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ABREU. José Maurício Evolução Urbana do Rio de Janeiro

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SUMÁRIO 
 
Prefácio........................................................................................................................ 7 
1. INTRODUÇÃO................................................................................................... 11 
2. SOCIEDADE, ESPAÇO URBANO E ESTADO: EM BUSCA DE UMA BASE 
TEÓRICA ................................................................................................................. 13 
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: MODELOS PRONTOS E SUA CRÍTICA.... 13 
2.2 A FORMAÇÃO SOCIAL COMO PONTO DE PARTIDA............................... 16 
2.3 FORMAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO: A ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE 
JANEIRO................................................................................................................... 16 
2.3.1 O modelo metropolitano................................................................................. 17 
2.3.2 A estrutura metropolitana.............................................................................. 18 
2.3.3 Como se compõe a estrutura metropolitana.................................................. 25 
2.4 ESTRUTURA URBANA E MOMENTOS DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL. 30 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 33 
3. O RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX: 
DA CIDADE COLONIAL À CIDADE CAPITALISTA ................................... 35 
3.1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 35 
3.2 O PERÍODO ANTERIOR A 1870: A MOBILIDADE ESPACIAL É PRIVILÉGIO 
DE POUCOS........................................................................................................... 37 
3.3 BONDES E TRENS: A CIDADE CRESCE EM DIREÇÕES 
QUALITATIVAMENTE DISTINTAS.................................................................. 43 
3.3.1 O papel dos bondes..................................................................................... 44 
3.3.2 O papel dos trens ,....................,................................................................... 50 
3.4 A INDUSTRIALIZAÇÃO CARIOCA NO FINAL DO SÉCULO XIX E 
A EMERGÊNCIA DA QUESTÃO HABITACIONAL........................................ 54 
3.5 ENFIM O ESPAÇO CAPITALISTA: A REFORMA PASSOS .................. 59 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................. 68 
4. O RIO DE JANEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX: AS NOVAS 
CONTRADIÇÕES DO ESPAÇO .................................................................... 71 
4.1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 71 
4.2 A EVOLUÇÃO DA CIDADE COMO REFLEXO DAS CONTRADIÇÕES 
ESTRUTURAIS DA ÉPOCA............................................................................. 72 
4.3 A FORMA URBANA E O PAPEL DO ESTADO..................................... 73 
4.3.1 O Período Carlos Sampaio....................................................................... 76 
4.4 O CRESCIMENTO INDUSTRIAL E A FORMAÇÃO DA ÁREA 
METROPOLITANA.......................................................................................... 79 
4.5 O PLANO AGACHE................................................................................. 86 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 91 
5. O ESPAÇO EM MOVIMENTO: DO URBANO AO METROPOLITANO 93 
5.1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 93 
5.2 REVERTENDO TENDÊNCIAS? AS CONTRADIÇÕES POPULISTAS E A 
FORMA URBANA........................................................................................... 94 
5.3 O PERÍODO 1930-1950........................................................................... 96 
5.3.1 O papel da Indústria.............................................................................. 96 
5.3.2 O crescimento dos Subúrbios................................................................ 99 . 
5.3.3 A expansão das Favelas......................................................................... 106 
5.3.4 Dos Subúrbios à Periferia...................................................................... 107 
5.3.5 O crescimento da Zona Sul e a estagnação relativa da Área Central.... 112 
5.4 O PERÍODO 1950-1964.......................................................................... 115 
5.4.1 A Explosão Metropolitana.................................................................... 118 
5.4.2 A Favela em 1960................................................................................. 126 
5.4.3 A verticalização da Zona Sul, o "Problema Viário" e o Papel do Estado 126 
5.5 VOLTANDO ÀS ORIGENS................................................................... 134 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................. 136 
6. RESUMO E CONCLUSÕES...................................................................... 139 
FOTOS- 1900-1960................................................................................. 149 
 
 
 
PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO 
 
O Rio pelo Rio. A cidade que já inspirou centenas de artistas, escritores, 
pesquisadores, poetas e intelectuais dispensa apresentações. Sua poesia, seu glamour, 
seus belos cenários e suas excentricidades já serviram de enredo para muitas obras. 
Não tem sido diferente com os diversos profissionais especialistas em cidades, onde 
se destaca o professor Maurício de A. Abreu. Ao começar, em 1978,-os estudos que 
dariam origem a este livro, Maurício integrava a equipe do Centro de Pesquisas Urbanas 
do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM). O objetivo inicial de 
pesquisar a influência das políticas públicas referentes à distribuição espacial da 
população de baixa renda da cidade se desdobrou na tarefa de escrever sobre a "Evolução 
Urbana do Rio de Janeiro". A riqueza de informações que conseguiu reunir e analisar 
neste livro tornou-se referência para diferentes segmentos que estudam o Rio e sua região 
ou que, simplesmente, têm vontade de conhecer sua dinâmica história. A abordagem do 
tema foi de tal sucesso que a IPLANRIO reedita o livro, ciente de estar preenchendo uma 
lacuna que vai atender à grande demanda que fez com que as primeiras edições fossem 
rapidamente esgotadas. 
Com esta iniciativa, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro contribui, mais uma 
vez, para a ampliação do conhecimento sobre aquela que ficou conhecida como a cidade 
maravilhosa. 
Hélia Nacif Xavier 
Secretária Municipal de Urbanismo 
Novembro de 1997 
 
 
 
Quase uma década após o seu lançamento, vem a público uma nova edição do 
"Evolução Urbana", já um clássico da nossa literatura especializada em urbanismo. 
Nesses anos, a obra de Maurício Abreu conquistou um lugar de destaque entre professores 
e alunos de arquitetura e urbanismo, profissionais do setor junto ao público interessado 
na história e na atualidade de nossa cidade. É um trabalho conciso, esclarecido e inspirado 
na medida certa para cativar o leitor com o romance da vida real. 
Ocorre que o livro de Maurício Abreu, para desespero do público, havia se 
transformado em raridade bibliográfica. A pequena tiragem das duas primeiras edições 
vinha sendo disputada avidamente em sebos e livrarias especializadas. Um grave 
contratempo impedia a reimpressão: durante uma mudança da IPLANRIO, agência 
municipal de planejamento encarregada da edição, os fotolitos se extraviaram e foram 
frustradas todas as tentativas deencontrá-los. 
Agora, premida por uma procura inconformada, a IPLANRIO encontrou uma solução 
para refazer os fotolitos. Imagens e textos foram cuidadosamente digitalizados com 
técnica de scanner, obtendo um resultado superior ao que se podia obter com técnica de 
facsímile. 
O "Evolução Urbana" merece o investimento. E o público volta a ter acesso a uma das 
mais importantes contribuições à história urbanística da cidade do Rio de Janeiro. 
 
Verena Andreatta 
Diretora-Presidente da IPLANRIO 
Novembro de 1997 
 
 
 
