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Poder de Agenda e Políticas Substantivas Fernando Limongi e Argelina Figueiredo 1 USP/CEBRAP IUPERJ/CEBRAP 1. Introdução A Constituição de 1988 garante ao Presidente de República o controle da agenda legislativa. O poder do executivo, portanto, é institucional, garantido pela Carta Constitucional. Os constituintes preservaram as vantagens institucionais com que o regime militar havia dotado o Poder Executivo. Nas áreas de maior interesse, como tributação, orçamentação e regulamentação e alterações na estrutura de cargos, salários e gratificações do funcionalismo público e da burocracia nomeada, o Executivo tem a prerrogativa exclusiva de propor legislação. O Executivo conta também com uma poderosa arma para alterar unilateralmente o status quo legal: as Medidas Provisórias, cuja entrada em vigor é imediata, ainda que precise ser validada pelo Legislativo dentro de um período determinado. No caso da legislação orçamentária, ainda mais importante do que a prerrogativa da iniciativa são as limitações impostas ao poder de emenda do Congresso que, em última análise, só pode remanejar verbas alocadas em investimento, dado que as receitas são estimadas pela proposta original e os gastos destinados a pessoal, custeio e pagamento da dívida não podem ser cortados. Em resumo, na atual experiência democrática, o Executivo passou a ter um forte controle sobre a agenda legislativa, resultando daí que a atuação do Legislativo se dá sob fortes restrições. O Executivo detém a prerrogativa de iniciar a legislação de interesse e, desta forma, pode explorar estrategicamente este direito. O Legislativo, porque age somente após o Executivo ter feito a proposta, tem seu raio de ação limitado 2 . A descrição feita acima não mais levanta celeumas. Hoje, a grande maioria dos analistas, se não a totalidade, concorda, com esta descrição 3 . O que ainda causa disputa é a interpretação do significado ou conseqüências práticas do poder de agenda do Executivo. O que se debate é se o controle sobre a iniciativa legal garante ou não ao Executivo a capacidade de aprovar sua agenda legislativa. Em textos anteriores afirmamos que a agenda legislativa do executivo, isto é, a agenda substantiva que submete ao Congresso Nacional é aprovada (Figueiredo e Limongi 2007). As evidências apresentadas neste sentido são de duas ordens. Em 1 Texto desenvolvido no âmbito do projeto temático Padrões de Interação Executivo-Legislativo financiado pela Fapesp. Os autores contaram também com o auxílio de Bolsas Individuais em Produtividade em Pesquisa do CNPq. 2 Assim estas relações podem ser modeladas como um jogo seqüencial e com informação completa. Uma exposição didática aplicada ao ponto pode ser encontrada em Cameron 2000. 3 O acordo sobre este ponto é, no entanto, recente. As primeiras interpretações sobre o teor do texto constitucional apontavam para o desmonte completo da engenharia institucional perseguida pelos governos militares. Dizia-se que tudo que fora proposto pelos militares teria sido tratado como ―entulho autoritário‖ e como tal rejeitado. Figueiredo e Limongi (1995), salvo engano, foram os primeiros a chamar a atenção para a linha de continuidade institucional na definição das relações Executivo- Legislativo. primeiro lugar, notamos que as taxas de aprovação das medidas apresentadas pelo executivo são altas. O Executivo raramente é derrotado. Em segundo lugar, o Executivo é responsável pela maioria das iniciativas que se tornam lei, o que se espelha na taxa de dominância. Notamos ainda que a aprovação das medidas apresentadas pelo executivo é obtida por meio do apoio sistemático no Legislativo, apoio esse construído em bases partidárias. Estes indicadores são usados em estudos sobre governos parlamentaristas para caracterizar seu modus operandi. Ora, como o comportamento desses indicadores no Brasil não difere do encontrado em países parlamentaristas, parece-nos plausível concluir que o governo brasileiro governa como governam os governos em sistemas parlamentaristas. Ou seja, o formato institucional não parece gerar uma crise de governabilidade. As conclusões a que chegamos têm sido objetos de críticas e reparos. Os dados observados não permitiriam a inferência feita. Haveria que se considerar o conhecido problema das ―não-decisões‖. Altas taxas de sucesso das iniciativas do Executivo podem ser produtos de uma agenda substantiva tímida e limitada, isto é, os indicadores apresentados seriam ―enviesados‖ por não considerarem o que o Executivo deixa de submeter ao Legislativo por saber que não terá sucesso. Antecipando as reações do Legislativo, o Executivo calibraria as medidas que submete ao Legislativo, enviando apenas as que sabe de antemão que serão aprovadas. Com isto, seria perfeitamente possível que a agenda substantiva de real interesse do Executivo não seja sequer enviada ao Legislativo. A conhecida lei da antecipação das reações cria uma vasta área de não decisões, questões que não entram na agenda e não são observadas. Agisse o Executivo de forma sincera, anunciando sua verdadeira agenda e observaríamos altas taxas de rejeição de suas propostas 4 . A objeção pede que o Executivo tenha uma agenda substantiva cuja formulação é exterior e prévia à sua submissão ao Poder Legislativo. Por isto, tratar-se-ia da Agenda do Executivo: um conjunto de propostas com razoável grau de integração, compondo algo muito próximo de um programa de governo cuja existência pode ser tomada como um dado. Os interesses eleitorais próprios do chefe do Poder Executivo, o Presidente da República, ainda que esta remissão nem sempre seja feita, autorizaria derivar a existência e autonomia desta agenda. O raciocínio é completado por um segundo passo, qual seja, a suposição de que teríamos uma segunda agenda, formada autonomamente no interior do Poder Legislativo que responderia aos interesses eleitorais dos parlamentares. A explicitação da motivação e origem desta agenda é mais corriqueira: parlamentares respondem ao imperativo eleitoral, isto é, impelidos pela necessidade de se reeleger todos os parlamentares, e todos aqui deve ser enfatizado na medida em que elimina as diferenças partidárias, patrocinam e lutam pela implantação do mesmo tipo de políticas públicas: as distributivistas. A contestação, portanto, parte da suposição, nem sempre explicitada, talvez porque tida como incontroversa e óbvia, de que existiriam duas agendas. Por conveniência, nomearemos esta suposição como a tese da agenda dual. Sejamos claros: esta tese reza que existiriam duas agendas independentes, uma do Executivo e outra do 4 Ver Stepan (1999: 242 nota 11) e sobretudo Ames 2003 242 para o desenvolviomento deste tipo de argumento. Vale observar que estas objeções se aplicam a qualquer tipo de governo. A que saibamos nunca foi considraa para suspeitar da capacidade de primeiros minstros implemetarem suas agendas. Legislativo competindo pelos recursos escassos existentes. Assim, se uma delas é implementada, a outra não é. Como nenhuma das partes tem poder para prevalecer sobre a outra, segue que o resultado é uma ―barganha‖, no mau sentido do termo. Mais especificamente, para obter os votos para aprovar sua agenda, o executivo cede aos interesses dos parlamentares, liberando recursos para o atendimento das suas demandas. No entanto, afirmar que a agenda do executivo é aprovada não implica no endosso da tese da agenda dual. O exame aprofundado da objeção nos forçou a explicitaro que entendemos por agenda do executivo. Este o objetivo central deste trabalho. Na realidade, para evitar confusões, acreditamos que o mais correto seria falar em agenda da maioria em lugar da Agenda do Executivo. A distinção não é meramente terminológica. Em primeiro lugar, ela evita a falsa personificação. Não se trata de uma agenda pessoal deste ou daquele ator político particular. Tampouco é a agenda de um dos ramos do poder contraposto ao outro. A constituição e ação da maioria pedem que exista coordenação entre os dois poderes. A agenda da maioria, nestes termos, não deve ser considerada como exógena ao Poder Legislativo. Em uma palavra, argumentamos que não existiria uma agenda formulada em um primeiro momento para a qual, em um momento posterior, buscar-se-ia obter apoio. A fusão de poderes que caracteriza o presidencialismo brasileiro implica na fusão das agendas. A agenda do Executivo seria na realidade a agenda da maioria, ou alternativamente, a agenda do governo. Ao longo do texto, usaremos agenda da maioria e agenda do governo como sinônimos. Note-se, de