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1 Um breve histórico da teoria das “ondas longas” do capitalismo: Kondratieff, Mandel e Arrighi. André Koutchin de Almeida Bacharel em Ciências Econômicas pela UFMS Mestrando em Agronegócios pela UFMS E-mail: akoutchin@hotmail.com Fone: (67) 3331-3970 Ricardo Pereira de Melo Bacharel em Ciências Econômicas pela UFMS Doutorando em Filosofia pela UNICAMP E-mail: ricardo3020@gmail.com Fone: (67) 3365-8599 RESUMO: Este trabalho tem como objetivo discutir, brevemente, a história da teoria das “ondas longas” no capitalismo mundial. Dentro desta proposta de comunicação, analisaremos as formulações elaboradas a partir do início do século por Kondratieff, passando pelo economista marxista Ernest Mandel e chegando finalmente à proposição de Giovanni Arrighi. Após a Segunda Grande Guerra, a economia ficou cada vez mais prisioneira da econometria e dos modelos de crescimento econômico. Este momento do desenvolvimento capitalista é marcado pelo período de crescimento de 1948 até 1970, que significou, literalmente, o fim do interesse pelos ciclos econômicos. Com a crise mundial a partir do final dos anos 1960, os economistas políticos voltaram suas preocupações para as “ondas longas” do capitalismo, buscando compreender a trajetória dos padrões de evolução e repetição do sistema. É nesse contexto que se busca destacar a abordagem dos ciclos sistêmicos de acumulação. Palavras-chave: desenvolvimento capitalista; ondas longas; ciclos sistêmicos de acumulação. 1. INTRODUÇÃO Desde o princípio, a formulação da teoria das “ondas longas” tem colocado grandes controvérsias sobre as hipóteses e posições políticas de vários teóricos. Em geral, as “ondas longas” são ciclos de desenvolvimento capitalista compostos de fases acentuadas de prosperidade e estagnação. O primeiro a discutir, convencionalmente, a teoria das “ondas longas” foi o economista russo Kondratieff. Pesquisando na década de 1920 as estatísticas de produção industrial - consumo, preços, juros e salários - da Grã-Bretanha, Estados Unidos e França, Kondratieff foi o primeiro a registrar esses ciclos longos exatamente no período da maior crise da economia capitalista. 2 Após a Segunda Grande Guerra, a economia ficou cada vez mais prisioneira da econometria e dos modelos de crescimento econômico. Este momento do desenvolvimento capitalista foi marcado pelo período de crescimento de 1948 até 1970, que significou, literalmente, o fim do interesse pelos ciclos econômicos. Com a crise mundial a partir do final dos anos 1960, os economistas políticos voltaram suas preocupações para as “ondas longas” do capitalismo. O principal representante dessa contribuição pós-guerra é Mandel que, apoiando-se na teoria marxista, descreve a fase de ascenso e descenso do ciclo industrial iniciada com as inovações que se expandiram logo após a 2ª Guerra Mundial como, por exemplo, a energia nuclear. Dessa forma, segundo Mandel, estaríamos vivendo a fase de descenso no capitalismo atual. Renovando o padrão de abordagens, Arrighi derivou os conceitos teóricos formulados por Braudel, analisando o comportamento histórico mundial a partir da concentração de poder e capital numa determinada região do mundo que, de tempos em tempos, passa a exercer sua influência sobre as demais. Remetendo-se à análise dos ciclos sistêmicos de acumulação, identificou duas fases distintas: a primeira marcada por um período de prosperidade, calcada em movimentos de expansão produtiva; e a segunda caracterizada pelo longo declínio do ciclo, marcada pela fase de expansão financeira. Portanto, mais do que trazer uma nova formulação ou acrescentar algo novo à teoria das “ondas longas”, nos limitaremos a discutir a história da teoria e por que ela é importante na formulação da Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM), especialmente na proposição elaborada por Arrighi. 2. ELEMENTOS “ENDÓGENOS” DA TEORIA MANDELIANA DAS “ONDAS LONGAS”: A LEI DO VALOR E O PROCESSO DE ACUMULAÇÃO DO CAPITAL Falar sobre a teoria das “ondas longas” de Mandel é relacioná-la com o intenso papel militante que este teórico marxista teve nas fileiras do trotskysmo internacional. Sua intensa atividade militante fez romper com o grupo de 1953 liderados por James Cannon e formar juntamente com Miguel Pablo a reestruturação da IV Internacional em 1963. 1 1 Mandel era conhecido por sua posição conciliadora com diversos grupos, inclusive revisionistas. 3 Assim, fez oposição também ao stalinismo teórico e aos teóricos mecanicistas soviéticos. A atividade militante propiciou a Mandel reformular muitas teorias e recolocar a economia marxista no centro da discussão acadêmica, principalmente no seu aspecto de ciclos e crises. 