 
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO 
 
Este trabalho é, antes de tudo, um trabalho de época, daí porque é necessário contar 
um pouco de sua história. 
Foi escrito em 1978 e integrava, naquela ocasião, o programa de estudos do Centro 
de Pesquisas Urbanas do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), 
contando com o patrocínio do International Development Research Centre (Instituição 
canadense) e da então Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana 
(CNPU, hoje CNDU). 
O objetivo inicial da pesquisa era o estado da influência das políticas públicas sobre 
a distribuição espacial da população de baixa renda na Área Metropolitana do Rio de 
Janeiro. E foi nessa direção que eu e Olga Bronstein, responsáveis por sua elaboração, 
encaminhamos inicialmente o estudo. Na divisão de trabalho que se seguiu, a mim foi 
confiada a tarefa de buscar elementos históricos que servissem de ponto de partida para a 
discussão da estrutura urbana atual da metrópole carioca. A partir daí, o estudo tal como 
o havíamos imaginado, começou a mudar de direção. 
A consulta à bibliografia então existente logo revelou a riqueza das informações 
disponíveis. Com efeito, os livros, relatórios, artigos, crônicas e dados estatísticos 
encontrados tratavam dos mais variados aspectos da evolução urbana do Rio de Janeiro, 
despertando em nós uma curiosidade científica crescente. Cada nova informação obtida 
aumentava, por sua vez, o fascínio pelo tema em estudo, impelindo-nos à exploração de 
horizontes ainda mais distantes. 
Havia entretanto um problema: embora rica, a bibliografia a que tivemos acesso era 
extremamente setorial e/ou pontual, resultando daí a inexistência de qualquer obra que 
tratasse do processo de construção/ transformação do espaço metropolitano carioca de 
forma integrada, ou seja, que analisasse as ações dos agentes modeladores do Rio de 
Janeiro no conjunto de suas interrelações, conflitos e contradições. 
Era preciso, pois, realizar esta tarefa, ou seja, integrar as informações obtidas em 
fontes secundárias num texto único. Este deveria ter, entretanto, unidade teórica e 
metodológica próprias, consoantes com os objetivos do trabalho proposto. 
Foi seguindo esta orientação que, na medida do possível, e lutando contra a escassez 
de recursos e a fatalidade dos prazos, se desenvolveu este trabalho. O resultado final 
revelou-se muito mais amplo do que aquele originalmente previsto, tendo a pesquisa rece-
bido o extenso título de "POLÍTICAS PUBLICAS, ESTRUTURA URBANA E 
DISTRIBUIÇÃO DE POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA NA ÁREA ME-
TROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO". 
O texto aqui apresentado contém os capítulos de minha autoria constantes desse 
documento. A vontade de publicá-los é antiga, mas a decisão de realizá-la foi fruto de um 
longo e difícil processo de reflexão. 
Os cinco anos de pesquisa investidos posteriormente no estudo do mesmo tema - e 
dedicados agora à análise das fontes primárias, ausentes do trabalho anterior - 
representaram, nesse processo, uma barreira poderosa, que precisou ser vencida. A 
tentação de alterar o trabalho original era grande, e aumentava mais ainda a cada novo 
códice consultado no Arquivo da Cidade, a cada novo mapa original encontrado no Ar-
quivo Nacional, a cada nova leitura de documento antigo na Biblioteca Nacional ou no 
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 
E o que falar de todas aquelas temáticas, importantes para o estado da evolução 
urbana da cidade do Rio de Janeiro, e que nem eram tratadas no estudo já realizado? Era 
preciso incorporá-las ao trabalho já feito!!! 
A conscientização de que qualquer modificação estrutural realizada no texto 
anterior resultaria na sua total reformulação e, por conseguinte, num outro estudo, 
demorou a chegar. Mas veio! E, com ela, a decisão de manter o trabalho tal qual ele havia 
sido elaborado em 1978. O texto aqui apresentado reflete, pois, um pensamento de época. 
Os que conhecem a versão original notarão diversas modificações estilísticas e a 
supressão e/ou alteração de vários parágrafos e subtítulos. Pretendeu-se, com isso, corrigir 
certas imprecisões do texto original e eliminar seu formato de relatório de pesquisa. O 
conteúdo, entretanto, pouco foi alterado. 
A oportunidade de publicação deste trabalho traz inevitavelmente à memória todos 
aqueles que contribuíram, das mais diversas maneiras, para que isto acontecesse. 
O agradecimento inicial é ao IBAM. Sem a confiança em mim depositada, e sem o 
ambiente amigo e intelectualmente desafiante que lá encontrei, quando a essa instituição 
estive formalmente ligado, este trabalho não teria sido realizado. Ao Professor Diogo 
Lordelío de Mello e a Cleuler de Barros Loyola, o meu profundo reconhecimento. A 
Carlos Nelson Ferreira dos Santos, a amizade e o agradecimento pela autonomia 
concedida ao desenvolvimento deste estudo. 
A Edgar Gonçalves da Rocha, Paulo Fernando Cavallieri, Alete Ramos de Oliveira, 
Maria Laís Pereira da Silva, Olga Bronstein e Ana Maria Brasileiro, a minha amizade, 
construída ainda nos tempos do IBAM. 
A Paulo Luís de Freitas e Gladis Brum, a alegria de poder dividir com vocês a 
realização de um desejo antigo, para a qual muito contribuíram. 
À Professora Maria Therezinha de Segadas Soares, que orientou meus primeiros 
passos como pesquisador, e que despertou em toda uma geração de estudantes a vontade 
de desvendar os mistérios da geografia urbana carioca, a alegria de poder retribuir o 
incentivo recebido. 
A Leila Christina Duarte Dias e Lia Osório Machado, a satisfação de poder provar, 
ainda que com bastante atraso, que suas "preleções" surtiram efeito. 
A. Milton Santos, Afonso Carlos Marques dos Santos, Olga Becker, Lysia 
Bernardes, Maria Adélia A. de Souza, Lícia Valladares, Marta Bebianno Costa, Carlos 
José Mascarenhas Fernandes, Manoel Seabra, Ney Paiva Chaves, Mônica Vertis, Ivan 
Viana, Yelda Saraiva, Mário Aizen, Consolação Moreira Lima e Alberto Strozemberg a 
gratidão pelo apoio recebido, em momentos diversos. 
Aos meus alunos de graduação e pós-graduação do Departamento de Geografia da UFRJ, 
o obrigado pela constante troca de idéias, realizada sobretudo com Nina Maria C. Elias 
Rabha, Nelson da Nóbrega Fernandes e Susana Mara Miranda Pacheco. 
À minha equipe de pesquisa, e ao CNPq, FINEP e CEPG/UFRJ, que viabilizaram 
a formação do grupo, todo reconhecimento é pouco. Sem o apoio e dedicação recebidos 
de todos, e sem o suporte dos órgãos financiadores, teria sido impossível avançar nesse 
campo do conhecimento e reconhecer o valor de um trabalho pioneiro. O agradecimento 
é coletivo, mas seria injusto não citar aqui o estímulo constante recebido de Mônica 
Marques Leão, Maria Cristina Siqueira dos Santos, Angela Nunes Damasceno e Elizabeth 
De-zouzart Cardoso. 
A Valéria Naslausky, Ana Tereza Redig de Campos Barrocas, Patrícia Ribeiro 
Carvalho, Bruno Speranza, Jorge Enrique Janna Herrera e Luzia Cardoso Repinaldo 
agradeço o esforço empreendido na preparação final desta publicação, à qual dedicaram 
não apenas sua eficiência profissional, como também um carinho todo especial. 
Sou grato também ao Dr. Gilberto Ferrez que autorizou a publicação de algumasfotos de seu livro "O Rio Antigo do Fotógrafo Marc Ferrez." e aos amigos do Arquivo 
Geral da Cidade do Rio de Janeiro (Seção de Documentação Cartográfica, Iconográfica e 
Audiovisual) e da Biblioteca Nacional (Seção de Obras Raras e Seção de 
Microfilmagem), que facilitaram ao máximo o trabalho de seleção de diversas ilustrações 
aqui apresentadas. 
Finalmente, devo à IPLANRIO o maior agradecimento, pela oportunidade de tornar 
público um trabalho que, embora bastante citado, muitos já consideravam como fadado a 
ser eternamente "inédito". 
Maurício de A. Abreu Junho de 1987 
 
 
 
Este trabalho é dedicado a 
MURILO GODOY 
que ainda continua vivo na lembrança de todos nós. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
 
Este trabalho pretende explicar o presente através do processo histórico que lhe deu 
forma e conteúdo. Mais especificamente, seu objetivo é demonstrar que o alto grau de 
estratificação social do espaço metropolitano do Rio de Janeiro, na atualidade, é apenas 
a expressão mais acabada e um processo de segregação das classes populares que vem se 
desenvolvendo no Rio há bastante tempo. Pretende-se, com esta pesquisa recuperar esse 
processo histórico, teórica e empiricamente. 
Um trabalho que vise analisar o processo de evolução de qualquer cidade a partir 
de sua organização atual é, por definição, um estudo dinâmico de estrutura urbana. Para 
que evite cair no empirismo da mera descrição geográfica, é necessário, entretanto, que 
ele relacione - a cada momento - a organização interna da cidade com o processo de 
evolução da formação social. Só assim será possível integrar padrão e processo, forma e 
função, espaço e tempo. Tentando atingir este objetivo, o estudo aqui apresentado 
descreve e analisa a estrutura urbana do Rio de Janeiro, desde o início do Século XIX até 
o momento atual, procurando perceber, paralelamente, suas interações com os processos 
econômicos, sociais e políticos que impulsionaram o país nesse mesmo período. 
Vários são os responsáveis pela evolução da estrutura urbana no tempo. Analisá-
los todos, e de forma detalhada, seria tarefa por demais complexa para os objetivos deste 
trabalho. Por esta razão, e sem descuidar da ação exercida por outros agentes modeladores 
do espaço, resolvemos dar atenção especial ao papel desempenhado pelo Estado. 
Partimos da premissa que, se a estrutura atual da Área Metropolitana do Rio de Janeiro 
se caracteriza pela tendência a um modelo dicotômico do tipo núcleo-periferia, onde a 
cidade dos ricos se contrapõe àquela dos pobres, isto não se deve apenas às forças de 
mercado. Tal estrutura, também seria função do papel desempenhado pelo Estado no 
decorrer do tempo, seja através da criação de condições materiais que favoreceram o 
aparecimento desse modelo dicotômico, seja mediante o estabelecimento de políticas que, 
embora objetivando muitas vezes regular conflitos entre o capital e o trabalho, sempre 
acabaram sendo benéficas àquele e em detrimento deste. 
Dois pressupostos básicos aparecem, implícita ou explicitamente, ao longo de todo 
o estudo. O primeiro diz respeito à natureza do Estado. Este, longe de ser um agente 
neutro, atuando em benefício da sociedade como um todo, como prega o pensamento 
liberal, ter-se-ia aliado, através do tempo, a diferentes unidades do capital, expressando 
os seus interesses e legitimando suas ações precursoras. Por conseguinte, o modelo 
segregador do espaço carioca teria sido estruturado principalmente a partir dos interesses 
do capital, sendo legitimado e consolidado indiretamente pelo Estado. 
O segundo pressuposto é o de que haveria também uma relação direta entre a 
crescente estratificação social do espaço, no que hoje se denomina Área Metropolitana 
do Rio de Janeiro, e o estabelecimento de determinadas políticas públicas. Isso quer dizer 
que os padrões de distribuição espacial das classes sociais no Rio teriam sido altamente 
influenciados pelo Estado através do tempo, tanto por suas ações como por suas omissões. 
Essas políticas (ou não-políticas) seriam, por sua vez, bastante representativas dos 
momentos de organização social em que foram formuladas. 
Atualmente (período pós-1964), sabe-se que o objetivo principal do modelo em 
vigor é alcançar eficiência econômica em todos os setores de atuação, mesmo que a altos 
custos políticos e sociais. Em consonância com esta filosofia, a atuação do Estado tem 
tomado um cunho altamente empresarial, evidenciando uma preocupação máxima com o 
retorno de seus investimentos. Mesmo setores sociais básicos, relacionados à reprodução 
da força de trabalho (transporte e habitação, por exemplo), não apresentam importância 
em si mesmos, sendo usados apenas como estratégia, para a resolução de objetivos mais 
amplos, sempre referentes à eficiência do modelo de crescimento econômico adotado. 
Como reflexo dessa postura, as políticas e investimentos públicos, associados ou não ao 
capital privado, têm privilegiado apenas os locais que asseguram retorno financeiro ao 
capital investido, ou seja, as áreas mais ricas da cidade. Resulta daí ã acentuação das 
disparidades intra-metropolitanas e, por conseguinte, do modelo espacial dicotômico, no 
qual um núcleo hipertrofiado e rico (em termos de renda e de oferta de meios de consumo 
coletivo) é cercado por periferias cada vez mais pobres e carentes desses serviços, à 
medida que se distanciam dele. 
E tomando como ponto de partida essas reflexões que se desenvolve este trabalho. 
Presume-se que, ainda que variando em forma e conteúdo, a atuação do Estado sobre a 
estrutura urbana do Rio de Janeiro através do tempo pouco tenha diferido daquela que é 
verificada hoje. Em outras palavras, o Estado teria contribuído, de forma constante, para 
a criação do modelo espacial dicotômico que hoje caracteriza a metrópole carioca. 
A metodologia utilizada no trabalho foi basicamente a análise crítica de documentos 
secundários: bibliografia especializada, planos e programas oficiais, censos, e estudos de 
entidades governamentais. Os limites de tempo e de recursos não permitiram cobrir o 
vasto manancial de fontes primárias encontrado nas bibliotecas e arquivos públicos, 
objetivo que ficará para trabalhos posteriores. Cabe observar ainda que o embasamento 
teórico adotado, a nível apenas da articulação de categorias e de conceitos, revela-se ainda 
bastante incompleto. Acredita-se, entretanto, que tenha sido adequado para uma primeira 
tentativa de análise do processo de estruturação urbana do espaço carioca através do 
tempo, análise essa que deve ser encarada apenas como preliminar. 
 