passagem, que na literatura sobre sistemas parlamentaristas, usa-se com maior freqüência esta última denominação. O texto está organizado da seguinte forma. A segunda seção é dedicada à demonstração da inadequação do modelo da agenda dual derivada do princípio da separação de poderes. Para tanto, procuramos as duas agendas onde elas encontrariam as condições ótimas para se expressar, a saber, no interior do processo orçamentário, nas alocações destinadas a investimentos onde ambos os poderes contam com alto grau de autonomia e podem ser tratados em pé de igualdade 5 . Mostramos que as agendas substantivas de políticas do Executivo e do Legislativo são complementares e não antagônicas. A terceira seção é dedicada a trazer evidências de como se dá a interpenetração entre Executivo e Legislativo na formulação e aprovação de políticas. Recorremos uma vez mais ao processo orçamentário, mostrando como o controle partidário sobre pastas ministeriais se espelha no interior do Legislativo. Nas conclusões retomamos o debate sobre a distinção entre a Agenda do Executivo e Agenda da Maioria à luz das evidências apresentadas e precisamos o alcance do Poder de Agenda. Vale esclarecer: o debate institucional refere-se ao Poder de Agenda e não ao conteúdo da Agenda da Maioria. O conteúdo substantivo da agenda do governo não pode ser usado como evidência em favor desta ou daquela reforma ou arquitetura institucional. O conteúdo da agenda é definido pelo processo político e se refere às preferências dos atores. Logo, se esta ou aquela proposta não foi aprovada, se as tão defendidas reformas, por ambíguas e mal definidas que estas sejam, não avançam, mesmo que isto possa ser verdadeiro, não segue que as instituições precisem ser reformadas. 5 Retomamos aqui o argumento desenvolvido de forma mais detalhada e completa em livro especificamente dedicada ao processo orçamentário. Ver Figueiredo e Limongi 2008. 2. Agenda de Políticas e Separação de Poderes Para testar se de fato se pode falar em duas agendas de políticas distintas atreladas a cada ramo de poder, recorremos aos recursos alocados pelo Executivo e Legislativo em investimentos, no período 1996-2001. Os recursos destinados a investimento se prestam a esta análise justamente por serem os únicos em que a participação dos dois poderes se dá livre de maiores restrições e em pé de igualdade. Mostramos que os programas privilegiados por um e outro poder são os mesmos. Logo, não há evidências de que existam duas agendas diferentes, mas uma agenda única em que os dois poderes atuam de forma complementar. Na realidade, pelas regras vigentes, o Congresso poderia alterar quase integralmente a proposta de investimentos enviada pelo Executivo 6 . Não o faz. Para testar como cada Poder se utiliza da sua relativa autonomia, tomamos o Legislativo como um ator unitário, isto é, agregamos todos os gastos definidos pelo Congresso por meio da apresentação de emendas. Para evitar interpretações equivocadas, cabe observar que as emendas apresentadas e aprovadas pelo congresso não se resumem às emendas individuais. Estas, na realidade, constituem a menor parte do montante mobilizado pelo Congresso que privilegia as emendas apresentadas por atores coletivos (as bancadas estaduais e regionais e as comissões) e institucionais (relatores). Esses três tipos de emendas são agregados na análise que segue. Notem que os recursos alocados nos gastos de investimento não são pequenos. Se os valores globais do orçamento são tomados como referência, a parcela dos recursos definidos pelo Congresso e destinados a investimentos é pequena. No entanto, se, como nos parece mais correto, tomam-se o total de despesas com investimento como referência, veremos que as alocações feitas pelo Congresso não são desprezíveis, seja em termos absolutos, seja em relação aos totais definidos neste grupo de despesa. Como se vê na tabela 1, abaixo, o Congresso é responsável em média pela alocação de mais do que 30% dos recursos de investimento. Tabela 1 Participação Relativa do Legislativo nos Gastos de Investimento: Lei Orçamentária Anual e Despesas Executadas 7 (em %) Ano Lei Orçamentária Anual (LOA) Despesas Executadas 1996 28,5 22,0 1997 34,3 30,6 1998 33,0 26,5 1999 45,1 35,3 2000 50,5 35,6 2001 38,2 35,0 6 Há pequenas restrições nesta área, como privilegiar obras em andamento, dar contrapartida de empréstimos, etc. Comparada às demais áreas, como pessoal e custeio, estas restrições são mínimas. 7 Inclui suplementações. Total 38,1 31,4 Fontes: Assessoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Banco de Dados Legislativos, Cebrap. Se definirmos como os programas de investimento prioritários para cada um dos poderes aqueles que receberam maior volume de recursos, veremos que a vasta maioria dos programas prioritários para um poder também o é para o outro. A tabela 2 abaixo busca mostrar isto e foi construída da seguinte forma. Dentre os programas/subfunções existentes 8 (cerca de cinqüenta no período), selecionamos aqueles que receberam alocações superiores a 1%, seja pelo legislativo ou pelo executivo. Os que não receberam 1% dos recursos alocados por um dos poderes foram agregados na categoria ―Outros‖. Com esta primeira simplificação é possível iniciar a análise. A tabela abaixo lista esses programas, indicando os percentuais aprovados na LOA e posteriormente executados e a ordem de prioridade atribuída a esses programas por cada poder. Há forte concentração de gastos em alguns poucos programas, como ocorre também com as despesas de custeio. Apenas quatorze programas respondem por mais de 80% das despesas definidas por meio de emendas legislativas. Os mesmos programas respondem a uma proporção menor, um pouco mais de 70%, mas nada desprezível, dos gastos do executivo. O menor percentual do Executivo é compreensível, uma vez que parte das suas despesas refere-se a programas que constituem tarefas típicas do exercício desse poder, como Defesa (aérea, terrestre e marítima), Administração, etc. Mais importante a notar, porém, é o quadro de convergência entre as prioridades definidas por cada um dos poderes. A conclusão a que se chega por meio da análise desses dados é clara: ainda que com alguma variação na sua ordenação, não há diferenças substanciais nas prioridades estabelecidas pelo Legislativo e pelo Executivo.E esta conclusão se aplica igualmente às despesas aprovadas na LOA e aos valores executados. Tabela 2. Distribuição Percentual de Investimentos e Prioridades por Programa e Poder – Despesas Aprovadas e Executadas (1996-2001) PROGRAMAS LEGISLATIVO EXECUTIVO % DO TOTAL ORDEM DE PRIORIDADE % DO TOTAL ORDEM DE PRIORIDADE APROV EXEC APROV EXEC APROV EXEC APROV EXEC TRANSPORTE RODOVIARIO 22,75 21,7 1 1 18,1 18,0 1 1 SANEAMENTO 12,33 12,8 2 2 6,0 5,3 7 7 RECURSOS HIDRICOS 11,38 11,3 3 3 6,3 6,0 6 6 SAUDE 7,79 7,4 4 4 6,5 6,4 4 4 TRANSP. URB., HIDROV., AÉREO, FERRROVIÁRIO 6,25 6,8 5 5 10,4 12,4 2 2 HABITAÇÃO 5,56 6,0 6 6 2,1 1,4 11 11 PROGRAMAS INTEGRADOS* 4,5 4,2 7 7 3,4 3,0 8 8 8 Os programas, na classificação do período 1996-99, passaram a corresponder às subfunções no período 2000-01. INFRA-ESTRUTURA URBANA** 3,61 3,8 8 8 0,2 0,1 14 14 ENSINO FUN, SUP E MÉDIO 2,71 1,9 9 10 6,5 7,2 3 3 PROTEÇÃO AO MEIO- AMBIENTE* 2,11 1,8 10 11 0,2 0,2 13 13 ASSISTENCIA 2 2,3 11 9 1,9 0,7 12 12 CIENCIA E TECNOLOGIA 0,73 0,8 12 12 6,4 6,3 5 5 ORGANIZAÇÃO AGRARIA 0,48 0,5 13 13 2,8 2,5 9 9 SEGURANÇA PUBLICA 0,35 0,3 14 14 2,2 2,3 10 10 TOTAL 82,55 81,6 72,96 71,8 Fontes: Assessoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Banco de Dados Legislativos, Cebrap. * Só para o período 1996-1999. ** Só para o período 2000-2001. Tomando as prioridades do Legislativo como referência, vemos que são raros os programas em que este confira atenção especial e que não conte com aportes significativos do Executivo. Visto deste ângulo, a definição do gasto com investimentos é, de fato, feita de forma concorrente pelos dois poderes. Alguns programas são mantidos exclusivamente por meio de aportes de recursos propiciados pelo Executivo. Mas se trata, na maior parte dos casos, de programas diretamente relacionados à manutenção e expansão do próprio Poder Executivo, como os relacionados à Segurança Pública. Há outros que, por razões históricas, ficaram sob responsabilidade deste poder como os programas ligados à área militar (Defesa Naval, Transporte Aéreo), Ciência e Tecnologia, etc. Como alguns destes programas recebem aportes significativos pode-se dizer que há divergência na agenda de cada poder. Ainda assim, estas divergências são pequenas e pouco