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PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – USJ CURSO DE PEDAGOGIA CRISTIANE DA SILVA O ASSISTENCIAL E O EDUCATIVO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: Um estudo sobre as relações entre o cuidar e o educar em uma instituição pública do município de São José. São José 2013 FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – USJ CURSO DE PEDAGOGIA CRISTIANE DA SILVA O ASSISTENCIAL E O EDUCATIVO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: Um estudo sobre as relações entre o cuidar e o educar em uma instituição pública do município de São José. Trabalho elaborado para a disciplina de Conclusão de Curso (TCCII), do Curso de Pedagogia, como requisito parcial para o curso de graduação em Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José – USJ. Orientadora: Profa. Ma. Alexsandra de Souza Münich. São José 2013 CRISTIANE DA SILVA O ASSISTENCIAL E O EDUCATIVO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: Um estudo sobre as relações entre o cuidar e o educar em uma instituição pública do município de São José. Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito parcial para obtenção do grau de licenciada em Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José – USJ – avaliado pela seguinte banca examinadora: BANCA EXAMINADORA ________________________________________________________ Profª. Ma. Alexsandra de Souza Münich. Orientadora - USJ _________________________________________________________ Profª. Drª Maria Francisca Rodrigues Giron Examinadora - USJ _________________________________________________________ Profª. Ma Ana Elisa Cassal Examinadora - USJ São José, 24 de junho de 2013. À Giovanna da Silva Bernardo, minha filha amada, que me compreendeu nos momentos em que meu tempo não poderia ser somente dela. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, que me deu força, saúde e me acompanhou em todos os momentos. Aos meus pais, Roberto José da Silva e Maria Aparecida Luiz da Silva, que, mais do que me proporcionar uma boa infância, deram-me uma vida regada de bons momentos, formaram os fundamentos do meu caráter e são o meu porto seguro, incentivando-me e acreditando no meu potencial. A meu irmão e amigo Rafael da Silva que fez parte de minha infância e que sempre me proporciona bons momentos. A meu esposo, Jean Claudio Bernardo, que me compreendeu quando eu estava ausente e me deu forças para continuar; meu companheiro e amigo amoroso, o qual ouvia sempre com paciência minhas angustias. A minha filha, Giovanna da Silva Bernardo, que me proporcionou muitos momentos de alegria e, nos meus momentos difíceis, trouxe-me o riso para aliviar minha agonia. Ao meu avô, José Emidio da Silva (in memoriam), e a minha avó, Vilma Filomena da Silva, ambos exemplos de honestidade, de amor e de perseverança , que sempre sonharam com este momento, incentivando-me e apoiando-me em minhas escolhas; compreendendo minha ausência com a difícil jornada de estudos e de trabalho. Aos meus demais familiares que compreenderam minha ausência nos encontros de família. A minha orientadora, Alexsandra de Souza Münich, exemplo admirável de comprometimento com a educação, que caminhou comigo, incentivando-me e guiando-me. À instituição que me recebeu de braço abertos, disponibilizando o espaço para a realização desta pesquisa. E a todos que acreditaram em mim e me deram forças para continuar. A menos que modifiquemos a nossa maneira de pensar, não seremos capazes de resolver os problemas causados pela forma como nos acostumamos a ver o mundo. Albert Einstein RESUMO O presente trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre o desenvolvimento da educação infantil no Brasil, ou seja, mostrar a transição do assistencialismo para o educativo bem como analisar as relações e interfaces do cuidar e do educar, por meio de questionários e de observações em uma instituição de educação infantil pública do município de São José. Inicio com um levantamento histórico da educação infantil e das leis que impulsionaram as mudanças nas concepções de educação da instituição. A partir das informações obtidas, foi realizada uma reflexão sobre o cuidar e o educar, mostrando que devem ser indissociáveis na educação de crianças de zero a seis anos. Palavras-chave: Educação Infantil. Assistencialismo. Educativo. Cuidar. Educar. LISTA DE FOTOS Foto 1. Centro de Educação Infantil "R. T.". ...................................................................45 Foto 2. Grupo I – Momento da acolhida. ........................................................................47 Foto 3. Grupo I – O espaço. ..........................................................................................49 Foto 4. Grupo I – O espaço 2.........................................................................................50 Foto 5. Grupo I – Obstáculos.........................................................................................51 Foto 6. Grupo IV – Brincadeira no Solário......................................................................55 Foto 7. Grupo IV – O dentinho feliz...............................................................................56 Foto 8. Grupo IV – Pintando o dentinho. ........................................................................58 Foto 9. Grupo V – Brincadeiras livres. ...........................................................................59 Foto 10. Grupo V – Contação de história. .......................................................................60 Foto 11. Grupo V – Construindo um gatinho ..................................................................62 Foto 12. Grupo VII – Acolhida/Brincadeira livre. ............................................................64 Foto 13. Grupo VII – Roda de músicas...........................................................................66 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................09 2. O LUGAR DA CRIANÇA AO LONGO DA HISTÓRIA.........................................12 2.1 UM BREVE RETROSPECTO SOBRE A CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA.............12 2.2 A INFÂNCIA NA ATUALIDADE..........................................................................14 2.3 O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL.........................................................16 2.4 A EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA LEGISLAÇÃO ................................................23 2.4.1 A política federal para a Educação Infantil nas décadas de 1990 e 2000 ........23 2.4.2 A política estadual para a Educação Infantil nas décadas de 1990 e 2000 .....30 2.5 CUIDAR E EDUCAR ...........................................................................................35 2.6 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES (AS) DA EDUCAÇÃO INFANTIL..............39 3 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA...................................................42 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISES DOS RESULTADOS DA PESQUISA...............45 4.1 A INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL PESQUISADA..............................45 4.2 OBSERVANDO O CUIDAR E O EDUCAR NO COTIDIANO DA INSTITUIÇÃO.47 4.3 O OLHAR DAS PROFESSORAS PESQUISADAS SOBRE O CUIDAR E O EDUCAR ...................................................................................................................67 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................73 REFERÊNCIAS.........................................................................................................76ANEXOS ...................................................................................................................81 APÊNDICE A ............................................................................................................82 APÊNDICE B ............................................................................................................83 QUESRIONÁRIOS....................................................................................................84 9 INTRODUÇÃO No Brasil, até o século XX, instituições de ensino voltadas a educação de crianças de zero a seis anos1 não possuíam movimentos progressivos que assumissem responsabilidades em busca dos direitos das crianças. Apesar de surgir uma série de iniciativas nesse sentido, estas não obtiveram êxitos consideráveis que transformassem de maneira geral as políticas públicas direcionadas às crianças menores. Essas instituições iniciaram suas atividades com um caráter assistencialista2, voltado para o atendimento da saúde, para as questões higienistas, e com poucas preocupações para as iniciativas educacionais. Perceber a criança como parte do contexto social, dotada de capacidade de desenvolvimento, foi o primeiro passo para a transformação do caráter das instituições infantis. A Constituição de 1988 foi um marco para a instituição, a qual determina que a Educação Infantil é um dever do Estado brasileiro. A partir desse momento, a instituição de educação infantil passou a ser vista como parte dos direitos da criança, e não apenas como obrigação para com as mães trabalhadoras. