Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Revisão de literatura Anestesia em cães cardiopatas Anesthesia in Dogs Heart Thais Mayara Menegheti – Aluna especial do Curso de Pós - Graduação em Ciência Animal – Universidade Estadual Paulista ”Júlio de Mesquita Filho” – Campus Araçatuba. thameneghetivt@hotmail.com Valéria de Nobre Leal Oliva – Profa. Dra. em Anestesiologia – Unesp/ Araçatuba Menegheti TM, Oliva VnL. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010; 8(25); 194-199. Resumo O conhecimento dos efeitos cardiovasculares dos diversos anestésicos utilizados rotineiramente em cães é de extrema importância, uma vez que a incidência de procedimentos que necessitam de anestesia em animais portadores de cardiopatias é crescente atualmente. Dentre as cardiopatias mais freqüentemente diagnosticadas em cães estão a insuficiência de válvula mitral e a cardiomiopatia dilatada, sendo respectivamente mais comuns em cães de raças de pequeno e de grande porte. Estas alterações cardíacas provocam importantes distúrbios hemodinâmicos que podem ser intensificados com o uso inadequado de alguns fármacos. Devido a isto, a escolha adequada de anestésicos para a medicação pré-anestésica, indução e manutenção da anestesia se torna imprescindível. Palavras-chaves: Anestesia, cães, cardiopatias, alterações hemodinâmicas. Abstract The knowledge of cardiovascular effects of different anesthesics drugs used in dogs is important since the incidence of procedures requiring anesthesia in animals suffering from heart diseases is growing nowadays. Among the most commonly diagnosed heart diseases in dogs are mitral valve failure and dilated cardiomyopathy, respectively being more common in small and large breed dogs. These cardiac changes cause significant hemodynamic disturbances that may be intensified with the inappropriate use of some anesthesics drugs. Concluding, the correct choice of anesthesics drugs to preanesthetic induction and maintenance of anesthesia becomes essential. Keywords: anesthesia, dogs, cardiac disease, hemodynamics variables. 194 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(25); 194-199. Anestesia em cães cardiopatas Introdução O número de pacientes portadores de cardiopatias aten- didos em hospitais veterinários é crescente e têm–se obser- vado um aumento na casuística de procedimentos cirúrgicos realizados nestes animais devido ao aprimoramento de téc- nicas anestésicas balanceadas, disponibilidade de aparelhos modernos de monitoração e atuação de médicos veterinários especialistas (1). O desenvolvimento de novos fármacos e associações anestésicas contribui para a redução dos riscos inerentes a processos anestésicos rotineiros, conferindo me- nor comprometimento cardiovascular e consequentemente, reduzindo o risco cirúrgico (2). Segundo BUCHANAN (3) fatores como alterações nas raças mais criadas, aumento na incidência de determinadas doenças em raças específicas, aperfeiçoamento nos meios diagnósticos e o maior número de animais que são encaminhados aos hospitais escola atu- almente, contribuem para o aumento do número de proce- dimentos cirúrgicos realizados em cães cardiopatas. Muitos fatores levam à necessidade de se conhecer os efeitos cardio- vasculares dos diversos anestésicos usados rotineiramente, uma vez que a complexidade das alterações fisiopatológicas que ocorrem na doença cardíaca e o tipo específico de doença cardiovascular tornam impossível que um mesmo protocolo anestésico seja usado de modo seguro em todas as situações (4). A anestesia em um paciente com disfunção cardíaca pode ser de alto risco, já que além de causar depressão do sistema nervoso central, a maioria dos fármacos anestésicos também pode produzir depressão cardiovascular. (5). Baseado na literatura pertinente, o presente trabalho tem por objetivo relatar os principais efeitos cardiovasculares dos anestésicos mais utilizados na prática clínica cirúrgica em pa- cientes cardiopatas caninos, ressaltando a importância da se- leção dos fármacos anestésicos nas diversas situações da ro- tina e os principais cuidados referentes à sua