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Aula 8, 9 e 10: A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL SOB A ÓTICA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DA LEGISLAÇÃO INFRA- CONSTITUCIONAL I – SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR: a) Terminologia: - discute-se se a melhor nomenclatura é instrução ou investigação criminal preliminar; b) Características: - autonomia em relação ao processo ou ao não processo; - instrumentalidade, posto que se o próprio processo é instrumental, com muito mais razão o será o instrumento do instrumento; c) Função: - No marco da instrumentalidade garantista constitucional, a instrução preliminar tem a função de evitar acusações infundadas; d) Sujeito: Órgão encarregado pela investigação: - Polícia: . são vantagens de uma investigação titularizada pela polícia: (a) a capilaridade da atuação policial, ou seja, mais abrangência e proximidade ao povo; (b) menos custosa que uma investigação titularizada pelo juiz ou pelo Ministério Público; (c) maior possibilidade de comando do Poder Executivo (vantagem política para o governo); . são desvantagens de uma investigação titularizada pela polícia: (a) o alto grau de discricionariedade que coloca a atuação da polícia no limite entre o lícito e o ilícito; (b) a atuação estereotipada contra grupos diferenciado por perfil criminógeno, aumento a possibilidade de injustiça e barbárie; (c) muito maior suscetibilidade de sofrer pressões políticas e da mídia; (d) o baixo nível cultural de seus agentes; - Juiz Instrutor: . são vantagens de uma investigação titularizada pelo juiz: (a) imparcialidade e independência; (b) investigação conduzida por órgão suprapartes; (c) Maior efetividade da investigação e credibilidade do material colhido; (d) o produto final serve para acusar e defender por ter advindo de um órgão imparcial; (e) garantia de que o juiz instrutor não julga; (f) maior garantia de respeito a direitos fundamentais quando da realização de medidas que os relativizam; . são desvantagens de uma investigação titularizada pela juiz: (a) retorna ao modelo superado do juiz inquisidor; (b) é inconveniente que a mesma pessoa que investiga, também decide sobre a legalidade dos atos; (c) se o juiz é inquisidor, quem será o garante; (d) pode comprometer a celeridade; (e) há uma contradição, porquanto o juiz investiga para o promotor acusar, o que pode ocorrer em desacordo de vontades; (f) gera uma confusão entre acusar e julgar; (g) converte a investigação em uma fase geradora de provas; - Promotor Investigador: . são vantagens de uma investigação titularizada pelo Ministério Público: (a) aproximação à estrutura dialética do processo; (b) mantém o juiz longe da investigação e garante sua imparcialidade; (c) imparcialidade do MP; (d) faz a investigação verdadeiramente preparatória ao exercício da ação penal; (e) Evita que os atos de investigação sejam considerados atos de prova; (f) impede que o MP adote medidas restritivas de direitos fundamentais e cria o juízo garante da investigação; . são desvantagens de uma investigação titularizada pela Ministério Público: (a) há um certo utilitarismo penal, aumentando a eficácia da investigação e reduzindo a garantia dos meios; (b) gera uma espécie de promotor inquisidor; (c) a suposta imparcialidade do MP é uma falácia; (d) a possibilidade de contaminação política pela proximidade do MP ao Poder Executivo é muito grande; (e) direciona unilateralmente as investigações produzindo provas de cargo e não de descarrego; (f) Historicamente a atribuição legislativa de atribuição investigativa ao Parquet geralmente é levada a cabo pela polícia, cabendo ao MP apenas a seleção do que “interessa”; e) Objeto: - O objeto de cognição são os fatos narrados na notícia crime; f) Nível ou Grau de cognição: - Aury Lopes Jr. classifica as cognições em dois níveis: (a) plenária, na qual o material probatório é colhido na fase investigativa, servindo o processo apenas para mero controle dos atos, o que faz com que se esteja preparando a sentença e não o processo, cujo objetivo é gerar um juízo de segurança sobre os fatos já na fase investigativa, sem direito às garantias fundamentais; (b) sumária, busca-se apenas um juízo de verossimilhança e não de segurança do fato, deixando ao processo a cognição plena; g) Nível ou Grau de cognição: - A investigação pode ser: (a) obrigatória, caso o exercício da ação penal esteja condicionada à existência de investigação; (b) facultativa, caso não condicione; - A investigação pode ser: (a) oral; (b) escrita; - A investigação pode ser: (a) pública; (b) secreta; - O material colhido na investigação pode ter o valor de (EFICÁCIA PROBATÓRIA dos atos de investigação): (a) atos de investigação, limitando sua eficácia à investigação e à formação do juízo de probabilidade; (b) atos de prova, caso