significativas. A execução orçamentária, de responsabilidade exclusiva do Executivo, não penaliza as emendas, não alterando as prioridades definidas quando da aprovação da LOA. Da mesma forma, o orçamento executado preserva as prioridades estabelecidas pelo executivo. As prioridades políticas de cada ramo de poder foram caracterizadas por meio da análise dos dados agregados para todo o período coberto por nossa análise. Os resultados não seriam diversos caso tivéssemos trabalhado com os dados anuais. As prioridades são praticamente as mesmas para todo o período. Isto é, há estabilidade no padrão das alocações feitas. O que se privilegia em um ano também é privilegiado no ano seguinte. As pequenas modificações registradas se devem mais às alterações no sistema de classificação adotado. Dado que os títulos dos programas são excessivamente genéricos, cabe descrever de forma sumária as atividades que se desenrolam em cada um dos principais programas. Como a tabela acima deixa claro, Transporte Rodoviário é o programa que recebe os maiores aportes de ambos os poderes. Basicamente, concentram-se neste programa os gastos para restauração, manutenção, ampliação e adequação das rodovias federais. As dotações especificam o trecho da rodovia em que estes gastos serão feitos. Em muitos casos, a dotação é repetida em todos os anos na medida em que estradas pedem manutenção constante e/ou passam por reformas e ampliação. Construção de trevos, pontes, passarelas etc são especificadas no interior do programa. Por exemplo, a BR 101, que se estende ao longo do litoral Brasileiro, acaba por ser uma das rodovias a receber o maior número de emendas e os valores mais polpudos. Trechos em diversos estados recebem recursos. O programa de saneamento, a segunda prioridade do legislativo, tem um caráter mais heterogêneo na medida em que os recursos são distribuídos entre três ministérios, o Ministério do Planejamento, o da Saúde e o do Meio Ambiente. Neste grupo estão incluídos investimentos em saneamento geral, sistemas de esgotos e abastecimento de água, subprogramas estes presentes nos três ministérios. Investigando mais detidamente os gastos definidos neste programa, veremos que estão incluídos aqui gastos relacionados à melhora das condições sanitárias de populações urbanas e rurais por meio da construção de rede de esgoto, fornecimento de água etc. O programa Recursos Hídricos envolve, fundamentalmente, verbas destinadas à irrigação e defesa contra a secas. Os ministérios envolvidos são os do Planejamento e do Meio Ambiente. Como seria de esperar, a maior parte destes recursos se dirige à região nordeste. Quanto ao programa Saúde, cujos recursos são controlados pelo Ministério da Saúde, reúnem-se aqui os gastos destinados a Assistência Médica e Sanitária que se destinam à implantação e/ou ampliação da infra-estrutura do SUS, Controle de Doenças Transmissíveis, sobretudo os relacionados ao combate a dengue, Pesquisa etc. O programa de Habitação está, em geral, sob controle do Ministério do Planejamento e os maiores valores se concentram no subprograma de Melhoria das Condições de Habitacionais e Construção de Casas para População de Baixa Renda. Em resumo, não há grande divergência na eleição de prioridades por parte do Congresso e do Executivo. A agenda de um e outro têm caráter complementar. Obviamente, isto não implica identidade de interesses e ausência de conflitos. Significa que a atuação dos dois poderes é baseada em um princípio de coordenação. A análise baseou-se exclusivamente nos gastos destinados a investimento não porque acreditemos que esta coordenação e complementaridade se expressem apenas na definição deste tipo de gasto. Procedemos desta forma porque as condições ótimas para a emergência da agenda dual estão dadas nesta área. Ambos os poderes estão livres das amarras que limitam o seu campo de ação nas demais áreas. Na realidade, uma vez afastada a tese da agenda dual, a complementaridade entre as ações dos dois ramos de poder pode ser invocada para estender o comportamento do Legislativo nas demais áreas do processo orçamentário. Por exemplo, a exigüidade dos recursos destinados a investimento resulta do crescimento relativo dos demais gastos. No período recente, esta redução de recursos é uma função direta do crescimento das despesas correntes e dos recursos destinados à obtenção do superávit primário. Se estes dois últimos são creditados exclusivamente à Agenda do Executivo seremos forçados a concluir que parlamentares são incapazes de avaliar as conseqüências das políticas que apóiam. Dentro do modelo da agenda dual não haveria como explicar a aprovação de certas medidas, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a obtenção de repetidos superávits primários, senão apelando para a miopia (para usar um termo neutro) dos parlamentares. Os parlamentares seriam incapazes antecipar as conseqüências de seus atos 9 . Além disto, seria necessário negar os fatos no que tange ao crescimento dos gastos com custeio, defendidos por parlamentares direta e intensamente, dentro e fora do ciclo orçamentário (para evidências neste sentido ver o capítulo 3 de Figueiredoe Limongi 2008). Para entender o ponto é necessário ter em mente que o grosso dos gastos do governo para financiar suas políticas sociais, como previdência, saúde, educação e assistência social, são gastos de custeio. Ainda que gastos com custeio não possam ser remanejados ou cortados no interior do processo orçamentário, legisladores poderiam alterar a legislação ordinária com o objetivo de comprimir os gastos em políticas sociais para aumentar os recursos disponíveis para investimento. O Legislativo não tem agido neste sentido. Pelo contrário, sua ação tem corrido na direção inversa, isto é, tem lutado para preservar os gastos sociais em um ambiente em que a pressão por contenção de despesas é crescente. A participação do legislativo nesta disputa não deve ser interpretada como a expressão de um conflito entre um Legislativo desejoso de ampliar gastos de forma irresponsável e um Executivo que busca controlar despesas e impor a disciplina fiscal. A natureza do conflito é outra. Trata-se de um conflito por recursos escassos que se desenrola no interior da própria coalizão governamental. Neste caso, os legisladores tendem a se aliar com os ministros das pastas socais em busca de recursos adicionais para expandir suas políticas. Mas esta discussão nos leva diretamente ao tema da seção seguinte: a quem se deve creditar a autoria da agenda do governo? Portanto, a tese das duas agendas em competição não encontra apoio nas decisões orçamentárias feitas pelos dois poderes As políticas perseguidas por um e outro ramo de poder são complementares. Não há, portanto, uma Agenda do Executivo à cata de apoio de parlamentares que a tomam como exógena, externa a seus interesses. 3. Agenda de governo e o presidencialismo de coalizão Nesta seção mostramos que não é possível identificar uma Agenda do Executivo, formulada isolada e independentemente do legislativo, como requer o modelo da agenda dual. Não existe uma agenda previamente formulada e acabada para a qual, em um segundo momento, se busca obter apoio. A agenda efetivamente submetida pelo Executivo ao Legislativo é a agenda da maioria cuja elaboração se dá no interior da coalizão de governo da qual, por definição, participam membros do Executivo e do Legislativo. A Agenda do Governo é formada endogenamente. Tratar o Executivo como um ator único dotado de uma agenda própria é um recurso analítico. No entanto, operacionalizar empiricamente o que se entende por Agenda do Executivo não é uma tarefa tão simples quanto possa parecer à primeira vista. Duas ordens de problemas se colocam: o da titularidade e o da anterioridade. Por problema da titularidade entendemos a dificuldade de identificar o porta-voz autorizado 9 Cabe notar que a inconsistência de certas visões que, por um lado, creditam ao Executivo a capacidade de agir estrategicamente ao antecipar reações dos legisladores, mas que por outro, supõe que os legisladores sejam incapazes de ver um palmo à frente de seus narizes. a expressar a Agenda do Executivo. Já o problema da anterioridade se relaciona à dificuldade de encontrar um momento em que se constituiria uma agenda que não levasse em conta o Poder Legislativo. Os dois problemas estão relacionados como mostraremos a seguir. Há de se convir que se falar em agenda do executivo não é o mesmo que falar na agenda pessoal do Presidente da República. Por mais personalizada que seja a competição eleitoral pelo cargo, a presidência é um posto eminentemente político. A formulação da Agenda do Executivo, portanto, responde aos imperativos políticos e partidários envolvidos na obtenção e exercício da função. Por exemplo, se a referência for o governo partidário, neste caso, a Agenda do Executivo deveria representar o programa e os interesses eleitorais do partido e não o do detentor do cargo. Além disto, ainda que hierárquica, tendo no Presidente da República o seu vértice, o Executivo não é uma instituição unitária. Mesmo em uma versão extremada de presidencialismo pessoal ou imperial, o presidente não seria capaz de formular toda a agenda de políticas. Esta será formulada por seus ―agentes‖, especialmente os ministros que nomeia 10 . Portanto, devem ser consideradas as clássicas perdas de agência, como também o conflito de interesses entre os diferentes agentes do presidente. Na definição das políticas e de gastos, o conflito entre os agentes do presidente tende a ser apresentado, tipicamente, como uma disputa entre os ministros que controlam gastos, usualmente o ministro das finanças responsável pelo resultado fiscal do governo, e os ministros ―gastadores‖, usualmente os que controlam as pastas em que são feitos gastos sociais e investimento em infra-estrutura. 