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente veio reforçar esse direito, tornando a instituição mais preparada para atender os pequenos. Atualmente as leis buscam se aproximar de uma concepção de infância que se desenvolveu e estruturou alicerces na história e na cultura, reconhecendo as especificidades e identificando as singularidades dessa faixa etária. As instituições de educação infantil foram sendo remodeladas a partir do momento em que o Estado passou a assumir o seu papel em relação à criança, garantindo e preservando a sua integridade e o seu desenvolvimento tanto no âmbito físico, quanto no emocional e no intelectual. Nesse sentido, o objetivo geral dessa pesquisa é investigar, por meio de observação, o cotidiano de uma instituição de educação infantil pública do município 1 O termo “de zero a seis anos” vem sendo utilizado em vários documentos relacionados à educação infantil no Brasil. Conforme o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), de 2010, o ingresso na educação infantil é limitado a crianças de zero a seis anos, sendo que as crianças que completam seis anos após 31 de março do ano da inscrição são matriculadas no 1º ano do ensino fundamental. 2 “Assistencialista” é um termo utilizado quando ocorre uma prática politica que visa assistir os mais carentes, social e economicamente. Para Kuhlmann, a educação infantil oferecida nas instituições possuía objetivos bem delimitados de cuidados básicos e guarda. “As instituições pré- escolares foram difundidas internacionalmente... como parte de um conjunto de medidas que conformam uma nova concepção assistencial...” (1998). 10 de São José, a fim de refletir sobre as relações de cuidar e educar que permeiam a mesma. Sendo assim, definiram-se os seguintes objetivos específicos: - Realizar um levantamento bibliográfico sobre o processo histórico em que a instituição de educação infantil se desenvolveu no Brasil, tendo em vista a conotação assistencial em que se iniciou; - Descrever e relacionar as leis que ampliaram os direitos das crianças no âmbito da educação infantil; - Refletir acerca das interações entre o/a educador/a3 e as crianças nas relações de cuidado e de educação que permeiam na instituição; - Analisar as situações de aprendizagem propostas pelas professoras observando as intenções pedagógicas que permeiam as mesmas; - Analisar o ponto de vista das professoras em relação ao cuidar e ao educar no ensino infantil; - Observar como tem sido organizado o cotidiano das crianças na instituição de educação infantil a fim de compreender as relações de cuidar e educar. Será levantado, neste estudo, o processo histórico em que a educação infantil no Brasil se desenvolveu, elementos trazidos por Moisés Kuhlmann Jr.4 que possibilitam a reflexão sobre a concepção de infância e o desenvolvimento da instituição. Além disso, serão trabalhadas e questionadas algumas leis e diretrizes que envolvem a constituição das instituições de ensino infantil no formato que conhecemos atualmente. Levando em consideração que a educação infantil é um direito da criança que implica um compromisso dos órgãos públicos e buscando respostas pautadas nesse processo histórico em que se formou a educação infantil, definiu-se o seguinte questionamento: Como se desenvolvem as relações entre cuidar e educar em uma instituição de educação infantil pública do município de São José, levando em consideração o processo histórico em que a mesma se desenvolveu? 3 O termo “educador(a)” é utilizado neste trabalho com o mesmo sentido do termo “professor(a)”, sem distinção de formação e funções pedagógicas, pois há vários questionamentos quanto a palavra educador(a) no sentido de que qualquer pessoa sem formação poderia educar uma criança. Há também, os que mencionam o educador(a) como um profissional que possui vocação trabalhando com amor e dedicação, deferentemente do professor que é apenas um profissional, com diz Rubens Alves 2004. 4 Kulmann Jr., formou-se em pedagogia pela faculdade de educação da USP, Mestre em Educação pela PUC-SP e Doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. O autor aborda a importância da história da educação infantil para refletir sobre os aspectos atuais da instituição e as contribuições dessas reflexões para a formação pedagogia. 11 É sabido que a educação infantil tem papel fundamental no desenvolvimento humano e social dos pequenos. Sendo assim, este estudo almeja analisar o cuidar e o educar, observando as questões existentes no cotidiano da instituição. O cuidado foi o foco da educação infantil durante os séculos em que os objetivos cotidianos estavam ligados à assistência. A mudança na concepção de infância e toda a trajetória histórica de lutas alavancaram leis que permitem um novo olhar para a criança. As instituições possuem amparo legal para cuidar e educar de forma indissociável, com um cotidiano de trabalhos intencionados, a fim de possibilitar a construção do conhecimento. As instituições de educação infantil mudaram legalmente suas concepções, porém o envolvimento de toda estrutura de um centro de educação infantil, desde a formação dos professores até os espaços e materiais disponibilizados, é que realmente fazem da instituição um espaço pedagógico. Assim como a formação dos educadores que trabalham com as crianças de zero a seis anos, o espaço, os materiais, a disponibilidade de auxiliares de ensino, a participação de todos na construção do projeto político pedagógico, uma concepção de educação atenta ao tempo das crianças, o desenvolvimento de projetos pensados para os pequenos e o respeito aos direitos das crianças também são características fundamentais para uma instituição infantil com concepções pedagógicas. 12 2. O LUGAR DA CRIANÇA AO LONGO DA HISTÓRIA 2.1 UM BREVE RETROSPECTO SOBRE A CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA Alguns autores resumem o entendimento de criança apenas como indivíduo oposto ao adulto, porque possui menos idade e/ou maturidade.Porém, não se trata de algo tão simples. Existem determinados papéis com diferentes desempenhos atribuídos à criança que devem ser levados em consideração. Sendo que há uma série de variáveis ligadas a questões sociais, econômicas e culturais que influenciam nesta definição de infância, não podemos afirmar que existe uma homogeneidade da população infantil, pois estaríamos desvinculando-as de suas realidades. [...] considerar a infância como uma condição da criança. O conjunto de experiências vividas por elas em diferentes lugares históricos, geográficos e sociais é muito mais do que uma representação dos adultos sobre esta fase da vida. É preciso conhecer as representações da infância e considerar as crianças concretas, localizá-las nas relações sociais, etc., reconhecê-las como produtoras da história. (Kuhlmann Jr., 1998: 31). Até então, a trajetória histórica da infância na humanidade veio nos mostrando sentimentos a seu respeito que não consideravam a importância desta fase da vida. Não havia uma preocupação com a criança, em estudar seu desenvolvimento, sequer se reconhecia diferenças comportamentais, afetivas, psicológicas ou físicas entre elas e os adultos. A partir do século XVIII, um novo sentimento de infância, preocupado com o desenvolvimento das crianças, disseminou-se pela sociedade, trazendo como foco o cuidado com a saúde física e com a higiene, a chamada puericultura5. É a partir deste momento que a criança passa a ser considerada diferente dos adultos, carente de cuidados e proteção e toma lugar central na família. O sentimento de infância começou a surgir, havendo, assim, a distinção entre a criança e o adulto, a consideração de todas as suas 5 Puericultura é o acompanhamento do desenvolvimento infantil. As ações de puericultura, no Brasil, são percebidas no século XVIII com a criação das Casas de Expostos e o atendimento assistencial voltado para as crianças. As questões higienistas da época também praticavam a puericultura, como o objetivo de acompanhar o crescimento da criança orientando sobre vacinação, alimentação e prevenção de doenças. Para saber mais, ver: < http://www.fmabc.br/disciplinas/images/pdf/manual_pediatria_puericultura.pdf.