utilização, uma vez que cada caso apresenta suas particularidades e necessita de cuidados específicos. Revisão Bibliográfica Alterações Fisiopatológicas Animais que apresentam alterações valvares primárias, como insuficiência da válvula mitral, têm uma diminuição do débito cardíaco relacionada ao volume de sangue regur- gitante em direção ao átrio (4), ao contrário do que se obser- va em animais portadores de cardiomiopatias que afetam a função do miocárdio como ocorre na cardiomiopatia dila- tada (6). Esta enfermidade leva à insuficiência contrátil do miocárdio, com função sistólica deprimida (7) e um aumen- to da pré-carga progressivo que contribui cada vez mais para a dilatação das câmaras cardíacas, sendo estes fatores, os responsáveis pela diminuição do débito cardíaco (6). Sendo assim, o protocolo anestésico indicado para animais com alterações valvares degenerativas, deve visar à redu- ção da fração regurgitante, evitar a distensão ventricular e o aumento da resistência vascular periférica, não causar diminuição da frequência cardíaca, hipertensão venocapi- lar pulmonar e diminuição da contratilidade, a fim de di- minuir o refluxo para o átrio (8). Em animais portadores de cardiomiopatia dilatada, torna-se necessário o emprego de um protocolo anestésico que evite a depressão miocárdica induzida por fármacos. Também é necessário manter a nor- movolemia e prevenir os aumentos da pós-carga (1). As alterações que ocorrem na volemia de animais car- diopatas se devem à ativação do sistema renina-angitensi- na-aldosterona que leva a retenção de sódio e água. Este sistema também causa vasoconstrição arterial com o obje- tivo de manter o volume intravascular e o débito cardíaco (8). A manutenção da frequência e da contratilidade cardí- aca se deve à ativação do sistema nervoso simpático. En- tretanto isto pode resultar em uma hipertrofia ventricular concêntrica nos casos de estenose valvular devido ao au- mento da pressão. Em casos onde há insuficiência valvular, a ativação do sistema simpático leva a hipertrofia ventricu- lar excêntrica em resposta ao aumento de volume. Estas al- terações, tanto no tamanho ventricular quanto no aumento do volume, podem resultar em um aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio, predispondo à produção de arritmias (4). A fluidoterapia deve ser realizada de manei- ra adequada em animais cardiopatas, pois estes são intole- rantes às alterações bruscas na volemia (5) e nos aumentos da pré-carga. Alterações na pós-carga podem ser causadas pelo uso de agentes dissociativos que causam aumento da pressão arterial e vasoconstritores que elevam a pós-carga, aumentando desta forma a força de contração necessária para manter o débito cardíaco adequado (1), sendo desa- conselhável o uso em animais portadores de enfermidades que afetam a contratilidade miocárdica (5). Com tudo isso, o objetivo da seleção de um fármaco para sedação e anestesia geral é minimizar as alterações cardiovasculares adicionais que este pode vir a causar (4). Para isto, é necessário conhecer as alterações específicas de cada cardiopatia já que as diferenças entre elas podem tor- nar indicado ou não o uso de determinado fármaco (5). Predisposição Dentre as doenças cardíacas que afetam os cães pode- mos citar principalmente a doença degenerativa valvular crônica e a cardiomiopatia dilatada (1). Dentre as alterações valvulares, a degeneração mixomatosa crônica da valva mi- tral é a que apresenta maior prevalência, sendo mais obser- vada em animais idosos (acima de seis anos), machos e nas raças de pequeno porte (9) como Poodles, Schnauzers Mi- niatura, Chihuauhuas, Fox Terriers, CockerSpaniels e Bos- ton Terriers (10). A cardiomiopatia dilatada afeta principal- mente cães de raças grandes e gigantes, embora os Cockers Spaniels sejam também comumente afetados. A faixa etária de início dos sintomas para ambos os sexos é dos quatro aos seis anos de idade; contudo, cães de qualquer idade po- dem desenvolver a doença (11). Os Dobermans Pinschers são os mais acometidos, seguidos das raças Boxer, La- brador Retriever, Dinamarquês, Terra Nova, dentre