11 Assim, mesmo em um governo uni-partidário idealizado e modelar, a formulação da Agenda do Executivo deveria ser tomada como o resultado de um complexo processo de negociação e barganha no interior do partido. Membros de um mesmo partido, por mais coeso que este seja, têm visões e ênfases políticas diversas, que se consubstanciam ou não em facções claramente definidas. Além disto, ocupam diferentes posições no executivo como também, não pode ser esquecido, no legislativo. Assim, mesmo que consideremos casos extremos, um presidencialismo personalizado ou um governo uni-partidário, a Agenda do Executivo é a resultante de um processo coletivo marcado por conflitos e disputas entre seus formuladores. Nestes termos, mesmo que tomada como exógena ao Legislativo, a Agenda do Executivo não tem um titular único e claramente identificado de antemão. Obviamente, a questão ganha maior complexidade quando passamos a considerar um governo de coalizão. A agenda proposta pelo Executivo deve expressar o programa e interesses eleitorais dos diferentes partidos que participam do governo. A distribuição de pastas ministeriais por partidos para a formação de um governo de 10 Deve ser notado que as propostas encaminhadas pelo Poder Executivo ao Legislativo são sempre assinadas por um ou mais ministros. A agenda legislativa não é do presidente, mas sim do Poder Executivo. 11 Em um estudo clássico, Heclo e Wildalvski, tratando do processo decisório no gabinete e da relação entre esses dois tipos de ministros, mostram que o Ministro do Tesouro, com o apoio do primeiro- ministro, é decisivo. Afirmam ironicamente que ―esta maioria de dois geralmente é suficiente para determinar a maioria dos resultados‖ (1974: 162). coalizão envolve concessões políticas por parte do partido do presidente. As concessões envolvem uma combinação de benefícios diretos (expressos em geral nos ganhos imediatos que os cargos ocupados implicam) e em posições políticas (expressos no deslocamento das políticas na direção preferida pelo partido atraído para ser parte do governo). Ao se considerar um governo de coalizão, o problema da titularidade se combina ao da anterioridade. Por que o presidente formaria uma coalizão se não pela antecipação das reações do Poder Legislativo? Coalizões são formadas justamente com vistas à obtenção de maiorias. Logo, não nos parece que seja factível identificar com clareza um momento prévio de formulação de uma agenda sincera do executivo para depois testar se esta é ou não aprovada. Em se tratando de uma agenda política, ela terá que levar em conta o contexto institucional em que ela será anunciada e em que tramitará. Na realidade, se tomada a sério, as condições exigidas para a existência e identificação de uma agenda sincera do executivonão podem ser atendidas. Para que possa ser tomada como sincera, ela deve estar depurada da antecipação da reação dos demais atores envolvidos na sua consideração. Mas, atores políticos, necessariamente, antecipam reações. Ou seja, não é suficiente que um membro do Executivo anuncie esta ou aquela medida, muito menos que revele sua intenção de promover esta ou aquela política, para que estas medidas e intenções possam ser tomadas como a agenda sincera do Executivo. Se o Executivo é capaz de antecipar as reações às suas propostas legislativas, também o é para prever as reações às propostas que anuncia. Ou seja, o discurso do executivo é e será sempre estratégico. Retornar ao momento eleitoral não resolve o problema. Não apenas não desaparece o problema estratégico, isto é, o programa eleitoral não pode ser tomado como o programa sincero, como também se trata de uma agenda definida com um público alvo diverso – os eleitores— e sob condições e em um contexto totalmente diverso. O governo só se forma, isto é, pastas são distribuídas e os ministros conhecidos, após serem conhecidos os resultados eleitorais. Só após considerar a distribuição de cadeiras no legislativo é que se forma, de fato, o governo. Dadas estas considerações, podemos concluir que se existir uma agenda que possa ser tomada a Agenda Sincera do Executivo então esta ou bem é uma agenda privada ou bem é uma agenda irresponsável. Enquanto tal, uma ou outra não tem interesse analítico. A antecipação da reação do legislativo é racional e é politicamente motivada. O Poder Executivo é constituído por um acordo político que passa pela distribuição de pastas ministeriais. A agenda relevante não é a da presidência, mas sim a da maioria que ela congrega em torno de si. Ao formar um governo, o presidente não está somente distribuindo acesso a verbas e a cargos, está também partilhando as responsabilidades de ser parte do governo. Qualquer que seja o modelo que se assuma do processo decisório no interior de uma coalizão, seja o modelo a la Laver e Shepsle, 12 em que ministros são quase 12 Segundo esse modelo – que se contrapõe às teses da predominância do primeiro ministro e das decisões coletivas do gabinete – pode-se prever a política de um governo em determinada área de política pública pela identidade do ministro naquela área, mostrando que há um alto grau de departamentalização na ditadores em suas respectivas jurisdições, seja o modelo de decisões colegiadas, de alguma forma, os partidos membros da coalizão participam da elaboração dessa agenda. Quando um partido ―entra‖ para o governo, cuja manifestação é dada pela pasta ministerial que passa a ocupar, não está apenas recebendo os benefícios e bônus dos cargos que distribui. Ser parte do governo implica na responsabilidade por dirigir a política pública na área sob seu controle. Esta responsabilidade se estende ao Legislativo, mas não se resume a votar favoravelmente a uma agenda que lhe é imposta 13 . O funcionamento de uma coalizão depende de sua capacidade de desempenhar a contento as tarefas básicas de governo. Para que seja efetiva, a coalizão de governo deve ser capaz de coordenar as ações dos dois ramos de poder. Para tanto, precisa garantir para si o controle das posições de poder e mando no interior da hierarquia do Poder Legislativo. Apoiar o governo implica bem mais do que apenas votar as propostas enviadas pelo Poder Executivo. Vejamos como o governo opera no caso específico do orçamento. O sucesso do governo depende da sua capacidade de assegurar para si a coordenação da apreciação do projeto de lei enviado, garantindo sua aprovação. Mais do que isto, é necessário assegurar que o teor do orçamento aprovado seja compatível com as prioridades do governo. O viés partidário da distribuição dos cargos no interior da Comissão Mista de Orçamento (CMO) é evidente. Parlamentares filiados aos partidos membros da coalizão governamental controlam os postos que pautam a participação do Legislativo no processo orçamentário, como a presidência da CMO e as relatorias. Este controle evidencia que a análise da participação legislativa no processo orçamentário não pode assumir que parlamentares tenham interesses homogêneos. Há uma distinção básica que divide os parlamentares em dois grupos: os membros da base do governo e os da oposição. Os primeiros asseguram para si a direção e, por conseguinte, maior influência sobre o resultado do processo. Dito de outra forma, o Presidente da CMO e os relatores são, antes de mais nada, agentes dos partidos que integram a coalizão que sustenta o governo. Como mostra a tabela abaixo, a Presidência da CMO e o cargo de Relator Geral do orçamento ficaram, basicamente, com o PMDB e com o PFL, registrando-se uma pequena participação do PSDB no final do período. O rodízio entre o PMDB e PFL expressa um amplo acordo entre as duas maiores bancadas das duas casas, acordo que abarcava o rodízio as presidências da mesa das casas. Ou seja, a CMO é uma das peças chaves da negociação política entre os principais parceiros da coalizão. O PSDB passa a participar desta partilha na ocupação dos postos mais altos da hierarquia legislativa com ascensão de Aécio Neves à Presidência da Mesa da Câmara em 2000. Para alguns formulação e implementação da política governamental nas democracias parlamentaristas. Ver Laver & Shepsle (1994) e (1996). 