 
2. SOCIEDADE, ESPAÇO URBANO E ESTADO: EM BUSCA DE UMA 
BASE TEÓRICA 
 
 
 
2.1 considerações iniciais: modelos prontos e sua crítica 
 
Dada a realidade concreta que se nos antepõe, que é o estudo do processo de 
estruturação do espaço urbano carioca, o primeiro passo empreendido nesta pesquisa foi, 
sem dúvida, a procura de uma base teórica que permitisse, de antemão, orientar o 
desenvolvimento do trabalho. Neste sentido, a tarefa inicial seria consultar a literatura 
especializada, objetivando encontrar nela um modelo ou teoria, de estruturação urbana 
que pudesse servir de ponto de partida para a análise. Isso, entretanto, não aconteceu. Os 
poucos modelos e "teorias" encontrados ou se estruturavam a partir de um processo de 
desenvolvimento urbano diferente daquele que se objetivava estudar; ou eram estáticos, 
não se prestando a uma análise dinâmica do espaço, como a que se pretende aqui; ou 
ainda, se limitavam a descrever a estrutura urbana através de pressupostos irreais, queprivilegiavam a ação apenas dos agentes econômicos, enquanto a ação de outros, dentre 
eles o Estado, era ignorada ou mantida constante. 
As teorias e modelos emanados da escola de ecologia humana de Chicago', por 
exemplo, vêem a cidade como um complexo ecológico estruturado a partir de processos 
"naturais" de adaptação social, especialização funcional e competição por espaço 
processos esses que se desenvolvem dentro de uma determinada ordem moral, segundo 
“uma forma culturalmente definida de solidariedade social”. Objetivam, outrossim, 
explicar, não um processo geral de crescimento urbano aplicável a todas as sociedades, 
mas um processo evolutivo condicionado por variáveis bem definidas, ou seja, a evolução 
de uma aglomeração em rápido crescimento demográfico e industrial, dominada por uma 
economia capitalista com poucas imperfeições de mercado. Pressupõem, ademais, um 
determinado grau de heterogeneidade étnica e social, um sistema de transportes eficaz e 
homogeneamente distribuído no espaço, e a existência de um núcleo urbano inicial, 
localizado no centro da cidade, com pequeno valor simbólico e fracamente constituído 
social e arquitetonicamente. 
O caso da Área Metropolitana do Rio de Janeiro, como o da maioria das cidades 
capitalistas dependentes, não se enquadra nesse contexto. A área central não só tem nessas 
cidades um valor simbólico importante, como essa importância é decorrente do fato de 
ser nessa área, e nas suas proximidades, que tradicionalmente se concentram as funções 
de direção e de residência das classes dominantes. Ademais, ao contrário das cidades 
americanas, a área central e suas proximidades, quando vistas temporalmente, tendem a 
adquirir valores monetário e simbólico, ainda maiores, solidificando ainda mais as 
características descritas acima. Para isso contribuem tanto a inexistência de um bom 
sistema de transportes, como a oferta restrita de serviços públicos, que fazem com que a 
população abastada resida em áreas densamente povoadas (como é o caso do Rio) e não 
em suburbs bucólicos, como pressupõe o modelo ecológico. 
 
Tabela 2.1 página 14 – Número absoluto e participação relativa dos residentes no 
núcleo, periferia imediata e periferia intermediária da área metropolitana do Rio de 
Janeiro 
 
Não muito diferente dos estudos clássicos de ecologia humana, as contribuições de 
Alonso, Wingo e Muth analisam o processo de estruturação urbana das cidades norte-
americanas segundo os postulados da teoria econômica neoclássica. Pressupondo con-
corrência perfeita e custos de transporte crescentes com o aumento da distância ao centro, 
esses estudos enfocam o processo de estruturação residencial urbana como resultante de 
um trade-off entre o quantum de habitação desejada (geralmente visto em termos de área), 
a acessibilidade de um lugar em relação ao centro (onde todo o emprego se concentra e 
onde o solo urbano é mais caro) e o limite de despesas representado pelo orçamento 
familiar. O uso do solo urbano é então determinado pela simples competição entre os 
diversos setores econômicos ou classes sociais por cada segmento do espaço. Dado que 
as classes de baixa renda precisam minimizar os custos de transporte entre local de 
emprego e local de moradia, o processo de competição descrito acima faz com que, 
paradoxalmente, elas acabem ocupando, em altas densidades, justamente as áreas onde o 
solo é mais valorizado. 
A aplicabilidade desse tipo de modelo às cidades dos países subdesenvolvidos não 
é discutível apenas em função do arranjo espacial dele resultante, ou seja, pobres no 
centro e ricos na periferia. Se este fosse o único problema, bastaria modificar algumas das 
premissas comportamentais do modelo para que se obtivesse a forma urbana inversa, 
característica das cidades do Terceiro Mundo. Ao contrário, a sua aplicabilidade é 
contestada principalmente devido à adoção do pressuposto de que o processo de 
estruturação urbana é comandado exclusivamente pela instância econômica, servindo o 
Estado apenas de mediador de conflitos potenciais entre os agentes privados. 
Segundo esta visão liberal do Estado, a ação pública decorre da necessidade de 
coordenar decisões individuais de uma forma que seja socialmente "ótima", tanto do 
ponto de vista da eficiência como da equidade. O Estado seria, assim, o grande mediador 
dos conflitos existentes no espaço, e sua função principal seria resolvê-los de tal forma 
que a sociedade como um todo não fosse prejudicada. A ação do Estado se daria, ademais, 
num ambiente onde não haveria dominação de classe, onde todos seriam "iguais". 
Várias restrições devem ser feitas a esse tipo de pensamento. Em primeiro lugar, a 
dependência da análise liberal de conceitos paretianos de otimização, que não levam em 
conta padrões já existentes de distribuição (de renda, por exemplo), põe sérias dúvidas 
quanto à capacidade do Estado vir a atingir o objetivo de equidade. Em segundo lugar, o 
Estado é visto muitas vezes como se fosse constituído de elementos desvinculados de 
toda e qualquer classe ou grupo social. Seria, por assim dizer, uma entidade superior, à 
qual caberia resolver conflitos que só existiriam em escalas inferiores. Em terceiro, os 
diversos atores que geram conflitos, sejam eles o próprio Estado, as diversas unidades do 
capital, ou os habitantes da cidade, são considerados como se fossem entidades 
autônomas, verdadeiros atores-concretos cuja ação seria determinada apenas por seus 
interesses individuais. Finalmente, a ação desses atores-concretos raramente é analisada 
dentro de um esquema mais amplo, historicamente determinado, que permita não só 
relacioná-la com o momento de organização social em que se prática, como inseri-la num 
contexto mais geral dos processos sociais que acontecem no urbano. Isto é tão mais sério 
quanto mais se verifica que, na análise do espaço, só se levando em conta as 
características históricas da formação social naquele momento é que se pode encontrar 
essa autonomia dos atores-concretos, ou seja, sua determinação num segundo nível, que 
combine suas práticas específicas com o estado atual da conjuntura. 
A estrutura espacial de uma cidade capitalista não pode ser dissociada das práticas 
sociais e dos conflitos existentes entre as classes urbanas. Com efeito, a luta de classes 
também reflete-se na luta pelo domínio do espaço, marcando a forma de ocupação do solo 
urbano. Por outro lado, a recíproca é verdadeira: nas cidades capitalistas, a forma de 
organização do espaço tende a condicionar e assegurar a concentração de renda e de poder 
na mão de poucos, realimentando assim os , conflitos de classe. 
Nesse contexto, o Estado tem tradicionalmente apoiado os interesses e privilégios 
das classes e grupos sociais dominantes, via a adoção de políticas, controles e mecanismos 
reguladores altamente, discriminatórios e elitistas. No caso brasileiro atual (período pós-
1964), esse comportamento, associado a uma prática política concentradora e anti-
distributiva, tem se refletido na acentuação das disparidades intra-metropolitanas, isto é, 
na crescente elitização dos espaços urbanos centrais e na conseqüente periferização das 
classes de baixa renda. Entende-se por "periferização" mais do que a localização distante 
do centro metropolitano. O conceito inclui também a não acessibilidade ao consumo de 
bens e serviços que, . embora produzidos socialmente pelo Estado, localizam-se apenas 
nas áreas mais privilegiadas da metrópole, beneficiando, portanto, principalmente aqueles 
que aí residem. 
O Estado não tem, pois, uma participação neutra no contexto urbano, como 
pretendem os modelos neoclássico-liberais. Embora ele também não deva ser concebido 
apenas como mero instrumento político, oucomo uma instituição estabelecida pelo 
capital, como querem certas teorias marxistas ortodoxas, não há dúvida que, no cenário 
capitalista, ele expressa o seu interesse. Daí é de se esperar que a ação pública venha a 
contribuir, efetivamente para a construção diferenciada do espaço, provendo as áreas de 
interesse ido capital e das classes dominantes de benefícios que são negados às demais 
classes e setores da sociedade. A experiência recente do Brasil fortalece esta afirmação 
plenamente. Com efeito, apesar de se constituir em agente distinto do capital, o papel do 
Estado no campo econômico tem sido o de garantir ao máximo a reprodução do capital, 
fazendo concessões apenas quando estas se evidenciam necessárias, ou seja, para, 
assegurar as condições mínimas, de reprodução da força de trabalho (estabilidade social). 
Concluindo esta parte, pode-se afirmar que a literatura especializada revela grandes 
lacunas quanto à teorização do processo de estruturação do espaço urbano, no tempo. 
Nota-se, particularmente, a ausência de um arcabouço teórico que permita relacionar a 
forma como o espaço urbano se estratifica socialmente com os processos econômicos, 
políticos e sociais que aí têm lugar. Ademais, dada a importância do Estado no 
desenvolvimento desses processos, verifica-se um vazio muito grande no que se refere ao 
seu real papel na estruturação do espaço. 
O processo de estruturação urbana precisa ser estudado de maneira mais 
abrangente. É necessário que se examine, a cada momento, a interação que se estabelece 
entre os processos econômicos, sociais e políticos que se desenvolvem na cidade, e a 
forma pela qual o espaço se estrutura. Espaço e sociedade precisam ser analisados 
conjuntamente para que a complementaridade entre processo e forma fique evidente. Isso 
implica, de um lado, estudar como, numa sociedade historicamente determinada, o espaço 
urbano é elaborado, ou seja, como os processos que têm lugar nas cidades determinam 
uma forma espacial. Por outro lado, implica também estudar a essência das formas, ou 
seja, o papel por elas desempenhado nos diversos momentos por que passa a sociedade 
no tempo. 
 
