Buscar

Emily Ruth Edwars O CAÇADOR DE SONHOS

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 63 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 63 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 63 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Sabrina 457- O caçador de Sonhos – Emily Ruth Edwards
O CAÇADOR DE SONHOS
Hunter's Snare
Emily Ruth Edwards
(Sabrina 457)
Copyright: Emily Ruth Edwards
Título original: Hunter's Snare
Publicado originalmente em 1986 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Tradução: Luís Carlos Borges
Copyright para a língua portuguesa: 1987
Editora' Nova Cultural Ltda.
Av. Brigadeiro Faria Lima, n.° 2.000 - 3.° andar
CEP 01452 - São Paulo - SP - Brasil
Esta obra foi composta na Artesílo Compositora Gráfica Ltd e impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.
Foto da capa: Keystone
Disponibilização: Ana Ribeiro
Digitalização: Ana Cris
Revisão: Ana Ribeiro
�
CAPÍTULO I
A brisa do estreito de Long Island sacudia os ramos das árvores que se debruçavam sobre a estrada tortuosa e tingia de sombra e luz as capotas dos automóveis que por ali transitavam. Nos espaços entre as copas das árvores, o céu exibia um azul brilhante, marcado apenas por algumas grossas nuvens que se moviam preguiçosamente.
Uma tarde de verão em Connecticut deveria provocar sorrisos alegres e boa disposição nas pessoas, porém isso não acontecia com a motorista ao lado do automóvel vermelho estacionado no acostamento, que olhava à sua volta com o cenho franzido, deixando transparecer sua preocupação por ter furado o pneu traseiro.
Samantha Abbott concentrava a atenção sobre a causa de seu descontentamento. Não havia ninguém por perto; por isso, a menos que passasse algum outro carro, ela teria que trocar o pneu sozinha, o que lhe seria altamente desastroso face à sua constituição extremamente feminina.
— Depois de todo o cuidado que lhe dediquei, como você faz uma coisa dessas comigo?
Como se em resposta, o pneu sibilou, murchando ainda mais. Sem graça, Samy sorriu.
— Muito bem, muito bem. Acho que posso perdoá-lo. Apesar de tudo, ela se sentia bem-humorada. Estacionara o veículo próximo à curva daquela estrada estreita e, por isso, puxou o assento do motorista para a frente, colocando na parte de trás a sinalização de emergência. Abriu o porta-malas e, quando desatarraxava o estepe, ouviu o ruído do motor de um carro que se aproximava. "Ajuda a caminho!", pensou. Entusiasmada, ergueu-se rapidamente, batendo a cabeça na tampa do porta-malas. Praguejando, com a cabeça dolorida, afastou-se do veículo. Logo, porém, saltou de volta, pois o outro carro passou sem diminuir a velocidade a centímetros de seu corpo, causando-lhe um enorme susto.
Indignada, Samy observou o Porsche prateado estacionar alguns metros à frente. Ao reconhecer o dono, sua irritação cresceu ainda mais. Por acaso aquele homem antipático não vira a sinalização de emergência? Só porque dirigia um luxuoso carro esporte pensava que era o dono da estrada? E por que, entre tantas pessoas no mundo, justamente Simon Radnor tinha de aparecer naquele momento? O semblante fechado, os braços cruzados, ela observou-o descer do Porsche.
Com mais de um metro e oitenta, Simon tinha uma compleição robusta, que transmitia a impressão de muita força. Usava um terno finíssimo e tinha cabelos loiros e encaracolados emoldurando um rosto bronzeado, de traços duros, queixo quadrado, boca firme e um arrogante nariz romano. Seus traços eram marcantes e viris, bem nos padrões convencionais de beleza, o que entretanto não a fazia suspirar agora que estava em apuros.
A verdade é que Samy antipatizara com Simon meses atrás, desde a primeira vez em que o vira. Não gostava de seu ar zombeteiro, do cinismo refletido em seus olhos, dos modos agressivos, que faziam com que seus pedidos soassem como ordens. E, acima de tudo, ela detestava a sensação de incerteza que tinha na presença dele.
Enquanto Simon caminhava em direção a ela, Samy percebeu que ele olhava não para o seu rosto, como era de se esperar, mas sim para o colo, alguns centímetros abaixo. Só então percebeu que, ao cruzar os braços, seu decote, já bastante generoso, expusera uma porção alarmante de seus seios. Esquecendo completamente os desaforos que tinha na ponta da língua, ela descruzou os braços e lutou contra o rubor da face, sem muito sucesso. Enquanto isso, Simon percorreu com o olhar as longas e bronzeadas pernas descobertas pelo short.
— Aqueles modelos recatados que você usa para trabalhar não lhe fazem justiça — ele comentou com admiração.
— Eles não são recatados. São práticos! — disse Samy, referindo-se às discretas roupas que usava como recepcionista do consultório do Dr. Bohlen, conhecido médico da região. Simon deu de ombros e tirou o paletó.
— Vou trocar o pneu para você — disse, no tom autoritário que tanto a irritava.
Samy teve ímpetos de recusar a ajuda e ainda dizer-lhe poucas e boas. Mas, se ele agia desinteressadamente, não havia motivos para impedi-lo. A custo, reprimiu um sorriso. Simon parecia capaz de ler-lhe os pensamentos.
— Vamos, beleza. Deixe de bancar a ofendida, segure meu paletó e vá para a sombra, enquanto eu troco o pneu.
Sem uma palavra, Samy pegou o paletó, caminhou para a mureta que bordejava a estrada e sentou-se. Afinal, quem era ele para dar-lhe ordens como se ela fosse uma criança? Estivera prestes a ajudá-lo, porém, no momento, ficaria mais contente se ele derretesse ao sol.
Samy dobrou cuidadosamente o paletó e colocou-o sobre o colo. Enquanto Simon trocava o pneu furado, ficou imaginando se ele não teria ascendência normanda. Porque, embora "Radnor" fosse um nome inglês, Samy sabia que os normandos haviam tido descendentes no País de Gales. Recentemente ela lera um livro sobre a Inglaterra medieval com um capítulo inteiro dedicado às lutas entre os barões normandos e as tribos galesas. Esses normandos eram cruéis, brutais e ambiciosos; faziam suas próprias leis e violentavam as mulheres de seus inimigos. Por isso, muitos galeses tinham sangue normando.
Perdida em devaneios, Samy olhava fascinada para Simon Radnor. De repente, um arrepio percorreu-lhe o corpo, e ela, desviou o olhar. "Apesar dos tempos serem outros, ele poderia muito bem passar por um rude senhor normando!", ponderou.
— Srta. Abbott!
Samy ergueu o olhar, sobressaltada, com a impressão de que Simon Radnor chamara-a anteriormente.
— Sinto muito perturbar seus sonhos. Troquei o pneu e gostaria de limpar as mãos.
— Há uma toalha no carro, vou buscá-la — respondeu friamente.
Ergueu-se, foi até o carro e tirou uma toalha do porta-luvas, estendendo-a para Simon. Ele limpou as mãos sem tirar os olhos dela. A seguir pediu o paletó.
Desconcertada ante o olhar malicioso que ele lhe lançou, Samy ia agradecer, quando, para seu espanto, Simon atirou o paletó sobre a capota do carro e a tomou nos braços, silenciando qualquer protesto de sua parte com Um beijo que quase lhe tirou o fôlego.
Ela tentou resistir, mas foi incapaz.
Momentos depois, ele a libertou. Sem saber o que dizer, Samy recuou, com os olhos arregalados.
— Para que não exista nenhuma dúvida, saiba que o beijo não foi nenhum pagamento pela troca do pneu. Apenas serviu para mostrar-lhe que aceito o desafio que você lançou desde a primeira vez em que nos vimos.
— Você está louco! Não lancei nenhum desafio... Nunca mais faça isso!
— Você parece uma gata selvagem: sempre me desafia quando passa por mim com seus olhos verdes e o nariz arrebitado.
— Seu, seu...
Não encontrando palavras suficientemente fortes para expressar sua fúria, Samy entrou no carro, batendo a porta com violência. Sua vontade era de arrancar o sorriso malicioso do rosto de Simon com um tapa, mas ele não receberia o castigo sem revidar. Em vez de seguir seus impulsos, deu a partida e saiu cantando os pneus em meio a uma nuvem de poeira.
Olhou pelo retrovisor e, para sua satisfação, viu Simon Radnor sacudir a mão na frente do rosto, tossindo bastante.
Minutos depois Samy chegou à sua casa, no povoado de Westfield. Enquanto caminhava até a porta de trás, olhou com orgulho o sobrado que por vinte e quatro anos fora seu lar.
Sua vida mudararadicalmente há seis anos, quando perdera os pais num acidente automobilístico. Na época o advogado sugeriu a venda da casa para que ela dispusesse de dinheiro para financiar os estudos. Filha única, superprotegida e sempre cercada de atenções, ela fora incrivelmente afeiçoada aos pais. Com a morte deles e a inexistência de parentes próximos, seu lar transmitia-lhe a segurança que não encontrava num mundo que lhe parecia subitamente ameaçador. Por isso Samy resistiu à idéia da venda com firmeza, concordando apenas em transformar o primeiro andar num apartamento que lhe propiciaria uma fonte de renda.
Apesar de a dor ter diminuído e a vida aparentemente voltar ao normal, Samy adquirira uma profunda necessidade de manter tudo numa rigorosa rotina, a fim de não correr riscos desnecessários com o que quer que fosse. De outro lado, não sentia a menor curiosidade em relação ao mundo, e se satisfazia em morar em Westfield, onde a vida era sempre igual.
Samy abriu a porta e foi até a antiga sala de jantar da família, agora convertida em dormitório. Minutos depois, debaixo do chuveiro, recordou o beijo que Simon Radnor lhe dera. Imaginou que ele lhe implorava o perdão em virtude de seu deplorável comportamento. A idéia lhe pareceu atraente, mas não sabia como conseguir que ele fizesse isso.
— Barão Radnor — pronunciou ela, concluindo que o título servia muito bem a Simon.
A julgar pelo que ocorrera naquela tarde, sua atitude com mulheres era mais do que apropriada a seu caráter tirânico. Barão Radnor! Boa parte de Westfield, incluindo um número razoável de moças ingênuas, podia simpatizar com Simon Radnor. Entretanto, ele jamais conquistaria Samantha Abbott!
Samy ainda guardava nítida na memória a lembrança do primeiro encontro dos dois. Simon levara a avó ao consultório onde ela trabalhava. Ela já ouvira falar dele, pois Simon fora o assunto principal das conversas do povoado desde que resolvera mudar a sede de sua empresa, a Radnor Computer Technologies, de Nova York para Westfield.
