declaração francesa de 1789: “Toda sociedade na qual não está
assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem
Constituição”. Sem entrar no mérito de se tais princípios – o da proteção da autonomia individual em
face do poder, decorrente da declaração dos direitos individuais e garantias constitucionais,e o da
separação dos poderes – são mesmo universais, é importante mostrar que a distinção de Bachof nos
permite encontrar um primeiro significado para a expressão princípio constitucional.
Trata-se, pelos exemplos, de pautas primárias de uma Constituição que, por pressuposto, dão
sentido à principialidade do ato constituinte. Assim, se o ato constituinte é um ato inaugural, á
liberdade há de ser, necessariamente, um de seus atributos fundamentais. Em conseqüência,
princípio constitucional não é apenas uma pauta inicial, não se confunde com um mero começo, mas
é o que dá sentido ao que se segue. Princípios fundamentais de uma Constituição são aqueles que
lhe dão sentido de primeira norma. É o caso, p. ex., do princípio da supremacia das normas
constitucionais. Sem eles não há Constituição, sem eles a principialidade do ato constituinte não
ocorre.
A Constituição brasileira de 1988 declara estes princípios, a nosso ver, no seu Título I: “Dos
princípios fundamentais”. Este título contém, por assim dizer, o traçado do ato principal do poder
constituinte originário. É assim que ele se instaura e alterar o que consta dos arts. 1.º, 2.º, 3.º e 4.º é
principiar outra Constituição. Aqueles princípios, que ali se chamam “fundamentais”, “objetivos
fundamentais” e “princípios”, são a base da principialidade constituinte originária: neles está a
supremacia de uma ordem nova. Isto os Estados-membros não podem alterar, pois seu poder
constituinte decorrente ali se principia como ali se principia o próprio poder constituinte originário. Por
este seu caráter de fundamentos da própria principialidade, estes princípios devem ser chamados de
fundamentais.
Tais princípios estão ali com o ato constituinte. Por seu caráter originário destaca-se, inicialmente, no
art. 1.º o que se poderia chamar de princípio congênito do exercício do poder: só o povo é suporte de
qualquer poder, inclusive o constituinte. Este princípio do ato constituinte se desdobra,
analiticamente, no princípio da soberania popular, da cidadania como o direito de ter direitos
(Arendt/Lafer), da dignidade da pessoa humana (base para os direitos fundamentais), do caráter
social e livre da atividade econômica (trabalho e livre iniciativa) do pluralismo político e da tripartição
dos poderes. Com base nestes princípios originários o Brasil se constitui em Estado Democrático de
Direito que é sua fórmula síntese.
A partir destes princípios originários, o poder constituinte instaura a República Federativa. O princípio
republicano e o princípio federativo já tem caráter estatuído. Também eles são fundamentais, mas
não são originários no sentido de imanente à própria principialidade do exercício do poder
constituinte. São uma opção fundamental do poder constituinte. Por seu caráter podemos chamá-los
de fundamentais instituídos.
Há princípios, também fundamentais, que são, em seguida, reconhecidos pelo poder constituinte no
momento em que este se exerce e, com isso, se delineia em face de outros poderes igualmente
constituintes. São os princípios que regem as relações internacionais. Estes, por seu caráter, são
princípios fundamentais de reconhecimento mútuo. Por fim, o art. 3.º traça objetivos fundamentais da
República. A palavra princípio cabe aqui no sentido de finalidade, meta (cf. Carrió, Princípios
Jurídicos y Positivismo Jurídico, p. 23). Tais princípios dão o sentido de orientação da República,
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regulando-lhe a atividade, impondo-lhe um telos do qual não deve desviar-se. Por seu caráter, são
princípios fundamentais teleológicos.