> 13 particularidades e capacidade de desenvolvimento, a análise do contexto social em que estaria inserida. Foi com o aparecimento das primeiras escolas que passou a se considerar a infância como mais longa, que não findava quando se aprendia a andar e a falar como os adultos. Nessa época, as crianças eram tratadas como pequenos adultos. A fase escolar contribuiu para esta visão, uma vez que foram sendo percebidas diferenças cognitivas entre adultos e crianças. Nesse tempo, o sentimento de infância era voltado para o lado assistencialista. O sentimento moderno de infância corresponde a duas atitudes contraditórias que caracterizam o comportamento dos adultos até os dias de hoje: uma considera a criança ingênua, inocente e graciosa e é traduzida pela paparicação dos adultos; e outra surge simultaneamente à primeira, mas se contrapõem a ela, tomando a criança como um ser imperfeito e incompleto, que necessita de moralização e da educação feita pelo adulto. (Kramer, 1984: 18) A concepção de infância que temos nos dias atuais é uma visão construída historicamente, em que é possível perceber o contraste existente entre a atualidade e algumas décadas atrás. A criança passou a ocupar um local de destaque na sociedade muito diferente da época em que sua presença era praticamente imperceptível. Nesta época, as crianças eram inibidas de participar socialmente da vida comunitária e eram tratadas como um pequeno adulto, passando despercebidas suas características e peculiaridades. Esse duplo sentimento que Kramer aborda vem com essa construção histórica do espaço da criança no lar, surgindo uma nova concepção de família. Até o final do século XVIII e inicio do século XIX, a infância não possuía uma definição muito concreta, jovens de dezoito anos ou até mais eram chamados de crianças. Além disso, diluir as diferenças entre adultos e crianças, ocultava ainda mais a essência e a importância de especificidade destas. No século XVIII, ocorreram muitas transformações sociais que contribuíram para a percepção da criança como um ser particular. As reformas religiosas católicas e protestantes, as transformações tecnológicas e as mudanças sociais alavancaram as grandes mudanças na história da concepção de infância. As crianças passaram 14 a ser vistas como sujeitos de direitos, legítimas como figura social, possuidoras de respeito em todas as suas dimensões. Essa etapa da história em que a concepção de infância se construiu transformou a visão que se tinha das crianças. Os pequenos passaram a ocupar um lugar de destaque na sociedade, que passou a valorizar a infância. Essa valorização contribuiu para o desenvolvimento do olhar pedagógico dentro da educação, preocupada com as novas adaptações de métodos educacionais que satisfizessem as novas demandas desencadeadas por estas transformações. 2.2 A INFÂNCIA NA ATUALIDADE Atualmente a concepção de que a criança é um ser com características bem diferentes das dos adultos, um ser particular e de direitos, tem gerado as maiores mudanças na Educação Infantil. Essa nova concepção tem tornado o atendimento às crianças de 0 a 6 anos ainda mais específico, exigindo do educador uma postura consciente de como deve ser realizado o trabalho com as crianças pequenas, mostrando-lhe as suas especificidades e as suas necessidades enquanto criança e enquanto cidadão. Outro ponto fundamental é o processo de socialização que a criança vivencia no ambito familiar nos seus primeiros anos de vida, onde aprende boa parte da cultura materna. E, posteriormente, no ambiente escolar, onde conhece outras realidades distintas das vivenciadas em família, como aponta Ferreira (2000): [...] a Sociologia da família, ao privilegiar a socialização das crianças pequenas, sobrevalorizando as questões que se prendem com as aprendizagens básicas centradas em torno da relação mãe-filho, tem-nas construído como uma idade associal, de espera e dependência, circunscrita a um período de vida que se entende desde o nascimento até à entrada para a escola primária (0-6 anos). Mas se deduz, a partir dos contributos da Sociologia da família que a infância começa com o nascimento, ela não acaba aos 6 anos, ficando, ausentes as idades que se seguem [...]. (FERREIRA, 2000) 15 Para Ferreira (2000), a família promove os primeiros ensinamentos às crianças enquanto são dependentes, e esse período de dependência, por vezes, se perpassa até a entrada da criança à escola. [...] a escola enquanto instituição social representa o tempo que organiza, molda e orienta todos os outros tempos da infância, o local onde se realiza a socialização secundária das crianças e se assiste ao processo da sua escolarização, ou seja, onde se processa a aprendizagem da trilogia: leitura, escrita e cálculo, bases fundamentais para aceder à cultura letrada. (FERREIRA, 2000). A criança passa por várias transformações durante a infância. Em seus primeiros anos de vida, os pequenos se deparam com diversas situações de confronto, sentimentos diferentes, situações de disputa, entre outras descobertas que fazem a criança começar a perceber que no ambiente onde vivemos há infinitas regras de convivência e leis preestabelecidas pela sociedade. Tais situações fazem com que os pequenos comecem a entender a realidade do mundo em que vivem, aprendendo a lidar com os acontecimentos do cotidiano e a conviver com as outras pessoas. Os pequenos participam das relações sociais,desenvolvem-se através da interação com o outro e com o meio em que vivem. As crianças buscam participar dessas relações se aproximando e se apropriando de comportamentos e valores que permeiam a realidade em que vivem. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil6 (RCNEI) traz a concepção de infância como construída historicamente e a ideia de que atualmente não há apenas uma maneira de se considerar a criança, pois há múltiplas diversidades de realidades sociais, culturais, étnicas e etc. que podem interferir nessa noção de infância. Sabemos que existem crianças que trabalham, que são exploradas, que sofrem maus tratos e abusos, que não possuem seus direitos garantidos. 6 Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) foi aprovado em 1998 e possui três volumes. O objetivo deste documento é servir de guia reflexivo sobre a prática educativa de qualidade. Os três volumes abordam diversos aspectos da educação infantil, desde a concepção de criança até a experiência profissional e eixos de trabalho. Sua função, como diz o próprio RCNEI é “contribuir com as políticas e programas de educação infantil, socializando informações, discussões e pesquisas, subsidiando o trabalho educativo de técnicos, professores e demais profissionais da educação infantil....”. 16 A criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico. É profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas também o marca. A criança tem na família, biológica ou não, um ponto de referência fundamental, apesar da multiplicidade de interações sociais que estabelece com outras instituições sociais. (RCNEI – Vol. 1, 1998: 21) As atuais pesquisas relativas à infância apontam que ao propormos algo às crianças devemos aproximar nosso ponto de vista ao delas. Não existe um método ideal de relações entre adulto e criança, porém devemos levar em consideração as diferentes condições de vida de um grupo escolar e perceber a criança como sujeito de direitos e capaz de criar seu próprio espaço. 2.3 O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL A educação infantil se constituiu historicamente como instituição educacional. Podemos perceber as características das instituições por meio de estudos da história e das vivências do cotidiano. Há muitos elementos importantes que permeiam o dia a dia na educação infantil. As ações e as vivências se transformaram ao longo dos anos e a instituição foi formando características diferentes. Desde o século passado tornou-se recorrente atribuir às instituições de educação infantil a iminência de atingir a condição de educacionais — como se não houvesse sido até então. Muitas vezes, como forma de justificar novas propostas que, por sua vez, não chegavam a alterar significativamente as características próprias da concepção educacional assistencialista. (KUHLMANN JR., 2003: 53) Kuhlmann Jr. nos remete a reflexão quanto à dicotomia entre assistência e educação. Algumas instituições foram criadas com o propósito de atender os mais carentes, outras não. São nessas diversas origens sociais da educação infantil que se criaram objetivos educacionais variados que constituíram as características desse processo histórico nas instituições. 17 As relações que se constituem nas instituições infantis possuem dimensões afetivas e biológicas que foram se transformando ao longo da história, constituindo um binômio de atendimento com uma grande complexidade. A ação pedagógica se entrelaça entre o educar e o cuidar em que, com o passar dos anos, um foi ganhando mais espaço que o outro, porém ainda é complexo perceber onde ambos começam e onde terminam no cotidiano escolar. Do ponto de vista histórico, a educação infantil no Brasil esteve durante séculos sob a responsabilidade da família, pois era no convívio familiar que a criança aprendia as tradições e regras da sociedade. As primeiras instituições começaram a surgir no século XIX possuindo caráter assistencialista assim como os asilos e os orfanatos. Essas creches eram destinadas a auxiliar as mães que precisavam trabalhar por serem viúvas ou mães solteiras. Alguns fatores contribuíram para que a instituição passasse a atender as demais crianças, como a desnutrição, a mortalidade infantil e os acidentes domésticos. É importante ressaltar que em décadas passadas a mortalidade infantil possuía índices altíssimos e, por isso, era considerada comum a criança não ultrapassar os três primeiros anos. Alguns educadores, religiosos e empresários começaram a pensar em um espaço que tirasse o cuidado com a criança do âmbito familiar. O surgimento das instituições de educação infantil, como afirma Kuhlmann Jr., não foi apenas uma sequência de fatos somados, e sim a interação de tempos, influências e temas. Em 1899, foi fundado o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro e, no mesmo ano, também foi inaugurada a creche da Companhia de Fiação e Tecidos Cordovado7, sendo a primeira creche brasileira, porém apenas destinada a filhos de operários. Os movimentos operários foram ganhando força com a industrialização e a inserção da mão de obra feminina no mercado de trabalho. Esses movimentos começaram a reivindicar a criação de instituições para os filhos das mulheres trabalhadoras. Essas organizações feministas começaram a defender a ideia de que todas as mulheres deveriam ser atendidas, independente da necessidade ou classe social. Os movimentos operários influenciados por movimentos de outros países e 7 A Creche Companhia de Viação e Tecido Corcovado, conforme Kuhlmann Jr., foi “a primeira creche brasileira para filhos de operários de que se tem registro”, no ano de 1899. Sua criação foi impulsionada pela entrada das mulheres no mercado de trabalho. 