outras 195Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(25); 195-199. Anestesia em cães cardiopatas (7). Acredita-se que fatores genéticos devam desempenhar algum papel nestas raças, devido à alta incidência de car- diomiopatia dilatada de origem idiopática observada (10). Cuidados Pré Anestésicos Durante o ato anestésico-cirúrgico o sistema cardio- vascular é submetido a múltiplas agressões decorrentes do trauma cirúrgico, efeito direto ou indireto dos agentes anestésicos, alterações da respiração, da temperatura e da atividade do sistema nervoso autônomo. Estas alterações são bem toleradas por um sistema cardiovascular íntegro, porém pacientes com doença cardiovascular podem sofrer descompensação, que se manifesta como isquemia miocár- dica, congestão pulmonar e/ou disritmias (12). Sendo as- sim, o objetivo de uma avaliação pré-operatória adequada é identificar os pacientes de alto risco, conhecer a gravidade da doença e o grau de comprometimento tanto da função cardíaca como de outros órgãos que podem ser afetados pela doença base como pulmões, rins e fígado (1). A avalia- ção pré-operatória pode até mesmo contra-indicar a cirur- gia ou recomendar a realização de um procedimento menos agressivo, o que é fundamental para reduzir a mortalidade (13). Os exames complementares que devem ser realizados no pré operatório de animais portadores de cardiopatia são eletrocardiograma, radiografia de tórax, ecocardiograma e avaliação laboratorial, incluindo hemograma completo, análise das funções renal e hepática e quando possível, tes- tes de coagulação, sendo que a realização destes exames de- verá estar relacionada com o grau da cardiopatia e o tipo de procedimento a ser realizado (1). O risco anestésico-cirúrgico do paciente pode ser ava- liado por diferentes índices, sendo que o principal é o ASA, estabelecido pela American Society of Anesthesiologists (1). Outro método de avaliação foi estabelecido pelo Inter- national Small Animal Cardiac Health Council, fundado em 1992, que elaborou normas para três classificações fun- cionais de doenças cardíacas (12). Esta classificação é ba- seada nas alterações anatômicas e na severidade dos sinais clínicos nos animais em repouso com o objetivo de facili- tar o manejo e compreensão da enfermidade (14). Segundo esta classificação, os pacientes tidos como Categoria I têm a doença cardíaca confirmada, mas são assintomáticos. Al- terações na morfologia cardíaca podem ser detectadas em radiografias e ecocardiografias (4). Nesta categoria entram os animais classificados como ASA II e III, que respectiva- mente são os pacientes cardíacos compensados que não es- tão recebendo medicações e os que recebem fármacos para compensar as alterações cardíacas. Tais pacientes podem ser sedados ou anestesiados com segurança e sem nenhuma estabilização adicional (4). Animais com insuficiência leve a moderada são classificados como categoria II e apresentam sinais clínicos evidentes da doença, mesmo em repouso ou em leves atividades físicas, comprometendo a qualidade de vida do animal. Os sinais típicos incluem intolerância ao exercício, tosse, taquipnéia, dispnéia e ascite leve ou mo- derada (14). Tais pacientes são classificados como ASA IV e são muito mais suscetíveis ao risco de debilitação ou morte no período pós-cirúrgico. Estes animais requerem estabili- zação adicional com fármacos cardíacos e devem estar li- vres de sinais de insuficiência cardíaca por vários dias antes da sedação ou da anestesia (4). Já os pacientes classificados na categoria III, apresentam sinais de insuficiência cardíaca grave ou avançada, como dispnéia, ascite, importante into- lerância ao exercício e hipoperfusão em repouso. À auscul- tação pulmonar podem ser identificados sons pulmonares adventícios e edema pulmonar (7). É necessária intensa e agressiva estabilização antes da sedação e anestesia. Estes pacientes são classificados como ASA V e a anestesia geral não é indicada (4). Monitoração No paciente cardiopata, a monitoração necessária para a condução segura do ato cirúrgico pode diferir daquela empregada em um paciente