2 Logo após a Segunda Guerra Mundial, os economistas preocuparam-se em formular teorias que explicassem o crescimento econômico continuado no pós-guerra e deixando a teoria dos ciclos - ascensão e crise - afastada dos debates acadêmicos. Com a crise continuada e permanente desde a década de 70, houve um retorno ao estudo do comportamento dos ciclos econômicos e da tradição inaugurada por Kondradieff das “ondas longas”. Mandel, sem dúvida, é um dos expoentes desta teoria. Em 1972, ele lança o livro O capitalismo tardio que coloca no centro do debate o problema das “ondas longas”. Sua contribuição nesta área é tentar estabelecer uma ligação entre teoria do valor de Marx e os extensos períodos de contração e expansão do capitalismo. Para isso, Mandel coloca no epicentro da sua análise o papel da luta de classes na história do capitalismo. Como bem destaca Katz sobre a importante contribuição de Mandel para a teoria das ondas longas: O reestabelecimento marxista contemporâneo mais importante do problema das ondas longas foi realizado por Ernest Mandel. Seu esquema analítico teve grande impacto, tanto no âmbito acadêmico como no campo político. Rever a sua interpretação original – comparando-a com outras e corrigindo as incompreensões freqüentes – possibilita obter um juízo geral sobre a teoria e separar as pistas falsas das linhas promissoras dessas investigações (KATZ, 2000, p. 75). Segundo Mandel, o capitalismo é marcado por momentos de expansão e contração da atividade econômica que resultam das leis internas do modo de produção capitalista. Apoiando da teoria do valor de Marx, Mandel afirma que o desenvolvimento cíclico da economia capitalista é ocasionado pela expansão e contração da produção de mercadorias, e consequentemente pela produção de mais-valia. O andamento cíclico da economia capitalista não é fruto do acaso, mas se desenvolve internamente ao sistema. As “leis internas do modo de produção capitalista é a razão para a inevitabilidade das oscilações conjunturais do capitalismo” (MANDEL, 1982, p. 75). Assim: Esse desenvolvimento corresponde, mais precisamente, a uma unidade dialética de períodos de equilíbrio e períodos de desequilíbrios, cada um 2 “Cada página que escreveu tinha ligação com sua batalha de revolucionário para construir uma sociedade emancipada da exploração” (KATZ, 2000, p. 96). 4 desses elementos dando origem à sua própria negação...Todas as características do capitalismo como forma econômica estão presentes nessa descrição características baseadas em sua tendência inerente a rupturas de equilíbrio. Essa mesma tendência também se encontra na origem de todas as leis de movimento do modo de produção capitalista (MANDEL, 1982, p. 17). Dessa forma, as “ondas longas” para Mandel não são o efeito de elementos de “fora” do modelo como, por exemplo, revoluções tecnológicas.O problema fundamental para entender “a curva do desenvolvimento capitalista” se encontra “endogenamente”, ou seja, nas leis que regulam o processo de acumulação capitalista. “O ciclo econômico consiste, assim, na aceleração e desaceleração sucessivas da acumulação”. Mandel tenta fugir de uma explicação “monocausal” dos processos de crises da acumulação capitalista, atribuindo a vários fatores que explicam os processos de ascensão e depressão do ciclo econômico capitalista. 3 Mas para ele, o sismógrafo da acumulação capitalista é a taxa de lucros. “O aumento, queda e revitalização da taxa de lucros tanto correspondem aos movimentos sucessivos da acumulação de capital, como os comandam” (MANDEL, 1982, p. 76). Mandel, seguindo a tradição marxista, sugere que o problema das “ondas longas” não seria um problema estatístico de comprovação. Não menosprezando os dados empíricos, pois os dados de produção, preços, distribuição e renda são bons indicadores para provar o caráter cíclico da economia capitalista mas, no entanto, os problemas de comprovação se encontram na inadequação dos métodos de verificação ao problema específico da teoria marxista da acumulação de mais-valia. Esse seria o principal erro cometido pelos teóricos das “ondas longas”, como Kondradieff4, que apoiaram em dados meramente estatísticos, sem entender as leis internas de acumulação de mais-valia. Kondradieff apóia-se em séries estatísticas de preços de alimentos em setores industriais e agrícolas, mas não percebeu, por exemplo, que a dinâmica do capitalismo funciona apoiada pela lei do valor que é diferente dos preços de produção ou de sua forma monetária. Sobre a originalidade da sua teoria, o próprio Mandel afirma: 3 Para uma crítica ao conceito de “causa” na teoria de Mandel, ver Benoit e Antunes (2008). 