As fofoqueiras do lugar tiveram trabalho extra, especialmente depois de descobrirem que ele tinha trinta e cinco anos de idade e era solteiro. Além disso, não se sabia da existência de parentes próximos dele, a não ser a avó. Simon erguera sua empresa praticamente do nada, transformando-a numa das líderes do ramo, e, além do mais, era um inveterado conquistador, sem nenhuma inclinação para compromissos.
O fato de uma grande empresa se estabelecer no povoado desde o começo não agradou a Samy porque, quando uma companhia chegava, geralmente outras vinham atrás. E então o que aconteceria à sua amada Westfield? Parques industriais, shopping-centers, conjuntos habitacionais, mudanças de todos os tipos. Infelizmente, a maioria dos habitantes interessava-se mais nos impostos que a Radcom pagaria ao município do que nos males que traria consigo.
Não seria exagero dizer que Sam decidira não gostar do homem responsável pela instalação da empresa antes mesmo de conhecê-lo. O sentimento fora reforçado no consultório, quando ele chegara para a consulta. Simon lhe lançara um olhar arrogante, indicando que dava mais valor à mobília do local que à sua pessoa. Mesmo assim, Samy forçou um sorriso para atendê-lo.
— Posso ajudá-lo... Senhor?
— Minha avó, Helen Radnor, marcou uma consulta com o Dr. Bohlen às duas horas. Teremos de esperar muito, senhorita... ?
Antes que respondesse, Anne Jenkins, a enfermeira, abriu a porta e se dirigiu a ela:
— Samy, o doutor pediu a entrada do Sr. Janowski.
Samy assentiu e virou-se novamente para Simon Radnor, que a encarava com um olhar ousado.
— Samy? — perguntou ele, as sobrancelhas erguidas.
— Srta. Abbott — ela corrigiu, sem se desfazer do sorriso forçado.
Normalmente não se importava em esclarecer que Samy era a forma reduzida de Samantha, um nome que achava pomposo.
De qualquer forma, Simon Radnor não obteria dela nada além daquilo que exigia seu trabalho como recepcionista.
— O dr. Bohlen atenderá só mais um paciente antes da sra. Radnor. Enquanto isso, será necessário preencher as fichas — disse ela, mal-humorada.
Simon pegou as fichas que ela lhe estendia.
— Diga ao dr. Bohlen que quero falar com ele após a consulta de minha avó... Ah, sim. Só por curiosidade... Srta. Abbott, é de mim que não gosta, ou do fato de minha empresa ter se instalado em sua pacífica cidadezinha?
Várias vezes a impulsividade de Samy fora um pesadelo para seus pais. Após o acidente deles, esse traço de seu caráter desaparecera, porém naquele instante reapareceu espontaneamente. Ela arregalou os olhos e, com um ar extremamente cínico, perguntou:
— Do que está falando, sr. Radnor?
— Muito bem, Olhos Verdes — disse ele após um instante de silêncio. — Por enquanto vamos deixar isso de lado.
"Este foi exatamente o meu erro", pensou Samy, saindo do chuveiro. "Se eu admitisse logo que detestava a idéia de a Radcom se mudar para Westfield, talvez ele me deixasse em paz", concluiu.
Entretanto, apenas despertara a curiosidade dele, criando situações constran-gedoras durante freqüentes visitas ao consultório, ocasiões em que ela se sentia um estranho espécime sob um microscópio. Samy foi até a cozinha, serviu-se de um pouco de chá gelado e sentou-se à mesa, ainda refletindo. Talvez o beijo e a ameaça daquela tarde fossem apenas uma vingança por sua indiferença.
Afora isso, dificilmente ele teria quaisquer outras intenções de conquistá-la.
Enquanto pensava na audácia de Simon, Samy negligenciava outras possibilidades e, nem por um momento, levou em consideração a hipótese de que a perturbação que sentia com a presença dele se devesse a outra causa que não fosse a raiva.
Além disso, por princípio, romances temporários não estavam em seus planos. Algum dia ela se casaria com um homem gentil, atencioso e confiável. Enquanto isso, apenas saía com um ou outro rapaz, sem se importar absolutamente com o fato de que nenhum deles se assemelhasse com aquele que sonhara como seu futuro marido.
De qualquer modo, era inútil pensar no odioso Simon Radnor, pois ele jamais faria parte de sua vida.
Quando estava prestes a se servir de mais chá, Samy escutou batidas na porta da frente. Ao abri-la, deparou com Kate, uma garota loira e sorridente, de trancas. Ela vestia um cafetã vistoso e trazia uma cesta de pão no braço.
— Olá, Kate — cumprimentou alegremente.
Kate Townsend, além de sua melhor amiga, era sua primeira e única inquilina. Professora de arte do segundo grau, a moça, apesar dos seus vinte e oito anos, ainda não se casara.
— Estou aqui para dividir algumas calorias com você — anunciou a recém-chegada. — Nesta humilde cesta estão os especiais bolinhos de maçã e canela de Kate Townsend.
— Você e os bolinhos são bem-vindos. Vamos para a cozinha. Tenho chá gelado prontinho.
Às visitas de Kate sempre a alegravam muito. Aliás, ela contagiava com sua energia e entusiasmo, deixando todos ao seu redor descontraídos.
Enquanto Samy providenciava o chá, Kate esticou-se numa cadeira, estendendo as pernas sobre outra.
— Sua cozinha é um modelo — disse ela com um ar de aprovação, olhando para o papel de parede, os armários de madeira e o chão de tijolos aparentes. — Sem acúmulo de móveis, alegre e acolhedora. Na verdade, você fez um trabalho excelente em toda a casa. A sala de estar tem um toque de elegância, isso -para não falar nas maravilhosas antigüidades de família e no dormitório, que tem um toque de luxo decadente, O que mais se poderia desejar? Você deveria sair de seu emprego para se dedicar à decoração de interiores. No seu tempo livre você poderia decorar o meu.
Samy, que ria da afetada descrição que Kate fazia do local, fez uma careta.
— Que tempo livre? Hoje é meu primeiro dia de folga depois de dez dias.
— Estranho... Aconteceu alguma coisa? Houve alguma epidemia em Westfield?
— Não. É que Anne, a enfermeira, conseguiu uma colocação melhor e saiu. Temos andado como loucos para dar conta do serviço extra.
— Não podemcontratar uma enfermeira temporária até encontrarem uma permanente?
— Tentamos, mas sem sorte. Hoje Richard está em Nova York fazendo entrevistas. Talvez em breve consigamos uma outra.
— A propósito, como vai o Adônis do mundo médico? — perguntou Kate, brincando com as trancas.
— Com excesso de trabalho. Eu sempre tenho a impressão de que você não aprecia as qualidades mais refinadas de Richard.
— Eu gosto dele. Qualquer mulher apreciaria mais de um metro e oitenta de beleza masculina absolutamente perfeita.
— Kate, você é demais! Ele é um ótimo médico, um empregador consciencioso, além de um ótimo amigo.
Na verdade, Richard Bohlen tinha todas as qualidades que uma mulher sensata desejaria num marido. Recentemente, Samy começara a considerar tal possibilidade com mais atenção. Afinal, eram bons amigos e trabalhavam em harmonia há dois anos. Talvez um relacionamento mais íntimo também desse certo.
— Você zomba de Richard porque ele foi inocente demais para se enganar com Amanda Marlowe.
Kate sacudiu a cabeça.
— Apenas acho que ele poderia fazer algo além de andar por aí com aquela cara triste depois que Amanda o desiludiu, trocando-o por um velho rico.
— Richard sofreu muito — defendeu Samy. — Além do mais, o que você esperava que ele fizesse? Desafiasse, o velho para um duelo?
Kate riu e depois deu de ombros.
— Acho que não. Na verdade, gosto muito de Richard, mas prefiro homens com um pouco da arrogância de um John Wayne.
— Até mesmo John Wayne precisaria de toda sua arrogância para se dar bem com você.
— Tem razão. — Kate assumiu um ar modesto e concluiu. — Gosto de homens fortes. Algum dia você admitirá que são mais confiáveis do que os garotinhos bonzinhos e sem paixão que estão por aí.
— O que você está falando? Deus me livre! Ê uma pena que não pudéssemos trocar de lugar há uma hora atrás. Passei por uma situação que certamente você apreciaria muito mais do que eu.
— O que aconteceu? —- perguntou Kate, entusiasmada. Samy relatou em detalhes o incidente, sem esquecer de contar à amiga a afinidade espiritual que descobrira entre Simon Radnor e os nobres normandos.
— É justamente do que você precisa! — disse Kate. — Algo de excitante para animá-la. 
— Muito obrigada pela aprovação. Só que de coisas excitantes quem gosta é você, não eu. Por que você não faz uma investida? Já posso ver as manchetes: "Rico empresário assediado por bela mulher nas ruas de Westfield".
— Seria adorável! Preciso convencer John a me apresentar a esse Simon Radnor.
John Wolinski era o companheiro de Kate, Era um homem forte, com quase dois metros de altura, cabelos castanho-claros caídos sobre a testa. Tinha vinte e oito anos como Kate e se destacava ao lado dela, que também era bastante alta. John diplomara-se em engenharia e era doutor em computação.
— Ê mesmo! — disse Samy. — Agora me lembro. Atualmente John trabalha para a Radcom. O que ele acha de Radnor?
— Acha-o ótimo, o que não quer dizer nada. John elogiaria até Vlad, o Empalador, se ele fosse um especialista em circuitos integrados.
— É disso que gosto nos homens; eles não se importam com detalhes que não sejam essenciais.
Naquele instante o telefone tocou. Kate, que se encontrava mais próxima do aparelho, estendeu-o para Samy.
— Alô? Oh, olá, Richard. Teve sorte? Certo, estou livre à noite, sim. Muito bem, vejo-o às oito. Até logo.
Samy devolveu o telefone a Kate, que olhou-a com reprovação.
— Não me diga que você está namorando Richard...
— A mulher que se casar com Richard terá um bocado de sorte — disse Samy, ruborizando levemente. — Estranho... Ele precisa conversar comigo sobre algo importante.
— Hummm... Hoje cedo eu ouvi dizer que Amanda Marlowe se divorciou e voltou para a casa dos pais. Resta saber apenas se ela voltou de mãos vazias ou com um bom dinheiro.
— Oh, não! Você não considera Richard grande coisa, mas ele ficou muito ferido com o comportamento de Amanda. Ele realmente gostava muito dela e só agora superava o acontecido, Será que já soube disso? Por que quer falar comigo?