18 permeados por muitos conflitos conseguiram algumas conquistas, como o aumento no número de instituições que seriam mantidas pelo governo. Por meio de instituições assistenciais, outras creches foram surgindo. A Associação das Damas da Assistência à Infância fundou, em 1908, a primeira creche destinada a filhos de empregadas domésticas diferente das outras criadas para filhos de operarias. Nesta mesma época, surgiram várias organizações voltadas ao auxílio e ao amparo das necessidades das mães e crianças e dotadas de vários serviços de proteção à mulher grávida pobre, de higiene durante e após a gravidez, de assistência ao recém-nascido, de consultas e exames médicos e de vacinação. A ideia de infância, como se pode concluir, não existiu sempre, e da mesma maneira. Ao contrario, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano- industrial, na medida em que muda a inserção e o papel social desempenhado pela criança na comunidade. (KRAMER, 1984: 19) Com o surgimento da sociedade capitalista e urbano-industrial, a ideia de infância começa a ser construída e seu papel social passa a se transformar na comunidade. Anteriormente, a criança desempenhava papeis na produção rural, principalmente na sociedade feudal. Com a industrialização, a criança foi, aos poucos, ganhando outro enfoque, passando a ser alguém que precisa de cuidados, ser escolarizada e até se preparar para o futuro. Em 1930, o setor público brasileiro passou a participar diretamente do atendimento na pré-escola. Atualmente, esse serviço se faz através de uma superposição de órgãos públicos. Inicialmente, a criança passou a ser atendida fora da família com um olhar filantrópico e assistencial. No final do séculoXIX, período da abolição da escravatura no Brasil, ocorreu algumas iniciativas isoladas de proteção à criança, a fim de resolver a questão da mortalidade infantil. Algumas creches começaram a surgir nesta época, porém por iniciativa de instituições assistencialistas sem o auxílio do poder público. Esses programas eram de baixo custo e voltados para o atendimento de crianças pobres e de mães que precisavam trabalhar. Nessa época, existiam casas que recebiam as crianças abandonadas, chamadas de Casas de Expostos8. As creches vieram em oposição àquelas casas 8 Casas de expostos surgiram no Brasil no ano de 1726 em Salvador. Mais conhecida como Roda dos Expostos pelo mecanismo giratório utilizado para abandonar os recém-nascidos. 19 para que as mães pudessem trabalhar e não abandonassem seus filhos. Como diz Kuhlmann Jr.: [...] um conjunto de medidas que conformam uma nova concepção assistencial, a assistência cientifica, abarcando aspectos como a alimentação e habitação dos trabalhadores e dos pobres... A creche, para as crianças de zero a três anos, foi vista como muito mais do que um aperfeiçoamento das Casas de Exposto, que recebiam as crianças abandonadas; pelo contrario, foi apresentada em substituição ou oposição a estas, para que as mães não abandonassem as suas crianças. (KUHLMANN JR., 1998) Ainda no início do século XX, começaram a surgir os jardins de infância, voltados para as classes mais altas. Essas instituições passaram a ser defendidas por alguns setores da sociedade, pois se acreditava que elas trariam benefícios para o desenvolvimento infantil. Nesse mesmo período, algumas entidades tiveram destaque, como: Instituto de Proteção à Infância do Rio de Janeiro, que objetivava atender as mães grávidas pobres e aos recém-nascidos; e também o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, que, em seguida, precedeu a criação do Departamento da Infância, que tinha como objetivo fiscalizar as instituições. Ligava- se o termo pedagógico aos jardins de infância com o intuito de fazer propaganda da instituição a fim de atrair os filhos das famílias mais ricas, sendo que os jardins de infância eram ditos diferentes das creches. Em maio de 1943, com a consolidação das leis trabalhistas, ocorreu uma normatização e regulação das relações de trabalho. As mães trabalhadoras passaram a ter amparo legal quanto às questões de maternidade e de assistência à infância. A seção V da lei abrange a proteção à maternidade, e, conforme os artigos 397, 399 e 400, após o período de licença maternidades os pequenos também ganharam o amparo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)9, como podemos verificar a seguir: Art. 397 - O SESI, o SESC, a LBA e outras entidades públicas destinadas à assistência à infância manterão ou subvencionarão, de acordo com suas possibilidades financeiras, escolas maternais e jardins de infância, distribuídos nas zonas de maior densidade de trabalhadores, destinados 9 A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é a principal norma legislativa brasileira referente ao Direito do trabalho, criada através do Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. 20 especialmente aos filhos das mulheres empregadas. Art. 399 - O Ministro do Trabalho e da Administração conferirá diploma de benemerência aos empregadores que se distinguirem pela organização e manutenção de creches e de instituições de proteção aos menores em idade pré-escolar, desde que tais serviços se recomendem por sua generosidade e pela eficiência das respectivas instalações. Art. 400 - Os locais destinados à guarda dos filhos das operárias durante o período da amamentação deverão possuir, no mínimo, um berçário, uma saleta de amamentação, uma cozinha dietética e uma instalação sanitária. (CLT, 1943) Na década de 70, as creches ou jardins de infância eram vinculados aos órgãos de assistência social, e não aos de educação como os demais níveis de ensino. Nessa época, começaram a surgir algumas mudanças progressistas nas instituições voltadas aos pequenos, o que, mesmo de forma lenta, motivou críticas à educação compensatória, enfatizando o caráter assistencialista e discriminatório, já que existiam creches especificas para o atendimento dos mais pobres e outras voltadas para o atendimento das crianças de classes mais favorecidas. [...] as crianças das classes sociais dominadas (economicamente desfavorecidas, exploradas, marginalizadas, de baixa renda) são consideradas como “carentes”, “deficientes” “inferiores” na medida em que não correspondem ao padrão estabelecido. Faltariam a estas crianças, “privadas culturalmente”, determinados atributos, atitudes ou conteúdos que deveriam ser nelas incutidos. A fim de suprir as deficiências de saúde e nutrição, as escolares, ou as do meio sociocultural em que vivem as crianças, são propostos diversos programas de educação pré-escolar de cunho compensatório. (KRAMER, 1984: 25) Kramer afirma que a política brasileira expressava em sua reforma pedagógica uma instituição pré-escolar que romperia as barreiras entre as classes sociais. Porém, na realidade, as mudanças ocorridas não alterariam a situação da estrutura social. A educação pode, sim, ocasionar mudanças na realidade social, mas, como afirma Kramer (1984): “não o de ser o responsável pela transformação dessa conjuntura”. Para Oliveira, as instituições de educação infantil, na década de 70, viriam com outra perspectiva: a de superar as condições sociais dos mais pobres, que eram o público maior a ser atendido. 