4 Segundo Vargas, “a Teoria dos Ciclos Longos de Kondratiev abriu espaço para o surgimento de duas correntes: uma delas centrada na noção de ciclos de preços; e outra que passa a analisar o comportamento cíclico da economia como um fenômeno expresso em termos reais na produção” (VARGAS, 1995, p. 84). 5 A contribuição específica de nossa própria análise para uma solução do problema das “ondas longas” consistiu em relacionar as diversas combinações de fatores que podem influenciar a taxa de lucros... na lógica interna do processo de acumulação e valorização do capital a longo prazo, baseado em jatos de renovação radical ou reprodução da tecnologia produtiva fundamental (MANDEL, 1982, p. 101 – grifos nossos). Como podemos notar, Mandel dá fundamental importância aos processos de revolução tecnológica na economia. Durante o movimento ascendente do ciclo, os empresários seguem- se estimulados a investir. A expansão da acumulação é proporcionada pelo acréscimo de mais-valia subjacente à reprodução ampliada globalmente. Baseando-se na reprodução ampliada do capital de Marx, Mandel diz que o momento inicial da ascensão do ciclo econômico é formado por novas tecnologias e máquinas modernas. “A renovação do capital fixo implica, assim, renovação a um nível mais alto de tecnologia” (MANDEL, 1982, p. 77). A inversão em nova tecnologia eleva-se o componente técnico do capital e eleva consequentemente, a composição orgânica do capital. O aumento efetivo da composição orgânica do capital afeta diretamente o parque industrial capitalista e as relações de trabalho. A reorganização do processo técnico da produção capitalista muda quantitativa e qualitativamente o processo de produção. “Cada período de inovação técnica radical aparece, dessa forma, como um período de repentina aceleração da acumulação de capital” (MANDEL, 1982, p. 79). Na fase descendente do ciclo, acontecem dificuldades cada vez maiores de valorização das mercadorias produzidas. Outra conseqüência é o aumento do capital ocioso e o aumento do montante global de capital que se desloca lentamente para a esfera financeira, acontecendo um processo de subinvestimento. Assim, a economia apenas entraria numa nova fase de ascensão novamente no decorrer de vários anos, na qual parte do capital subinvestido possa desenvolver e proporcionar novas tecnologias. 5 Assim, a análise de Mandel “contém uma interpretação das revoluções tecnológicas baseada no reconhecimento da dinâmica descontínua do processo de inovação” (KATZ, 2000, p. 75). O modo de produção capitalista caracteriza-se por uma reprodução social em escala ampliada, ou seja, através da extração de mais-valia ele a transforma em capital. A 5 Para Altvater: “Vista a partir desta perspectiva, as novas tecnologias não são condições suficientes para uma nova ‘onda longa, marcada pela expansão. Porém as novas tecnologias são certamente necessárias para a superação da depressão” (ALTVATER, 1983, p. 25). 6 valorização do capital implica na extração de mais-valia. O capital invertido na produção é lei geral da acumulação capitalista. A acumulação de capital é o processo social de conversão do capital em mais-valia e desta em capital, de maneira crescente. A conversão do novo capital se realiza seguindo a distinção entre capital constante e capital variável. Esse dinamismo do processo de acumulação, o capital torna-se um valor que, constantemente, se auto-valoriza. A auto-valorização do capital depende do próprio capital. O sistema encontra-se dentro de si, “endogenamente”, as características para a própria expansão e contração das “ondas longas”. 6 “Mandel apresenta uma análise das etapas do capitalismo que leva em conta principalmente a ação da lei do valor no longo prazo” (KATZ, 2000, p. 75). Com a acumulação de capital, cria-se um modo específico de produção de uma sociedade. Em outras palavras, o processo de produção e reprodução capitalista produz não apenas a mercadoria e a mais-valia, mas produz e reproduz a própria relação capital/trabalho. A expansão do capital significa a expansão do modo de produção, e conseqüentemente a expansão das mercadorias, trabalhadores e consumidores. O modelo se explica pela própria dinâmica interna. Mandel não recorre a fatores “exógenos” para explicar os momentos de contração e expansão do desenvolvimento capitalista. 7 A dinâmica capitalista deve-se buscar nos processos do interior da indústria e os modelos “endógenos” de extração de mais-valia. 