— Talvez queira que você segure a mão dele.
— Kate, não brinque com coisa séria e coma! Entretanto, Kate não estava longe da verdade.
— Você pretende simular um noivado entre nós? — repetiu Samy, atônita, reparando no semblante preocupado de Richard.
— Fale baixo! — preveniu ele, correndo os olhos pelas dependências suavemente iluminadas do Westfield Pub. — Deixe-me explicar, Samy. Eu me envolvi numa encrenca e, se você não me ajudar, farei papel de tolo.
— Muito bem. Explique-se.
Samy permaneceu em silêncio, enquanto Richard contou-lhe que havia encontrado Amanda Marlowe quando voltava de Nova York.
— Ela se divorciou, Samy, e, se não me engano, pretende, se reaproximar de mim. Eu ainda a amo, é verdade, mas não suportaria perdê-la novamente caso alguém melhor apareça.
— Você quer dizer alguém mais rico, não é?
— Mais ou menos. Amanda não é tão calculista e fria como você imagina.
Samy tinha certeza de que ela era assim mesmo, mas preferiu não insistir. Afinal ele acabara de confirmar seu amor por Amanda. De qualquer forma, depois dessa, ela teria de riscar Richard de sua lista de possíveis maridos. .
— Acho que não resistiria à tentação, se ela estivesse disposta a reatar comigo. Por isso, eu lhe falei que nós estávamos praticamente noivos.
— Richard, pelo amor de Deus! Onde você estava com a cabeça para lhe contar essa história absurda? Todos nessa cidade sabem que não existe nada entre nós.
— Eu sei. Eu sei. É que eu entrei em pânico. Mas ninguém questionará isso. A maior parte de Westfield esperava o divórcio mais cedo ou mais tarde.
— Entendi. Todos esperavam que eu o conquistasse logo após você romper seu noivado com Amanda. Certo?
— Não. Eu disse que todo mundo, há muito tempo, esperava que eu a conquistasse desde que você começou a trabalhar comigo.
Um sorriso carinhoso acompanhou aquela sutil declaração, ao mesmo tempo que tirou um suspiro de uma cliente sentada em uma mesa próxima. Cuidadosamente, Samy estudou os traços bonitos de Richard. Ele correspondia aos sonhos de boa parte das mulheres sensatas. Era estranho até que ela nunca deixara essa atração transformar-se em algo mais forte.
— Sam? Você aceita? Não é um noivado oficial. Podemos acabar com tudo a qualquer momento.
— Parece que você não conhece Westfield. Assim que nos vissem juntos duas vezes, muita gente especularia sobre nosso casamento.
No entanto, de passagem, Samy pensou: "Se aceitasse logo, a notícia chegaria aos ouvidos de Simon' Radnor, o que, provavelmente, lhe pouparia alguns momentos de irritação”.
— E daí?
— Não sei, Richard.
Com o cenho franzido, ela olhou à sua volta. Arregalou os olhos ao ver que, entrando no bar, estavam Amanda Marlowe e Simon Radnor.
CAPÍTULO II
Mágica ou não, a inesperada aparição de Amanda e Simon naquela hora à porta do bar fez Samantha responder impulsivamente à proposta de Richard.
— Aceito, Richard — anunciou ela, ao mesmo tempo tomada por uma ponta de apreensão e de um entusiasmo infantil.
Richard sorriu aliviado e segurou-lhe a mão.
— Obrigado, Samy. Que tal um brinde para comemorar o acordo? — E ergueu o copo, sem notar a presença do outro casal.
Samy vibrou, Uma cena romântica vinha bem a calhar e era algo que Simon e Amanda provavelmente não perderiam. Sorriu com doçura e encostou seu copo no de Richard. Esperou-o tomar o primeiro gole para então murmurar:
— Não solte minha mão... Há pouco Amanda entrou no bar com Simon Radnor. Os dois estão vindo para cá.
Richard enrijeceu o corpo imediatamente, e apertou a mão de Samy com força. Mas quando Amanda e Simon chegaram à mesa, ele fingiu surpresa diante do inesperado encontro.
— Olá, querido — Amanda cumprimentou com voz doce. — E você, Samantha querida...
Samy irritou-se por ser chamada pelo nome. Amanda sabia o quanto ela o detestava, pois, quando criança, foraatirada numa poça de lama por chamá-la de Samantha. Agora, depois de todos esses anos, Samy novamente sentia aquela irresistível vontade de repetir a façanha, ao perceber o olhar que o pobre Richard dirigia a Amanda.
Evidentemente, jamais culparia Richard por se enfeitiçar por ela. Embora não gostasse da moça, Samy reconhecia que ela era muito bonita, com seus bem-cuidados cabelos ruivos, seus traços perfeitos e seus lindos olhos azuis. Especialmente naquela noite que ela exibia sua esbelta plástica num lindo vestido azul acinturado.
De repente, um arrepio percorreu a espinha de Samy. É que Simon colocara a mão sobre o encosto da cadeira, resvalando levemente os dedos nos seus ombros nus.
— Podemos sentar na mesma mesa? — perguntou Amanda.
— Oh, sim! — concordou Richard. — É um prazer para nós. Só que estamos de passagem, pois eu prometi levar Samy a Janson's. Faz um bom tempo que não dançamos.
Aquela era mais uma boa idéia de Richard. Certamente ele merecia aplausos. Amanda sentou-se à mesa enquanto Richard e Simon procuravam outras cadeiras ali por perto.
— Estou surpresa em saber que você e Richard em breve ficarão noivos. Ele sempre a viu como uma irmã mais nova.
O suave tom de voz de Amanda não enganava ninguém, por isso Samy preparou-se para a batalha.
— Muita coisa mudou desde que você... foi embora.
— Mas agora estou de volta. E ansiosa por renovar velhas amizades.
— E iniciar novas? —- retrucou Samy, dirigindo o olhar para Simon. Era obrigada a confessar que a amizade dele com Amanda a intrigava. Onde e quando eles se conheceram? Todavia, antes que a ruiva respondesse à sua pergunta, os homens voltaram. 
— Aí estão vocês, queridos. Eu e Samantha conversávamos sobre o passado.
Sorrindo, Richard ofereceu um drinque a Samy. No entanto, Simon lançou um olhar meio cínico a Amanda. Evidentemente ele sabia com quem lidava, e isso aguçava ainda mais a curiosidade de Sam. "Afinal, por que ele estava na companhia de Amanda?", questionou-se.
Aparentemente, a mesma dúvida ocorreu a Richard, que perguntou;
— Vocês se conhecem há muito tempo?
— Não. Na verdade, acabamos de nos conhecer — disse Amanda. — Papai cuida de alguns aspectos legais para a empresa de Simon. Ele foi até em casa com alguns papéis justamente quando papai e mamãe estavam de saída para uma festa. Eu ia ficar sozinha logo na minha primeira noite de volta ao lar, por isso Simon teve pena de mim e me convidou para fazer-lhe companhia.
Samy satisfez-se com a explicação, mas o alívio no rosto de Richard foi tão óbvio que ela se sentiu tentada a dar-lhe um leve empurrão de advertência por baixo da mesa.
— Suponho que estejam comemorando a contratação de uma nova enfermeira —: continuou Amanda. —Richard contou-me que você tem trabalhado bastante. E você parece mesmo um bocado abatida. 
— Realmente estes dias ficamos sem enfermeira no consultório, e esta semana tornou-se uma loucura. Então resolvemos nos divertir. Richard conseguiu uma noite livre.
Depois de algum tempo de conversas superficiais, Richard olhou o relógio e decidiu se retirar.
— Foi bom encontrá-los, mas prometi levar Samy à Tanson's...
— Vamos com eles, Simon? Ainda é cedo, e há séculos que não danço!
— Talvez Richard e Samantha prefiram ficar sozinhos — respondeu Simon, dando de ombros.
Richard olhou para Samy, como que implorando ajuda ou compreensão. Àquela altura, para ele seria extremamente rude concordar com Simon. 
Samy sentia vontade de esquecer as boas maneiras que seus pais ensinaram-lhe. Porém, Richard não parecia muito disposto a segui-la e garantiu ao outro casal que a presença deles era bem aceita. Assim, Samy concordou com um leve gesto de cabeça, embora amaldiçoasse mentalmente a Simon. Tinha certeza de que ele dissera aquilo com algum propósito. Só não sabia o que ele tinha em mente, e talvez a intenção fosse atrapalhar o programa dos "noivos".
No caminho para a Janson's, Richard mostrou-se carinhoso e pediu desculpas a Samy.
— Não imaginava que seria esta a noite de estréia de nosso "noivado", querida. De qualquer modo, obrigado.
Samy começava a pôr em dúvida a sensatez do plano de Richard. Mas ele parecia tão grato, que ela não teve coragem de desistir.
— Já que o espetáculo foi montado para Amanda, não vejo por que ela não deva ser a primeira a assisti-lo.
Richard sorriu, meio sem graça.
— Talvez não seja o momento mais apropriado para dizê-lo, mas fui reprovado no curso de arte dramática que fiz.
— Não há com que se preocupar — tranqüilizou-o ela. — Não tem problema. É só olhar para mim como se me adorasse.
Como era de se esperar, a Janson's estava lotada quando os quatro chegaram à porta. Ainda assim eles conseguiram um lugar razoavelmente confortável, no fundo, onde o barulho era menor. Pouco depois, Samy chegou à conclusão de que talvez fosse melhor estar sentada próxima à aparelhagem de som, onde era impossível conversar. Provavelmente teria dor de cabeça, mas não tanto quanto a que Amanda estava prestes a lhe causar.
Assim que todos se sentaram, Amanda iniciou uma série de reminiscências, com algumas explicações ocasionais a Simon. Todas essas lembranças começavam do mesmo jeito: "Eu e Richard...". Sem resultado, Richard fez o possível para incluir Samy na conversa, mesmo porque, em razão de sua educação, não era páreo para a ruiva.
Quando a garçonete veio atendê-los, Samy mudara de idéia quanto a beber apenas refrigerante, preferindo algo mais forte, já que Amanda insistia em polarizar as atenções.
Como a garçonete demorava com as bebidas, Samy aproveitou uma das raras pausas no tagarelar incessante da moça e dirigiu-se a Richard.
— Você prometeu dançar comigo.
— É claro! — respondeu ele, erguendo-se. — Com licença.
Samy adorava dançar, mas instantes depois notou que Richard continuamente olhava para o outro lado do salão. Sem que ele percebesse, ela tentou descobrir o que chamava a atenção do companheiro. Era Amanda, que dançava com Simon.