21 [...] sob o nome de “educação compensatória”, foram sendo elaboradas propostas de trabalho para as creches e pré-escolas que atendiam a população de baixa renda. Tais propostas visavam à estimulação precoce e ao preparo para a alfabetização, mantendo, no entanto, as práticas educativas geradas por uma visão assistencialista da educação e do ensino. (Oliveira, 2002). Para Kuhlmann, as instituições infantis pré-escolares destinadas às crianças pobres tinham objetivos assistenciais marcados por uma pedagogia da submissão, partindo de uma concepção preconceituosa da pobreza que objetivava o preparo dos indivíduos para permanecer em seu lugar social. Havia uma grande defesa da educação assistencialista por se pensar que os pequenos de classe baixa que ficassem na rua, estariam vulneráveis a contaminações de influências externas, ou seja, seria uma prevenção à criminalização, uma guarda para que essas crianças não se tornassem possíveis marginais. O que diferencia as instituições não são as origens nem a ausência de propósitos educativos, mais o público e a faixa etária atendida. É a origem social e não a institucional que inspirou objetivos educacionais diversos. Mas a creche, para os bebês, embora vista como apenas para as classes populares, também era apresentada em textos educacionais do século XIX, como o primeiro degrau da educação. Kuhlmann, 2003: 54) Outra característica que Kuhlmann Jr. aborda sobre a educação assistencialista seria, a de propor, um atendimento de baixa qualidade para que as crianças de baixa renda já se preparassem para um futuro na mesma condição. O péssimo atendimento seria uma maneira de garantir um acomodamento futuro para que permanecesse na mesma condição social, sem buscar melhorias. Afirmava-se que o atendimento deveria ser compatível com a classe social, ou seja, quanto mais pobre pior seria o atendimento. As concepções educacionais vigentes nessas instituições se mostravam explicitamente preconceituosas, o que acabou por cristalizar a ideia de que, em sua origem, no passado, aquelas instituições teriam sido pensadas como lugar de guarda,de assistência, e não de educação. Essa polarização, presente nos estudos sobre a educação pré-escolar, chega a atribuir à história da educação infantil uma evolução linear, por etapas: primeiro se passaria por uma fase médica, depois por uma assistencial, etc., culminando, nos dias de hoje, no atingir da etapa educacional, entendida 22 como superior, neutra ou positiva, em si, em contraposição aos outros aspectos. (Kuhlmann Jr., 2010: 166) O atendimento à criança tem se constituído ao longo dos anos, assim como sua valorização. Muitas modificações ocorreram até o século XX, porém, entre o discurso e a realidade, existe uma grande distância. Os objetivos das instituições passaram por muitas modificações: de médico-sanitarista para o assistencialista; do assistencialista para o âmbito social; e, deste, para o educacional. Até a década de setenta, não houve modificações consideráveis na lei brasileira que garantisse a oferta deste nível de ensino. Neste sentido, várias organizações uniram forças com diferentes setores da sociedade a fim de buscar garantir direitos às crianças e uma educação de qualidade. Esse direito foi reconhecido somente em 1988, com a Carta Constitucional. A pressão dos movimentos e o esforço coletivo de vários segmentos impulsionaram a inclusão da creche e da pré-escola no sistema educativo. Como diz na Constituição Federal de 1988, Artigo 208, o inciso IV: [...] O dever do Estado para com a educação será efetivado mediante a garantia de oferta de creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade. (BRASIL, 1988). Com o reconhecimento da criança de zero a seis anos como sujeito de direitos à educação, um novo pensamento de pedagogia começa a ser implementado no cotidiano das instituições e novas leis surgem, com o objetivo de realizar um novo conceito nas instituições com práticas diferenciadas das tradicionais. A pedagogia nova ou moderna concebe a natureza da criança como inocência original; a educação deve proteger o natural infantil, preservando a criança da corrupção da sociedade e salvaguardando sua pureza. A educação não se baseia na autoridade do adulto, mas na liberdade da criança e na expressão de sua espontaneidade (KRAMER 1884). De acordo com a pedagogia tradicional10, o adulto intervém diretamente na natureza da criança, pois tal pedagogia prescreve que o dever do educador é 10 Pedagogia tradicional é um termo utilizado na atualidade para caracterizar métodos de ensino antigos que tem como característica principal o aluno como mero ouvinte que precisa apenas decorar o conteúdo. A pedagogia tradicional é criticada nos dias atuais em função do ensino padronizado, o qual não possibilita uma maior interação entre professor e aluno. 23 disciplinar e ensinar regras às crianças. Em contraposto, a nova pedagogia traz um pensamento diferente para a natureza da criança, em que a ideia é buscar a interação entres as crianças, a busca por conhecimento e instigar um “espírito investigador” nos pequenos. A Constituição de 1988 foi um marco para a educação infantil e alavancou a discussão sobre a definição de um novo caráter para as instituições de ensino infantil. Até se chegar ao novo caráter dessas instituições, percorreu-se um grande caminho no qual surgiram muitos documentos que modificaram significativamente o olhar para a criança, principalmente no âmbito educacional. O cuidar e o educar se entrelaçam no cotidiano das instituições, e a intencionalidade das atividades planejadas possibilita o desenvolvimento da criança e a observação da individualidade e da singularidade de cada uma. 2.4 A EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA LEGISLAÇÃO 2.4.1 A política federal para a Educação Infantil nas décadas de 1990 e 2000 A partir da década de 90, começaram a surgir leis mais direcionadas à infância e alguns documentos de política educacional de âmbito federal e estadual. Alguns destes documentos se destacaram por ter influenciado e promovido à educação de zero a seis anos, o que melhorou a qualidade11 do atendimento das creches e deu maior destaque às questões relativas à infância. Os documentos de política educacional que impulsionaram uma educação infantil de qualidade e que serviram de base para muitas discussões no âmbito do atendimento e do direcionamento das instituições são: Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90); Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96); Plano Nacional de Educação (1998); Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Parecer CNE/CEB nº 022/98). E os documentos do estado 11 O termo “Qualidade” é utilizado aqui baseado no documento do Ministério da Educação (MEC), Indicadores de Qualidade na Educação Infantil (2009). Este documento se refere às definições de qualidade e aos fatores que os influenciam, como: o contexto social e econômico em que está inserida a instituição, os valores e as tradições culturais e os conhecimentos científicos sobre as crianças. 24 de Santa Catarina que complementam os documentos federais são: Lei do Sistema Estadual de Ensino de Santa Catarina (1998); Plano Estadual de Educação de Santa Catarina (2004); Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina (2005). Inicialmente, procurando contextualizar a razão pela qual, nas últimas décadas, ou seja, desde os anos de 1990, a infância tem recebido uma atenção diferenciada na política educacional em nível mundial, podemos perceber grande influência de outros países que impulsionaram a criação de documentos direcionados à infância. Tal contexto tem sido determinante na formulação da política educacional brasileira. No ano de 1990, ocorreu na Tailândia a Conferência Mundial de Educação para Todos12 – Education for All. Nessa Conferência, o Brasil, entre outros países, assumiu um compromisso com a formulação e a implantação de uma política educacional que garantisse o acesso de todos à educação fundamental. Nesta política, a educação infantil ganha espaço como primeiro nível da educação básica, propondo-se para esta educação a responsabilidade pela formação voltada para o seu amadurecimento e a preparação para o trabalho cada vez mais cedo. O Brasil possuía um grande número de analfabetos e, por isso, o Banco Mundial13, um dos órgãos financiadores da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em 1990, e das políticas públicas dos países mais pobres, decidiu pelo investimento na educação infantil, de modo a garantir desde cedo a inclusão das crianças na sala de aula. O Banco Mundial não fez isso apenas pensando em melhorar a educação, ou seja,fez com interesses econômicos, preocupado com “quantos reais” o governo federal economizaria ao descentralizar a educação, na medida em que transferiria para os Municípios a responsabilidade pela manutenção da educação infantil e fundamental (CERISARA, 2002). A educação básica foi colocada como prioridade, mas afastou-se a ideia de que os países membros da Conferência Mundial ofereceriam uma educação de qualidade para todos. Apesar de ser um direito adquirido na LDB/96, isso não 12 Também conhecida por “Conferencia Jomtien”, cujo “objetivo era estabelecer compromissos mundiais para garantir a todas as pessoas os conhecimentos básicos necessários a uma vida digna, condição insubstituível para o advento de uma sociedade mais humana e mais justa”, conforme consta no site: http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=110 13 Banco Mundial é uma organização internacional que possui autonomia para intervir nas regras e propostas de países economicamentemais pobres. No Brasil, o Banco Mundial participa de programas dirigidos à saúde, à educação e a melhorias dos serviços públicos. Para saber mais: Altmann, 2002. http://www.scielo.br/pdf/ep/v28n1/11656.pdf 25 ocorre, pois os recursos destinados pelo FUNDEF14 (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) foram voltados exclusivamente para o ensino fundamental, e a educação infantil ficou "à mercê da sorte”, esperando que os municípios assumam o compromisso com o seu financiamento. No ano de 2006, sob orientação do Banco Mundial, o governo