3. CICLOS SITÊMICOS, ONDAS LONGAS E ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA Até que ponto as formulações teóricas, passadas e presentes, sobre a dinâmica do capitalismo têm de ser modificadas, à luz das reorganizações e reestruturações radicais que vêm ocorrendo nas forças produtivas e nas relações sociais? (HARVEY apud ARRIGHI, 1996, p. 4). Com indagações semelhantes às de Harvey, Arrighi sistematizou sua busca por respostas em uma investigação das tendências atuais à luz de padrões de repetição e evolução 6 Para uma análise desse modelo de interpretação abstrato para situações mais concretas de análises, ver Mandel (1990). 7 Nos últimos trabalhos de Mandel, ele atribuiu à luta de classe um papel “exógeno” no seu modelo, “o ciclo de luta de classe”, apesar de não desenvolver sistematicamente esse aspecto da teoria. 7 que abarcam todo o curso do capitalismo histórico como sistema mundial. O resultado desse estudo foi intitulado O Longo Século XX 8. O ponto de partida da investigação foi a afirmação de Braudel (apud ARRIGHI, 1996), de que as características essenciais do capitalismo histórico durante toda sua existência foram a flexibilidade e o ecletismo do capital, e não as formas concretas assumida por este emdiferentes lugares e épocas. Nesse sentido, Arrighi percebeu que o processo de formação e expansão do modo capitalista não se deu por uma trajetória linear dentro de estruturas imutáveis e de relações permanentes. Havia uma dinâmica ao mesmo tempo contínua (a longue durée ou longa duração) e descontínua (a mudança) com inovações nessas estruturas e relações (ARIENTI; FILOMENO, 2007, p. 117). E é exatamente nas mudanças que se encontra uma característica essencial do capitalismo histórico: sua dinâmica cíclica. Embora se apresente em épocas e locais distintos, o capitalismo possui uma lógica subjacente e repete essencialmente as mesmas contradições sistêmicas. Suas formas concretas se alteram, mas seus aspectos fundamentais se reproduzem. A fórmula geral do capital apresentada por Marx (DMD’) pode ser interpretada como “retratando não apenas a lógica dos investimentos capitalistas individuais, mas também como um padrão reiterado do capitalismo histórico como sistema mundial” (ARRIGHI, 1996, p. 6 ). O aspecto central desse padrão é a alternância de épocas de expansão material (fases DM de acumulação de capital) com épocas de expansão financeira (fases MD’). Nestas últimas, quando o capital prescinde de sua forma mercadoria prossegue se reproduzindo na esfera financeira (como na fórmula abreviada de Marx, DD’). Juntas essas épocas constituem um completo ciclo sistêmico de acumulação. Nesse esquema, Arrighi aceita a concepção braudeliana de uma economia mundial estruturada em três camadas – o da produção material (vida material), o da circulação ou do mercado (economia de mercado), e o das altas finanças (o “antimercado” ou capitalismo). Suas análises estão centradas primordialmente na última esfera, onde os lucros se fazem em larga escala; neste andar, o capital é sistemática e persistentemente dotado da capacidade de deslocar-se e multiplicar-se. 8 Considerado o trabalho mais importante de Giovanni Arrighi, publicado originalmente em 1994 e traduzido no Brasil em 1996, pela editora Unesp. 8 Mais especificamente, Braudel concebeu o autêntico capitalismo como a camada superior dessa estrutura tripartida, na qual, como em todas as hierarquias, as camadas superiores não poderiam existir sem os estágios inferiores de que dependem (BRAUDEL apud ARRIGHI, 1996, p. 10). A noção de ciclos sistêmicos de acumulação é, portanto, uma decorrência da relação do capitalismo com os outros dois estágios inferiores e vem enfatizá-la. Ou seja, as expansões financeiras são tomadas como sintomáticas de uma situação em que o investimento da moeda na expansão do comércio e da produção não mais atende - com tanta eficiência quanto às negociações financeiras - ao objetivo de aumentar o fluxo monetário que se direciona à camada capitalista. Aqui, a idéia de ciclos compostos de fases de mudanças contínuas aternando-se a fases de mudanças descontínuas está implícita. Ao longo dos períodos de expansão material, a economia capitalista mundial cresce continuamente por uma única via de desenvolvimento, enquanto nas fases de expansão financeira o crescimento pela via estabelecida já atingiu ou está próxima de atingir seus limites. Nesse ponto, economia capitalista mundial se desloca, através de reestruturações e reorganizações radicais, para outra via. Ao procurar as