Simon virou-se e pegou-a em flagrante, observando os dois. Samy desviou o olhar bruscamente, lutando contra o rubor que lhe subia ao rosto. Realmente aquele homem tinha um talento especial para deixá-la embaraçada. E Richard continuava hipnotizado por Amanda...
— Richard! Pare de olhar para ela!
Ao fim da dança, quando voltou para a mesa, Samy tomou um generoso gole de bebida.
— Cansada? — perguntou Richard.
— Um pouco. Você se incomoda em não dançar a próxima?
— Não, de modo algum. Agora vou praticar um pouco meu olhar apaixonado.
Richard inclinou-se sobre ela e assumiu uma expressão absolutamente idiota. Imediatamente Samy esqueceu a leve dor que castigava suas têmporas e riu.
— Você parece um carneiro com dor de barriga!
Ele riu, abraçou-a afetuosamente e deu-lhe um beijo na testa. Nenhum dos dois percebeu a companhia do outro casal, até a voz de Amanda soar um pouco mais alta do que o normal.
— Vocês já se cansaram?
Samy ergueu o olhar, ainda a tempo de perceber uma expressão estranha no rosto de Amanda. Se não a conhecesse melhor, seria capaz de jurar que a outra se magoada com a cena carinhosa que interrompera.
— Não, não nos cansamos. Samy está apenas recuperando suas energias para a próxima dança.
— Então dance comigo. Simon também quer descansar por alguns instantes e fará companhia a Samantha. Ela não se importará, não é mesmo, querida?
É claro que ela se importava, mas receava que a recusa despertasse desconfiança em Richard. E como não podia explicar que não lhe agradava a idéia de ficar a sós com Simon, procurou demonstrar naturalidade e satisfação com a proposta.
Assim que os outros dois foram para a pista, Simon sentou-se ao lado dela.
— Pena que você não agarrou o doutor antes que surgisse uma rival, Olhos Verdes. Pelo que vi esta noite, suas chances não são nada boas.
— Que indiscrição! Meu relacionamento com Richard não é de sua conta... É incrível! Não entendo como umapessoa tão adorável como sua avó tem um parente tão rude...
— Não sou rude, muito menos indiscreto, Samantha. Sou sincero. E você deveria ser grata a Amanda. Ela vai livrá-la de cometer um erro terrível.
— Casar com Richard nunca seria um erro.
— Tenho certeza de que ele não seria um bom marido para você. Você tem um espírito apaixonado, e seu casamento com um homem pelo qual tem apenas afeição não daria certo.
— Você não sabe nada sobre mim nem sobre o que sinto por Richard.
Samy preocupava-se não só com o que Simon dissera, mas também com suas próprias reações. Ela fazia o possível para não jogar o drinque no rosto dele. Afinal, naquele mesmo dia era a segunda vez que ele conseguia deixá-la fora de si.
— Você não me engana, Samy. Eu a vi com Richard — disse ele, dando a entender que apenas uma atenta observação bastaria para concluir que o que ela sentia por Richard não passava de uma simples afeição. — Além disso, sei um bocado de coisas a seu respeito através de minha avó.
Repentinamente, Samy sentiu-se vulnerável. Ela sé afeiçoara a sra. Radnor com a mesma intensidade com que antipatizara com o neto. Como as consultas da velha senhora eram semanais, elas conversavam em várias oportunidades, Embora essas conversas não fossem íntimas, a observação de Simon deixou-a apreensiva.
Era tolice sentir-se insegura. Que diferença fazia o fato de ele conhecer algo de sua vida? Não tinha nada a esconder. Além disso, conhecer algumas atitudes de alguém não significava necessariamente conhecer uma pessoa.
— Esta conversa não tem propósito — anunciou ela com frieza.
— Muito bem... Se você preferir, podemos mudar de assunto.
— Não quero conversar sobre coisa alguma — retrucou ela, furiosa.
Simon deu de ombros.
— Vamos dançar, então.
Antes que fosse rejeitado, Simon ergueu-se e segurou-lhe a mão como se ela fosse acompanhá-lo. Quando deu por si, pelo gesto espalhafatoso que ele fez, não lhe restou outra alternativa que não a de aceitar o convite. Mas, para aumentar sua irritação, a música suave e romântica substituíra o ritmo agitado que servira de trilha sonora ao tenso diálogo que mantiveram.
— Eu não quero dançar — sibilou ela, entre dentes.
Ele a ignorou e, sorrindo, disfarçadamente arrastou-a para o centro da pista, onde casais abraçados dançavam sob a luz suave.
— Sei que está cansada, querida. Mas pode muito bem descansar enquanto dança. Tudo o que tem a fazer é colocar os braços em meu pescoço. Deixe o resto comigo.
Normalmente a sugestão seria inaceitável. No entanto, um brilho de prazer nos olhos de Simon fez com que ela não reclamasse como pretendia. Era óbvio que ele achava a situação engraçada, mas não havia cinismo em seu rosto. Algo como uma zombaria carinhosa emprestava um calor humano à sua expressão, tirando-lhe a aparência prepotente que Samy tanto detestava.
A custo, ela desviou o olhar do rosto dele, fixando-o sobre os ombros largos. Toda aquela força, que sempre lhe parecera ameaçadora, repentinamente surgia como um apoio convidativo e reconfortante, irresistível para sua cabeça, que latejava de tensão.
Ao colocar os braços ao redor do pescoço de Simon, por um instante ela sentiu o corpo dele enrijecer-se. Depois não reparou mais nisso. Vagamente, imaginou que no dia seguinte ficaria furiosa consigo mesma. Mas, naquele momento, era delicioso simplesmente relaxar e encostar-se naquele corpo forte, quente...
Simon Radnor franziu o cenho ao olhar para a cabeça apoiada de modo tão confiante sobre seu ombro. Abandonou suas apreensões e puxou-a ainda mais contra si. Ela provavelmente bebera mais do que ele notara, ou, então, a diabinha apenas tentava calar sua boca provocando-o.
O pensamento fez com que sorrisse. Roçou os lábios suavemente contra uma mecha dos cabelos sedosos. Era realmente enlouquecedor abraçá-la daquele modo. Se ela soubesse o que ele pensava naquele instante... Do jeito que era, provavelmente o socaria em plena pista de dança. Certamente Samantha, com vinte e quatro anos, tivera experiências anteriores com pessoas do sexo masculino. No entanto, era de se supor que ela não soubesse o que era uma verdadeira paixão. Aparentemente, Samantha parecia disposta a se casar com Richard Bohlen, mas... ele não percebia nada além de uma certa afeição entre os dois.
Simon deu uma olhada em Richard e Amanda, que dançavam a.alguma distância dali, completamente absorvidos um no outro. Mais um sinal estranho. Ainda mais conhecendo-se os antecedentes do caso. É que, apesar de quase nunca sair de casa, sua avó possuía um verdadeiro dom para obter informações. E fora ela quem lhe contara tudo sobre o relacionamento dos dois. Samantha podia ser sincera, mas Richard provavelmente buscava nela um antídoto contra Amanda.
Samantha moveu levemente a cabeça, interrompendo os pensamentos de Simon. Ele correu os dedos pelos cabelos castanhos. Sua situação era semelhante à de Richard, Desde que vira Samantha pela primeira vez, sentira-se atraído por ela. No entanto, a atração tornara-se obsessiva, embora ela não fosse o tipo de mulher com quem costumava se relacionar, já que preferia as mais velhas e experientes. De mais a mais, ela pensava em casamento e não parecia disposta a ter casos passageiros. Revelar qualquer interesse pela moça no mínimo poderia encher-lhe a cabeça de idéias desconfortáveis... para ele.
Pelo menos fora o que pensara no início. A situação se tornara um pouco diferente quando ele se vira procurando desculpas para ir ao consultório do dr. Bohlen. A solução era satisfazer seus impulsos e lidar com os problemas quando eles aparecessem. Afinal, não seria a primeira vez que correria riscos. Quanto àquele casamento iminente, esperaria para ver que rumo ele tomaria...
A dor de cabeça de Samy tornara-se insuportável e ela decidiu pedir ajuda. Entretanto, no meio de todas aquelas pessoas que lotavam o salão, parecia-lhe impossível encontrar Richard. Além disso, relutava em abandonar a proteção dos braços aconchegantes de Simon. Só que nesse instante ele afrouxou o abraço.
— Samantha? Odeio interromper este delicioso momento, mas a música parou e... O que foi, está se sentindo mal?
Com os olhos semicerrados para proteger as pupilas dilatadas, Samy percebeu que Simon tinha o cenho franzido. Provavelmente pensava que ela estava bêbada. Abriu a boca para dizer-lhe o que sentia, mas a dor foi tanta que gemeu.
— Querida, o que você tem? — perguntou ele com suavidade, preocupado por seu ar de sofrimento.
Samantha fechou os olhos e balbuciou:
— Não estou... bêbada. A cabeça dói... Richard...
Não foi preciso dizer mais nada. Simon enlaçou-a pela cintura, levando-a até a mesa. Ao vê-los, Richard ergueu-se.
— O que aconteceu?
— Ela disse que sua cabeça está doendo — respondeu Simon, antes que ela falasse qualquer coisa.
— Richard, estou com enxa... enxa...
— Já sei, querida, enxaqueca — disse Richard, abraçando-a carinhosamente. — Vamos para casa.
— Eu pago a conta — avisou Simon. — Quer a ajuda de Amanda?
— Não é preciso. Kate está em casa.
— Então espere aqui, Amanda. Volto num instante — disse Simon.
"Mas que homem autoritário!", exclamou Samy consigo mesma. A menção do nome de Amanda fez com que ela lembrasse de que não se despedira. Richard já a levava embora, mas ela ainda se voltou para dizer:
— Desculpe-me, Amanda. Boa noite.
A moça pareceu-lhe preocupada. Que bobagem! Provavelmente se enganara. Richard murmurou alguma coisa ao seu ouvido enquanto se dirigiam à porta, mas Samy não lhe prestou atenção.
— Sinto-me enjoada — gemeu ela ao saírem.
— Richard, sente-a sobre este murinho e me dê suas chaves. Vou buscar seu carro — disse Simon.
— Não! — exclamou Samy, irritada ante o tom rude e autoritário que ele usou. — Machão pretensioso! — murmurou.
— Quieta, Samy — pediu Richard suavemente. — Simon está conversando comigo.
Samy obedeceu, preferindo, dali por diante, concentrar-se apenas em controlar a náusea e a terrível dor que a dominava.