hígido. Isto porque alterações toleradas ou facilmente corrigidas em um paciente hígi- do, com uma simples diminuição na oferta de anestésico inalatório e um aumento na taxa de infusão de fluidos (1), não são compensadas em um paciente cardiopata (5). Em cirurgias de grande porte, métodos adicionais de monito- ração devem utilizados como aferição da pressão arterial invasiva e da pressão venosa central. Isto porque métodos de monitoração invasivos fornecem informações mais pre- cisas sobre o volume intravascular e pressão arterial que métodos não invasivos como a aferição da pressão arte- rial sistólica pelo Doppler e das pressões sistólica, média e diastólica pelo método oscilométrico, onde se torna neces- sário o acompanhamento das tendências da pressão, pois não necessariamente os valores mostrados são reais (4). A avaliação do eletrocardiograma é fundamental durante a monitoração destes animais, pois permite avaliar continua- mente a frequência e o ritmo cardíaco, além de diagnosticar eventuais desequilíbrios eletrolíticos e isquêmicos (1). Anestésicos Inalatórios O emprego de agentes halogenados em cardiopatas está fundamentado na capacidade de diminuir o consumo de oxigênio pelo miocárdio de maneira dose-dependente. Esta diminuição representa o resultado final dos efeitos destes anestésicos sobre o sistema cardiovascular (15). Todos os agentes inalatórios deprimem a contratilidade cardíaca pro- porcionalmente à concentração inspirada, diferindo quanto ao grau de depressão entre eles (1). Existem algumas dife- renças entre os efeitos do isoflurano e os dos outros haloge- nados sobre os parâmetros cardiovasculares (15). O isoflu- rano é um dos principais agentes inalatórios utilizados em medicina veterinária devido a sua vantagem de causar míni- ma depressão hemodinâmica (16). Em relação à contratilida- de miocárdica, o isoflurano é o que causa menor depressão. Ele atua principalmente diminuindo a resistência vascular sistêmica e causando, com isso, diminuição da pressão arte- 196 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(25); 196-199. Anestesia em cães cardiopatas rial (17). O emprego do isoflurano em até duas concentrações alveolares mínimas (CAM) não leva à diminuição do débito cardíaco. Isto pode ser justificado pelo aumento da frequ- ência cardíaca em até 20% que este agente inalatório causa, colaborando para manutenção do débito cardíaco (18). O halotano é o agente que provoca maior depressão he- modinâmica ocorrendo bradicardia, diminuição da resistên- cia vascular periférica e inotropismo negativo, culminando com severa hipotensão. O que diferencia a hipotensão causa- da pelo halotano da resultante pelo uso do isoflurano é que a origem desta redução está totalmente relacionada à diminui- ção da força de contração, diferentemente do que ocorre com o uso de isoflurano, onde a principal causa é a diminuição da resistência vascular periférica, fato que permite a manutenção do débito cardíaco (16). Este anestésico inalatório ainda reduz o automatismo cardíaco, causando atenuação da reposta cro- notrópica à redução da pressão arterialsistólica. Outra des- vantagem em se utilizar o halotano é que ele promove uma sensibilização do miocárdio às catecolaminas, predispondo à ocorrência de fibrilação ventricular (1). O sevoflurano provoca taquicardia e hipotensão arterial nos cães. BERNARD et al (19) observaram um aumento de 30 a 40% da freqüência cardíaca basal em cães, durante a admi- nistração de 1,2 a 2 CAM de sevoflurano. Este também cau- sa vasodilatação periférica e depressão da contratilidade do miocárdio de intensidade proporcional à dose utilizada. O desfluorano ainda é pouco utilizado em medicina vete- rinária devido ao seu alto custo, mas apresenta características como uma ação depressora no sistema cardiovascular indu- zindo a redução da pressão arterial média e o aumento na freqüência cardíaca, bem como depressão da contratilidade do coração e conseqüente redução do débito cardíaco (20). O desflurano não sensibiliza o miocárdio aos efeitos arritmogê- nicos da adrenalina e seus efeitos cardiovasculares são muito semelhantes ao provocados pelo isoflurano (1). 