tendências de desenvolvimento dessas vias e etapas, Arrighi fez uso da abordagem do sistema mundial e da perspectiva de longa duração de Wallerstein9. Constatou que, historicamente, as reestruturações da economia capitalista mundial têm ocorrido sob a liderança de determinadas comunidades e blocos de agentes governamentais e empresariais. As estratégias e estruturas mediante as quais esses agentes promovem, organizam e regulam a expansão ou a reestruturação da economia capitalista mundial são denominadas por Arrighi (1996) como regime de acumulação em escala mundial. Ao longo do tempo, cada regime apresentou um comportamento cíclico e o principal objetivo do conceito de ciclos sistêmicos é descrever a formação, a consolidação e a desintegração dos sucessivos regimes pelos quais a economia capitalista se expandiu. A análise demonstra que a concorrência interestatal foi um componente crucial de toda e qualquer fase de expansão financeira, bem como um fator de vulto na formação dos blocos 9 “Wallerstein estava absolutamente certo ao insistir que a longa duração do capitalismo histórico era o arcabouço temporal adequado ao tipo de construção que pretendia” (ARRIGHI, 1996, p. XIII). 9 de organizações governamentais e empresariais que conduziram a economia capitalista mundial por sucessivas fases de expansão material. Como regra geral, as grandes expansões materiais só ocorreram quando um novo bloco dominante acumulou poder mundial suficiente para ficar em condições não apenas de contornar a competição interestatal, ou erguer-se acima dela, mas também de mantê-la sob controle, garantindo um mínimo de cooperação entre os Estados (ARRIGHI, 1996, p. 13). O que impulsionou a vertiginosa expansão da economia mundial capitalista nos últimos quinhentos anos não foi a concorrência entre Estados como tal, mas essa concorrência aliada a uma concentração cada vez maior do poder capitalista no sistema mundial como um todo. Para Arrighi (1996), essa é a transição que precisa ser elucidada: a do poder capitalista disperso para um poder concentrado. E o aspecto mais importante dessa transição é a fusão singular do Estado com o capital. Posto isto, os ciclos sistêmicos de acumulação nada mais são do que períodos de ascensão e queda de hegemonias políticas e dos respectivos regimes de acumulação e poder que lhe são subjacentes, intervalados por períodos de transições. Em cada estágio do capitalismo histórico, uma determinada aliança entre capital e Estado está na liderança da camada superior da economia mundial (ARIENTI; FILOMENO, 2007, p. 119). As expansões financeiras ocupam um papel central na abordagem como fator de impulso das crises hegemônicas anteriores e da transformação dessas crises em colapsos. Esse movimento expansivo termina por levar ao chamado "caos sistêmico" - com o aumento da competição interestatal e interempresarial -, à escalada dos conflitos sociais e à emergência de novas configurações de poder. O conceito permitiu que Arrighi (1996) propusesse uma periodização do capitalismo histórico. Os ciclos sistêmicos de acumulação são identificados pelas suas potências hegemônicas, apresentando uma fase inicial de expansão material-produtiva e outra final de expansão financeira. São quatro os ciclos sistêmicos de acumulação e todos duram mais de cem anos (daí a idéia de “longo século”): um ciclo genovês, do século XV ao início do século XVII; um ciclo holandês, do fim do século XVI até decorrida a maior parte do século XVIII; um ciclo britânico, da segunda metade do século XVIII até o inicio do século XX; e um ciclo norte- 10 americano, iniciado no fim do século XIX e que prossegue na atual fase de expansão financeira. Os ciclos sistêmicos de acumulação são totalmente diferentes dos ciclos seculares de Braudel e dos ciclos de Kondratieff. Nas palavras do próprio Arrighi, os ciclos seculares e os de Kondratieff “são constructos empíricos cuja base teórica é incerta, derivados da observação das flutuações de longo prazo nos preços das mercadorias” (ARRIGHI, 1996, p. 6). Kondratieff10 destinou-se a estudar a existência de periodicidade na variação de indicadores macroeconômicos. Estas variações são caracterizadas como “ondas longas”, uma vez que se repetem, sistematicamente, no contextodo sistema capitalista. Os ciclos são bem visíveis na produção e no comércio mundial e estão geograficamente concentrados, embora as raízes e o impacto sejam globais; cada ciclo introduz progressivas mudanças estruturais na sociedade. A conceituação de “ondas longas” revela duas fases de lutas competitivas no sistema capitalista interempresas: a fase “A”, ou de prosperidade, onde as empresas tendem a tecer acordos costumeiros que sustentem as relações de complementaridade e cooperação; e a fase “B”, ou de depressão, na qual as empresas se envolvem em lutas que escancaram as relações de competição e substituição (ARRIGHI, 1998, p. 22). Essas relações entre empresas capitalistas estão incrustadas em estruturas hegemônicas mundiais, isto é, em acordos costumeiros no nível do sistema inter-Estados. Essas estruturas estão sujeitas a padrões cíclicos, mas esse ciclo do sistema inter-Estados não tem uma relação simples com os ciclos de competição do sistema interempresas. Arrighi (1998) afirma que os dois primeiros ciclos de Kondratieff, englobando o período de 1787 a 1896, consolidaram a hegemonia mundial britânica, tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista militar. Contudo na fase depressiva, ou fase “B”, do segundo ciclo (1870-1896), a competição excessiva que caracteriza esses períodos, ao contrário da fase depressiva do primeiro ciclo que criou o Sistema de Livre-Comércio da Grã-Bretanha, deu origem não a um único conjunto de acordos interestatais, capazes de garantir a cooperação mínima interempresas no mercado mundial, mas a uma multiplicidade de acordos contraditórios. 10 O debate sobre as ondas longas refere-se apenas ao capitalismo industrial, com seus dois regimes sistêmicos de acumulação, liderados respectivamente pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos. Não abrange os dois regimes anteriores do capitalismo histórico, de caráter comercial (o genovês e o holandês), conforme a caracterização de Arrighi (1996). 11 Três respostas principais são apontadas: a resposta britânica, ainda apoiada no sistema de livre-comércio e no controle militar sobre as rotas marítimas; a resposta neomercantilista alemã, que no plano interno limitou a concorrência interempresas e, no plano externo, praticou uma política expansionista no sistema inter-Estados; e a resposta americana, que praticou um misto de protecionismo estatal e integração vertical das empresas. Como conseqüência, as empresas americanas assumiram a liderança econômica, mas o mesmo não se verificou com o Estado americano, que permanecia uma potência militar secundária. Essa disjunção exacerbou o conflito inter-Estados, particularmente entre o livre- cambismo inglês e o neomercantilismo alemão, sendo que a fase “A” do terceiro Kondratieff (1896-1914) foi o resultado dos gastos militares associados à escalada desse conflito, e a fase depressiva (1914-1945) assumiu a forma peculiar de uma competição militar entre os Estados ao invés de empresas. Evidentemente, os Estados Unidos saíram do período de guerras ainda mais fortalecidos sob a ótica econômica e, também, na condição de superpotência militar, recuperando a unidade entre hegemonia no sistema interempresas e no sistema inter-Estados. Segue-se daí um período de prosperidade – a fase expansiva do quarto Kondratieff (1945 a 1973) – caracterizada pela tentativa das empresas dos demais países, particularmente o Japão, de alcançar as vantagens organizacionais das empresas americanas. Quando isso ocorre, os aspectos competitivos lançam a economia mundial numa nova fase depressiva (durante as décadas de 1970 e 1980). Portanto, houve momentos de inflexão entre fases de aceleração e desaceleração do crescimento nas quatro ondas longas. Foram indicadores como índices de preços e taxa de juros, entre outros, que levaram Kondratieff a identificar estas ondas na economia. De acordo com Arrighi (1998), “ondas longas” são primordialmente um reflexo temporal dos processos competitivos da economia capitalista mundial. A alternância entre pressões competitivas mais intensas e mais refreadas é o que se entende por longos ciclos de prosperidade e de depressão. A conceitualização deve, assim, ser expandida a fim de levar em conta tendências da economia capitalista mundial. Na verdade, não há consenso na literatura sobre o que indicam flutuações de preço a longo prazo – quer as do tipo logístico quer as de Kondratieff. Elas certamente não são indicadores fidedignos das contrações e expansões do que quer que haja de especificamente capitalista no moderno sistema mundial. Tudo depende da fonte de onde provém a concorrência que leva os preços para cima ou para baixo (ARRIGHI, 1996, p. 7). 