13 Estas considerações são baseadas no modelo de formação de governo proposto por Austen-Smith e Banks (1988), adaptado ao presidencialismo por Cheibub, Przeworski e Saiegh 2004 e desenvolvido por Cheibub 2007. analistas 14 , este episódio é o primeiro sinal das dificuldades que esta coalizão enfrentaria para se manter unida até a eleição de 2002. Tabela 3. Composição Partidária da Presidência e Relatoria da CMO 1989-2002 Presidente Relator Ano Cargo Nome Partido Cargo Nome Partido 1989 DEP CID CARVALHO PMDB DEP ERALDO TINOCO PFL 1990 DEP CID CARVALHO PMDB DEP JOAO ALVES PFL 1991 SEN RONALDO ARAGAO PMDB DEP RICARDO FIUZA PFL 1992 DEP MESSIAS GOIS PFL SEM MANSUETO DE LAVOR PMDB 1993 SEN RAIMUNDO LIRA PFL DEP MARCELO BARBIERI PMDB 1994 DEP HUMBERTO SOUTO PFL SEM GILBERTO MIRANDA PMDB 1995 SEN RENAN CALHEIROS PMDB DEP IBERE FERREIRA PFL 1996 DEP SARNEY FILHO PFL SEM CARLOS BEZERRA PMDB 1997 SEN NEY SUASSUNA PMDB DEP ARACELY DE PAULA PFL 1998 DEP LAEL VARELLA PFL SEM RAMEZ TEBET PMDB 1999 SEN GILBERTO MESTRINHO PMDB DEP CARLOS MELLES PFL 2000 DEP ALBERTO GOLDMAN PSDB SEM AMIR LANDO PMDB 2001 SEN CARLOS BEZERRA PMDB DEP SAMPAIO DORIA PSDB 2002 DEP JOSE CARLOS ALELUIA PFL SEM SERGIO MACHADO PMDB Fontes: Assessoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Banco de Dados Legislativos, Cebrap. A presidência da CMO, como se deduz da mera leitura dos nomes dos que ocuparam o cargo, tendeu a ser exercido por figuras de proa dos dois partidos. Basta notar que três dos seis presidentes listados (Renan Calheiros, Sarney Filho e Alberto Goldman) também ocuparam pastas ministeriais no período. A importância da presidência da CMO não pode ser minimizada. Para se ter uma indicação precisa da sua 14 O ponto é feito por Sérgio Abranches (2005: 150): ―Estou convencido pela análise diária da vida políticaparlamentar de que o ponto-chave do destrambelhamento da coalizão de Fernando Henrique, no segundo mandato, foi por causa da eleição de Aécio neves para a presidência na Câmara dos Deputados. No caso da coalizão de Fernando Henrique, além da distribuição de ministérios, havia a coalizão no Legislativo. Quer dizer, um ficava com o Senado, outro com a Câmara e o PSDB na presidência. (...) Quando Aécio Neves disputa com o Inocêncio (de Oliveira do PFL) e rompe com o PFL. E o Senado se desequilibra. Na hora que o PFL sai do poder, ele vira alvo do PMDB‖ importância para os trabalhos legislativos e para os interesses da maioria, basta notar que, de acordo com o Regulamento Interno da CMO, cabe ao seu presidente da CMO, ―designar, de acordo com a indicação das Lideranças Partidárias ou dos Blocos Parlamentares e observado o critério da proporcionalidade partidária, o Relator- Geral do projeto de lei orçamentária anual, o Relator do projeto de lei de diretrizes orçamentárias, o Relator do projeto de lei do plano plurianual, o Relator das prestações de contas do Presidente da República, bem como os Relatores Setoriais do projeto de lei orçamentária anual e demais Relatores que se fizerem necessários aos trabalhos da comissão, observado o que estabelece o art. 18 deste Regulamento‖ (Artigo 9º. , item m) Ainda assim, no que se refere especificamente ao processo de aprovação do orçamento, o papel chave é desempenhado pelo Relator Geral. Cabe a ele, de acordo com o Regulamento Interno da CMO, tomar as decisões que realmente afetam o perfil do orçamento. Este papel é desempenhado principalmente no momento em que elabora o Parecer Preliminar, momento em que são definidos os parâmetros que nortearão a apreciação da proposta submetida pelo Executivo. Conforme estabelece o Art. 31, § 6º do regulamento, estes parâmetros incluem a fixação das ―I - as dotações globais de cada função, órgão ou área temática, indicando as reduções e os acréscimos propostos; II - as condições, restrições e limites para o remanejamento e o cancelamento de dotações, especialmente no que diz respeito aos subprojetos ou subatividades que nominalmente identifique Estado, Distrito Federal ou Município; III - os limites de programação que contribuam para determinar a composição e a estrutura do orçamento; IV - os critérios e parâmetros para a apreciação das emendas.‖ Está claro que, dada estas prerrogativas, a atuação do Relator Geral não pode desconhecer a relação entre a proposta orçamentária enviada e os fundamentos da política econômica adotada pelo governo. Na realidade, a parte inicial do Parecer Preliminar deve precisamente, de acordo ART. 15 § 7º do Regulamento Interno da CMO, conter: I - exame crítico das finanças públicas e do processo orçamentário, incluindo a execução recente e as diretrizes orçamentárias em vigor para o exercício; II - avaliação da proposta encaminhada pelo Poder Executivo, do ponto de vista do atendimento ao que dispõe a lei de diretrizes orçamentárias, o plano plurianual e, especialmente, o art. 165, § 7º da Constituição Federal; III - quadro comparativo, por órgão, entre a execução no exercício anterior, a lei orçamentária em vigor, o projeto do Executivo e o parecer preliminar; IV - análise das receitas, com ênfase nas estimativas de impostos e contribuições; V - análise da programação das despesas, dividida por áreas temáticas; VI - referência a temas que exijam maior aprofundamento durante a tramitação do projeto ou que merecerão tratamento especial no relatório. O ―exame crítico‖, em geral, se resume a uma revisão dos grandes números que constituem os ―fundamentos da proposta orçamentária‖, conforme o subtítulo adotado pelo parecer preliminar à proposta orçamentária de 2000. Ou seja, esta parte acaba por ser composta pelo endosso à política macro-econômica adotada pelo governo. Ainda que este endosso seja, na maioria das vezes, tácito, não passando de uma repetição dos grandes números encontrados na proposta enviada, este apoio pode ser bem concreto e envolver medidas práticas, como ocorreu no final de 1998, quando a peça orçamentária foi apreciada em meio à crise financeira provocada pela Crise Russa. Conforme se lê no Parecer Preliminar do ano seguinte: O processo orçamentário relativo ao orçamento para 1999 foi particularmente atípico. Isso se deveu à exiguidade de tempo para a apreciação da peça orçamentária, tendo em vista as eleições majoritárias, bem como a deliberação dos representantes de líderes na Comissão no sentido de solicitar ao Poder Executivo a revisão da proposta orçamentária, uma vez que seus fundamentos macroeconômicos já se encontravam superados, por uma série de razões (eclosão da crise russa, alteração de meta de superávit primário, ajuste fiscal, estimativa de crescimento da economia, etc...). Assim, a nova proposta orçamentária para 1999 ao Congresso Nacional foi enviada apenas no início de novembro de 1998. Para viabilizar a aprovação do projeto ainda no exercício de 1998, ou, no mais tardar, como realmente aconteceu, em janeiro de 1999, o processo de apreciação da proposta orçamentária foi redefinido no sentido de encurtamento dos prazos e simplificação de etapas. Neste sentido, o Congresso aprovou a Resolução nº 03/98-CN, cujas regras valeram apenas para o processo orçamentário relativo ao orçamento de 1999. (Parecer Preliminar de 2000, Seção VI.4, pág 42) Ou seja, em face das vicissitudes enfrentadas ou mais precisamente, sobretudo, em função da resposta dada pelo governo à crise enfrentada, até mesmo as regras que presidem a apreciação legislativa do orçamento foram redesenhadas. A Lei aprovada acatou a revisão do superávit primário proposto pelo governo na segunda proposta submetida com as óbvias conseqüências que tal revisão acarretou 15 . Nos anos seguintes, a despeito da luta dos parlamentares para garantir recursos que financiassem suas emendas, o superávit primário contido na proposta enviada pelo executivo foi