 
2.2 A FORMAÇÃO SOCIAL COMO PONTO DE PARTIDA 
 
Quando se pretende estudar a evolução da sociedade no tempo, a categoria modo 
de produção logo se revela ao pesquisador como ponto de partida fundamental. 
Entretanto, quando o objetivo da investigação passa a ser mais particularizado, referindo-
se a um espaço de tempo relativamente curto e a uma área geográfica específica, faz-se 
necessário usar uma categoria que se refira, não à realidade pura e abstrata do modo de 
produção, mas a uma realidade concreta, impura, caracterizada pela existência de vários 
tipos de relação de produção. Esta categoria teórica é a formação social. 
Formação social pode ser definida como "uma totalidade social concreta 
historicamente determinada". É a maneira pela qual os processos que, juntos, formam o 
modo de produção (produção propriamente dita. circulação, distribuição e consumo) são 
histórica e espacialmente determinados. Segundo Milton Santos, a formação social se 
diferencia do modo de produção "pois estes escrevem a história no tempo, enquanto que 
as formações sociais escrevem-na no espaço". 
Toda formação social, como todo modo de produção, compõe-se de uma estrutura 
econômica, uma estrutura jurídico - política (ou institucional) e uma estrutura ideológica. 
Entretanto, devido à realidade concreta e impura que caracteriza a formação social, essas 
estruturas têm, nesse nível, um caráter bem mais complexo do que a nível do modo de 
produção. Ademais, o seu desenvolvimento raramente é sincronizado, ou seja, nem 
sempre elas evoluem na mesma direção ou à mesma velocidade. 
A evolução não sincronizada das estruturas que compõem a formação social tem 
papel importante nó seu desenvolvimento. É exatamente essa a responsável por alterações 
importantes na organização social, por transformações na divisão social do trabalho. A 
evolução mais rápida de uma das estruturas, por exemplo, pode levar ao aparecimento de 
novas funções a serem desempenhadas pela sociedade sem que haja, de início, grandes 
modificações nas demais estruturas. Com o tempo,,entretanto, as contradições irão se 
acumular, è esse grau de defasagem terá que ser ajustado. Passa-se, então, de um 
momento de organização social para outro. 
A cada novo momento de organização social, determinado pelo processo de 
evolução diferenciada das estruturas que a compõem, a sociedade conhece então um 
movimento importante. E o mesmo acontece com o espaço. Novas funções aparecem, 
novos atores entram no cenário, novas formas são criadas, e formas, antigas são 
transformadas. Como diz Santos, a formação social se exprime, a cada momento, "através 
de processos que, por sua vez, se desdobram através de funções, enquanto estas se 
realizam mediante formas". Assim, a categoria formação social é, não só abrangente, já 
que trata da totalidade de processos sociais, econômicos e políticos que atuam numa 
sociedade, como fundamentalmente empírica. 
 
 
 
 
 
 
2.3 FORMAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO: A ÁREA METROPOLITANA DO 
RIO DE JANEIRO 
 
As áreas metropolitanas brasileiras são, na atualidade, uma das expressões espaciais 
mais acabadas da formação social brasileira, refletindo a coerência e as contradições dos 
sistemas econômico, institucional e ideológico prevalecentes no país. O caso do Rio, en-
tão, parece ser ainda mais significativo, pois, além de ter sido aí que se localizou a capital 
do Brasil de 1763 a 1960, a cidade foi a mais populosa do país durante quase todo esse 
período, só perdendo essa posição privilegiada para São Paulo na década de 1950. Devido 
a isso, o Rio de Janeiro foi, durante muito tempo, um modelo urbano para as demais 
cidades brasileiras, E esta função de servir de modelo e de refletir, por conseguinte, as 
características da formação social num determinado momento, parece ser ainda um 
monopólio seu. De fato, apesar de ser relativamente comparável em tamanho a São Paulo, 
o Rio se assemelha hoje, muito mais do que São Paulo, às outras metrópoles brasileiras 
em termos de recursos, de produto gerado e de composição sócio-econômica da 
população. Em suma, apesar de ser hierarquicamente inferior a São Paulo, o Rio ainda 
dita-a moda metropolitana brasileira.10 E qual é essa moda? Uma compilação de trabalhos 
recentes sobre o tema nos fornece informações precisas a esse respeito. 
 