12 Tampouco, os ciclos de Kondratieff parecem ser fenômenos especificamente capitalistas. Na síntese de alguns estudos sobre as constatações empíricas e as justificações teóricas das “ondas longas”, a noção de capitalismo sequer desempenha algum papel: (...) as ondas longas dos preços e da produção são basicamente ‘explicadas’ pela severidade do que se chama de ‘guerras das grandes potências’. Quanto ao capitalismo, a questão de sua emergência e expansão situa-se inteiramente fora do âmbito de sua investigação (GOLDSTEIN apud ARRIGHI, 1996, p. 7). Os ciclos sistêmicos de acumulação, ao contrário das “ondas longas”, são fenômenos intrinsecamente capitalistas. Apontam para uma continuidade fundamental nos processos mundiais de acumulação de capital nos tempos modernos. Mas também constituem rupturas fundamentais nas estratégias e estruturas que moldam esse processo ao longo dos séculos. Tal como algumas conceituações dos ciclos de Kondratieff11, os ciclos sistêmicos de acumulação destacam a alternância de fases de mudanças contínuas e fases de mudanças descontínuas. A diferença repousa sobre o desenvolvimento da economia mundial capitalista como um todo, ao longo de sua existência, e não somente uma determinada indústria ou economia nacional. As “ondas longas”, por sua vez, são “constatações empíricas, que expressam a alternância de períodos mais refreados e mais intensos da competição intercapitalista, mas nada relacionam com o regime de acumulação organizado pela potencia estatal hegemônica para orientar o sistema mundial” (ARIENTI; FILOMENO, 2007, p. 119). 12 Dado o contexto, Arrighi (1998) confere importância à disputa entre os Estados. 13 Em todos os casos que os processos de acumulação em escala mundial, em uma determinada época, atingiram seus limites, seguiram-se longos períodos de luta interestatal, durante os quais o Estado que controlava ou passou a controlar as fontes mais abundantes de excedentes de capital tendeu também a adquirir capacidade organizacional necessária para promover, 11 Nesse sentido, Arrighi (1996) dedica especial atenção ao “modelo de metamorfose” do desenvolvimento socioeconômico de Mensch. 12 Para Mandel, as “ondas longas” devem ser analisadas a partir da lei do valor de Marx e não somente por elementos empíricos. Mandel acrescenta à teoria das “ondas longas” de Kondradieff, a teoria materialista da história desenvolvida por Marx desde a Ideologia Alemã. 13 Mandel (1982) enfatiza que o Estado devia ser explicado pelo presente desenvolvimento do modo de produção capitalista, ou seja, pela lógica interna do próprio capital, quebrando com a idéia de autonomia relativa. O Estado deve ser formalmente separado das relações entre burguesia e proletariado, ao mesmo tempo em que é metamorfose da luta de classes das mesmas. Essa determinada “autonomia relativa” simboliza as concessões de exigências tanto de uma classe como a de outra. As relações entreo Estado e a sociedade são ocultadas, sobretudo pela lei do fetichismo da mercadoria, que ocultam o papel classista da superestrutura estatal. 13 organizar e regular uma nova fase de expansão capitalista, de escala e alcance maiores que a anterior. 14 A conquista dessas aptidões organizacionais resultou, em geral, muito mais das vantagens de posicionamento, “na configuração espacial cambiante da economia capitalista mundial”, do que da inovação em si. Aqui, a afirmação de Braudel de que a mudança refletiu a vitória de uma nova região sobre outra antiga, combinada com uma vasta mudança de escala, foi mantida (BRAUDEL apud ARRIGHI, 1996, p. 15). Outro aspecto das mudanças cíclicas a ser observado é que cada uma delas esteve associada a uma verdadeira revolução organizacional nas estratégias e estruturas do agente preponderante da expansão capitalista. Essas revoluções têm origem num impasse geral da acumulação capitalista e definem os estágios sucessivos de desenvolvimento da economia mundial (ARRIGHI, 1998, p. 44). A Revolução Industrial tirou a economia mundial do impasse do capitalismo inicial através da ênfase na especialização da empresa capitalista. Essa especialização, no entanto, desencadeou um aumento secular das pressões competitivas que as empresas capitalistas do núcleo orgânico exerceram umas sobre as outras. Com a expansão da Revolução Industrial ao longo do segundo ciclo de Kondratieff, as pressões foram tão intensas que o próprio capitalismo foi jogado num impasse. A Revolução Organizacional tirou a economia mundial do impasse do capitalismo pleno através da ênfase na integração vertical e na racionalização produtiva. A muito longo prazo, entretanto, a Revolução Organizacional estreitou as margens de lucro das empresas capitalistas do núcleo orgânico e as forçou abrir mão de uma parcela crescente de rendas empresariais e remuneração. Segundo Arrighi (1998), o novo impasse pode ser designado com um impasse de superacumulação, no sentido de que a acumulação capitalista no final do século XX começou a ir longe demais, indicando que o capitalismo mundial orientado pela hegemonia estadunidense estaria na sua fase de expansão financeira e de declínio do ciclo sistêmico. 