integrem os autos do processo e condicionem o convencimento do juízo; II – SISTEMA DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR BRASILEIRO: O INQUÉRITO POLICIAL: 1) Natureza Jurídica: - Prevalece o entendimento de que se trata de um procedimento administrativo pré-processual; 2) Órgão encarregado: a) A polícia - A polícia judiciária é o órgão encarregado a priori do inquérito (art. 144, CF), mas o parágrafo único do art. 4º do CPP prevê a possibilidade de outra autoridade administrativa ser encarregada por lei da mesma atribuição. - As CPI´s, por exemplo, têm poderes de investigação determinado pela Constituição (art. 58, par. 4º), o inquérito policial militar é de atribuição da autoridade militar; - Há uma controvérsia quanto à atribuição para lavratura do Termo Circunstanciado (PM ou Civil), mas vem sendo feito pela polícia civil; b) O Ministério Público e o controverso procedimento investigatório titularizado pelo Parquet - Há uma grande controvérsia quanto à possibilidade de o MP comandar e realizar a investigação. Quanto ao comando a controvérsia hoje é quase inexistente, quanto à investigação realizada pelo MP ela se mantém. - Embora a Constituição defina que a função de investigar cabe à polícia, não proíbe seja feita por outras autoridades administrativas, sendo que o art. 129, VIII da CF lhe confere a possibilidade de requisitar diligências e instauração de inquérito e o inciso IX confere ao MP o poder de exercer outras funções que sejam compatíveis com sua finalidade; - Nessa linha há quem entenda que é vedado ao MP fazê-lo e quem entenda que não existe vedação, muito embora também não exista qualquer norma autorizando. Há um Recurso Extraordinário (RE 593727) com repercussão geral reconhecida, tramitando no STF para decidir a matéria. Mantém-se a discussão. 3) O papel do Juiz no Inquérito - Há, concessa venia, uma contradição entre a Constituição e o CPP. - O desenho acusatório do sistema brasileiro realizado pela CF e que neste particular se evidencia na exigência do juiz natural, inerte e imparcial, se vê contrariado pela possibilidade de iniciativa probatória de ofício autorizada pelo novel art. 156, I do CPP. Não existe possibilidade de admitir-se a constitucionalidade desta disposição. - O juiz deve ter um papel garantidor, recebendo a comunicação do flagrante para analisar sua legalidade, receber pedidos de medidas restritivas para assegurar os direitos fundamentais, mas não tomar iniciativas claramente inquisitivas. 4) O Objeto e sua limitação: - O objeto da investigação preliminar é o fato constante da notitia criminis; a) Limitação qualitativa - A cognição levada a cabo pelo inquérito deve ser sumária e não plenária. Deve servir meramente para chegar-se a um juízo de probabilidade e não decerteza, sob pena de apresentar-se indevidamente como um sucedâneo da instrução probatória processual; b) Limitação Temporal - 10 dias para investigado preso (a contar da prisão), nos inquéritos da policia federal 15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias. - 30 dias para investigado solto (podendo, nesse caso, ser prorrogado para completar as diligências; - No caso de crimes hediondos: 30 dias para investigado preso (podendo ser prorrogado até 60 dias no total por causa da disposição sobre prisão temporária) e 90 dias para investigado solto. 5) Atos do Inquérito: a) Atos de Iniciação - Embora o inquérito sempre se inicie por portaria da autoridade policial, o CPP prevê 5 formas de iniciar o inquérito nos crimes de ação penal pública incondicionada: (1) de ofício; (2) requisição do MP (não pode mais haver ao juiz em razão dos princípios constitucionais de inércia e imparcialidade); (3) requerimento do ofendido (do indeferimento cabe recurso ao chefe de polícia); (4) notícia de qualquer do povo (neste caso a procedência da informação deve ser verificada); (5) Auto de Prisão em Flagrante. - Nos crimes de ação penal privada inicia-se a requerimento do ofendido; - nos crimes de ação penal pública condicionada à representação inicia-se com a representação do ofendido. b) Atos de desenvolvimento - A autoridade policial deve praticar os atos previstos nos art. 6º e 7º do CPP c) A conclusão do inquérito (relatório, arquivamento e arquivamento implícito) - A autoridade policial nunca poderá arquivar os autos do inquérito. - O inquérito se encerra com um relatório produzido pelo delegado, com a exposição objetiva e impessoal do que foi investigado; - O CPP prevê a remessa do inquérito para o juízo competente e, por sua inércia e imparcialidade, o remete para o MP. Eliminando esse desnecessário e tortuoso caminho, desde 1991 o inquérito no RJ vai direto para a Central de Inquéritos, órgão do MP. A previsão de que o inquérito deveria ser remetido diretamente ao MP passou a constar da Lei Complementar 106/2003, porém, no dia 03 de abril