Na manhã seguinte,a primeira coisa de que Samy teve consciência foi de que a dor intolerável se fora. Porém, a sensação de alívio logo se desvaneceu com a lembrança dos fatos que se passaram na noite anterior. Como fora concordar com o plano maluco de Richard? E tudo por culpa de Simon Radnor, que exercia uma influência perigosa sobre ela, despertando-lhe a impulsividade infantil. Agora teria de arcar com as conseqüências desse plano. Se voltasse atrás, ela e Richard fariam papel de tolos. Além disso, ainda era grata a Richard pela proteção que aquele falso noivado oferecia contra Simon.
Com um gemido, Samy enterrou o rosto no travesseiro, mas, ao ouvir um ruído na cama ao lado da sua, ergueu-se bruscamente. A cabeça apoiada sobre uma das mãos, os cabelos loiros caindo-lhe pelos ombros, Kate estava deitada na cama, olhando-a.
— Finalmente a Bela Adormecida acordou... Como se sente?
— Bem melhor, obrigada. A enxaqueca passou — respondeu Samy, sentando-se. — O que você faz aqui?
— Eu?... Brinco de anjo da guarda trazendo conforto aos aflitos... bajulando minha senhoria. Não se lembra de que eu estava aqui ontem à noite? Quem você pensa que a despiu e enfiou-a na camisola?
— Agora eu me lembro vagamente de você me empurrar para a cama antes de Richard me dar uma injeção e eu dormir.
— Exatamente. Por isso, passei a noite ao seu lado para tomar conta de você. E também para lhe comunicar em primeira mão que está sob ordens médicas. Hoje você deve ficar em casa e descansar bastante.
— Obrigada pela companhia, Kate. Sua senhoria apreciou muito seu gesto. — Samy ergueu-se da cama. — Só que não posso ficar em casa hoje. A nova enfermeira só chega na semana que vem, e Richard está sozinho, sem ninguém para auxiliá-lo. 
— Pelo menos telefone a ele antes de sair.
Samy olhou para o relógio e viu que eram oito horas.
— Muito bem. Vou telefonar agora. Ele já está no consultório.
Richard ficou satisfeito com a notícia de que Samy passava bem, mas insistiu para que ela permanecesse em casa.
— Assim eu me sentirei menos culpado.
— Que motivo você tem para se sentir culpado?
— É que sua enxaqueca parece se relacionar com tensão emocional. Talvez devêssemos esquecer a idéia do noivado.
— Agora não podemos — respondeu ela, esquecendo seus temores. — De mais a mais, foi Simon Radnor quem me deixou tensa e não o fato de simularmos um noivado.
— Ah, sim... Que machão pretensioso.
— De onde você tirou isso? — perguntou ela, engolindo em seco.
— Não se lembra? Foi assim que você o chamou ontem à noite, quando estávamos no estacionamento da Tanson.
— Oh, Richard. Será que ele escutou?
— Para ser sincero, eu não posso responder — disse Richard, rindo. — Você apenas resmungou. Se ele tiver uma boa audição...
— Não duvide — gemeu ela. — Simon provavelmente escuta um alfinete cair a vinte passos.
— Imagino que "machão" seja por causa de seu ar dominador. Estou certo?
— Mais ou menos — respondeu ela, de modo vago.
— Bem, eu não me preocuparia com isso. Simon é uma boa pessoa. Além disso, duvido que ele tenha alcançado sucesso em uma área tão competitiva sem ter escutado nomes piores. A propósito, não se sinta, culpada por não trabalhar hoje. Amanda logo virá me ajudar.
— Amanda Mariowe? 
— Sei que ela não tem experiência, mas pode muito bem atender a telefonemas e a clientes — explicou Richard na defensiva. — Amanda ficou preocupada com você ontem à noite. Depois que nos retiramos, ela telefonou pedindo notícias de seu estado de saúde. Quando eu disse que a dispensaria dos serviços de hoje, ela se ofereceu para substituí-la.
— É mesmo?
Samy pensou em oferecer uma interpretação menos favorável daquele "nobre gesto", apesar de se lembrar que, na noite anterior, Amanda preocupara-se com seu estado de saúde.
— Ela mudou — insistiu Richard. — Sei que ontem à noite Amanda não se comportou muito bem, porém... ela estava diferente. Parecia... mais próxima, mais verdadeira.
Na opinião de Samy, a verdadeira Amanda estivera em exibição em todo o seu esplendor e na melhor forma possível. Dizer que ela não se comportara bem, no mínimo era ser complacente. Mas por que discutir com Richard?
— Pois bem. Diga-lhe que agradeço a atenção. E não se esqueça: você está apaixonado por mim. Não por ela.
— Não esquecerei.
Samy voltou ao quarto, com um sorriso nos lábios.
— Ficarei em casa, Kate. Vamos preparar um desjejum cheio de calorias.
Naquele dia, Kate estava em sua melhor forma, disposta a zombar da amiga. Samy deveria adivinhar que Kate acharia toda a situação muito engraçada.
— Qual é o problema, Samy? — Kate perguntou ao saber do plano de Richard a respeito de fingir um noivado com ela. — Você não fere ninguém, fingindo que tem um relacionamento sério com ele. Mesmo que Amanda se arrependa, não lhe fará mal algum sentir um pouquinho de ciúmes antes de tê-lo de volta. Aliás, já está na hora de você agitar um pouco sua vida. Talvez Simon Radnor possa tirá-la de sua concha... — acrescentou.
Kate nunca aprovara a vida monótona e sem riscos de Samy, mas reconhecia que deixá-la à mercê das garras de Simon talvez fosse demais. Por seu lado, Samy enrubesceu de vergonha ao se lembrar de que estivera realmente nas garras dele na noite anterior. E o pior: com seu pleno consentimento.
Onde diabos tivera a cabeça para encorajá-lo? Nem mesmo a enxaqueca era desculpa para aquilo! Furiosa, Samy foi até o jardim, onde arrancou uma erva daninha do canteiro, quase trazendo consigo uma inocente margarida. Seu comportamento da noite anterior fora um verdadeiro absurdo...
— Samantha! — Aquela voz atrás de si era conhecida. — O que você está fazendo?
Samy respirou fundo ao reconhecer a voz de Simon. Enfiou a colher de jardineiro cuidadosamente na terra e ergueu-se devagar. Estava pronta a desfiar um rosário de queixas, mas não teve tempo.
— Richard me disse que você ficaria em casa... descansando.
O tom de voz e a expressão do rosto de Simon eram de desagrado. Medindo-a dos pés à cabeça, ele notava o rosto suado e a mancha de terra que lhe decorava o queixo.
Como Samy não esperava receber ninguém, usava uma camiseta e um short velho.
Por seu lado, ele estava muito elegante em seu terno cinza, imaculado, sem dúvida feito por um bom alfaiate. Samy sentia-se em desvantagem e, em conseqüência, mais irritada ainda.
— O que faço não é de sua conta, sr. Radnor — observou ela, tentando aparentar altivez e dignidade.
— Não é preciso tanto formalismo, Samantha. Meu nome é Simon.
Ela não gostou do ar divertido que surgiu no rosto dele. Mas, já que Simon tocou na questão relativa aos nomes, ela aproveitou.
— Meu nome é Samy.
Simon sorriu e, por um momento, seus traços duros não exibiram o cinismo característico. E aquela alegre transformação masculina fez com que Samy sentisse uma incrível atração por ele.
— Uma boa maneira de se impor — aplaudiu ele. — Mas, para tanto, você não precisa me chamar de sr. Radnor. Porém, antes de qualquer coisa, quero que saiba que, quando eu era garoto, tive uma cadela chamada Samy. É difícil chamá-la pelo mesmo nome. Você é tão diferente...
O senso de humor era o ponto fraco de Samy. Não conseguiu reprimir um sorriso.
— Bem... Não me ofenderei por não ser confundida com um cão.
— Não será mesmo. Só que eu guardo muita saudade de Samy, pois ela era obediente e inteiramente devotada a mim.
— Pode me chamar de Samantha. Não vou correr nenhum risco de ser confundida com ela.
— Muito obrigado. Agora talvez me explique o que fazia em cima desse canteiro ao invés de descansar.
— Francamente, Simon! Isso não é...
— Não me diga que não é de minha conta. Ontem à noite você me pregou o maior susto. Agora eu tenho o direito de me preocupar.
Espantada, Samy percebeu que não havia o menor sinal de zombaria no rosto dele. Evidentemente, não achava que ele fosse desprovido de emoções. Afinal, Simon era por demais afeiçoado à avó. Mas, na maior parte do tempo, pareciafrio e invulnerável, deixando-a completamente desarmada com aquela atitude.
— Vamos beber alguma coisa — convidou ela, num impulso. — Já que discutiremos minha saúde, pelo menos podemos fazê-lo confortavelmente.
Ele hesitou um pouco antes de concordar.
— Boa idéia. Logo estavam na cozinha.
— Um refrigerante, chá gelado ou algo mais forte?
— Um refrigerante — ele respondeu, afrouxando o nó na gravata.
Aquela típica atitude masculina, aliada à aparência intimidadora de Simon, puseram-na em pânico. Virou-se para a pia a fim de lavar as mãos e pensou em não ser ridícula. Do que tinha medo? De ser arrastada pelos cabelos até a cama? Suas reações pareciam tão primitivas quanto as dele.
— Sente-se — ela convidou, pegando os copos.
— Quem mora no andar de cima? — Antes que ela perguntasse como ele soubera que mais alguém morava ali, Simon acrescentou: — Minha avó disse que você era a dona da casa e que alugava a parte de cima.
— Ah, sim. É Kate Townsend. Ela é professora de arte. — Samy estendeu-lhe o copo.
— Richard mencionou o nome dela.
— Exato. Ela me pôs na cama e passou a noite ao meu lado. À toa, é claro.
Simon sentiu-se relaxar, após obter a informação que desejava. Imaginara Richard despindo-a. Mesmo sabendo que ele era médico e, talvez, amante de Samy. A idéia o perseguira como uma obsessão desde que se separaram na noite anterior.
— Tenho certeza de que foi desnecessário. Você não faria traquinagens dormindo.
— Não tenho quatro anos de idade — Samy observou, indignada. — Há seis anos cuido de mim mesma sem problemas. Estava no jardim há apenas meia hora, quando você chegou. Após um dia inteiro dentro de casa, eu precisava de um pouco de ar fresco e exercício.
— É mesmo?
A irritação de Samy se desfez ao ver o olhar divertido de Simon.
— Você é terrível! Intrometido e mandão — acusou ela, disfarçando um sorriso, mas quando o viu sorrindo não se conteve. Novamente sentia-se atraída por ele, só que, ao invés de se surpreender, imaginou se não nutrira um preconceito contra Simon desde o começo.