14 Segundo Tilly, “os estados formam sistemas à proporção que interagem entre si, e na medida em que a sua interação afeta significativamente o destino de cada parceiro. Os Estados sempre se desenvolveram a partir da luta pelo controle de território e população, portanto parecem invariavelmente em aglomerados e costumam formar sistemas” (TILLY, 1996, p. 57). 14 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O conceito de ciclos sistêmicos de acumulação permite a compreensão da trajetória do capitalismo ao longo dos séculos, abordando as transições de determinados regimes de acumulação comandados por uma hegemonia “entre Estado e empresas”, que rivaliza e contesta a hegemonia anterior. Essa reconstrução da história capitalista, assim como a teoria das “ondas longas” e suas posteriores derivações, apresentam seu próprio limite. A noção de ciclo sistêmico de acumulação deriva diretamente da idéia braudeliana do capitalismo como a camada superior da hierarquia mundial (“antimercado”). A construção analítica se concentra, assim, nessa camada superior e fornece uma visão limitada do que se passa nas camadas intermediária e inferior. Entretanto, à medida que avança acaba por refletir uma lógica estrutural. Torna-se possível entender os padrões recorrentes de expansão e declínio de um regime, marcados respectivamente pelas formas produtiva e financeira do capital. Através disso, sinaliza que a expansão capitalista apresentou uma trajetória cíclica de alterações qualitativas nos regimes de acumulação e, por conseqüência, em seus agentes envolvidos. Somente consideradas todas estas dimensões é possível compreender mais claramente os estágios de desenvolvimento do capitalismo. Estamos no momento descendente das “ondas longas” de Mandel e no ciclo ascendente da expansão financeira de Arrighi. A “grande transformação” na qual espera o capitalismo deve ser acompanhada com os maiores detalhes, permitindo uma análise da luta de classes dentro do Estado nacional e ao mesmo tempo estudando as relações de classe entre os Estados. A crise está estruturalmente presente ao modo de produção capitalista e que ele é indispensável pela retomada do processo de acumulação do capital. Geralmente, essas passagens cíclicas de superprodução são momentos politicamente turbulentos por isso são necessários os aparelhos de repressão física na qual o Estado tem o monopólio. Assim, o consenso de classe entre a burguesia e os militares é indispensável para a reprodução social do sistema. 15 A crise econômica e a crise do Estado capitalista na década de 70 possibilitaram a ver a distorção dos arranjos internacionais. O Estado, entendido como o palco da luta de classes, iniciou um processo contraditório: de um lado acumulação e do outro a legitimação. As guerras, como ressalta Tilly, devem ser uma constante dentro das relações internacionais. Doses de coerção e acumulação devem mostrar a forma do Estado capitalista neste século XXI. “(As) grandes guerras... assemelha-se, economicamente, aos inventos que marcam época.” (BARAN; SWEEZY, 1978). REFERÊNCIAS ALTVATER, Elmar. O capitalismo em vias de recuperação? Sobre teorias da “onda longa” e dos “estágios”. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 3, n. 2, 1983. ANTUNES, Jadir; BENOIT, Hector. A exposição dialética do conceito de crise em O Capital. Revista Mais Valia, ano II, n. 2, 2008. ARIENTI, Wagner Leal; FILOMENO, Felipe Amin. Economia Política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi. Ensaios FEE, v. 8, n. 1, 2007. ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. 4ª Edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. BARAN, Paul; SWEEZY, Paul. Capitalismo monopolista: ensaio sobre a ordem econômica e social americana. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. KATZ, Cláudio. Ernest Mandel e a teoria das ondas longas. Revista SEP, Rio de Janeiro, n. 7, 2000. MANDEL, Ernest. A crise do capital: os fatos e sua interpretação marxista. Campinas: UNICAMP, 1990. MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982. TILLY, Charles. Coerção, Capital e Estados Europeus. São Paulo: EDUNESP, 1996. VARGAS, Marco Antonio. Inovação tecnológica e ciclos longos. Revista CEPE, Santa Cruz do Sul, n. 2, 1995.
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