sempre aprovado. Ou seja, o apoio à política macroeconômica do governo não ocorreu apenas em virtude da situação crítica enfrentada. As linhas mestras da política econômica adotada pelo Ministério da Fazenda são referendadas pela coalizão parlamentar ao longo da apreciação do orçamento. O Relator Geral é a peça chave desta engrenagem. O Parecer Preliminar, ao definir os parâmetros gerais que pautarão a apreciação do orçamento, estabelece o tom da reação do Congresso à política macroeconômica do governo contida na proposta enviada. Como esta reação se dá no início do processo de apreciação do orçamento, ao propor o endosso dos grandes números da proposta submetida, o Relator Geral ―amarra as mãos‖ da maioria. Após a aprovação do Parecer Preliminar, as emendas que a maioria vier a apresentar, não poderão mais afetar o volume total de recursos disponíveis e nem mesmo a distribuição das ―dotações globais de cada função, órgão ou área temática‖. Obviamente, esta prescrição nem sempre é completa. Dotações globais são objetos de disputa ao longo da apreciação da proposta orçamentária e esta disputa ganha 15 Para ser ter uma idéia do teor e impacto das alterações contidas na segunda proposta basta mencionar o fato que os investimentos previstos no Programa Transporte Rodoviário caíram de 1,647 bilhões para 812 milhões. Para uma comparação mais detalhada das duas propostas ver a Nota Técnica Conjunta no. 5/98 COFF-CD e COFC-SE. expressão por meio da atuação dos relatores setoriais. A estes cabe examinar as emendas individuais e coletivas apresentadas, oferecendo parecer a cada umadelas. Os pareceres são ancorados em critérios definidos no corpo do próprio relatório. No caso das emendas individuais, a norma tem sido a de deixar os critérios e prioridades a cargo dos próprios parlamentares, como se lê no Relatório. ―O critério para acolhimento das emendas individuais baseou-se na observância de parâmetros técnico-jurídicos e de mérito (...). No que concerne ao mérito, nossa atitude –como não poderia deixar de ser—consistiu em referendar a fundamentação expressa em cada proposição, pelos autores, tendo em vista a impossibilidade de avaliarmos a realidade e as necessidades de cada uma das localidades contempladas‖ ((Relatório Setorial. Área Temática IX. Integração Nacional e Meio Ambiente. Orçamento de 2001. Deputado Jorge Khoury. pág 16) No caso das emendas individuais, esta política de deixar a definição das prioridades a cargo dos próprios interessados, não gera problemas em função dos tetos estabelecidos para o valor total a ser pleiteado por cada parlamentar. Isto é, relatores setoriais não precisam arbitrar conflitos. Estes são resolvidos pelas limitações impostas á demanda. O mesmo não ocorre, no entanto, com as emendas coletivas, em que não vigoram tetos para os pleitos. Assim, no mesmo relatório citado acima, se lê que: ―Além dos aspectos legais, regimentais e formais das emendas, levamos em conta, para aprovação das emendas coletivas, o potencial das ações nelas contidas para a geração de renda e emprego, além da importância para o enfrentamento dos graves problemas que constituem pontos de estrangulamento do desenvolvimento regional, a exemplo do problema hidrológico na Região Nordeste‖ ((Relatório Setorial. Área Temática IX. Integração Nacional e Meio Ambiente. Orçamento de 2001. Deputado Jorge Khoury. pág 17) Relatores setoriais contam ainda com recursos próprios para apresentação de emendas, recursos que usualmente são carreados para atender demandas de unidades orçamentárias por recursos que lhe teriam sido negados por erros ou omissões. Continuando a colher exemplos do mesmo relatório: ―Atendendo a solicitação do Presidente da CODEVASF (OF/PR/GB no. 664, de 20-11-2000), estamos apresentando as Eemendas de Relator n.os 80090012 a 80090026. No expediente, o Presidente pondera que a SOF – Secretaria do Orçamento Federal, ao distribuir as diversas fontes de recursos nos projetos da Empresa, cometeu erro técnico na alocação dos recursos da Fonte 250 – Recursos Diretamente Arrecadados, relativos a serviços de fornecimento de água para usuário de infra-estrutura pública da irrigação, destinados à manutenção e recuperação de perímetros‖ (Relatório Setorial. Área Temática IX. Integração Nacional e Meio Ambiente. Orçamento de 2001. Deputado Jorge Khoury. pág 18) Ao fim e ao cabo, a influência dos relatores setoriais sobre a política pública sob sua jurisdição não é pequena. Os relatores setoriais são, portanto, um dos vértices privilegiados da pressão para obtenção de recursos. As decisões tomadas afetam as políticas públicas. Parte dessas decisões transcorre no interior da própria relatoria e estão diretamente ligadas à demanda dos legisladores e dos próprios ministérios. Ainda que as grandes opções, os programas, as políticas propriamente ditas, não sejam desenhadas ou definidas pelos relatores, a miríade de decisões que tomam, quando olhada em conjunto, acaba por ter um efeito mais do que marginal sobre o perfil das políticas de investimento. Assim, para que a coalizão governante tenha controle sobre a elaboração do orçamento, este controle deve se estender à ocupação dos cargos de relatores setoriais. Basicamente, estes cargos são atribuídos a parlamentares filiados a partidos membros da coalizão. São poucas as exceções, algumas poucas oportunidades em que parlamentares do PDT e/ou do PT assumem relatorias setoriais. Mas são muito poucos casos e, em geral, em relatorias marginais, que não movimentam recursos expressivos na área de investimento. Por exemplo, o PT chega a ter uma participação significativa na de Poderes de Estado e Defesa, uma evidência do apreço dos partidos às questões relacionadas à defesa. Registram-se ainda participações esporádicas do PT e do PDT em Educação e Cultura, assim como do PT na de Política Fundiária. Tirante estas exceções, que podem ser vistas como concessões em nome do princípio da proporcionalidade, salta aos olhos o domínio praticamente completo dos partidos membros da coalizão sobre as relatorias setoriais. Como mostra a tabela abaixo, a distribuição das relatorias pelos partidos da coalizão mostra especialização. O caso mais acabado neste sentido é o da área Infra- Estrutura, que movimenta os recursos destinados a transportes, cuja relatoria coube, ao longo de todo o período estudado, ao PMDB. O PFL, de sua parte, controlou a maior parte do tempo as relatorias que contêm programas de maior interesse para seus parlamentares; integração nacional, os recursos hídricos e o meio ambiente, setores em que estão concentradas as políticas especialmente desenhadas para atender as demandas dos estados nordestinos, como os investimentos destinados ao combate à seca. O PSDB dominou a relatoria da área de Saúde após esta ter sido destacada da área Previdência e Assistência. Tabela 4. Composição Partidária das Relatorias Setoriais por Área Temática 1996-2001 Áreas Temáticas* Ano No. 1996- 1999 No. 2000- 2001 Relatorias Setoriais 1996 1997 1998 1999 2000 2001 1 Agricultura, fazenda, indústria e comércio PFL PMDB PMDB PPB --- --- 1 Agricultura e Política Fundiária --- --- --- --- PPB PT 2 Fazenda e Desenvolvimento --- --- --- --- PMDB PMDB 2 3 Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, Esporte e Turismo PPR PSDB PDT PSDB PT PFL 3 4 Infra-estrutura PMDB PMDB PMDB PMDB PMDB PMDB 4 Planejamento, urbanismo e integração regional PSDB PFL PSDB PFL --- --- 5 Planejamento e desenvolvimento urbano --- --- --- --- PFL PSDB 5 Meio ambiente, recursos hídricos e Amazônia PMDB PFL PFL PFL --- --- 6 Integração Nacional e Meio Ambiente --- --- --- --- PFL PFL 6 Poderes de estado, representação e defesa PT PT PPB PT --- --- 7 Poderes de estado e representação --- --- --- --- PFL PTB 8 Justiça e defesa --- --- --- --- PSDB PMDB 7 Saúde, trabalho, previdência e assistência social PFL PPB PFL PSDB --- --- 9 Saúde --- --- --- --- PSDB PSDB 10 Previdência e Assistência Social --- --- --- --- PMDB PPB Fontes: Assessoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Banco de Dados Legislativos, Cebrap. *O número de áreas temáticas passou de sete a dez, a partir da alteração na classificação funcional- programática ocorrida em 1999. A distribuição das relatorias setoriais pelos partidos encontra forte correspondência com a distribuição dos ministérios. Em áreas cruciais, o controle partidário se estendeu do ministério à sub-relatoria. Novamente, o caso mais acabado é o do PMDB que, além das todas as relatorias de infra-estrutura, controlou o Ministério dos Transportes durante os dois mandatos de FHC. Ao