Os princípios fundamentais originários, instituídos, de reconhecimento e teleológicos constituem o
núcleo sensível da Constituição Federal de tal modo que a constituinte estadual neles encontra a
condição fundamental de sua principialidade decorrente. Neste sentido, eles são intocáveis, pois
alterá-los é colocar-se como constituinte originário. Do ângulo da hermenêutica constitucional, diria
que tais princípios não admitem interpretação restritiva, desdobrando-se numa série de direitos,
garantias e deveres que deles decorrem. Com base neste fundamento, ademais, o constituinte
originário procede, assim, à positivação de certas normas que impõem limites ao poder constituinte
derivado (art. 60, § 4.º) e outras que disciplinam a intervenção da União nos Estados (art. 34) bem
como de Estados em Municípios (art. 35) ou da União em Municípios do Distrito Federal (art. 35). As
normas do art. 60, § 4.º não estatuem princípios, mas reportam-se a eles para limitar o poder
constituinte derivado. Já as regras do art. 34, com base em princípios, estatuem regras, normas
dotadas de sanção (intervenção) em caso de violação de certos conteúdos que também se reportam
a princípios.
A Constituição, porém, ao instituir o princípio federativo, já delineia a federação, estabelecendo-lhe
certos princípios comuns de organização. Se uma federação é uma repartição de competência, a
Constituição Federal distingue entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 18) conforme
um princípio de autonomia política, que faz parte do princípio federativo. A instauração de quatro
ordens jurídicas coexistentes é uma opção do constituinte que exige, no entanto, compatibilidade e
conformidade de suas regras. Para efeito desta exigência é que se estabelecem os princípios de
organização. Dentre eles mencionem-se os constantes do art. 37, referentes à Administração Pública
dos quatro entes políticos da Federação e comuns a eles. São eles o princípio da legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade (que são, aliás, seguidos de regras comuns a todos eles).
Aqui se incluem também o princípio da unidade do regime jurídico e do plano de carreira para os
servidores, bem como o da isonomia de vencimentos para cargos e atribuições iguais ou
assemelhados, o princípio da proporcionalidade eleitoral (art. 45 c/c art. 27 e art. 29, IV), os do art.
93, referentes à magistratura, os do art. 145, 1.º (pessoalidade e gradualidade, conforme a
capacidade contributiva, dos tributos), os do art. 150 (anterioridade na estatuição de tributos etc.), e
ainda os do art. 170 (Ordem Econômica).
Os princípios comuns de organização são, em geral, específicos a certa classe ou assunto especial.
Ora se referem à administração, ora à magistratura, ora aos servidores, ora à ordem econômica. Já
por essa razão têm um peso menor que os princípios fundamentais, que afetam a estrutura global da
Constituição. Ao seu lado, porém, estão outros, que estão implícitos na Constituição, a qual os
agasalha sem nomear, como seria o caso do princípio da prevalência hierárquica das normas
referentes a direitos fundamentais sobre as demais normas constitucionais, o princípio da unicidade
das normas constitucionais, o próprio princípio da supremacia constitucional etc.
Por fim, há de se lembrar que a Constituição contém também os chamados princípios estabelecidos,
que, na verdade, são vedações expressas ao poder constituinte estadual, o que nos levaria a falar
antes em regras.
Ora, a aceitarem-se estes comentários, devemos fazer notar que, quando a Constituição Federal fala
era “observados os princípios desta Constituição”, referindo-se ao constituinte estadual, reporta-se
genericamente a princípios e regras, sem maiores distinções. Ou seja, pela própria indecisão
terminológica do constituinte federal a que nos referimos anteriormente, ao falar do art. 57, devemos
assinalar que sob a rubrica princípios estão aí incluídos também os princípios estabelecidos que,
teoricamente, são vedações contidas em regras.
Com respeito às regras devemos reconhecer, ademais, que nem todas contêm vedações expressas.
Assim, p. ex., o art. 19 contém regras que vedam à União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
expressamente, certos comportamentos normativos (p. ex., recusar fé a documentos públicos, criar
distinçõesentre brasileiros ou preferências entre si etc.). Outras disciplinam a competência legislativa
comum, concorrente e suplementar (art. 22, parágrafo único, arts. 23 e 24). Os §§ 1.º a 4.º do art. 24
contêm regras para a disciplina das competências suplementar e concorrente. A distribuição de
competências, por meio de regras, contém, porém a contrario sensu vedações para o constituinte
estadual. Em outros casos ainda, a Constituição Federal estende, compulsoriamente, aos Estados
certas regras, como é o caso do art. 27, § 1.º, em que se manda aplicar as regras desta Constituição
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em face da Constituição Federal
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sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença,
impedimentos e incorporação às Forças Armadas.