2.6 Anestésicos Gerais Intravenosos Os anestésicos gerais são fármacos que promovem depres- são do sistema nervoso central, de forma dose-dependente e reversível, tendo como resultado a perda das capacidades de percepção de estímulos dolorosos e a resposta a eles, mesmo não possuindo características analgésicas intrínsecas. Dentre os mais importantes podem-se citar o tiopental, o etomidato e o propofol (16). O tiopental sódico pertence ao grupo dos tiobarbitúricos, com ação hipnótica de instalação rápida e de curta duração, sendo utilizado como agente indutor de anestesia geral (21). É contra-indicado em animais portadores de doenças cardíacas, já que causa depressão do sistema cardiovascular de forma dose dependente, por depressão do centro vasomotor e do miocárdio, reduzindo a força de contração cardíaca, com dis- creta redução da pressão arterial e pressão venosa central, (16) devido à diminuição transitória do tônus do sistema nervoso simpático. Os barbitúricos ainda potencializam as arritimias ventriculares induzidas pela epinefrina na anestesia com ha- lotano. Deve-se evitar a administração repetida dos barbitúri- cos, uma vez que possuem efeito cumulativo (1). O uso do Propofol como agente indutor na anestesia tem a vantagem de proporcionar uma a indução e recuperação geralmente satisfatórias, sendo possível verificar ausência de fenômenos excitatórios, quando sedativos são utilizados na medicação pré-anestésica (22). Entretanto provoca redução nas pressões arteriais sistólica, diastólica e média (23), ocasionando hipotensão sistêmica resultante da redução da resistência vas- cular periférica, sendo esta proporcional ao aumento da con- centração plasmática deste agente (24). Diminui o débito cardí- aco, por redução da pré carga dado ao seu efeito venodilatador direto reduzindo a pressão arterial e a sensibilidade barorre- flexa em resposta à hipotensão arterial (25). Também reduz a frequência cardíaca e o consumo de oxigênio pelo miocárdio e aumenta o fluxo coronariano devido à vasodilatação corona- riana que provoca (26). Em doses eqüipotentes ao tiopental, o propofol causa maior hipotensão, pois provoca uma depressão sobre a resistência vascular sistêmica mais intensa (27). O etomidato é o agente indutor ideal para o paciente car- diopata, pois provoca alterações mínimas na frequência, no ritmo, na contratilidade, na pressão arterial e no débito car- díaco (4). Quando utilizado em altas doses, pode causar uma pequena redução na pressão arterial resultante da diminuição do tônus do sistema nervoso central, do retorno venoso e do metabolismo periférico (1). Quando administrado em doses clínicas, o etomidato produz rápida e fugaz hipnose, tendo ação semelhante a do tiopental. Também pode produzir mio- clonias que podem ser diminuídas pelo uso de medicação pré-anestésica (22). Agonistas Alfa-2-Alfa-Adrenérgicos Os agonistas dos receptores alfa-2 afrenérgicos, tal como a xilazina possuem boa ação sedativa e analgésica, além de produzirem um efeito de relaxamento muscular central moderado (28). No sistema cardiovascular, a xilazina causa efeitos variáveis (29), podendo desencadear uma resposta bi- fásica da pressão arterial, ou seja, provoca um aumento inicial da pressão com posterior hipotensão duradoura. Também produz um aumento da resistência vascular e estimula os re- ceptores alfa periféricos (30), podendo causar intensa vaso- constrição (29). Devido a uma resposta reflexa ao aumento da pressão arterial, pode ocorrer uma redução na frequência cardíaca de maneira acentuada, devido à diminuição da ativi- dade simpática e a um aumento da atividade vagal (31). Em um estudo realizado, MONTEIRO et al. (32) observaram que o principal efeito adverso da administração da xilazina foi a bradicardia. Os agonistas dos receptores alfa-2 adrenérgi- cos freqüentemente ocasionam efeitos arritmogênicos (33) e produzem bloqueio atrioventricular de graus variados (34). Todas essas ações da xilazina podem ser controladas com o emprego de anticolinérgicos como a atropina, entretanto é importante ressaltar que estes fármacos podem causar um aumento acentuado do consumo de oxigênio pelo miocárdio, devido à taquicardia que provocam, resultando em isquemia miocárdica. Além disso, o tempo de ação da xilazina é supe- rior ao da atropina (1). 197Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(25); 197-199. Anestesia em cães cardiopatas Analgésicos Opiódes Os analgésicos opióides são muito utilizados na anestesia balanceada, pois promovem analgesia intensa possibilitando a diminuição na concentração de anestésicos voláteis e injetá- veis na indução e manutenção da anestesia (1). Os efeitos dos agentes opióides sobre o sistema cardiovascular dependem do fármaco utilizado, da dose empregada e da velocidade de aplicação. A meperidina é o único opióide que pode levar a um aumento da frequência cardíaca, devido ao bloqueio va- gal que causa (1). Os opióides em geral apresentam efeitos mínimos sobre o sistema cardiovascular, podendo, ocasional- mente, levar a uma bradicardia sinusal que é facilmente cor- rigida com o uso de substâncias anticolinérgicas como a atro- pina e o glicopirrolato (29). Estas características dos opióides são benéficas, já que promovem uma diminuição no consumo de oxigênio pelo miocárdio, diminuindo o risco de eventos isquêmicos. Observa-se hipotensão apenas quando se admi- nistra a morfina ou meperidina por via intravenosa, devido à liberação de histamina que leva a intensa vasodilatação (1). Apesar de o uso destes compostos diminuir a frequência cardíaca, a pouca influência sobre a contratilidade cardíaca e a resistência vascular periférica possibilita manter um débito cardíaco adequado, sendo indicados no protocolo anestésico de animais portadores de cardiopatia (35). Fenotiazínicos Os tranqüilizantes são drogas utilizadas de forma roti- neira como agentes pré-anestésicos, facilitando o manejo, diminuindo a ansiedade e o estresse pré-cirúrgico (36) e re- duzindo a dose dos anestésicos injetáveis e inalatórios (37). A acepromazina apresenta um efeito depressor sobre o sistema cardiovascular induzindo ao aparecimento de hipotensão (31), diminuição do débito cardíaco e da freqüência cardíaca. A hipotensão se deve ao bloqueio alfa-1-adrenérgico e a vasodila- tação direta (29). STEPIEN et al. (36) observaram uma redução de aproximadamente 24% do volume sistólico, relacionada à diminuição do retorno venoso, da pré-carga e a um efeito inotrópico negativo. A depressão destes parâmetros torna-se ainda mais acentuada em casos onde há enfermidades cardí- acas, presença prévia de hipovolemia ou de hipotensão (38). Benzodiazepínicos Os benzodiazepínicossão amplamente utilizados na anes- tesia em pacientes cardiopatas por causarem mínimos efeitos sobre o aparelho cardiovascular (39). Não alteram o ritmo nem a frequência cardíaca (1) e promovem um pequeno efei- to tranqüilizante no cão (31). Possuem uma ação ansiolítica, hipnótica, anticonvulsivante e relaxante muscular e por isso são muito utilizados. O midazolam aparece como o tranqüi- lizante que possui menores efeitos com relação aos aparelhos cardiovascular e respiratório no cão (49). Em um estudo, MÁRSICO et al. (41) não observaram alterações do débito car- díaco ao associarem o midazolam a diferentes concentrações de isoflurano, devido à manutenção da pressão arterial mé- dia e da freqüência cardíaca. Entretanto foi observada uma queda moderada da pressão arterial apenas em concentrações de isoflurano mais elevadas (2.0 CAM). Conclusão Os cuidados anestésicos em pacientes cardiopatas são im- prescindíveis e os médicos veterinários devem estar cientes dos riscos ao indicar um animal cardiopata para um proce- dimento que necessite de uma sedação ou anestesia geral. O estudo dos efeitos cardiovasculares dos diversos anestésicos usados rotineiramente se torna cada vez mais importante de- vido à crescente casuística de animais portadores de cardio- patias que chegam aos hospitais veterinários atualmente. Muitos anestésicos devem ser evitados em protocolos anestésicos para animais cardiopatas, dentre eles: a acepro- mazina, os agonistas alfa-2-adrenérgicos e o halotano. Deve- se optar