— Minha avó concorda com você. Segundo ela, todos os homens da família Radnor têm tendências autoritárias, e toda mulher sensata os considera irritantes.
Samy riu.
— E como se explica o fato de ela se casar com um?
— Até hoje ela diz que meu avô aproveitou-se de um momento de fraqueza e a carregou para a igreja antes que recobrasse o juízo.
— Uma declaração típica de sua avó — comentou ela, afetuosamente. — Adoro as visitas dela ao consultório. Isto é, quando disponho de algum tempo. Gosto de conversar com ela.
Samy ficou levemente corada ao lembrar-se de que, no consultório, evitava ao máximo conversar com Simon. Ele percebeu seu embaraço.
— Notei que está sempre ocupada — disse ele, maliciosamente. — Vovó também gosta de você. Ela pretende convidá-la para ir até em casa. Não o fez ainda porque não quer importuná-la.
— Ora, que bobagem! Além disso, estou muito curiosa para ver a reforma que vocês fizeram na propriedade. Aliás, o resto do pessoal da cidade também está curioso.
— Não sabia disso. Sendo assim, qualquer hora darei uma festa para satisfazer essa terrível curiosidade. — Ele se ergueu e colocou a cadeira no lugar. — Mas você não terá de esperar pela festa ou por um convite de vovó.
— Como não? — perguntou ela, com maus pressentimentos, agravados ainda mais pelo sorriso maroto de Simon.
—-Todos nós nos desapontamos com o encontro de ontem à noite. Foi tão curto... Por isso, hoje de manhã telefonei para o consultório para saber como você estava e convidei-os para que fossem conhecer a piscina no domingo à tarde. Richard disse que você não tinha compromisso. Amanda adorou a idéia.
Samy abriu a boca sem saber o que dizer. Não gostaria de' que houvesse outra reunião dos quatro. Simon já sabia disso e esperara o momento certo para fazê-la cair na armadilha. Não havia como recusar o convite.
— Oh, mas... mas... .
E pensar que justamente agora ela começava a rever suas opiniões sobre aquele homem mesquinho, ardiloso, traiçoeiro...
— Que vergonha, Samantha!
O comentário pareceu tão apropriado, que Samy deu um sobressalto, imaginando se não estivera pensando alto. Olhou para ele, envergonhada, vermelha como pimenta.
— Samantha, uma dama não usa esse tipo de linguagem nem em pensamentos — tornou ele, caminhando para a porta, sorridente.
Antes de fechar a porta, voltou-se mais uma vez, apenas para falar:
—- Não se esqueça: domingo à tarde.
CAPÍTULO III
Samy esfregou o queixo, indignada. Simon Radnor saíra de sua casa sem ao menos dizer até logo. Pelo visto, ele não desperdiçava seu precioso tempo trocando gentilezas com as pessoas. De qualquer forma, ela reconhecia que os modos abruptos de Simon eram charmosos, e marcavam sobremaneira sua personalidade.
Os pensamentos de Samy foram interrompidos por batidas na porta da frente. Era Kate, que usava um elmo com chifres na cabeça! Fazia uma expressão hostil e ameaçava-a com uma lança enorme nas mãos. Nem mesmo o mau humor de Samy resistiu àquela inusitada aparição.
— Sinto muito, garotinha. Não tenho doces no momento. Você chegou cedo demais para o dia das bruxas.
— Vim para protegê-la do maléfico barão normando — informou Kate com expressão solene.
— Proteger-me do barão, não é? Por que esperou que o vilão fosse embora antes de me socorrer? — perguntou Samy com um sorriso alegre.
— Detalhes, detalhes... — respondeu a outra, sacudindo a lança em sua direção. — Então o homem que vi lá fora era Simon Radnor?
— O próprio, primeiro e único. Vamos, Brunilda, vamos para a cozinha beber alguma coisa. 
Kate colocou a lança apoiada contra a parede, tirou o elmo fazendo uma careta e sentou-se na mesma cadeira que Simon desocupara. Samy ofereceu-lhe um refrigerante.
— Usei essa coisa numa peça que montamos na faculdade.
Está toda empoeirada. E então? O que desejava o seu nobre visitante?
— Queria saber se eu estava viva. Normalmente as mulheres que dançam com ele não têm reações tão desconcertantes quanto a que eu tive na noite de ontem.
— Você o assustou, não é? E o choque foi suficiente para que ele se arrependesse de seu comportamento?
Samy riu do que a amiga dizia, mas, depois, refletindo melhor, reconheceu que Simon não fora nem de longe o homem cínico, arrogante e frio que ela conhecia, a não ser quando findara a visita saindo abruptamente.
— Não sei... Com a mudança da Radnor para a cidade é possível que eu tenha criado uma predisposição contra ele. Além do mais, os modos abruptos de Simon também não o ajudaram muito... A verdade é que eu não confio nele. Ele é tão... tão... Sei lá o quê!
— Entendo... Você se sente ameaçada. É compreensível. Eu também senti uma ligeira perturbação enquanto "discretamente" o observei pela janela. De fato, o homem talvez tenha muitos defeitos, mas sensualidade também não lhe falta.
Samy remexeu-se desconfortavelmente na cadeira.
— Você tem razão, Quando quer, ele tem um certo charme,
— Charme?! O que charme tem a ver com sensualidade? Você chamaria Burt Reynolds de charmoso?
Samy enrubesceu e apressou-se a mudar de assunto, informando a amiga da inauguração da piscina no domingo à tarde. Kate, brincalhona como sempre, sugeriu-lhe que pelo menos aproveitasse uma eventual distração de Amanda para afogá-la. Afinal, seria uma a menos a irritá-la.
No domingo, após escolher um biquíni discreto e arrumar as coisas, Samy foi à janela esperar Richard. Na quinta-feira à noite, ele telefonara tão animado que Samy preferira não lhe confessar que o melhor era ter recusado o convite. No entanto, ela arriscara uma pergunta:
— Você não se incomodará ao ver Amanda com outro?
— Normalmente eu teria ciúmes, mas Amanda não parece nem um pouco interessada no machão, Samy. Ela só me preveniu de que ele estava de olho em você.
— Quanta gentileza da parte dela!
Naquele momento, Samy não saberia interpretar suas reações. O normal seria ficardesapontada, uma vez que o envolvimento entre Simon e Amanda resolveria um bocado de problemas. No entanto, já sabia que Amanda não se interessava por Simon.
Samy experimentara um certo alívio ao escutar a previsão do tempo anunciando um fim de semana chuvoso. E, pelo menos por uma vez, tudo indicava que a previsão se realizaria. No sábado, Samy fora para a cama com um sorriso nos lábios, pois o tempo estava nublado e úmido. Infelizmente, porém, a forte chuva da noite limpara o céu, e o domingo amanhecera radiante e claro.
Enquanto esperava por Richard na janela, mais uma vez sua capacidade para assimilar contratempos fez-se sentir. Sua atenção foi atraída por uma novidade no ninho de pintarroxos feito na árvore de frente à sua casa. Observava-o desde a primavera, quando o casal iniciara a construção do ninho. Agora a família tinha mais um membro, e dos mais famintos. Por mais que os pais o alimentassem, a pequena criatura continuava de boca aberta, pedindo mais. A cena restaurou-lhe o bom humor. Assim Samy recebeu Richard sorridente, permanecendo alegre durante o percurso até a casa dos Marlowe, aonde foram para pegar Amanda.
A moça não estava pronta. Por isso a sra. Marlowe gentilmente convidou-os para esperar por ela na sala. Lá encontraram o sr. Marlowe, entretido com os jornais de domingo. Conversaram então sobre amenidades e assuntos passageiros, sem qualquer objetividade.
Samy percebeu de imediato que os Marlowe julgavam tudo e todos de acordo com dois padrões: dinheiro e status. Samy era bem aceita aos olhos deles porque era uma Abbott, tradicional família da Nova Inglaterra. Por seu lado, Richard também foi aprovado, pois escolhera a universidade certa e provavelmente teria um futuro brilhante à frente.
Durante a conversa, Samy lembrou-se do casamento de Amanda. Os pais dela não viram empecilho algum à sua realização. Pelo contrário, a riqueza e a posição social de Stuart Thompson ofuscaram qualquer outra consideração desfavorável que se fizesse contra ele. Com pais como aqueles, não era de admirar que Amanda tivesse uma noção de valores um tanto distorcida ...
Finalmente, Amanda surgiu. Estava muito bonita, com um vestido leve, branco, que realçava seu lindo bronzeado. Não foi muito calorosa ao cumprimentar Samy, embora não houvesse nenhum sinal da mulher mal-educada daquela noite na Tanson's.
Quando Amanda sentou-se no banco de trás do carro, Samy começou a admitir a hipótese de que ela realmente mudara. Seu comportamento decorria de ciúmes. Afinal de contas, mulheres melhores do que ela sentiam o mesmo. Ora, se até mesmo Simon Radnor tinha algumas qualidades, por que Amanda não poderia tê-las também?
A mansão McDaniels, como era ainda conhecida em Westfield a casa dos Radnor, ficava a alguns quilômetros ao sul da cidade. A pequena viagem foi inteiramente tomada pela discussão sobre a conveniência ou não de se manter o nome do antigo dono para denominar uma propriedade. Desta vez Samy teve que se pôr do lado de Amanda, sendo ambas favoráveis a manter as tradições. Richard, ao contrário, achava isso uma bobagem: a mudança de dono devia implicar em mudança de nome também.
Um caminho tortuoso conduzia à casa, construída em trinta acres de terra. Exceto pelas bordas da estradinha e dos jardins gramados ao redor da casa, o resto da propriedade exibia a vegetação selvagem originária da região. A distância era possível ver algumas árvores com porte respeitável. A casa original, construída em pedra em 1700, fora cuidadosamente alterada e ampliada, tornando-se uma bela mansão com vinte quartos, e se erguia imponente sobre uma elevação do terreno, sombreada por carvalhos. A velha srta. McDaniels, a última da família, não dispunha do dinheiro suficiente para manter a propriedade, tanto que, a última vez que estivera lá, Samy notara a falta de conservação do prédio. Agora, porém, o novo proprietário pretendia manter o lugar em ordem. As janelas brilhavam, as cercas vivas foram podadas, e a hera não cobria mais a casa inteira.
— Um lugar e tanto — comentou Richard ao estacionar o automóvel sob a sombra de uma frondosa árvore. — Lá está o machão.
— Richard! — sibilou Samy.