Isto posto, resta ainda falar do sentido da expressão “observados os princípios”. Que significa, para o
constituinte estadual, observar os princípios, aí incluídas as regras ou princípios estabelecidos?
Em primeiro lugar, devemos reconhecer que para observar princípios, o constituinte não precisa
repeti-los na Constituição Estadual, embora nada impeça de fazê-lo. Observar um princípio significa
assim abster-se de emitir regras com ele incompatíveis ou, positivamente, emitir regras
constitucionais compatíveis. Não se cumpre um princípio repetindo o seu teor, mas emitindo regras
que com ele compõem um conjunto hierarquicamente harmônico. Como princípios não exigem um
comportamento específico nem são aplicáveis à maneira de um “tudo ou nada”, observá-los significa
seguir-lhes a orientação ao estabelecerem-se regras constitucionais estaduais. Isto confere ao
constituinte decorrente uma certa flexibilidade legitimante que faz de sua competência um poder
condicionado mas não limitado. Por outro lado, a inobservância dos princípios gera uma ilegitimidade
das regras constituídas, cuja conseqüência é a desconsideração de poder constituinte decorrente.
Admitindo-se, como o fizemos, que os princípios fundamentais constituem primariamente o ato
constituinte, deixar de observá-los é negar-se como poder constituinte. Ou seja, atos de
inobservância dos princípios stricto sensu, em graus diferentes de ilegitimidade, são atos normativos
inexistentes quanto à sua eficácia e anticonstitucionais quanto à normatividade. Não são
propriamente inconstitucionais, mas contra a Constituição, i. é, emanados fora do âmbito de
legitimidade constituído originariamente. A força de alguns destes princípios é tal que o próprio
constituinte federal estabelece, para sua violação, regras sancionadoras que autorizam a intervenção
da União nos Estados. Aliás, só assim se explica, no seio de uma federação, esta fórmula esdrúxula
da intervenção que, aparentemente, fere a idéia de federação, como faz ver, entre outros, Hans
Kelsen (in La giustizia Constituzionale: L’Executione Federale, Milão, 1981, pp. 76 e ss.). As regras
de intervenção, de certa maneira, suspendem, momentaneamente, as prerrogativas federativas dos
poderes federados em favor da União em relação aos Estados e destes em relação aos Municípios,
porque ali estão atos que estão ocorrendo à margem da Constituição instauradora de um regime, por
princípio, federativo. Os casos de intervenção, previstos em regras, são atos anticonstitucionais (art.
34, VII, “a”, “b”, “c”, “d”).
No que se refere à observância daqueles princípios de organização que, em grande parte, são
princípios estabelecidos, mais próximos de regras, a sua inobservância acarreta a
inconstitucionalidade da norma constituinte estadual, isto é, seus efeitos devem ser considerados
nulos (mas não inexistentes), cabendo ao constituinte estadual a sua revogação. Isto vale tanto para
os princípios de organização quanto para as regras propriamente ditas.
Esta questão nos parece importante para o tema. Ela tem a ver diretamente com o sentido da
vinculação das constituintes estaduais aos princípios da Constituição Federal. Por isso, vamos
retomar o que foi dito.
1. O poder constituinte estadual é um poder decorrente, isto é, um poder condicionado mas cuja
competência, no seu âmbito, goza do atributo da principialidade.
2. A condicionalidade do poder decorrente está nos princípios da Constituição Federal.
3. A Constituição Federal, ao configurar-se como federativa, adianta-se, em alguns pontos, ao
constituinte estadual, antecipando traços fundamentais da federação. Para isso se vale de princípios
de organização e estabelecidos, e de regras.
4. Quando, portanto, a Constituição Federal exige, do constituinte estadual, a observância de
princípios, engloba nesta expressão tanto princípios fundamentais (originários, instituídos,
teleológicos e de reconhecimento) quanto princípios de organização, princípios estabelecidos e
regras.