 
2.3.1 O Modelo Metropolitano* 
 
 
Seria arriscado pensar em modelo pronto: mais sensato, talvez, seria falar de 
tendências. O modelo do Rio tende a ser o de uma metrópole de núcleo hipertrofiado, 
concentrador da maioria da renda e dos recursos urbanísticos disponíveis, cercado por 
estratos urbanos periféricos cada vez mais carentes de serviços e de infra-estrutura à 
medida em que se afastam do núcleo, e servindo de moradia e de local de exercício de 
algumas outras atividades às grandes massas de população de baixa renda. 
Apesar de serem mencionadas apenas tendências, o raciocínio não é embasado em 
teorizações abstraias. Há dados que comprovam a situação descrita, alguns dos quais 
serão utilizados mais adiante. Não é demais insistir em que não se deve estranhar tal 
identificação de área metropolitana, que só é assim por refletir, de forma extrema, toda a 
estratificação inerente ao atual sistema político-econômico brasileiro. A descrição serve, 
ainda que com adaptações às especificidades locais, a Belo Horizonte, Porto Alegre, Re-
cife ou qualquer outra de nossas áreas metropolitanas, com exceção talvez da de São 
Paulo. 
A área Metropolitana do Rio sofre de um paradoxo básico: por ter de serigual às 
metrópoles externas das quais depende, o Rio está tomando configuração exatamente 
oposta à delas. De fato, enquanto nas áreas metropolitanas americanas, por exemplo, as 
camadas de maior poder aquisitivo - para que possam gozar das amenidades da 
urbanização moderna buscam as periferias em soluções de baixa densidade de ocupação 
do solo, pelo mesmo motivo, as classes mais altas no Rio se concentram no núcleo, em 
soluções de elevadas densidades. Por outro lado, o núcleo e sua periferia imediata nas 
cidades americanas são abandonados pelos mais ricos, que os deixam como local de 
moradia para os pobres, obrigados a suportar todos os ônus da urbanização, tais como 
degradação edilícia, poluição, falta de segurança. No Rio, a localização no núcleo é mais 
valorizada que esses ônus, que afinal são preferíveis a outros, advindos da escassez de 
recursos para aplicação urbana (infra-estrutura urbanística, sistema de transportes, 
equipamento social). Como conseqüência, os pobres são obrigados a ir para as periferias 
e a morar em condições precárias. 
Afirmar que a situação é igual, ainda que se configure de forma oposta, é dizer que 
a origem de ambos os modelos é a mesma: privilégio urbano das camadas mais ricas da 
população, em detrimento das camadas mais pobres. A diferença é apenas formal e se 
baseia na enorme afluência das populações ricas das cidades norte-americanas, o que 
permite alocar recursos de infra-estrutura e de equipamento urbanístico em locais 
dispersos e pouco densos, fazendo com que se "destrua" a cidade pela fuga dos ricos. Isso 
condiciona a transferência da renda e deixa os terrenos de maior valor (os do núcleo) 
abandonados aos pobres que não têm condições de mantê-los, nem à dispendiosa infra-
estrutura correlata. É assim que os núcleos metropolitanos americanos estão em estado de 
insolvência (veja-se o caso recente de Nova York, em que q termo pode ser tomado ao pé 
da letra) e cada vez se toma mais difícil sustentá-los e às suas populações, que já não 
usufruem nem as vantagens da localização, pois os empregos estão acompanhando o 
deslocamento das classes altas para os subúrbios. 
No Rio não ocorre a mesma afluência, e os recursos aplicáveis em bens urbanísticos 
são raros: em vários casos, a infra-estrutura não se renova há trinta ou cinqüenta anos. A 
solução foi amontoar os ricos em torno destes bens para que pudessem desfrutá-los ao 
máximo, e impedir a entrada dos pobres no núcleo (do que se encarregou a empresa 
privada, através da especulação imobiliária, ou expulsá-los para fora dele (do que se 
encarregam certos planos e instituições de governo), sem preocupação pela sua 
necessidade de acesso fácil ao mercado de trabalho, que em sua maioria permaneceu 
localizado no centro ou em suas cercanias. 
A antiga situação, em que o núcleo se via separado de suas periferias e do seu 
território com a divisão da Região Metropolitana em dois estados**, contribuiu ainda para 
reforçar sobremaneira a dicotomia núcleo/ periferia. A cidade do Rio de Janeiro, e mais 
especificamente o seu núcleo, concentrou todos os recursos, muitas vezes aplicando em 
obras suntuosas e de prestígio, sem reinvestir nada numa região onde não tinha 
responsabilidades políticas. O resultado foi um núcleo forte, cercado por uma periferia 
pobre e, superpovoada, onde eram deixados todos os ônus para o antigo Estado do Rio, 
enquanto a Guanabara auferia todas as vantagens disponíveis. Os reflexos dessa distorção 
se fazem sentir tanto na área ampla de influência metropolitana, como no atual Estado do 
Rio e, pela experiência já vivida após a fusão dos dois estados, ainda persistirão por 
bastante tempo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Observação 
*Este item transcreve, em grande parte e com autorização dos autores, trecho do 
artigo de SANTOS, Carlos Nelson F. e BRONSTEIN, Olga. Metaurbanização - Caso do 
Rio de Janeiro. Revista de Administração Municipal 25 (140), out-dez. 1978. 
**Em 1974, foi promulgada a Lei Complementar n" 20, que além de criar a Região 
Metropolitana do Rio de Janeiro, unificou os Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, 
até então unidades isoladas da Federação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pouca importância tem sido dada à análise dos fenômenos de dependência, 
especificamente na sua tradução no interior de sistemas urbanos e metropolitanos. No 
caso do Rio, pode-se fazer uma leitura direta a partir das próprias informações do espaço, 
que são quase caricaturais. O suporte físico facilitou o desenvolvimento de um complexo 
urbano compartimentado, onde estão concretizadas as estratificações projetadas a partir 
de outros níveis (espaços econômico e social). O resultado é uma Região Metropolitana 
que tende à "depuração", com os grupos sociais arrumados em ordem, a partir de suas 
possibilidades de acesso e desfrute das vantagens urbanas, de qualquer natureza (de 
produção ou de consumo). Quanto mais se pode, mais se está perto do mínimo que há 
para se tirar vantagem. A imagem resultante é de super congestionamento no núcleo 
(onde, em certas áreas, os índices de uso do solo e de ocupação do espaço atingem os 
limites do suportável) e progressiva deterioração das periferias, abrigando diferentes 
padrões de atividades e de usos do espaço informais, tanto mais precários quanto mais se 
afastem do núcleo, até chegar a variações sutis em cima do nada urbanístico (ausência de 
redes de infra-estrutura, de equipamentos básicos, de transportes, etc.). 
 
2.3.2 A Estrutura Metropolitana* 
 
A Região Metropolitana do Rio de Janeiro é constituída de 14 municípios (Rio de 
Janeiro, Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Maricá, Magé, Petrópolis, Paracambi, 
Mangaratiba, Itaguaí, Nilópolis, São João de Meriti, Nova Iguaçu e Duque de Caxias). 
Para fins puramente metodológicos, ela pode ser dividida em quatro faixas de limites 
imprecisos mas que, pelas características físicas do espaço metropolitano e face ao 
desenho da estrutura viária condicionante da expansão, são mais ou menos circulares e 
concêntricas (ver Mapas 2.1 e 2.2). 
O primeiro círculo, que chamamos de núcleo, é constituído pela área comercial e 
financeira central (o antigo core histórico da cidade) e por suas expansões em direção à 
orla oceânica (a zona sul) e ao interior (cujos limites seriam os bairros da Tijuca, de Vila 
Isabel, de São Cristóvão, e do Caju), mais o centro e a zona sul de Niterói. 
O segundo círculo abrange os subúrbios mais antigos do Rio de Janeiro, que se 
formaram ao longo das linhas das estradas de ferro (os limites vão de Benfica, Riachuelo 
e Méier até a Penha, Irajá e Madureira) e a zona norte de Niterói. Também se inclui nesta 
faixa a Barra da Tijuca e a parte de Jacarepaguá onde deverá ser construído o novo centro 
administrativo do Rio. A todo o conjunto dá-se o nome (Mapa 2.3). Apesar de constituir 
bairro periférico, a Barra da Tijuca está, entretanto, sendo ocupada por classes de alta 
renda, o que leva a crer que, em futuro próximo, será parte integrante do núcleo metropoli-
tano. 
O terceiro círculo abrange o restante do tecido urbano carioca situado além dos 
limites da periferia imediata, mais a conurbação do Grande Rio, que se constitui por 
Nilópolis, São João de Meriti, grande parte de Duque de Caxias, São Gonçalo e Nova 
Iguaçu, e parte de Magé. Esta seria a periferia intermediária (Ver Mapa 2.2). 
Finalmente, o quarto círculo engloba o restante da Região Metropolitana. Trata-se 
da periferia distante que faz parte da Região Metropolitana, tal como definida em lei, mas 
não da Área Metropolitana, tal como esta denominação será empregada neste trabalho, 
ou seja, como sinônimo de área conurbada,definida esta última como a área 
contiguamente urbanizada da metrópole (Mapa 2.4). 
A definição de Área Metropolitana adotada nesta pesquisa baseou-se em critérios 
puramente operacionais. Dado o caráter histórico/espacial do trabalho, foi necessário 
obter uma base geográfica relativamente constante no tempo, o que foi obtido através da 
decisão de se trabalhar a nível de distrito municipal, base dos dados censitários a serem 
bastante utilizados neste estudo. A decisão de recorrer ao distrito municipal como área 
mínima de comparação pretendeu, ainda, eliminar da discussão aqueles distritos que 
seriam, em 1970, tipicamente rurais, ou que, embora sendo predominantemente urbanos, 
não estariam ligados ao tecido construído contínuo da metrópole. A representação 
espacial obtida é apresentada no Mapa 2.5. 
Cabe mencionar que a definição de Área Metropolitana aqui empregada revelou-se 
algumas vezes bastante problemática, dada a impossibilidade de desagregar alguns dados 
distritais do total municipal. O mesmo aconteceu com o município do Rio de Janeiro, para 
o qual utilizou-se a divisão atual em Regiões Administrativas (Mapa 2.6). Ocorre que a 
Barra da Tijuca esteve até pouco tempo agregada à Região Administrativa de 
Jacarepaguá, tendo sido muitas vezes impossível singularizar os dados referentes à essa 
área da cidade. 
Apesar desses problemas, resolveu-se utilizar os dados e mapas, mesmo do modo 
não uniforme em que eles se apresentam, pela importância que adquirem ao comprovar 
certas afirmações do trabalho. Sempre que necessário, as tabelas e mapas contêm 
informações explicativas sobre a base territorial utilizada. 
 
 
OBS 
* Esta parte do trabalho é baseada em BRASIL. Instituto de Planejamento 
Econômico e Social. Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana. 
Região Metropolitana do Grande Rio: Serviços de Interesse Comum. Brasília, IPEA; 
IBAM, 1976. 
 