—... o proprietário em pessoa para nos receber — emendou ele, sorrindo.
Richard desceu do carro, cumprimentou Simon e abriu a porta do carro.
— Samantha, Amanda, olá! — cumprimentou Simon, com sua costumeira mania de simplificar.
Ele usava roupas descontraídas como Richard e, pelo menos para Samy, parecia mais jovem e atraente.
— Entrem. Vamos cumprimentar vovó — convidou ele. — Ela está na sala de estar à espera. Depois, se vocês quiserem, posso lhes mostrar a casa.
— Estou morrendo de curiosidade! — observou Amanda, entusiasmada. — Por fora a casa é maravilhosa. Aliás, este lugar é impressionante.
A espaçosa sala de estar ficava à direita do hall de entrada. A sra. Radnor estava acomodada em uma poltrona confortável, com os pés pousados sobre um banco. Seus cabelos brancos foram cuidadosamente penteados de forma a manter o ar sóbrio, e só os olhos suavizavam a impressão de severidade que sua figura causava. 
— Vovó, seus convidados Samantha e Richard. E esta é Amanda Marlowe.
— Muito prazer, srta. Marlowe. Creio que conheço seu pai. — A sra. Radnor voltou-se para os outros e cumprimentou-os com menos formalidade. — Olá, amigos. Como vão? Simon disse-me que vocês conseguiram uma nova enfermeira.
— Ela começa na segunda-feira — informou Richard.
— Ótimo. Vocês pareciam atônitos quando estive lá pela última vez.
— A senhora não gostou, apenas porque não teve chance de fofocar com Samy — disse Richard, brincando.
— Vou mostrar a casa a nossos hóspedes antes de levá-los à piscina. A senhora vem conosco, vovó?
— Não, não. Eu iria apenas atrasá-los. Fiquem à vontade. Teremos tempo de conversar mais tarde.
Simon conduziu-os através do hall, mostrando-lhes de início o pequeno elevador que instalara para a velha senhora:
— Espero que tenham bastante apetite esta tarde — disse ele — Minha avó e a sra. Gessner, a governanta, planejaram um verdadeiro banquete para a hora do chá.
Do hall ele os conduziu até uma sala de jantar, depois ao estúdio, a uma sala de estar e à biblioteca. As salas foram mobiliadas no estilo do século dezoito. Nos outros aposentos, não havia predominância de estilos, embora a elegância e o conforto conjugassem harmoniosamente entre si. O que mais agradou a Samy foi o estúdio de Simon, com suas paredes completamente tomadas por livros, a pesada escrivaninha de mogno e as enormes e confortáveis poltronas.
A cozinha era funcional, de bom gosto e equipada com todos os utensílios domésticos. A seguir, o anfitrião levou-os ao porão. Lá havia uma sala para ginástica com sauna e uma oficina, onde, segundo Simon, ele "brincava de cientista maluco".
A excursão pela casa terminou ali. Simon negligenciou o segundo andar, por considerá-lo apenas "uma série previsível de quartos e banheiros". Evidentemente Samy gostaria de visitá-los, mas disfarçou seu desapontamento, não contrariando a decisão. Afinal, há quem entenda que os dormitórios sejam partes íntimas de uma residência, não expostas à visitação.
Ao voltarem do porão, Simon e Richard foram ao vestiário ao lado da piscina, enquanto que Samy e Amanda dirigiram-se para a pequena suíte, próxima à cozinha. O compartimento originalmente fora destinado à sra. Gessner, mas encontrava-se desocupado, pois a governanta dormia no segundo andar, perto da sra. Radnor.
Surpresa, Samy relacionava-se bem com Amanda, a ponto de ambas conversarem animadamente, mesmo estando distantes de Richard.
— Gostaria de saber quem decorou a casa — comentou Amanda. — Minha mãe quer reformar a sala de estar.
— Pelo que ouvi da sra. Radnor, foram eles mesmos que fizeram tudo.
— Verdade? Que estranho!
Amanda surpreendeu-se com a resposta e disse que achara a decoração muito bem estudada para ter sido feita por leigos. Samy entendeu a observação de Amanda.Para alguém do círculo dos Marlowe, era uma novidade que pessoas ricas se encarregassem desse trabalho sozinhas.
Após se trocarem, elas saíram pela cozinha, encontrando a governanta, uma senhora alemã de forte sotaque, gorda, baixinha e rosada que, após cumprimentá-las, sorridente, explicou-lhes como chegariam à piscina.
As duas passaram pelo terraço da sala de estar e, entre sebes cuidadosamente aparadas, chegaram à piscina, de formato irregular, circundada por lajotas. O vestiário ficava ao lado, numa graciosa cabana rústica, de troncos, de modo que as instalações harmonizavam-se perfeitamente com a construção. Samy e Amanda ficaram fascinadas.
— Um lugar lindo, não é? — Richard falou de dentro da piscina, — Que tal se juntarem a nós? A água esta uma delícia.
Simon, também na piscina, interveio:
— Só que, como bom anfitrião, devo preveni-las de que esqueci de ligar o aquecimento e que a chuva desta noite deixou a água um tanto fria.
— Nesse caso, tomarei um pouco de sol — respondeu Samy, dirigindo-se para uma das espreguiçadeiras ao lado da piscina,
— Pois eu vou entrar na água agora mesmo — anunciou Amanda, — Richard merece um bom castigo por tentar nos enganar.
Sem mais uma palavra, Amanda jogou a sacola sobre a cadeira, tirou' o roupão e atirou-se à água, num mergulho perfeito, já que era uma ótima nadadora. Segundos depois, a cabeça de Richard desaparecia sob a água.
Samy achou estranho ela não se importar de arruinar o cabelo. Será que fizera aquilo porque tinha certeza de que, usando aquele biquíni provocante, nenhum homem lembraria de olhar para seus cabelos molhados e despenteados?
Enquanto observava Richard e Amanda, Samy não percebeu que Simon saíra da piscina. Porém, agora era impossível deixar de notá-lo. Ele vinha em sua direção. A visão das pernas musculosas, do peito largo, dos pêlos sedosos na pele bronzeada, a deixou hipnotizada, os olhos fixos nele. A natureza fora generosa com aquele homem, e ele sabia disso.
— Deixe-me ajudá-la com esse roupão.
Samy acordou dós devaneios e encontrou o olhar sensual de Simon. Enrubesceu e, num gesto inconsciente, como se sentisse ameaçada, puxou a gola de seu roupão,
— Vamos lá! Não farei comentários maliciosos.
— Muito nobre de sua parte — ela respondeu, embaraçada, permitindo que ele a ajudasse a despir a peça.
O biquíni que Samy usava era branco e discreto, mas ainda assim ela se sentia nua na frente de Simon.
— Muito bonito. Gostei da cor —r o comentou, calmamente. — Apanharei uma toalha para você colocar sobre o estofamento. É feito com material sintético... com o calor gruda na pele.
Samy ficou observando-o afastar-se. Sem dúvida, ele tinha o estranho poder de perturbá-la. Ela o olhara como se nunca houvesse visto um homem com o peito nu, enquanto ele parecera mais interessado em seu traje de banho do que em suas formas!
Um assobio fez com que Samy se voltasse para a piscina.
— Gosto do que vejo — gritou Richard, sorrindo. Talvez por coincidência Amanda escolheu exatamente aquele momento para jogar água no rosto dele. Samy desconfiou da atitude dela. Não estava mesmo convencida de que Amanda houvesse mudado. Ainda observava os dois, quando Simon voltou. Sem fazer qualquer comentário, ele a encarou, desconfiado, estendeu uma toalha na espreguiçadeira de Samy e em outra ao lado.
— Se quiser voltar para a água, não se incomode comigo — disse ela, ao vê-lo deitar-se.
A frase descontraída que proferiu não foi nada convincente.
— Relaxe, Samantha. Eu não mordo... Você gostou da piscina?
— Muito bonita. O desenho dela enriquece a paisagem, ao invés de estragá-la.
— Seu biquíni não faz o mesmo com você.
— Você prometeu não fazer comentários maliciosos. Lembra-se?
— Só enquanto você tirava o roupão. E por que você pensa que eu convido mulheres para banhos de piscina? Para examinar o corpo delas e fazer comentários.
— E eu que imaginava que havíamos sido convidadas porque você queria boa companhia e conversa inteligente... — Samy deitou-se de bruços enquanto falava. — Vou bronzear as costas e ficar calada por algum tempo.
— Quer que passe bronzeador nas suas costas? Samy olhou para Simon e viu que ele sorria malicioso.
— Esse truque é velho, meu caro.
— Eu sei. Mas trabalhei tanto na vida, que me desatualizei quanto às modernas técnicas de sedução.
Samy percorreu o corpo dele com o olhar e comentou, com ironia:
— Percebe-se que você tem trabalhado muito.
— Já vi que perco o meu tempo tentando conseguir sua compaixão. O que acontece com as mulheres atualmente?
— Estão ficando mais inteligentes.
Simon levava a sério a posição de anfitrião e por isso Samy, aos poucos, começava a se descontrair e se mostrava muito simpática, muito embora a sensualidade dele fosse por demais provocante para passar despercebida.
Ele, por sua vez, achava que as coisas caminhavam bem entre os dois. Era evidente que logo ela perceberia a impossibilidade de manter aquele noivado. Afinal Richard ainda amava Amanda. Por outro lado, Samy não parecia enciumada. Que jogo seria aquele?
Simon era bastante perspicaz e sabia que a personalidade de Samy fora marcada pelo acidente ocorrido com os pais e que agora fazia o possível para apagar seu temperamento sensual e apaixonado. A reação dela era normal e compreensível, mas já estava em tempo de alguém libertá-la. E por que não Simon Radnor? Só que ele não faria nada por ela, caso não vencesse primeiro sua desconfiança. Mas isso só seria possível assim que ela desistisse daquele casamento insensato...
— Ei, Samy! — O chamado de Richard quebrou o silêncio que se abatera entre os dois. — O que você acha de desafiarmos Simon e Amanda para uma partida de pólo aquático?
— O que é que você tem na cabeça para lançar um desafio desses? — perguntou Samy, com o rosto contraído numa careta.
— Preciso de reforços. Amanda está me fazendo de tolo aqui na piscina.
Bem... Era hora de representar o papel de noiva amorosa.
― Já vou — retornou ela, erguendo-se.
— Venha, Simon! — gritou Amanda.
Quando se encaminhavam em direção à piscina, Samy olhou para trás a fim de saber se Simon havia atendido ao chamado de Amanda. Havia. E tinha um olhar perverso, algo em mente que Samy sabia o que era. Saiu correndo, mas não foi rápida o suficiente. Ele a alcançou e a ergueu nos braços.