5. A expressão observância (dos princípios) tem sentido distinto, porém, quando pensamos na
diferença entre princípio e regra e quando admitimos que a exegese dos princípios admite peso e
importância diferentes quanto ao seu grau de legitimidade.
6. Em se tratando de princípios fundamentais, sua observância é absoluta. Observá-la significa
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compatibilizar estritamente as regras constitucionais estaduais ao sentido de orientação que eles
imprimiram ao ato constituinte originário. Agir ora do seu parâmetro é agir a despeito do poder
originário, é, portanto, um verdadeiro ato revolucionário. Neste caso, falamos em
anticonstitucionalidade da constituinte estadual que, assim, se nega como poder decorrente.
7. Quanto aos princípios de organização, distinguimos aqueles que são princípios, no sentido teórico
proposto, e aqueles que têm mais o caráter de regras, os chamados princípios estabelecidos. E há,
por último, normas que instituem regras.
8. A inobservância de princípios de organização tout court (p. ex., legalidade, moralidade,
impessoalidade e publicidade) tem um caráter de ilegitimidade maior que a inobservância dos
princípios de organização estabelecidos. Em graus diferentes de ilegitimidade, porém, a
inobservância de ambos gera inconstitucionalidade. Também gera inconstitucionalidade a
inobservância de regras.
9. A distinção entre anticonstitucionalidade e inconstitucionalidade tem uma repercussão importante.
A anticonstitucionalidade gera um fato político novo, isto é, gera uma situação de desagregação
política cuja conseqüência extrema é a situação revolucionária. Entre esta situação extrema e
situações intermediárias, configuram-se casos que permitem o acionamento dos instrumentos de
defesa do Estado e das instituições democráticas (Título V), até o limite das ações cabíveis num
processo revolucionário. Tenha-se em conta, porém, que para muitos casos de inobservância de
princípios fundamentais estão também previstas regras cuja desobediência gerará declaração de
inconstitucionalidade. Em outras palavras, se a inobservância de princípios fundamentais estiver
também regulada por regras, a anticonstitucionalidade gera uma ação política que, no caso da
inobservância das regras, permite também acionar os dispositivos de declaração de
inconstitucionalidade. Assim, uma coisa é ferir, p. ex., os princípios fundamentais que regem as
relações internacionais (art. 4.º, I-X), outra é ferir a regra de distribuição de competência que atribui à
União manter relação com Estados estrangeiros (art. 21, I). No primeiro caso, temos
anticonstitucionalidade; no segundo, inconstitucionalidade.
10. Atente-se para o fato de que a declaração de inconstitucionalidade visa a tornar a norma, assim
inquinada, nula. Isto é, sua aptidão para produzir efeitos é negada ex tunc. Contudo, a declaração
não revoga a norma, que continua vigente e eficaz até que o Senado suspenda sua executoriedade
(art. 52, X). Ou seja, se não se declara a inconstitucionalidade por processo próprio, o sistema
recepcionaa norma que, então, regula a exigência de seu cumprimento pela seguinte regra
dogmática de calibração: “mão se pode deixar de cumprir ou obedecer comando do Poder Público,
alegando sua invalidade”. Com isso, o sistema prestigia a autoridade jurídica, devendo-se entender,
com Kelsen, que as chamadas normas inconstitucionais são normas conforme a Constituição, que,
todavia, são anuláveis ex tunc por um processo especial. É diferente a situação de
anticonstitucionalidade, que desencadeia um fato político novo, com pretensão de legitimar a partir
de si mesmo a desobediência, posto que o poder que a provoca está negado como poder
jurídico-constitucional decorrente e se estrutura, em graus diferentes de legitimidade, como
originário.
Estas considerações mostram, por fim, que o sistema constitucional é um sistema jurídico sensível
aos aspectos políticos, econômicos e sociais muito mais do que o demais. Afinal, o aspecto político
que mostramos na distinção entre inconstitucionalidade e anticonstitucionalidade na inobservância
de princípios atesta que a configuração constitucional da federação não se reduz a bases
meramente analíticas, mas aponta para os múltiplos sentidos da convivência básica do ser humano
no espaço da cidadania.
Princípios condicionantes do Poder Constituinte estadual
em face da Constituição Federal
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