 
Mapa 2.1 Página 19 – Estado do Rio de Janeiro: localização da região metropolitana 
(1978) 
 
Mapa 2.2 Página 20 – Região metropolitana do Rio de Janeiro (1978) 
 
 
 
 
 
 
Mapa 2.3 Página 21 – Núcleo e periferia imediata da A.M.R.J. no município do Rio 
de Janeiro (1978) 
 
 
Mapa 2.4 Página 22 – Região Metropolitana do Rio de Janeiro: Delimitação da área 
conurbada (1978) 
 
 
 
 
Mapa 2.5 Página 23 – Área mapa 2.1 – Estado do Rio de Janeiro: localização da 
região metropolitana 
 
 
 
Mapa 2.6 Página 24 – Município do Rio de Janeiro: divisões em regiões 
administrativas (1978) 
 
 
 
 
 
2.3.3 Como se compõe a Estrutura Metropolitana* 
 
As principais características do núcleo e das periferias podem ser qualificadas como 
quase opostas. O núcleo contém o core histórico inicial da cidade do Rio de Janeiro. É a 
área que sofreu o maior número de transformações na Região Metropolitana (apresenta, 
em alguns pontos, terceiras gerações de edificações em menos de 50 anos) e de 
modificações na estrutura viária, visando a adaptá-la ao uso cada vez maior do automóvel 
particular, resultado direto do aumento do poder aquisitivo de sua população residente. 
O núcleo concentra as funções centrais (econômicas, administrativas, financeiras e 
culturais) da Área Metropolitana. Apresenta os melhores padrões de infra-estrutura 
urbanística e de equipamento social urbano, ainda que com tendência ao superuso, além 
de ter como residentes principalmente representantes das classes média e alta da 
Metrópole que, em grande parte, pertencem a grupos ocupacionais hierarquicamente 
superiores como, por exemplo, as profissões liberais (Tabela 2.1, apresentada na pág. 14). 
Quanto à concentração da renda, os habitantes do núcleo detêm 54% da renda total. 
Dentro do núcleo, a densidade é muito maior na zona sul, onde os 14% da população 
metropolitana residentes possuem mais ou menos 30% da renda. Em compensação, na 
periferia intermediária só estão 21% dos ingressos. As desproporções só não são maiores 
porque no núcleo ainda vivem muitas famílias em favelas, que têm constituído até agora 
alternativa de peso para a moradia nas periferias." 
A primitiva função residencial da área central do núcleo foi gradativamente sendo 
substituída. Em seu lugar implantaram-se as zonas comercial e financeira centrais da 
Metrópole, cercadas por áreas decadentes que sofrem, no momento, processo de 
renovação urbana por parte do Governo. O porto é contíguo ao centro e, próximas a ele, 
localizam-se as indústrias mais antigas da cidade. E também no núcleo que está a maioria 
dos empregos da Área Metropolitana, conforme demonstra a Tabela 2.2. 
 
TABELA 2.2 - POPULAÇÃO ATIVA RESIDENTE E EMPREGOS 
EXISTENTES NA ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO, POR 
LOCALIZAÇÃO (1970) 
 
 
A periferia imediata é, principalmente, o local de residência da baixa classe média. Nela 
estão os prolongamentos das zonas industriais mais antigas, que se irradiaram a partir 
do núcleo. Apresenta centros de prestação de serviços de importância regional, com 
hierarquia imediatamente inferior aos do núcleo. A infra-estrutura urbanística, extensão 
daquela do núcleo, é bastante adequada frente aos padrões predominantes na Área 
Metropolitana. Sua ocupação se fez através dos primitivos pólos residenciais ao redor 
das paradas de trem suburbano, que hoje se apresentam interligados, configurando uma 
densa malha urbana. O valor da terra é alto, só superado por aquele do núcleo, o que se 
justifica devido à localização próxima aos centros de trabalho e serviços (ver Tabela 
2.3); Deve-se notar, no entanto, a grande diferença nas condições de moradia entre o 
núcleo e a periferia imediata. O núcleo é privilegiado por melhores condições 
ambientais, infra-estrutura superior (ver tabela 2.4), sistema de transporte mais eficiente 
e equipamentos sociais de melhor qualidade. 
 
 
 
TABELA 2.3 - VALOR MÉDIO DA TERRA (Cr$/m2) NAS TRANSAÇÕES NO 
MERCADO; SEGUNDO AS REGIÕES ADMINISTRATIVAS DO MUNICÍPIO DO 
RIO DE JANEIRO – 1975 
 
 
 
OBS 
** Esta parte do trabalho transcreve, com algumas modificações e com a 
autorização dos autores, trecho da pesquisa publicada em BRASIL. Instituto de 
Planejamento Econômico e Social. Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e 
Política Urbana. Região Metropolitana do Grande Rio: Serviços de Interesse Comum. 
Brasília, IPEA/1BAM 1976. Várias tabelas aqui apresentadas são, entretanto, originais 
deste trabalho. 
 
 
 
TABELA 2.4 DOMICÍLIOS PARTICULARES PERMANENTES POR 
INSTALAÇÕES E UTILIDADES. MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO 1970 
 
Finalmente, a periferia intermediária é a área através da qual a metrópole se 
expande. Aí, as taxas de crescimento populacional são muito elevadas. Segundo o Censo 
Demográfico de 1970, o crescimento da periferia intermediária na década de 60 foi de 
69%, mais ou menos 1.200.000 pessoas em números absolutos, o que representa mais da 
metade do crescimento da população de toda a Área Metropolitana do Rio de Janeiro (Ver 
Tabela 2.5). Vale a pena lembrar que a periferia intermediária está crescendo através de 
fluxos migratórios duplamente induzidos: através da expulsão das populações mais 
pobres residentes no núcleo ou na periferia imediata (migração intra-metropolitana) e por 
meio do deslocamento de pessoas que, vivendo fora da Área Metropolitana, 
principalmente no próprio Estado do Rio, mudam-se para a cidade do Rio de Janeiro 
atraídas pelas possibilidades de emprego e que, por não poderem aí se localizar, acabam 
se radicando nas suas cercanias. 
A expulsão dos pobres citada acima pode dar-se por processos informais, como os 
da empresa privada que age fazendo com que subam os preços de terrenose imóveis no 
núcleo. Pode dar-se também por ação direta do Governo, quando este, por exemplo, 
pratica a renovação urbana numa área central degradada, sem se importar como e onde 
irão morar as pessoas aí residentes, que até então estavam pagando aluguéis muito baratos 
em edificações antigas (cortiços, casas de cômodos, habitações degradadas). Finalmente, 
a expulsão pode acontecer como conseqüência indireta da ação governamental, como no 
caso das favelas, em que as "vilas", os conjuntos habitacionais e os centros de triagem, 
para onde os favelados são transferidos, funcionam para muitos como etapa provisória, 
de onde eles saem para a periferia, expulsos por inadimplência de pagamentos ou 
simplesmente fugidos por conta própria. Independentemente da procedência desses 
habitantes, o importante a ressaltar é que trata-se de uma população pobre que, em quase 
sua totalidade recebia, em 1970, não mais que 3 salários mínimos (Mapa 2.7). Os centros 
de serviços existentes na periferia intermediária, apesar de dinâmicos e de possuírem 
alguma expressividade, são de baixo padrão, adaptados às possibilidades de consumo de 
seus usuários. O crescimento industrial é restrito a algumas áreas, especialmente no 
município de Duque de Caxias, que participa com 12,5% da população industrial 
metropolitana. 
 
 
TABELA 2.5 – CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO DA ÁREA 
METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO (1960 – 1970), SEGUNDO AS REGIÕES 
ADMINISTRATIVAS E MUNICÍPIOS. 
 
TABELA 2.6 – POPULAÇÃO URBANA, DENSIDADE E TAXAS DE 
CRESCIMENTOS DA ÁREA CONURBADA DA RMRJ, POR MUNICÍPIOS 1970 
 
TABELA 2.7 – PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO DOS MUNICIOIOS EM 
RELAÇÃO À AREA CONURBADA E À REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE 
JANEIRO. 
 
 
A densidade de ocupação do solo é muito irregular: alta em algumas áreas e baixa 
em outras (Tabelas 2.6 e 2.7). A infra-estrutura urbanística inexiste ou é muito precária. 
O mesmo acontece com o equipamento social, ocorrendo uma tendência para a busca 
daqueles do núcleo ou da periferia imediata. 
O controle progressivo do uso da terra no núcleo e nas suas proximidades, além de 
expulsar as populações pobres para a periferia, obrigou-a a desenvolver um mercado de 
emprego informal local. Nota-se, também, grande informalidade no uso do solo e nos 
tipos de construção. 
A conurbação da periferia intermediária com a imediata sacralizou-se 
definitivamente a partir do início da década de sessenta quando houve a mudança da 
capital e o Rio passou a cidade - Estado. É a partir dessa época também, e especialmente 
a partir de 1964, que o núcleo metropolitano passa a ser o palco preferido de grandes 
melhoramentos urbanos, realizados tanto pelo Governo Federal como Estadual. Com efei-
to, as grandes obras, como túneis, viadutos e autopistas, ficaram no núcleo em sua 
maioria, reforçando o contraste entre este e as periferias metropolitanas. O mesmo 
ocorreu com os maiores investimentos, como a construção de grandes sistemas 
abastecedores de água ou do interceptor oceânico (Tabela 2.8). Mas o melhor exemplo e 
o mais recente (já durante o processo de fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de 
Janeiro) é o do Metro -_obra que, servindo exclusivamente ao núcleo, é a de orçamento 
mais elevado de todas, e a de alcance mais restrito, enquanto o verdadeiro transporte de 
massa, o trem suburbano, ficou em completo abandono. 
 
 
 
 
 
Mapa 2.7 Página 29 – Área metropolitana (área conurbada) do Rio de Janeiro: 
percentagem da população ativa com renda inferior a 3 salários mínimos 
 
 
 
 
A escolha não foi aleatória nem atípica. Ao contrário, ela parece ser apenas um 
exemplo a mais no longo processo de construção diferenciada do espaço carioca em 
benefício dos mais ricos, conforme será demonstrado adiante. Antes disso, entretanto, é 
necessário que se explicite a forma como essa demonstração será realizada. 
 