PFL, principal parceiro do PSDB na composição do governo, coube o controle de três ministérios: o Ministério da Previdência e Assistência Social, Minas e Energia e Meio Ambiente. O partido controlou ainda o Ministério das Comunicações. O PTB recebeu, ao longo do primeiro mandato, os Ministério da Agricultura e Abastecimento e o do Trabalho e Emprego. Ambos passaram às mãos do PPB no segundo mandato. O partido do presidente da República, o PSDB, controlouintegralmente pastas chaves para a definição de políticas sociais, como educação e saúde. Além disto, lhe coube, direta ou indiretamente, a gestão da política econômica (Ministério da Fazenda), como também a gestão do próprio orçamento e da máquina pública (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado). A tabela 5 traz a filiação partidária dos ministros que ocuparam ministérios como representantes de seus partidos enquanto membros da coalizão de governo em cada ano. 16 Os ministros com filiação partidária e/ou indicados formalmente para representar um partido correspondem a cerca de 70% dos postos ministeriais. Os demais foram escolhidos por razões extra-partidárias, seja por sua capacidade técnica, confiança do presidente ou outro tipo de representação social e, por essa razão, não constam da tabela. A tabela mostra também as despesas executadas por cada ministério, no período como um todo, nas áreas de custeio e investimento. Conforme vimos esses são os grupos de despesas em que o Executivo e/ou o Legislativo têm maior liberdade na alocação de recursos para a implementação de suas políticas públicas e de investimento. Vale notar que o total de gastos nesses ministérios corresponde exatamente à proporção de nomeações partidárias. O total de despesas dos ministérios controlados partidariamente corresponde a pouco mais de 70% das despesas totais desses órgãos. Os percentuais de gasto total, vale ressaltar, são influenciados pelos valores, muito mais altos, dos gastos com custeio. Dessa forma, por exemplo, o Ministério dos Transportes, a despeito do alto percentual de gastos em investimentos, 26,07%, tem um gasto total de apenas 6,19, em função do ínfimo percentual de gasto apresentado em custeio. No que diz respeito à distribuição de pastas pelos partidos, observa-se um alto grau de estabilidade. No caso dos maiores partidos, PSDB, PFL e PMDB, o controle sob determinadas áreas se estende pelos dois mandatos. Para os parceiros menores, como PTB e PPB, a distribuição é estável por mandatos. O fato mais relevante no que diz respeito à distribuição dos gastos é a fatia controlada pelo partido do presidente, o PSDB, correspondente a 46,35% das despesas que são relevantes do ponto de vista da implementação de políticas públicas e de investimento. O partido controlou ainda programas especiais alojadas ora no Ministério do Planejamento e Orçamento, ora na própria Presidência, como a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e a Secretaria Especial de Políticas Regionais. 16 Quando mais de um partido está representado no mesmo ano significa que houve mudança no decorrer desse ano. Tabela 5. Composição dos Ministérios Partidários e Despesas Executadas em Custeio e Investimento – 1996-2001 MINISTÉRIOS ANO DESPESAS EXECUTADAS 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 % CUSTEIO*** % INVEST. % TOTAL MINISTÉRIO DA JUSTIÇA PMDB PMDB PMDB PMDB PMDB PSDB PSDB 1,06% 3,13% 1,45% MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES PMDB PMDB PMDB PMDB PMDB PMDB PMDB 1,51% 26,07% 6,19% MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E DO ABSTECIMENTO PTB PTB PTB PTB/ PPB PPB PPB PPB 1,74% 2,85% 1,95% MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO PSDB PSDB PSDB PSDB PSDB PSDB PSDB 10,90% 7,18% 10,19% MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO PTB PTB PTB PTB/ NP PPB PPB PPB 14,76% 0,45% 12,03% MINISTÉRIO DA SAÚDE PSDB PSDB PSDB PSDB PSDB PSDB PSDB 38,05% 11,66% 33,02% MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO (TURISMO) PSDB/ PPB PPB PPB PPB PSDB NP NP 0,24% 0,89% 0,29% MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL 0,25% 0,41% 0,26% MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO PSDB PSDB PSDB PSDB/ PTB PTB/ NP/ PSDB PSDB PSDB 1,37% 6,45% 2,33% MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES PSDB PSDB PSDB PSDB PSDB PSDB PSDB 0,53% 1,97% 0,81% MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL 0,77% 4,96% 1,57% MINISTÉRIO DO ESPORTE E (TURISMO) PFL* PFL PFL 0,19% 1,64% 0,46% MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL PMDB ** 0,57% 5,72% 1,55% SUBTOTAL 71,94 73,38 72,10 OUTROS 28,06 26,62 27,90 TOTAL GASTOS (Em milhões de 2001) 100% 257.262,17 100% 60.527,40 100% 317.789,57 Fontes: Assessoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Banco de Dados Legislativos, Cebrap. * Anteriormente, parte do Ministério da Educação. **Criado apenas em 2001 e em 2002 continuou com PMDB. O alto gasto com investimento, portanto, refere-se apenas ao ano de 2001. ***Excluídas as despesas constitucionalmente obrigatórias, ou seja, com Previdência e Transferências para Estados e Municípios. Ou seja, o PSDB, o partido presidencial, a despeito de ter formado uma coalizão partidária para governar, manteve controle sobre a política econômica (Ministério da Fazenda e o do Planejamento) assim como sobre as duas mais importantes pastas para a implementação de políticas sociais de cunho universal: Educação e Saúde. No interior do Ministério do Planejamento e Orçamento, e depois da própria Presidência da República, ficaram também sob a responsabilidade de ministros do PSDB as despesas, especialmente de investimentos, em programas nas áreas de desenvolvimento urbano e regional, saneamento básico, habitação etc. As ações dos ministérios econômicos propiciaram a defesa do Plano Real, carro chefe da ascensão do partido à presidência. Nas políticas sociais que desenhou e implementou, o partido jogou suas chances de continuar no poder. Não por acaso, os Ministros da Educação e da Saúde disputaram a indicação do partido à sucessão presidencial. Comparada à do PSDB, a participação do PFL, principal aliado do governo, no montante das despesas de custeio e investimento foi bastante modesta. As despesas sob o partido controle direto do partido não alcançam 2%. No entanto, deve-se notar que as despesas do Ministério da Previdência, cujo ministério foi ocupado pelo PFL por quase todo o período, foram excluídas do cômputo das despesas apresentadas na tabela por estarem quase inteiramente comprometidas com gastos obrigatórios constitucionalmente. Ainda assim, a participação do partido para o funcionamento da coalizão não pode ser minimizada. Em primeiro lugar, em função da importância que a política previdenciária assume no Brasil. Basta olhar o número de beneficiados com os pagamentos da previdência para se ter uma idéia do potencial político que o controle do Ministério representa. Mais ainda, deve ser levado em conta que a estrutura organizacional do INSS está longe de ser pequena e tem grande capilaridade territorial 17 . Contudo, tendo em vista a natureza do projeto de reforma previdenciária do governo, a posição de ministro da previdência pode ser vista mais como um ônus do que um bônus. De outra parte, para um partido de cunho liberal, desatar este nó para as contas públicas não deixaria de ser um grande ativo. Não por acaso, para desempenhar a dupla tarefa de defender a reforma da previdência e, de outro, resguardar interesses político-eleitorais do partido foram escolhidos ministros com extensa experiência parlamentar, mas também com alguma expertise ou familiaridade com a área previdenciária ou afim. Reinhold Stephanes, ministro no primeiro mandato, cumpriu váriosmandatos de deputado federal pelo Estado do Paraná, já tendo sido ministro da previdência no último ano do governo Collor e presidente do INPS durante o governo Geisel. Stephanes cedeu seu lugar a Waldeck Ornélas, senador pelo Estado da Bahia, um dos muitos políticos deste estado cuja carreira deslanchou a partir do desempenho executivo e técnico junto à Secretaria Estadual de Planejamento e Ciência e Tecnologia, daquele estado. Ou seja, um político com perfil técnico e próximo a Antonio Carlos Magalhães. Note-se ainda que o PFL controlou o Ministério de Minas e Energia e foi responsável pelo programa de privatização de uma área em que se concentravam algumas das mais importantes empresas estatais. Por último, deve ser notado que o PFL manteve seu acesso privilegiado aos programas de investimento especialmente desenhados para atender as