brasileiro amplia este fundo com a criação, através de lei aprovada pelo Congresso Nacional, do FUNDEB15 (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que passou a contemplar todos os níveis educacionais, desde a educação infantil até o ensino médio. Outra medida sugerida pelo Banco Mundial, no ano de 1996, foi de uma escolarização precoce das crianças pequeninas, o que implica no fato de que as crianças devem ir (e estão indo) cada vez mais cedo para a escola, por consequência das mudanças que ocorrem no setor produtivo e nas relações de trabalho, que exigem um novo perfil de trabalhador. Para o Banco Mundial, este novo perfil deve começar a ser desenvolvido desde a mais tenra idade. Por isso, este organismo internacional defende e exige dos países de economia capitalista a implantação de uma política de inserção cada vez mais precoce das crianças na rede escolar, uma vez que as instituições de ensino desta rede serão primordialmente responsáveis por tal formação. Essa política de escolarização precoce encontrou resistência dos educadores brasileiros, pois consideram que é fundamental que a criança possa viver sua infância, sem preocupações, permitindo seu crescimento e amadurecimento natural e intelectual como ser humano. O Banco Mundial exigiu que os governos padronizassem o atendimento nas escolas. Para que essa medida fosse implantada, o Ministério da Educação do Brasil 14 O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) foi instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997. O FUNDEF foi implantado, nacionalmente, em 1º de janeiro de 1998, quando passou a vigorar a nova sistemática de redistribuição dos recursos destinados ao Ensino Fundamental. Conforme consta no site do MEC: <www.mec.gov.br/> 15 O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) atende toda a educação básica, da creche ao ensino médio. Substituto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1997 a 2006, o FUNDEB está em vigor desde janeiro de 2007 e se estenderá até 2020. Conforme consta no site do MEC: <www.mec.gov.br/> 26 (MEC)16 elaborou os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Trata-se de uma reforma curricular com o objetivo de modificar a forma e o conteúdo da educação infantil, de modo a atender as demandas do mercado de trabalho. Para o MEC e o Banco Mundial atender as demandas desse mercado, o governo precisa fazer com que a educação infantil tenha um mínimo de qualidade. Por sua vez, para que aconteça esse investimento do Banco Mundial, as escolas devem prestar contas anualmente ao MEC. Quando se pensa em direito da criança à educação, devemos nos reportar a um importante documento - o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)17, aprovado pela Lei nº 80.069/90, de 13 de julho de 1990. O Estatuto é destinado única e exclusivamente para crianças e adolescentes de zero a dezoito anos de idade, sendo que antes não havia nada em termos legais que garantisse os direitos dessa faixa etária. O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe, conforme o artigo 1º, sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, a qual deve ser assegurada pelos municípios. Estes também são responsáveis em garantir às crianças e aos adolescentes, por meio de Conselhos Tutelares e Fundações, o direito à educação. Como diz no artigo 53: “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho [...]”. Além disso, o próprio Estatuto define que a idade da criança é de zero a doze anos e a do adolescente é de doze a dezoito anos. O ECA tem como objetivo mediar compromissos e possibilitar o engajamento social, estimulando a criança e o adolescente a ter liberdade com responsabilidade, conhecendo seus direitos e deveres como cidadãos. Segundo o Estatuto, com relação à educação escolar, os principais direitos da criança e do adolescente são: � Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; � Atendimento em creches e pré-escolas as crianças de zero a seis anos de idade; 16 O Ministério da Educação (MEC) é um órgão do governo federal do Brasil fundado no decreto n.º 19.402, em 14 de novembro de 1930 e sua atual estrutura ficou estabelecida pelo decreto n° 4.791, de 22 de julho de 2003. Possui competênci as com a política nacional de educação, abrangendo a educação infantil e a educação geral, com algumas exceções, como: o ensino militar; pesquisa e extensão universitária; e magistério. 17 O ECA foi instituído pela Lei 8.069 no dia 13 de julho de 1990, regulamentando o direito das crianças e dos adolescente, principalmente no que tange a proteção integral dos mesmos. Para saber mais: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> 27 � Ser preparado para o exercício da cidadania, e a preparação para o trabalho. (BRASIL, 1990: 9) Assim, como a criança e o adolescente têm direitos, os Estados tem deveres a cumprir. De acordo com as diretrizes da política de atendimento do ECA (BRASIL, 1990), o Estado deve criar órgãos públicos, no âmbito municipal, estadual e nacional que assegurem a participação popular e partidária das crianças e dos adolescentes, assim como a manutenção de fundos e o estímulo de recursos destinados à cultura, ao esporte e ao lazer. Os direitos e deveres presentes no ECA proporcionam uma política de atendimento para todo o território nacional. No Estatuto da Criança e do Adolescente, percebe-se que não basta ter uma boa teoria, pois muito do que está escrito no Estatuto está longe de ser colocado em prática. Falta uma atuação compatível com a realidade das crianças e uma política com foco educativo, direcionada às instituições de ensino. Esses fatos preparam o ambiente para a aprovação da nova LDB, Lei 9394/96, que estabelece a educação infantil como etapa inicial da educação básica, conquista histórica que tira as crianças pequenas pobres de seu confinamento em instituições vinculadas a órgãos de assistência social. (OLIVEIRA, 2002) Conforme Oliveira, com o ECA e toda a atenção que se voltou em torno da criança no início da década de 90, foi aprovada a terceira versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)18 no ano de 1996. Criou-se, dessa forma, mais uma estratégia governamental para a implantação da política educacional, seguindo os ditames do Banco Mundial. A LDB ficou sete anos em debate, porque havia muitos embates e conflitos de interesses em jogo entre as forças que integravam o Congresso Nacional naquela época, até que foi aprovada em 20 de dezembro 1996. A LDB está em sintonia com as reformas neoliberais implantadas pelo governobrasileiro nos anos 1990. A LDB/96 foi construída com base na Constituição Federal de 1988, que reconheceu como direito da criança o acesso à educação infantil, em creches e pré- escolas. Assim, pela primeira vez na história do Brasil, uma lei federal deu direito de 18 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB, aprovada em sua ultima versão em 20 de dezembro de 1996, foi criada em 1961 e teve sua segunda versão em 1971. 28 acesso das crianças de zero a seis anos à educação infantil, passando a ser dever de o Estado manter instituições educativas que atendam sua faixa etária. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/1996) dispõe que a educação infantil passa a ser definida como a primeira etapa da Educação Básica, conforme diz Oliveira. A atual Constituição reconheceu a educação infantil como um direito da criança, dever do Estado e opção da família, sem vincular as instituições de ensino infantil à Política de Assistência Social, e sim à Política Nacional de Educação. A LDB, no artigo 29º, “afirma que a educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.” Também é uma determinação da LDB que essa assistência educacional seja oferecida em creches para crianças de zero a três anos e em pré- escolas para crianças de quatro a seis anos. A lei afirma que toda criança de zero a seis anos de idade tem direito à escola básica, mas, na prática, o que se percebe são creches e pré-escolas lotadas, faltando vagas e a necessidade de construção de novas creches e instituições de educação infantil. Não existe, de fato, oportunidade para que todas as crianças nessa faixa etária tenham acesso. Em 2001, foi promulgado o Plano Nacional de Educação - PNE19 (Lei n° 10.172/2001), o qual estabelece metas qualitativas que prevê prazos em relação à qualidade do atendimento da rede de ensino infantil, desde a infraestrutura até a formação dos educadores. Em relação às creches e pré-escolas, o Plano define que o município deve acompanhar, controlar e supervisionar as instituições, primando a qualidade no atendimento. O Plano foi instituído não apenas com base nos argumentos econômicos do governo, mas também calcado em uma preocupação com o cuidado e com a educação da criança, a partir do seu nascimento até o ensino médio. Podemos entender que esta preocupação está ligada, também, a uma política de “higienização”. 