por fármacos que tenham efeitos mínimos sobre o sistema cardiovascular a fim de proporcionar maior seguran- ça ao procedimento anestésico e diminuir os riscos como os opióides e os benzodiazepínicos. Desta forma, a neuroleptoa- nalagesia é uma ótima escolha quando se trata de animais car- diopatas e o etomidato é considerado o agente indutor ideal para este tipo de paciente. É necessário ter o conhecimento sobre a atuação de cada fármaco sobre o organismo com um todo, já que na rotina de um anestesiologista, nem sempre os anestésicos ideais estarão disponíveis, cabendo a ele decidir o melhor protocolo anesté- sico possível. Referências 1. FAnTOnI, D. T. Anestesia no cardiopata. In: FAnTOnI, D. T. & CORTOPASSI, S. R. Anestesia em Cães e Gatos. São Paulo: Roca, 2002. cap. 30, p. 295-319. 2. SOUZA, A.P. et al. Efeitos cardiovasculares e neuroendócrinos do butorfanol e da buprenorfina em cães anestesiados pelo desfluorano. Arquivo Brasileiro de Medici- na Veterinária e Zootecnia. Belo Horizonte. vol.59 n. 2 . 2007. 3. BUCHAnAn, J.W. Prevalence of cardiovascular disorders. In: FOx, P. R. et al. Tex- tbook of canine and feline cardiology. Philadelphia, W. B. Saunders Company, p. 457-470, 2000. 4. DAY, T, K. et al. Anestesia do paciente com doença cardíaca. In: GREEnE, S. A. Segredos em Anestesia Veterinária e Manejo da Dor. Porto Alegre: Ed. Artmed, cap 27, p. 195-203. 2004. 5. HARVEY, R.C.; ETTInGER, S. J. Cardiovascular Disease. In: Tranquili, W. et al. Ve- terinary Anesthesia and analgesia; Lumb & Jones. 40 ed. Australia. Ed. Black Well Perblishing, 2007. cap. 36, p. 891-897. 6. ABBOTT, J. A. Miocardiopatia Dilatada. In: WInGFIELD, W. E. Segredos em Medicina Veterinária de Emergência. 2ª Ed. Porto Alegre: Ed. Artmed, 2004. cap. 52, p. 268- 276. 7. RODRIGUES, M. F. G. Cardiomiopatia Dilatada Em Cães – Revisão. 2008. Trabalho de conclusão de curso de especialização latu sensu em Clínica Médica e Cirúr- gica de Pequenos Animais, Rio de Janeiro. 8. MARKS, S. L. Insuficiência da Válvula Mitral Devido à Endocardiose. In: WIn- GFIELD, W. E. Segredos em Medicina Veterinária de Emergência. 2ª Ed. Porto Alegre: Ed. Artmed, 2004. cap 51, p. 265-268. 9. OLIVEIRA, M. S. Eletrocardiografia Contínua (Holter) na Avaliação de Cães com Degeneração Mixomatosa Crônica da Valva Mitral. 2009. Tese de dissertação de Mestrado. UFMG – Escola de Veterinária, Belo Horizonte. 10. nELSOn, R. W.; COUTO, C. G.; Medicina Interna de Pequenos Animais. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, Ltda., 2006. cap. 6;8, p. 103-105; 135-137. 11. FOx, P.R. Moléstias do Miocárdio. In: ETTInGER, S.J. Tratado de medicina In- terna Veterinária. São Paulo: Manole, p.1104-1122. 1992. 12. MARCOn, E. n.; SAVARIS, n. Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata. Revista Brasileira de Anestesiologia.; Vol. 47: n. 4: p. 350 – 362. 1997. 13. GOLDMAn, L.; BRAUnWALD, E. General Anesthesia and noncardiac Surgery in Patients with Heart Disease. In: BRAUnWALD, E. Heart Disease. 4th Ed, 198 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(25); 198-199. Anestesia em cães cardiopatas Philadelphia, WB Saunders Company, 1992; 1708-1719. 14. BULMER, B. J.; SISSOn, D. D. Therapy of Heart Failure. In: ETTInGER, S.J.; FELDMAn, E.C.; Textbook of veterinary internal medicine, Philadelphia: WB Saunders Company, p. 948-972. 2005. 15. CAGnOLAT, C. A. Isoflurano em Cirurgia Cardíaca. Revista Brasileira de Aneste- siologia. Vol. 38: nº 6, p. 427-430. novembro - Dezembro, 1988. 16. LUnA, S. P. L. et al. xII Curso Prático e Teórico de Anestesia em Pequenos Animais 2007. Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – FMVZ/UnESP – Campus de Botucatu. 17. nOCITE, J. R. Isoflurano, vantagens e devantagens. Revista Brasileira de Anes- tesiologia.; Vol 37, p. 253-259. 1987. 18. EGER, E. Isoflurane: a review. Anesthesiology, vol. 55, p. 559-576, 1981. 19. BERnARD, J. M. et al. Effects of sevoflurane and isoflurane on cardiac and coronary dynamics in chronically instrumented dogs. Anesthesiology, Vol. 72, p. 659-662. 1990. 