2.4 ESTRUTURA URBANA E MOMENTOS DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL 
 
O objetivo desta parte é apresentar uma articulação de conceitos que possibilite 
teorizar sobre a evolução da estrutura urbana do Rio de Janeiro. As seções anteriores 
mostraram claramente o estágio atual dessa estrutura, ressaltando o alto grau de 
estratificação social do espaço. Mostraram também que a intensificação deste processo 
de estratificação é uma característica do momento brasileiro pós-64, um momento 
historicamente determinado da evolução da formação social brasileira. 
A análise do momento atual é, pois, o ponto de partida do estudo da estrutura 
urbana. Mas ela só não basta. É preciso ir além, e demonstrar que momentos atuais são 
também influenciados por momentos anteriores, que legaram ao espaço atual forma e 
conteúdo. Há que se discutir, então, o que isto significa. 
Qualquer cidade pode ser vista como uma coleção de formas geográficas. Essas 
formas, sejam elas bairros ou edifícios, por exemplo, podem ser analisadas em termos de 
forma-aparência e forma-conteúdo. 
Quando analisada apenas sob o critério de forma-aparência, a cidade seria 
composta, a qualquer momento, de formas antigas, testemunhos de períodos anteriores 
de organização social, e de formas novas, características de momentos mais recentes de 
organização social. No presente momento, por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro possui 
bairros onde predominam antigos sobrados e casas geminadas, e bairros onde a 
predominância é de grandes edifícios de apartamentos em condomínios fechados, 
reflexos de dois períodos distintos de organização social pelos quais passou a cidade. As 
formas-aparência, ou formas morfológicas, representam então uma acumulação 3e tempo, 
e sua compreensão, desse ponto de vista, depende do conhecimento do que foram os 
diversos momentos de organização social pelos quais passou um determinado espaço. 
As formas, entretanto, não têm apenas uma aparência externa, mas também 
possuem um conteúdo, isto é, realizam uma função. E esta função é determinada 
exclusivamente pelo período atual de organização social. Formas morfológicas antigas 
podem, pois, ser chamadas a realizar funções totalmente distintas daquelas para as quais 
foram criadas; podem, inclusive, desaparecer, se assim o determinar a dinâmica da 
organização social. 
 
 
 
 
 
TABELA 2.8 – DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS INVESTIMENTOS EM 
ÁGUA E ESGOTO SEGUNDO AS REGIÕES ADMINISTRATIVAS DO MUNICIPIO 
DO RIO DE JANEIRO. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 
 
 
Para exemplificar, o Rio de Janeiro possuía, até a década de sessenta, uma série de 
bairros (como Catumbi, Estácio e Lapa) que serviam de local de residência para classes 
de baixa renda ou abrigavam funções de apoio ao comércio e à indústria. Alguns desses 
bairros tinham sido, outrora, local de residência de classes mais abastadas, e o fato de não 
mais o serem refletia uma mudança já ocorrida na sua forma-conteúdo, ou seja, refletia a 
perda dessa função original. Hoje, esses bairros praticamente desapareceram do cenário 
residencial carioca, por exigência de forças poderosas de estruturação urbana que, 
presentes já há muito na cidade, só vieram a se materializar plenamente a partir da década 
de 1950. Destacam-se aí as exigências viárias do transporte individual, fruto, por sua vez, 
da intensificação do processo de concentração de renda no país. 
Visto sob uma ótica mais abrangente, o momento atual diz respeito, então, à forma 
como se estruturam os sistemas econômico, jurídico-político e ideológico de uma 
sociedade num dado período de tempo. E ele o responsável pelo valor atribuído às formas 
antigas. E ele também que leva à criação de novas formas. 
A evolução de um momento de organização social para outro, por sua vez, é funçãode modificações ocorridas nesses sistemas que compõem a sociedade. Essas modificações 
podem decorrer do fato de a evolução diferenciada desses sistemas ter chegado a um grau 
de contradição insustentável, ou podem ainda refletir um reajuste ou recomposição da 
estrutura anterior. Tanto num caso como no outro, as características do novo momento de 
organização social dependerão, obviamente, do grau de resolução das contradições exis-
tentes, e de que classe ou grupo passa a ser dominante. 
Dado que o espaço reflete, a cada momento, as características da organização de 
uma sociedade, a ordem espacial de uma cidade, ou seja, sua estrutura urbana, refletirá 
também o resultado do confronto, reajuste ou recomposição dos sistemas que constituem 
a sociedade. Por essa razão, o estudo da estruturação da cidade não pode ser feito 
separadamente do estudo do processo de evolução da sociedade. Como diz Castells, o 
espaço não é independente da estrutura social; é, isto sim, a expressão concreta de cada 
fase histórica na qual uma sociedade se especifica. 
A afirmação de Castells não deve, entretanto, levar à suposição de que o espaço é 
uma matéria inerte, "um simples pano de fundo no qual são inscritas as ações de classes 
e instituições através do tempo". Com efeito, se os processos sociais dão ao espaço uma, 
forma, uma função, uma significação social, este também influencia o desenvolvimento 
desses mesmos processos no decorrer do tempo, institucionalizando-os ou modificando-
os. 
Esta influência do espaço é determinada, principalmente, pela permanência de 
formas anteriores, que tanto podem se constituir em barreira ao desenvolvimento de 
novos processos, como podem facilitá-los. Tudo depende da atribuição que essas formas 
antigas adquirem a cada momento de organização social, de sua capacidade de adaptar-
se ou resistir às novas exigências e finalmente, do papel exercido pelo Estado (a cada 
momento, às vezes impondo os desejos da classe ou grupo dominante, às vezes 
resolvendo os conflitos existentes ou potenciais de maneira menos evidente, mas 
geralmente em benefício dessa mesma classe ou grupo. 
Os capítulos seguintes procuram analisar a evolução da forma urbana da Metrópole 
carioca segundo os diversos momentos de organização social pelos quais ela passou. A 
determinação desses momentos, obviamente, está sujeita a críticas, já que toda 
classificação é arbitrária. Acredita-se, entretanto, que a periodização aqui estabelecida 
revela os grandes marcos de desenvolvimento da formação social brasileira, e seu 
conseqüente rebatimento no espaço urbano carioca. 
Focaliza-se, em primeiro lugar, o século XIX, dando destaque ao papel exercido 
pelos meios de transporte coletivo na expansão física da cidade. A Reforma Passos, no 
início do século XX, marca o início de outro momento importante de desenvolvimento 
da cidade, um momento de resolução de contradições antigas e de aparecimento de novas. 
O fim da República Velha estabelece, finalmente, o início de outro momento, que vai 
durar até 1964. 
 
 
 
 
Figura 
 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
O l . O exemplo mais típico dessa escola está consubstanciado na teoria de Burgess 
sobre o crescimento das cidades. Ver BURGESS, E. & MACKENZIE, R. The City. 
Chicago, Univer-sity of Chicago Press, 1925, pp. 47-62. 
02. HARVEY, David. Social Justice and the City. 
Baltimore, The Johns Hopkins University ^\ Press, 1973, p. 131. 
03. /CASTELLS, Manuel. La Cuestión Urbana. Ma-' dri, Siglo Veintiuno 
Editores, 1974, p. 143. 
04. ALONSO, Wiliam. Location and Land Use. 
Cambridge, Mass, Harvard University Press, 1964; WINGO JR. Lowdon. 
Transportation and Urban Land. Washington, D. C., Resources for the Future, 1 96 1 - 
MUTH, Richard F. Cities and Housing. Chicago, The University of Chicago Press, 1969. 
05. CASTELLS, Manuel. Op. cit., p. 298. 
06. Ver ALTVATER, E. Notas sobre alguns Proble- 
mas do Intervencionismo de Estado, 1977, (mimeo.) p. 3. 
07. HARNECKER, Marta. Conceitos Elementais do 
Materialismo Histórico. México, Siglo Veintiuno Editores, 1972. 
08. SANTOS, Milton. Sociedade e Espaço: A Forma- 
ção Social como Teoria e como Método. Boletim Paulista de Geografia, 54, junho 
1977, p. 88. 
09. SANTOS, Milton. A Divisão do Trabalho Social 
como uma Nova Pista para o Estudo da Organização Espacial e da Urbanização nos 
Países Subdesenvolvidos, in 3° Encontro Nacional de 
 
Geógrafos, Fortaleza, 19-27 de julho de 1978, Sessões Dirigidas. Fortaleza, 
Universidade Federal do Ceará/Associação dos Geógrafos Brasileiros, p. 39. 
Reproduzido também em SANTOS, Milton. Espaço e Sociedade. Petrópolis, Vozes, 
1979, pp. 36-54. 
10. SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos e BRONS- 
TEIN, Olga. Metaurbanização - caso do Rio de Janeiro. Revista de Administração 
Municipal 25 (149), out-dez, 1978. 
11. Ver VETTER, David. The Distribution ofmonetary 
and real income in Grande Rio's Metropolitan system. Los Angeles, University of 
Califórnia. 1975 
12. Censo Industrial de 1970 - IBGE. 
13. Quanto às razões da escolha alternativa de inves- 
timentos em transportes de massa, consultar o artigo de SANTOS, Carlos Nelson 
F. Transportes de massa- condicionadores ou condicionados? Revista de Administração 
Municipal, 24 (144): 13-32, set/out. 1977; ef. também o documento de ASSMANN, 
Plínio Osvvaldo. O lugar dos diferentes modos de transporte co-letivo. São Paulo, 1976. 
Documento apresentado no I Simpósio Internacional de Transportes Públicos. 
14. SANTOS, Milton. A Divisão do Trabalho Social 
como uma Nova Pista para o Estudo da Organização Espacial e da Urbanização nos 
Países Subdesenvolvidos. Op. cit., p. 41. 
15. CASTELLS, Manuel. Op. cit., p. 141. 
16. Ibid. 
 