19 O projeto de lei que cria o Plano Nacional de Educação (PNE) para vigorar de 2011 a 2020, foi enviado pelo governo federal ao Congresso em 15 de dezembro de 2010. O novo PNE apresenta dez diretrizes objetivas e 20 metas, seguidas das estratégias específicas de concretização. O texto prevê formas de a sociedade monitorar e cobrar cada uma das conquistas previstas. Conforme: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=16478&Itemid=1107> 29 Desde a época da Corte Imperial no Brasil, havia um problema que incomodava diversos agentes sociais nos anos 1870: a existência de crianças e jovens que circulavam livres pelas ruas da cidade, supostamente privados de uma disciplina doméstica e de um lar que os abrigasse. Ocorrendo a relação entre educação, instrução e a ideia de prevenir a criminalidade e as desordens. Era importante que o Estado e a sociedade atuassem no sentido de retirar as crianças e jovens das ruas da cidade. Para tanto, propunha-se não o afastamento desses pequenos, mas a sua integração na sociedade, por meio de uma formação moral e religiosa (educação) e de uma preparação profissional (instrução elementar, ensino de artes e ofícios indústrias). A ideia seria educar, no sentido de difundir valores morais e comportamentais, instruindo por meio da alfabetização. As instituições educativas voltadas para a infância devem primar por uma educação de qualidade, e as necessidades da vida para o desenvolvimento das crianças, como saúde, educação, nutrição, moradia, cultura, lazer, etc., devem ser assistidas pelo governo para possibilitar o desenvolvimento pleno na infância. Conforme Batista (1998, p.1): “O que se percebe, no cotidiano da educação infantil, é que existe, ainda, uma grande distância entre o que se pretende e o que se realiza, o que se “quer fazer” e o que se “pode fazer”, ou seja, apesar dos grandes avanços nas leis brasileiras, muitas instituições não possuem estrutura para o atendimento previsto, e as intenções propostas pelos educadores nem sempre são possíveis de se concretizar, por falta de apoio ou conhecimento." No horizonte de dez anos para a implantação do Plano Nacional de Educação, este visa a uma demanda para a educação infantil com atendimento de qualidade, beneficiando todas as crianças e famílias. Cada vez mais a família procura uma vaga nas creches para seus filhos, e, com o PNE, o governo propõe mudar essa realidade. Segundo esse documento, o mais importante nesse processo é o cuidado na qualidade do atendimento, pois só assim a família pode esperar resultados positivos na educação. O PNE apresenta vários objetivos e metas. Dentre eles, alguns com especial importância por estarem diretamente relacionados com o presente objeto de estudo. Segundo o PNE (BRASIL, 1998: 15-18), são seus objetivos: 30 � Ampliar a oferta de educação infantil num prazo de cinco anos; � Elaborar em um ano os padrões mínimos de infra-estrutura para o funcionamento adequado; � Adaptar os prédios de educação infantil em 5 anos, para que todos estejam conformes aos padrões mínimos; � Assegurar que, em dois anos, todos os municípios tenham definido sua política para a educação infantil, com base nas Diretrizes Nacionais, Normas Complementares Estaduais e nas sugestões do Referencial Curricular Nacional; � Incluir as creches ou entidades equivalentes no Sistema Nacional de Estatísticas Educacionais num prazo de três anos. � Implantar Conselhos Escolares e outras formas de participação da comunidade escolar, com propostas para a melhoria das instituições educacionais; � Adotar progressivamente o atendimento em tempo integral para crianças de zero a seis anos de idade. Como citado anteriormente, as Diretrizes Curriculares Nacionais Para a Educação Infantil foram aprovadas através da Resolução CNE nº 1/99 e são normas complementares à LDB/96. Vale lembrar que a LDB/96 substituiu a idéia de currículo mínimo nacional para todos os graus e modalidades de ensino, por diretrizes curriculares nacionais, com o objetivo de criar uma homogeneidade em todo território nacional no que se relaciona a propostas curriculares. As Diretrizes Curriculares Nacionais se constituem numa doutrina sobre os princípios éticos, políticos, estéticos e pedagógicos para a educação infantil. Eis a seguir os campos de abrangência de tais princípios: � Princípios Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum; � Princípios Políticos: direitos e deveres da cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática; � Princípios Estéticos da Sensibilidade, Criatividade, Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais. � Propostas pedagógicas: de acordo com a necessidade dos alunos, da família e dos professores, levando em conta a identidade de cada um deles. (BRASIL, 1999: 18). 2.4.2 A política estadual para a Educação Infantil nas décadas de 1990 e 2000 A política do estado de Santa Catarina apresenta vários documentos que ampliam o atendimento às crianças de zeroa seis anos. Com o objetivo de adequar o sistema educacional catarinense à LDB/96, o estado de Santa Catarina aprovou a 31 Lei do Sistema Estadual de Ensino de Santa Catarina (LSE)20, a Lei nº 170, de 07 de agosto de 1998. Com relação à educação infantil, a LSE/98 propõe uma educação para todos, com a participação da comunidade, gratuita, capaz de proporcionar à criança o seu desenvolvimento, além de escolas e creches com condições e suporte do estado Segundo a lei estadual, os objetivos dessa educação para todos devem ser: � Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; � Promoção da interação escolar, da comunidade e dos movimentos sociais; � Educação escolar em Santa Catarina, direito de todos e dever da família, promovida com a colaboração da sociedade inspirada nos princípios da democracia, da liberdade e da igualdade, nos ideais de solidariedade humana e bem-estar social e no respeito à natureza; � O dever do estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia do atendimento em creches e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; � A instituição de educação, respeitadas a normas legais e regulamentares, compete elaborar e executar seu projeto político pedagógico; � Assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas de trabalho escolar estabelecidos; � Articular-se com as famílias e com a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; � Informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos educandos, bem como sobre a execução se seu projeto político pedagógico; � A educação infantil, nas instituições mantidas ou subsidiadas pelo estado, em complementação às ações municipais na área, tem por objetivos: desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social, proporcionando à criança o desenvolvimento de sua auto-imagem e o convívio no seu processo de socialização, com a percepção das diferenças e contradições sociais; � A educação infantil será oferecida para as crianças de zero a três anos de idade, em creches ou instituições equivalentes e as crianças de quatro a seis anos de idade pré-escola (SANTA CATARINA, 1998: 54 -70). Comparando a LDB/96 e a LSE/98, é possível perceber muitas semelhanças entre elas. A principal diferença é o fato de que a LSE/98 enfatiza a questão da participação da comunidade e da família e a integração da sociedade com a escola. Na Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina, que foi elaborada no decorrer de 2005 com base na Proposta anterior de 1998, também encontramos proposições sobre a educação infantil. A Proposta Curricular é composta de vários volumes, e entre eles há um documento voltado para a área da educação infantil. 20 A Lei do Sistema Estadual de Ensino de Santa Catarina segue os princípios e normas da Constituição Federal, da Constituição do Estado e das leis federais sobre diretrizes e bases da educação nacional. 32 A Proposta Curricular apresenta como seu objetivo maior a educação na infância, pois a educação infantil é vista como um lugar para brincar. Já o ensino fundamental é um lugar para estudar. No entanto, entendemos que a educação infantil não pode ser apenas o local do brincar. Deve também proporcionar aprendizagens às crianças, ou seja, ela pode se constituir num espaço de estudos. De acordo com a Proposta, a criança precisa ter vez e voz, oportunidade para trocar experiências, vivências, curiosidades e ampliar sempre o seu repertório de conhecimentos. Nesse documento, defende-se que a instituição de educação infantil precisa refletir sobre o lugar da infância no currículo e, a partir daí, traçar metas e reflexões que contemplem: ludicidade, interações sociais, educação, cuidado, complexidade do brincar, emoção, corpo, cognição cultural, sociabilidade, conhecimentos científicos e diferentes linguagens, como a musical, a corporal e a simbólica. É importante envolver a criança através da fantasia, utilizando a linguagem literária. A criança deve se sentir estimulada a ouvir ou a ler uma história. A organização espacial é um princípio norteador da prática pedagógica que pode, dependendo da sua estruturação, facilitar ou complicar a vivencia da infância. A Proposta Curricular de Santa Catarina preconiza, como um dos pressupostos da prática pedagógica na educação infantil, a interação social, indicando que os educadores devem organizar o ambiente e facilitar o convívio social das crianças e dos funcionários (SANTA CATARINA, 2005, p.45- 65). Desta maneira, o(a) professor(a) precisa ter uma rotina dentro da sala de aula para dar valor e ênfase na manifestação, na diversidade e na espontaneidade das crianças. Toda instituição precisa ter um Projeto Político Pedagógico21, e nele deve estar salientado a “voz das crianças” e de todos que contribuem para o seu funcionamento, de forma a configurar, assim, uma proposta flexível. A família é parte fundamental na instituição de ensino e esta parceria ajuda no desenvolvimento intelectual, afetivo das crianças (SANTA CATARINA, 2005, p.45-65). Além da Lei do Sistema Estadual de Ensino, em Santa Catarina, foi elaborado em 2004 o Plano Estadual de Educação, também com base na LDB/96. 