— Simon, não se atreva! — protestou, enquanto ele a carregava até a borda da piscina.
O sorriso de Simon tornou-se ainda mais sádico, se é que tal coisa era possível. Samy agarrou-se ao pescoço dele, decidida a não ser atirada na piscina. Só que ele estava com outras idéias em mente.
— Respire fundo, gatinha! — Sem mais uma palavra, ele se atirou à água. Ao sentir o contato da água fria contra sua pele superaquecida, Samy quase perdeu o fôlego e, por instantes, agarrou-se mais a Simon, buscando o calor de seu corpo. Por fim, desvencilhou-se.
— Água de chuva coisa nenhuma! — reclamou ela. — Você jogou cubos de gelo na piscina!
— Vamos, querida — chamou Richard, rindo. — Vamos jogar. Logo você estará aquecida.
Durante vinte minutos os quatro brincaram com animação. Simon e Richard estavam sempre em vantagem; Samy, a menor dos quatro, era quem mais se esforçava. Quando Simon propôs um intervalo para descanso, ela saiu da piscina e desabou na espreguiçadeira.
Enquanto os homens foram buscar as bebidas, Amanda sentou-se ao seu lado e perguntou-lhe em tom amigável:
— Você vai sobreviver, Samy? Samy abriu os olhos.
— Preciso recuperar o fôlego.
— Sabe o que me ocorreu? Os homens pretendem monopolizar a bola.
— É... Isso também me ocorreu na terceira vez em que Richard pulou na minha frente para agarrá-la.
Amanda sorriu maliciosa antes de perguntar, insinuante:
— Você já notou como é difícil evitar trombadas ali? Samy retribuiu o sorriso e piscou.
— É mesmo, Amanda. E às vezes os homens são tão desajeitados, não?
— É... Você cuida de Richard e eu de Simon. Assim eles não nos acusarão de mais nada.
Samy concordou prontamentecom o plano. Nesse momento os dois voltaram. Richard sentou-se na espreguiçadeira em que Samy estava e ofereceu-lhe um copo de refrigerante.
— Você parece um anjo encharcado — disse ele, brincando com uma mecha que caia sobre a testa de Samy.
Simon, que puxara uma cadeira para perto do grupo, completou:
— Um anjinho de Botticelli e uma Vênus de Ticiano. Parece que conseguimos obras de arte de dois mestres.
E assim, conversando amenidades, descansaram por mais alguns instantes. Ao voltarem ao jogo, provavelmente eles tinham como certo que Amanda e Samy estariam com entusiasmo redobrado. Por isso, atiraram-se à partida com vigor. Só depois de alguns tombos e encontrões provocados pelas duas é que perceberam as verdadeiras intenções de Amanda e Samy.
— Estão zombando de nós — anunciou Richard, franzindo o cenho.
— Você tem razão — concordou Simon, percebendo que elas se afastavam para as bordas da piscina. — Pegue Amanda. Ela está mais perto de você.
Samy estava quase fora da piscina, quando sentiu as mãos de Simon agarrá-la. ~
— Ora, Simon, foi só uma brin... Simon!
Ele a ergueu acima da cabeça e, segundos depois, ela foi arremessada para o meio da piscina, espirrando água em todas as direções. Logo depois, Amanda caía ao seu lado.
— Você vai ver! — gritou Samy.
Ato contínuo, ela e Amanda saíram atrás dos dois. Embora Richard e Simon tomassem direções opostas, a perseguição < não durou muito tempo, pois Amanda logo alcançou Richard, uma vez que nadava melhor do que qualquer um deles.
Simon, por sua vez, limitou-se a recuar até a borda dá piscina onde ficava de pé e Samy não. Assim que chegou perto, atirou-se ao pescoço dele, tentando derrubá-lo. Entretanto, Simon não se moveu um centímetro. Em vez disso, Samy ficou pendurada em seu pescoço.
— Não precisava se atirar em cima de mim, querida. Era só pedir.
Samy fuzilou-o com o olhar e tentou se desvencilhar. Contudo, o ímpeto do ataque deixara seus corpos bastante próximos, e qualquer movimento que fizesse apenas aumentaria a embaraçosa intimidade do contato. As risadas de Amanda e Richard indicavam que eles haviam feito "as pazes". Samy precisava escapar antes que a atenção deles se voltasse para ela.
Para complicar ainda mais, ela se deu conta de que o calor que sentia e o ritmo acelerado de seu coração não decorriam apenas do exercício. Chocada, descobriu a verdadeira natureza de seu estranho comportamento: enquanto a mente abstinha-se de pronunciar o julgamento final, seu corpo já se decidira por Simon. O contato com aquele corpo rijo e vigoroso, a virilidade agressiva, o pescoço forte que ela segurava, as mãos firmes que pousavam em sua cintura... tudo conspirava contra ela. Aquele homem era uma ameaça: precisava fugir dele.
— Não fique aí rindo, Simon — pediu Samy, percebendo um brilho malicioso nos olhos dele. — Ajude-me a ficar de pé.
— Ah, sim... claro.
Ainda sorridente, Simon carregou-a para a parte mais rasa. Assim que ela sentiu o chão, desvencilhou-se dele e nadou aliviada em direção à escada, a fim de sair da piscina.
O grupo gastou o resto da tarde preguiçosamente, tomando sol e nadando, sem qualquer contato físico. Samy juntava-se à conversa ocasionalmente, mas a maior parte do tempo tentava se ajustar à nova situação. Agora era obrigada a considerar Simon sob um novo e incômodo ponto de vista. É que, com irritação, percebia seu olhar buscando insistentemente o corpo dele. Repentinamente Simon começava a parecer-lhe fascinante.
Tinha que manter a cabeça no lugar. Esse tipo de atração costumava desaparecer rapidamente, e, de agora em diante, evitaria situações arriscadas como, por exemplo, encontros em piscinas...Por sorte, o suposto noivado com Richard, àquela altura, a protegia satisfatoriamente.
Por volta das quatro e meia eles abandonaram a piscina e foram se trocar para o chá. Alguém se lembrara de colocar um secador de cabelos à disposição de Samy e Amanda, e em pouco tempo estavam prontas. O chá seria servido no terraço. Os homens estavam lá quando elas chegaram, e conversavam animadamente com a sra. Radnor. De outro lado, a sra. Gessner dava os últimos retoques na mesa, completamente tomada por sanduíches, tortas, doces e bolos.
— Meu Deus! — exclamou Amanda. — Vou jejuar uma semana depois disso.
— Vocês demoraram — comentou Richard. — Pensávamos que vocês haviam se perdido.
— Ele sentiu sua falta, Samy — disse a sra. Radnor.
— Bobagem — respondeu Samy. — Ele ansiava por se atirar à comida, isto sim.
Todos riram, até mesmo Richard, que não se importava que zombassem de seu ótimo apetite. A sra. Gessner, que já tivera uma ótima impressão do "belo Herr Doktor", com aquele comentário o colocou num conceito ainda mais alto.
— Fui eu que preparei tudo — ela disse sorridente antes de se retirar.
— A sra. Gessner procura alguém com um apetite descomunal — informou a sra. Radnor. — Simon é uma tremenda decepção para ela.
— Bem, eu farei o máximo possível para que a senhora Gessner sinta-se prestigiada —- disse Richard.
— Vocês devem estar famintos depois de tanto tempo na piscina — disse a sra. Radnor. — Sirvam-se à vontade. Simon, você me traz um sanduíche e um pedaço de torta de chocolate, sim?
Enquanto se dirigia para a mesa, Samy tentou esconder um sorriso. O "pedido" da sra. Radnor tinha o mesmo tom autoritário que Simon usava, Era engraçado escutar aquilo.
— Você está com uma cara... — comentou Simon, ao seu lado. — Parece uma gata que acaba de tomar leite roubado.
Samy, que olhava para a mesa, pensando por onde começar, sobressaltou-se. Porém, ao atinar sobre o que ele falava, não se conteve e riu, fazendo uma feição marota.
— Sua avó está esperando. Ele ergueu uma sobrancelha.
— Já entendi. Você acha interessante alguém me dar ordens.
— Bem, Simon, você faz isso o tempo todo.
— Já lhe expliquei que é uma característica dos Radnor, contra a qual não posso lutar.
— É mesmo?
— Claro. Por sua vez, vovó também é mandona. Por que não faz a mesma coisa? Seria divertido você me dar ordens.
— É uma sugestão tentadora, mas duvido que Richard aprove. Além do mais, sou desobediente. Portanto, procurarei ignorar as suas ordens. É uma característica dos Abbott.
— Não obedecer a ordens?
— Não suportar tirania — corrigiu ela. — Praticamos isso desde a revolução.
Simon sorriu e olhou para o prato dela.
— Se você comer tudo o que colocou no prato, não terá condições de se rebelar.
Samy seguiu o olhar dele e arregalou os olhos ao ver o que fizera. Enquanto conversava, distraidamente ela enchera o prato, até quase o seu limite.
— Oh, não! Nunca comerei tudo isso! 
— Ora, pense em como deixará a sra. Gessner feliz.
— Ah, sim, claro. Para voltar para casa eu iria rolando. Nem precisaria do carro.
Por fim, Samy comeu o que conseguiu e, quando Richard convidou-a para uma volta no imenso jardim, ela gemeu e sacudiu a cabeça.
— Não posso. Comi demais. Preciso descansar um pouco.
— Vão você e Amanda — sugeriu Simon. — Enquanto Samantha se recupera, ficaremos aqui e faremos companhia para a minha avó.
Após a saída de Richard e Amanda, a sra. Radnor comentou:
— Essa jovem é bem mais simpática do que o pai. Samy concordou:
— Ela mudou bastante desde o ano passado.
— Qualquer uma mudaria — tornou a sra. Radnor. — Uma mulher que se casa e se divorcia em pouco mais de um ano precisa mudar seus conceitos.
— Ela poderia evitar isso — disse Simon. — Se não estivesse cega pelo dinheiro de Stuart Thompson, com facilidade descobriria que ele é cruel com mulheres, chegando até a agredi-las fisicamente.
Samy desconcertou-se com o tom enérgico e ríspido que Simon usara. Certamente ele nutria pouca simpatia por Amanda. E estava sendo injusto. Afinal, Amanda pagara por seu erro.
Pensando no modo como Simon pensava e agia, Samy chegou à conclusão de que basicamente o cinismo dele dirigia-se às mulheres. Isso explicava o antagonismo que havia entre os dois. Ela o achara arrogante, mas

Continue navegando