 
 
 
 
3. O RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX: DA CIDADE COLONIAL À 
CIDADE CAPITALISTA 
 
Figura 
 
 
 
 
 
 
3.1 INTRODUÇÃO 
 
 Só a partir do século-XIX é que a cidade do Rio de Janeiro começa a transformar 
radicalmente a sua forma urbana e apresentar verdadeiramente uma estrutura espacial 
estratificada em termos de classes sociais. Até então, o Rio era uma cidade apertada, 
limitada pelos Morros do Castelo, de São Bento, de Santo António e da Conceição. 
Ocupava, entretanto, um chão duramente conquistado à natureza, através de um processo 
de dissecamento de brejos e mangues que já durava mais de três séculos. Além dos morros 
havia apenas alguns tentáculos, que se dirigiam aos "sertões" do sul, do oeste e do norte1 
(ver Mapa 3.1). 
Era também uma cidade em que a maioria da população era escrava. Quase que 
uma cidade de mercadorias. Poucos eram os trabalhadores livres, e reduzidíssima a elite 
administradora/militar/mercantil que lhe dirigia política e economicamente. A falta de 
meios de transporte coletivo e as necessidades de defesa faziam com que todos morassem 
relativamente próximos uns aos outros, a elite local diferenciando-se do restante da 
população mais pela forma - aparência de suas residências do que pela localização das 
mesmas. 
No decorrer do século XIX assiste-se, entretanto, a modificações substanciais tanto 
na aparência como no conteúdo da cidade. A vinda da família real impõe ao Rio uma 
classe social até então praticamente inexistente. Impõe também novas necessidades 
materiais que atendam não só aos anseios dessa classe, como facilitem o desempenho das 
atividades econômicas, políticas e ideológicas que a cidade passa a exercer. "A 
independência política e o início do reinado do café geram, por sua vez, uma nova fase 
de expansão econômica, resultando daí a atração - no decorrer do século e em progressão 
crescente — de grande número de trabalhadores livres, nacionaise estrangeiros. A partir 
de meados do século a cidade passa a atrair também numerosos capitais internacionais, 
cada vez mais disponíveis e à procura de novas fontes de reprodução. Grande parte deles 
é utilizada no setor de serviços públicos (transportes, esgoto, gás, etc.), via concessões 
obtidas do Estado. 
 
Mapa 3.1 – Página 36 – A cidade do Rio de Janeiro no início do século XIX 
 
Baseada em relações de produção arcaicas, de base escravista, a formação social 
brasileira ainda conviveria algum tempo com esses novos elementos, essencialmente 
capitalistas, que aqui se introduziam. As contradições daí decorrentes não tardaram, 
entretanto, a aparecer. |Com efeito, pouco a pouco, a cidade passa a ser movida por duas 
lógicas distintas (escravista e capitalista), e os conflitos gerados por esse movimento irão 
se refletir claramente nó seu espaço urbano. 
As contradições da cidade só serão resolvidas no início do século XX. Tal 
resolução, entretanto, só será possível porque, no decorrer do século XIX, são lançados 
no espaço os elementos que a possibilitam, dentre eles a separação, gradual a princípio, e 
acelerada depois, dos usos e classes sociais que se amontoavam no antigo espaço colonial. 
Essa separação só foi possível, entretanto, devido à introdução do bonde de burro e do 
trem a vapor que, a partir de 1870, constituíram-se grandes impulsionadores do 
crescimento físico da cidade. Um crescimento que segue a direção das "frentes pioneiras 
urbanas" já esboçadas desde o Século XVIII, mas que é agora qualitativamente diferente, 
já que os usos e classes "nobres" tornam a direção dos bairros servidos por bondes (em 
especial aqueles da zona sul), enquanto que para o subúrbio passam a se deslocar os usos 
"sujos" e as classes, menos privilegiadas. 
Dada a importância dos transportes coletivos na expansão da cidade e na 
conseqüente transformação de sua forma urbana, é necessário, pois, que se analise a 
evolução urbana do Rio de Janeiro no século XIX em dois períodos distintos, ou seja, a 
fase anterior ao aparecimento dos bondes e trens, e o período que lhe é posterior. 
O ano de 1870 é, neste sentido, um marco divisório bastante adequado. A nível da 
forma-aparência da cidade, é neste ano (dois anos depois da entrada em funcionamento 
da primeira linha de carris da cidade), que a Estrada de Ferro D. Pedro, II aumenta o 
número dos seus trens urbanos. Trata-se, pois, do ano em que os dois elementos 
impulsionadores da expansão da cidade (bondes e trens) passam a atuar sincronicamente. 
A nível da forma-conteúdo, é a partir dessa década que o sistema escravista, mola mestra 
da produção nacional, entra definitivamente em colapso, caminhando celeremente para a 
sua superação, mas detonando, ao mesmo tempo, forças importantes de estruturação 
urbana, que marcariam profundamente a cidade. 
 
 
3.2 O PERÍODO ANTERIOR A 1870: A MOBILIDADE ESPACIAL É 
PRIVILÉGIO DE POUCOS 
 
 
Treze anos após a chegada da família real, e a um ano da independência do país, o 
Rio de Janeiro ainda é, em 1821, uma cidade bastante modesta. Restringia-se basicamente 
às freguesias da Candelária, São José, Sacramento, Santa Rita e Santana, que 
correspondem grosso modo, às atuais regiões administrativas do Centro e Portuária 
(Mapa 3.2). As demais freguesias existentes eram, então, predominantemente rurais. 
Já nesta data podia-se notar, entretanto, uma tênue diferenciação social entre as 
cinco freguesias urbanas. Abrigando agora o Paço Real, na atual Praça XV, e as 
repartições mais importantes do Reino, as freguesias da Candelária e São José 
transformaram-se gradativamente em local de residência preferencial das classes 
dirigentes, que ocupavam os sobrados das ruas estreitas da Freguesia da Candelária, ou 
dirigiam-se às ruas recém-abertas do Pantanal de Pedro Dias (ruas dos Inválidos, do 
Lavradio e do Resende, no atual bairro da Lapa). Tinham como opção, também, as cháca-
ras recentemente retalhadas em terras situadas ao sul da cidade (nos atuais bairros da 
Glória e Catete), seguindo assim os passos da rainha Carlota, que morava em Botafogo. 
As demais classes, por outro lado, com reduzido ou nenhum poder de mobilidade, 
e não podendo ocupar os terrenos situados a oeste da cidade devido à existência das áreas 
de mangue do Saco de São Diogo (Cidade Nova), adensavam cada vez mais as outras 
freguesias urbanas, especialmente as de Santa Rita e Santana, dando origem aos atuais 
bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa. 4 
Também entre as áreas rurais havia diferenciação. Enquanto as freguesias situadas 
a grandes distâncias do centro mantinham-se exclusivamente rurais, e fornecedoras de 
gêneros alimentícios à Corte, aquelas áreas mais próximas das freguesias urbanas pouco 
a pouco viam suas fazendas retalhadas em chácaras que, de início reservadas às atividades 
de fim-de-semana das classes dirigentes, foram aos poucos transformando-se em local de 
residência permanente, justificando inclusive a criação de novas freguesias. Assim, o apa-
recimento cada vez maior de chácaras no atual bairro de Laranjeiras e o adensamento 
populacional urbano do Catete e da Glória levaram à criação da freguesia da Glória em 
1834, desmembrada da de São José. Botafogo, arrabalde da freguesia da Lagoa, também 
passa nessa época por um surto de criação de chácaras, situadas principalmente na praia 
de Botafogo na rua de São Clemente e na de São Joaquim da Lagoa (atual Voluntários da 
Pátria). 
Favorecido pelo privilégio de abrigar a residência da família real, o velho arraia! de 
São Cristóvão passou também a ser procurado pelos que tinham poder de mobilidade. 
Isso, entretanto, só foi possível depois que a Câmara Municipal mandou aterrar a parte 
do Saco de São Diogo vizinha ao Caminho do Aterrado, ou das Lanternas (no atual lado 
par da Av. Presidente Vargas), que ligava o centro à Quinta da Boa Vista. Resolvido o 
problema da acessibilidade, o bairro rapidamente viu multiplicadas as moradias ricas, 
fenômeno que se estendeu, embora em grau mais modesto, até a ponta do Caju. Local de 
residência imperial, foi em direção a São Cristóvão que se dirigiram as primeiras 
diligências de que se tem notícia na cidade. E quando, em 1838, circularam os primeiros 
ônibus de tração animal, as chamadas "gôndolas", uma das linhas também demandava 
esse bairro. 5 
Já no final da primeira metade do século, o Rio de Janeiro apresentava, então, uma 
forma diferente daquela que tinha prevalecido até o século XVIII. Beneficiadas pela ação 
do poder público, que abria e conservava as estradas e caminhos que demandavam os 
arrabaldes da cidade, as classes de renda mais alta, as únicas com poder de mobilidade, 
puderam se deslocar do antigo e congestionado centro urbano em direção à Lapa, Catete 
e Glória (freguesia da Glória), Botafogo, (freguesia da Lagoa), e São Cristóvão (freguesia 
do Engenho Velho). Com efeito, o crescimento dessas freguesias é notável no período 
1821 -l 838, como demonstra a Tabela .3.1. Note-se também o aumento populacional da 
freguesia de Santana que, junto com a de Santa Rita, abrigava populações urbanas de 
baixa renda. Trata-se de área ainda disponível a uma população sem poder de mobilidade, 
trabalhadores livres e escravos de ganho que precisavam estar próximos ao centro, onde 
o trabalho era buscado diariamente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mapa 3.2 – Página 38 – Município do Rio de Janeiro: a freguesias do Rio de Janeiro 
no século XIX 
 
 
 
 
 
 
TABELA 3.1 – POPULAÇAO RESIDENTE E TAXA DE CRESCIMENTO 
DEMOGRÁFICO DAS FREGUESIAS DO RIO DE JANEIRO 
 
 
 
 
A partir de 1850 a cidade conhece um novo e importante período de expansão,

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