20. PAGEL, P.S. et al. Influence of volatile anesthetics on myocardial contractily in vivo: desflurane versus isoflurane. Anesthesiology, v.74, p.900- 907, 1991. 21. SALDAnHA, V. B, Efeitos Hemodinâmicos do Etomidato, Midazolam e Tiopental. Estudo em lndução no Homem e em Coração Perfundido de Ratos. Santa Maria. Revista Brasileira de Anestesiologia. Vol. 41: nº 6, novembro - Dezembro, 1991. 22. FERRO, P. C. Variáveis fisiológicas em cães submetidos à infusão contínua de di- ferentes doses de propofol. Ciência Rural, Santa Maria, vol.35 n. 5, Out. 2005. 23. AnTUnES, F. Anestesia por infusão contínua e por doses complementares de propofol em gatos pré-tratados com acepromazina. 1999. 84f. Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária - Universidade Federal de Viçosa. Viçosa. 24. WHITWAM, J.G. et al. The effects of propofol on heart rate arterial pressure and somatosympathetic reflexes in anesthetized dogs. Eur. J. Anaesthesiol., Oxford, v.17, n.1, p.57-63, 2000. 25. GOODCHILD, C. S.; SERRAO, J. M. Cardiovascular effects of propofol in the anaesthetizes dog. Br J Anaesth, Oxford, Vol. 63, n. 1, p. 87-92, 1989. 26. STOWE, D. F. et al. Comparison of Etomidate, Ketamine, Midazolam, Propofol and Tiopental on Function and Metabolism of Isolated Hearts. Anesthesia and Analgesia.. Vol. 74, p. 547-558. 1992. 27. LEPAGE, J. M. et al. Left Ventricular Performance During Propofol or Methohexi- tal Anesthesia. Anesthesia and Analgesia. 1991. Vol. 73, p. 3-9. 28. JUSTEIn, H. M. S. et al. Efeitos sedativos das associações xilazina/midazolam e medetomidina/midazolam no gato. Rev. Bras. Ciênc. Vet., Vol. 3, p. 29-34, 1996. 29. PADDLEFORD, R. R. Drogas Anestésicas. In: PADDLEFORD, R. R. Manual de Anestesia em Pequenos Animais. 2a ed. São Paulo: Roca, 2001. cap. 2, p. 16-35. 30. LEMKE, K.A. et al. Alterations in the arrhythmogenic dose of epinephrine after xylazine or medetomidine administration in isoflurane-anesthetized dogs. Am. J. Vet. Res., vol.12, p. 2139-2144, 1993. 31. THURMOn, J. C. In: Tranquili, W. et al. Lumb & Jones. Veterinary Anesthesia. 3a Ed. Baltimore: Williams & Wilkins, p. 183: 209, 1996. 32.MOnTEIRO, E. R. et al. Efeitos sedativo e cardiorrespiratório da administração da metadona, isoladamente ou em associação à acepromazina ou xilazina, em gatos. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science. São Paulo, 2008. v. 45 n. 4. 33. HASKInS, S.C.; et al. xylazine and xylazine - Ketamine in dogs. Am. J. Vet. Res., Vol. 47, p. 636-641, 1986. 34. TEnDILLO, F.J.; et al. Cardiopulmonary and analgesic effects of xylazine, deto- midine, medetomidine and the antagonist atipemazole in isoflurane anestheti- zed swine. Laborat. Sci., Vol. 46. p. 215-219, 1995. 35. OTERO, P. E. Drogas analgésicas. In: OTERO, P. E. DOR: Avaliação e Tratamento em Pequenos Animais. São Paulo: Interbook Comp. Imp. De Livros Ltda, 2005. cap. 7, p.99-100. 36. STEPIEn, R.L. et al. Cardiorespiratory effects of acepromazine maleate and buprenorphine hydrochloride in clinically normal dogs. Am. J. Vet. Res., Vol. 56, n1, p.78-94, 1995. 37. WEEB, A. I.; O’BRIEn, J. M. The Effect of acepromazine maleate on the anes- thetic potency of halothane and isoflurane. J. Am. Anim. Hosp. Assoc., Vol. 24, p.609-613, 1988. 38. MUIR, W. W. Drugs used to produce standing chemical restrain in horses. Vet. Clin. Anim., vol. 3, p. 17-44, 1981. 39. JACOBSOn, J.D; HARSTFIELD, S.M. Cardiovascular effects of intravenous bolus administration and infusion of ketamine - midazolam in isoflurane anesthetized dogs. Am. J. Vet. Res., Vol. 54, n. 10, 1993. 40. KEEGAn, R.D. et al. Antagonism by flumazenil of midazolam-induced changes in quantitative eletroencephalografic data from isoflurane - anesthetized dogs. Am. J. Vet. Res., Vol. 54, n. 5, p. 761-765, 1995. 41. MÁRSICO. F. F. et al. Efeitos cardiorrespiratórios de acepromazina, xilazina e mida- zolam associados a diferentes concentrações de isoflurano. Acta Scientiarum Vol. 20, n. 3, p. 355-360, 1998. Recebido para publicação em: 16/03/2010. Enviado para análise em: 16/03/2010. Aceito para publicação em: 30/05/2010. 199Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(25); 199-199.
Compartilhar