necessidades da região nordeste, como os programas de combate à seca, regularização de cursos de água 17 Os gastos do ministério com pessoal rivalizam com os do Ministério da Saúde, representando algo como 6% do total dos gastos da união com pessoal ativo. etc. Parte destes recursos ficou a cargo, como notado acima, do Ministério do Planejamento e outra parte ficou atrelada ao Ministério do Meio Ambiente. Esta análise fornece elementos cruciais para um entendimento mais acurado do funcionamento de um governo de coalizão em um regime presidencialista. Em primeiro lugar, do ponto de vista dos partidos que integram a coalizão, ser parte do governo vai além do mero recebimento de uma pasta. Participar do ministério é ser parte do governo, é ter a responsabilidade pela formulação e gestão de políticas. O PSDB e, em menor medida, o PFL ocuparam os ministérios em que foram tomadas as decisões chaves para o sucesso (ou fracasso) do governo. Estas decisões não são monolíticas e não respeitam nem mesmo as fronteiras partidárias. Ministros do PSDB igualmente próximos à presidência lutaram pela implementação de políticas diversas em vários momentos. Nesses termos, não existe uma Agenda do Executivo dada, formulada de antemão e que possa ser captada pela expressão deste ou daquele ator. Nem mesmo o discurso do presidente pode ser tomado como a expressão fidedigna de uma agenda claramente definida. Ou seja, não é sequer necessário discutir as questões estratégicas envolvidas pela apresentação ao público de projetos políticos pelo governo para reconhecer as dificuldades de isolar e conhecer a Agenda do Executivo. Em certa medida, estas considerações não passam da reafirmação do óbvio. No entanto, o que se quer frisar é como assumir este ponto de partida implica em reconhecer o equívoco do raciocínio que se estriba na idéia de que existiriam duas agendas conflitantes, a do Executivo e do Legislativo. Não faz sentido falar em uma agenda definida pelo Executivo, de forma monolítica, que é submetida aos parlamentares e para a qual se busca obter apoio por meio da concessão de benefícios a parlamentares individuais. Por isto mesmo, não é possível tentar identificar a agenda sincera do Executivo. A agenda que o Legislativo aprecia é a agenda da maioria, a agenda do governo. O parlamentar filiado a um partido que pertence á coalizão governamental não apenas vota com o governo. Ele participa da formulação e da implementação das políticas do governo. A aprovação e execução do orçamento é o momento por excelência dessa participação e, assim sendo, da coordenação das ações do Executivo e do Legislativo. Em suma, apesar da crença generalizada de que governos presidencialistas não podem funcionar com o apoio de coalizões partidárias, crença que, paradoxalmente tende a ser reafirmada mesmo quando se recorre à noção de presidencialismo de coalizão, procuramos mostrar como Executivo e Legislativo se interpenetram e se fundem tomando como exemplo a política orçamentária. Partidos representados no parlamento, que fazem parte do governo, assumem funções executivas e estas funções não se resumem à ocupação de uma pasta ministerial, elas se estendem ao Legislativo. 5. Conclusões O modelo da agenda dual não resiste à análise. A agenda sincera do executivo não é relevante conceitualmente, além de ser impossível isolá-la empiricamente. A agenda que se manifesta é uma agenda construída politicamente, portanto, que leva em conta, isto é, que de fato antecipa as reações do legislativo. Na realidade, mais do que isto, é uma agenda cuja elaboração não deixa inteiramente alheio o Poder Legislativo. Não se trata, propriamente, de uma agenda do Executivo, mas sim de uma agenda da maioria. Nestes termos, não apenas antecipa como incorpora a reação de parte do legislativo. Nos termos em que a tese da Agenda Dual é formulada, se fôssemos capazes de isolar empiricamente a Agenda Sincera do Executivo é duvidoso que esta venha ser dotada de qualquer interesse analítico. Digamos que identifiquemos uma Agenda do Executivo com as características pedidas: inteiramente formulada no interior do Executivo e não levando em conta as chances de sua aprovação, isto é, um programa de governo que atenda as condições de titularidade e anterioridade identificadas anteriormente. Por que devemos avaliar um sistema político qualquer, não apenas o brasileiro, pela capacidade de um ator em ver aprovada uma agenda que atenda estas características? Posta nestes termos, o juízo acerca do sistema político brasileiro construído a partir desta premissa revela seu viés. Para além de equiparar a separação de poderes a conflito entre os dois ramos de poder, o argumento assume que o Executivo deve prevalecer sobre o Legislativo. Afinal, o primeiro responde ao interesse geral e o segundo ao particular. Na realidade, é mais do que isto, na medida em que a construção de uma agenda comum é tomada como prova de negociações ilícitas quando não de pura compra de apoio. Está claro que o Poder de Agenda não pode garantir a aprovação de qualquer agenda substantiva. O Executivo não tem como aprovar a sua agenda independente do apoio da maioria. Os poderes de agenda assegurados ao Chefe do Poder Executivo, como esclareceu John Huber algum tempo atrás (1992), não podem ser interpretados como anti-majoritários. Não são armas para governar contra a maioria. Mesmo as Medidas Provisórias, para voltar a um ponto que sempre gera confusões, não permite que se governe contra a maioria. Se não contam com o apoio da maioria, MPs podem ser rejeitadas. O Poder de Agenda significa que a maioria conta com os meios institucionais para aprovar as medidas que prefere ao status quo superando os obstáculos que a minoria anteporá às suas pretensões e seus problemas de coordenação ou ação coletiva. A minoria tentará parar a tramitação dos projetos de interesse da maioria. Controlar comissões legislativas, estender o debate indefinidamente, forçar um número proibitivo de votações nominais e assim por diante são as armas clássicas a que a minoria recorre. Poder de Agenda dota a maioria dos meios para transpor estes obstáculos. No caso concreto do Brasil, dois mecanismos são fundamentais: o pedido de urgência e a Medida Provisória. Recorrendo a um ou outro destes instrumentos, a maioria tem como forçar a deliberação da matéria. A maioria deve também arcar com os custos de aprovar as medidas que defende. Boa parte das propostas consideradas pelo Legislativo envolve a distribuição de perdas e ganhos para diferentes grupos sociais. Impor perdas imediatas a seus eleitores, mesmo que em troca de ganhos futuros, não é tarefa fácil para qualquer legislador.A minoria, obviamente, buscará realçar as perdas correntes da aprovação das propostas patrocinadas pela maioria. A ação conjunta da coalizão, portanto, está sempre ameaçada. O Poder de Agenda garante a unidade da coalizão na medida em que oferece cobertura aos seus membros individuais. O exemplo mais óbvio é dado pela transferência da autoria da proposta. O debate institucional nacional avançou muito nos últimos anos. Continua, no entanto, marcado pela discussão substantiva. É preciso dar a Cesar o que é de Cesar, separando efetivamente o institucional do substantivo. Instituições não podem ser responsabilizadas por tudo. A agenda aprovada é a agenda da maioria. O que está fora da agenda, as não- decisões, são as que não contam com o apoio da maioria. Não há nada de errado com antecipar as preferências da maioria. Assim é no Brasil, como em todas as democracias. Se a Agenda Substantiva da Maioria não é de agrado do analista ou se não reponde à ―verdadeira‖ agenda que o país deveria enfrentar de acordo com este ou aquele organismo internacional, se o país não volta a crescer e convive com altas taxas de desigualdade, estes são problemas de outra ordem. Não são problemas institucionais e devem ser enfrentados na arena que lhes é própria. Referências ABRANCHES, Sérgio Henrique. 1988. ―Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro‖. Dados: Revista de Ciências Sociais, 31, 1: 5-34. _______(2005) ―Os Caçadores do Federalismo Perdido. Um debate em Luvas de Pelica in INTELIGÊNCIA, ano VII, no. 28, págs 140 a 159. AMES, Barry. 2003. Os Entraves da democracia no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV. AUSTEN-SMITH, David & Jeffrey BANKS. 1988. ―Elections, Coalitions, and Legislative Outcomes.‖ American Political Science Review 82:405-422. CAMERON, Charles M. 2000. Veto Bargaining. Presidents and the Politics of negative power. 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