de 2014 o STF, pelo Plenário julgou procedente a ação direta de inconstitucionalidade (ADI 2886) que questionava essa disposição e, portanto, os autos do inquérito tem que passar pelo Poder Judiciário antes de serem remetidos para o MP. - Se o delito for de ação privada os autos são remetidos ao juízo competente e ficará à disposição do ofendido para que ofereça a queixa; - O membro do MP deverá: (a) oferecer denúncia; (b) pedir o arquivamento; (c) requisitar diligências. - Sobre a denúncia falaremos melhor quando expusermos o tópico sobre ação penal, mas quanto ao arquivamento, o requerimento do MP está submetido a controle do juiz (art. 28 CPP) que, não concordando com o pedido, remeterá os autos ao Procurador Geral que insistirá no arquivamento (ao qual o juiz estará obrigado a aceitar), oferecerá denúncia ou designará outro membro do MP para fazê-lo (para Afrânio esta última possibilidade viola o princípio do promotor natural e da independência funcional). - Caso o MP ofereça denúncia por parte do que foi apurado, por exemplo, foram apurados dois fatos e só um foi denunciado, ou duas pessoas foram investigadas só uma foi denunciada, haverá arquivamento implícito em relação ao fato ou pessoa não denunciados, o que provoca a ação do juiz (art. 28 do CPP) ou do ofendido (ação penal privada subsidiária). Caso não se exerça nenhuma das formas de controle, o fato estará arquivado implícita ou tacitamente. d) Lugar, Tempo e Forma (segredo e publicidade) - Lugar. Define-se a atribuição da polícia conforme a definição de competência (jurisdição) pela matéria e territorial. - Tempo. Não há limitação, os atos podem ser praticados em qualquer dia e hora (evidentemente que se o ato importar limitação de direitos fundamentais, e. g., busca domiciliar, mesmo por ordem judicial deve ser realizada durante o dia. - Forma. Escrita, secreta e obrigatório para a polícia (facultativo para o MP) 6) Valor probatório dos atos do Inquérito: a) O equívoco da presunção de veracidade - Costumava-se dizer que as provas colhidas no inquérito valem até que se prove o contrário, mas além de não haver qualquer disposição neste sentido, ela agride frontalmente a Constituição, porquanto atribuir-se presunção de veracidade de provas constituídas ao arrepio do contraditório e da ampla defesa é o mesmo que erigir a gestão e avaliação inquisitória da prova à regra do processo. b) Atos de prova e atos de investigação ou elementos informativos - Como ensina Aury Lopes Jr. Os atos podem ser classificados em: (a) atos de prova, servem para formar um juízo de certeza, destinados a formar o convencimento do juiz; (b) atos de investigação, servem para formar um juízo de probabilidade, destinam-se a formar a opinio delicti do acusador. Vide artigo 155 do CPP. - Os atos do inquérito têm valor probatório de atos de investigação ou elementos informativos, conquanto possam ser usados para decidir sobre a liberdade e sua restrição (cautelar) e a disponibilidade de bens (igualmente cautelar). c) Provas repetíveis e provas não-repetíveis - As provas repetíveis ou renováveis têm valor de atos de investigação, as provas não-repetíveis ou não-renováveis vêm sendo admitidas por nossos tribunais como atos de prova, mas a melhor leitura constitucional implicaria dizer que mesmo os atos não-repetíveis somente deveriam ter valor probatório se produzidas à luz das garantias fundamentais, sobretudo a ampla defesa e o contraditório (não sendo suficiente o malfado contraditório diferido). d) Adesão dos autos do inquérito ao processo e influência psicológica sobre o juiz - Devo aqui expressar minha opinião pessoal sobre a possibilidade de anexar os autos do inquérito ao processo. Há uma evidente contaminação da liberdade de formação do convencimento judicial pela provas colhidas no inquérito policial, quando seu convencimento deveria se dar exclusivamente pelas provas produzidas sob o crivo do contraditório e submetidas à ampla defesa. Para evitar a contaminação o próprio juízo inicial de aceitação da pretensão acusatória deveria ser feito por magistrado diverso daquele que colherá a prova e formará seu convencimento, devendo os autos do inquérito ser extraído dos autos do processo após o juízo positivo de delibação. 7) O indiciamento: a) Natureza jurídica - Ato administrativo fundamentado privativo de delegado de polícia que realiza análise técnico-jurídica do fato investigado; b) Fundamentação - Art. 2o, §6o da Lei 12.830/2013: deve indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias. c) consequências - Polêmica sobre a necessidade e finalidade do indiciamento: etiquetamento ou geração de garantias? 8) Compatibilidade constitucional: a) Garantias aplicáveis b) Ampla defesa e contraditório c) Sigilo como restrição às garantias - Súmula vinculante 14 do STF
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