21 O Projeto Político Pedagógico (PPP) é um documento elaborado pela instituição de ensino, juntamente com o corpo docente e a comunidade, que cria objetivos e metas para o ano letivo. O PPP ganhou progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/96), no artigo 15º. 33 De acordo com Censo Escolar de 2003 (SANTA CATARINA, 2003), há um total de 186.640 crianças matriculadas nas creches e pré–escolas, mantidas pelas prefeituras de 293 municípios. As creches e pré-escola mantidas pelo Estado de Santa Catarina têm um total de 22.632 crianças matriculadas com idade de zero a seis anos. Já os municípios têm um número muito mais elevado, de 163.730 crianças matriculadas, com a faixa etária de zero a seis anos. Pressupõe-se que esta diferença é consequência da LDB/96, pela qual a educação infantil deve ser mantida pelos municípios. Há um grande crescimento da rede municipal de ensino infantil e uma procura de vagas nessas instituições. Mas, com relação à criança de zero a três anos, a procura é menor, pois são poucas as creches que estão preparadas para receber essa demanda, faltando recursos e verbas para oferecer espaço, berço, banheira, profissionais qualificados e materiais pedagógicos para essa faixa etária. O PEE estabelece algumas metas e objetivos para a educação catarinense. O prazo para as metas serem alcançadas é até 2010. São objetivos e metas do Plano: � Priorizar o currículo construído com a participação da comunidade e voltado à realidade e à necessidade das crianças; � Mudar a nomenclatura de creches e pré-escolas para Centro Educação Infantil (CEI); � Garantir 100% das vagas em creches e pré-escolas; � Ampliar progressivamente o horário de período integral nas escolas; � Garantir um percentual da Receita Federal, Estadual e Municipal para investir na ampliação da educação infantil; � Construir novos CEI’s para dar conta da demanda; � Garantir acesso e permanência na educação infantil a partir de cinco anos de idade, mas opcional para as demais idades; � Garantir atendimento a todas as crianças de zero a seis anos de idade, respeitando a diversidade regional, cultural [...] � Os Municípios devem definir políticas para educação infantil assim como formulações dos Projetos PolíticosPedagógicos com base nas normas citadas anteriormente. (SANTA CATARINA, 2004: 17-27) Analisando o histórico da educação infantil no que se refere à legislação, pode se perceber que todos os documentos de política educacional da esfera federal ou estadual de governo, apresentam objetivos comuns, principalmente quando se trata da educação infantil. Um desses objetivos é a garantia de acesso e permanência de crianças de zero a seis anos nas instituições escolares mantidas pelo município. 34 A legislação estadual é complementar a legislação federal, por isso as duas são tão parecidas. Portanto, a legislação estadual deve incorporar as determinações da legislação federal e, no máximo, aperfeiçoar ou ampliar tais determinações no sentido de atender as peculiaridades do estado. Pouco mais de dez anos após a instituição da educação infantil na educação básica em 1996, a educação infantil brasileira foi incluída no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB). O fundo respalda o financiamento da educação infantil, o que é uma grande conquista, já que o ensino fundamental é a prioridade da educação nacional. Este financiamento possibilita a ampliação e a melhoria do atendimento em creches e pré-escolas. Outra lei que vale salientar é a Lei nº 11.27422, de 06 de fevereiro de 2006, que influencia diretamente na educação das crianças de seis anos. Com esta lei, as crianças passam a ser incluídas no ensino fundamental de nove anos de duração. Em toda história da educação infantil brasileira é possível perceber que o direito da criança de zero a seis anos à educação foi amparado através das Leis apenas nas últimas décadas. Porém a sociedade precisa se mobilizar a fim de efetivar esta estrutura jurídica e permitir que as crianças tenham um atendimento eficaz, incluindo socialmente e com qualidade todas as crianças, sem distinções. Em 2009, foi elaborado um documento pelo Ministério da Educação, por meio da Coordenação Geral de Educação Infantil, chamado de Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças. Já havia sido elaborada uma versão mais antiga em 1995. Esse documento estabelece critérios para um atendimento de qualidade que visa atender necessidades fundamentais das crianças e tem como objetivo colaborar para que o atendimento atinja um patamar mínimo de qualidade com respeito aos direitos básicos das crianças. Os educadores podem utilizar esse documento para refletir sobre o cotidiano das creches, pois o texto faz uma abordagem pontuando os direitos que devem ser garantidos para que a creche respeite a criança. Segue alguns critérios que, no documento, transformam-se em tópicos mais detalhados: “Nossas crianças têm direito à: brincadeira; atenção individual; ambiente aconchegante, seguro e 22 A Lei nº 11.274 sancionada em 06 de fevereiro de 2006 regulamenta o ensino fundamental de nove anos. A lei tem como objetivo assegurar às crianças um maior tempo de convívio escolar, oportunizando a aprendizagem com mais qualidade. 35 estimulante; contato com a natureza; higiene e saúde; alimentação sadia; desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão; movimento em espaços amplos; proteção, ao afeto e à amizade; expressar seus sentimentos; especial atenção durante seu período de adaptação à creche; desenvolver sua identidade cultural, racial e religiosa”. 2.5 CUIDAR E EDUCAR A creche e a pré-escola sofreram durante anos com a falta de leis que pudessem nortear seu papel e seus objetivos. Inicialmente, as creches tinham como objetivo principal o cuidar. Com a criação das leis e o grande debate que se seguiu sobre a infância, o educar foi ganhando espaço nas instituições. Atualmente, o cuidar e o educar são fundamentais no atendimento aos pequenos e devem fazer parte do cotidiano dos centros de educação infantil. Cunha (2002: 6-7), destaca no seu artigo a diferença entre educar e cuidar: Educar: [...] significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis. Cuidar [...] valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão expressiva e implica em procedimentos específicos [...] Para cuidar é preciso antes de tudo estar comprometido com o outro, com sua singularidade, ser solidário com suas necessidades, confiando em suas capacidades. Disso depende a construção de um vínculo entre quem cuida e quem é cuidado. Entretanto, há autores como Wiggers (2002: 3) que falam justamente da necessidade das “múltiplas dimensões, que tratam o cuidado e a educação das novas gerações de forma dicotômica”. A autora supõe que isto é provocado pela “ausência de clareza quanto ao caráter educativo e/ou à especificidade da educação infantil”. Este “caráter educativo” é compreendido como “espelho” do modelo escolar 36 (id.ibid, p. 9). Wiggers ressalta a ausência de clareza no que tange à dimensão educativa da creche e da pré-escola e considera que: [...] a educação infantil, como área específica, precisa ainda refletir, discutir, debater e produzir conhecimentos e práticas sobre como devem ser cuidadas e educadas crianças menores de 7 anos em creches e pré- escolas, compromisso de todos os que, direta ou indiretamente, se vinculam a esta modalidade educativa. (WIGGERS, 2002: 12 apud AZEVEDO, sd: 9) Para o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil é fundamental que: “as instituições de educação infantil incorporem de maneira integrada as funções de educar e cuidar”, ou seja, o cuidar e o educar demanda uma integração das intenções do educador, que devem desenvolver ambas as funções levando em consideração a qualidade do atendimento. Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis (RCNEI-Vol 1, 1998: 23). A educação infantil ocupa um espaço importante no atual cenário educacional brasileiro. As práticas pedagógicas que visam o desenvolvimento integral das crianças oportunizam interações com novas experiências, articulam e mediam situações de aprendizagem e focam na apropriação interdisciplinar de conhecimento, tornando-se, assim, um ambiente propício ao desenvolvimento da criança. Atualmente, são comuns os estudos que afirmam a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento biológico, emocional, cognitivo e social da criança, tornando-se uma fase importante para a construção do aprendizado. Os resultados apresentados em pesquisas demonstram que crianças que
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