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Prévia do material em texto

Costa, Ronaldo Pamplona da. 1941.
Os onze sexos: as múltiplas faces da sexualidade humana / Ronaldo
Pamplona da Costa. São Paulo. Editora Gente, 1994.
A VAl?Tr= r= () T()()()
Sexualidade é o termo que se refere ao conjunto de
fenómenos da vida sexual. Ela é o aspecto central de
nossa personalidade, por meio da qual nos relacionamos
com os outros, conseguimos amar, ter prazer e procriar.
Entendemos o ser humano como um todo, indivisí-
vel. Nossas partes podem e devem ser estudadas em
separado, mas não confundidas ou tomadas pelo todo.
Quando se implanta uma ponte safena, não se faz isso
apenas num coração, um órgão que pulsa e faz circular
o sangue pelo corpo.
Na verdade, opera-se um coração que está no corpo
vivo de um ser humano, que tem nome, profissão,
família, medo, inquietudes, dúvidas, necessidades. Não
é só o coração que precisa ficar bom, sarar, mas sim o
ser humano ao qual essa pequena parte pertence.
Este livro pretende abordar a sexualidade como
parte integrante dos seres humanos, com suas sensa-
ções, conflitos e relacionamentos sociais. O presente
trabalho exclui os distúrbios sexuais, que são como
sintomas secundários de doenças mentais.
A apresentação segmentada tem apenas um objeti-
vo prático: o de facilitar a leitura e a compreensão. Nas
escalas que você vai encontrar nos primeiros capítulos
e na Conclusão, os segmentos A, B, C, D e E não
expressam a proporção de pessoas contidas em cada um
deles, pois essa quantificação depende de pesquisas
cientificas que deverão ser realizadas.
Oscasos relatados são todos reais. Nomes, profissões
e eventualmente detalhes de situações foram alterados em
respeito à ética médica, salvo aqueles recolhidos direta-
mente da mídia e que são de domínio público.
Ainda não completamos nossos estudos a respeito
da função dos hormõnios e das complexas redes do
sistema nervoso sobre a sexualidade. Esses aspectos
estão inseridos neste trabalho apenas a titulo de infor-
mação geral.
Neste livro estamos apresentando uma visão de
sexualidade que não se atém especificamente à vida
sexual, propriamente dita, e sim a uma visão mais ampla
do ser humano. O papel de gênero, masculino ou femi-
nino, é a base para o desenvolvimento de todos os
demais papéis sociais. Portanto, é impossível dissociar
esse primeiro papel de gênero da sexualidade, à qual
está diretamente vinculado.
A sexualidade é o aspecto mais conflituoso, contro-
verso e desconhecido do ser humano. A nossa cultura
lida mal com esse importante aspecto da vida e, para
agravar, cria modelos estanques nos quais pretende
encaixar e classificar as pessoas. Esses moldes, muitos
dos quais baseados apenas no preconceito e na falta de
informação, não nos permitem que sejamos exatamente
aquilo que somos ou que poderíamos ser.
A dimensão total do ser humano tem três aborda-
gens básicas que são a biológica, a psicológica e a social.
Essas três bases são inter-relacionadas e inseparáveis.
A abordagem biológica nos diz que temos um corpo
fisico, que sentimos, que vemos, e que somos vistos. A
abordagem psicológica nos remete a nossa mente, ao
Minha Linda
Highlight
Minha Linda
Highlight
nosso psiquismo, as nossas emoções mais primárias, aos
nossos afetos, aos nossos desejos, as nossas fantasias, aos
nossos sonhos. O mundo social é o mundo que nos rodeia,
povoado de outros seres, inseridos na natureza ou naquilo
em que o homem a transformou, as cidades.
O nosso corpo "contém" o psicológico e está no
mundo em relaçâo com as outras pessoas. É impossível
pensarmos em um desses três compartimentos de forma
estanque. O ser humano não pode ser visto só pelo seu
corpo, porque sem o psiquismo ele está morto.
Um homem apenas "psicológico" também não exis-
te, porque ele se expressa por meio da fala, da postura
e do corpo. Além disso, um ser humano, com corpo e
mente perfeitos, não sobrevive se não estiver EM RELA-
çÃO com outras pessoas.
Todos, quando nascemos, trazemos dentro de nós
três potencialidades a serem desenvolvidas. A esponta-
neidade, a criatividade e o fator tele: . A espontaneidade
é a capacidade de responder adequadamente a uma
situação nova ou dar uma resposta diferente a uma
situação antiga.
Essa adequação se refere, antes de mais nada, a nós
mesmos. Nesse sentido, ser espontâneo é estar presente
"de corpo e alma" nas relações existentes a nossa volta.
A espontaneidade, por outro lado, é o fator que nos
permite ser criativos, ou seja, criar algo novo.
A criança, ao nascer, traz consigo o chamado fator
tele em seu psiquismo, que em grego quer dizer à
distância, e significa que todos nós, já nos primeiros
anos de vida, somos capazes de, aos poucos, ir perce-
bendo as outras pessoas com quem nos relacionamos,
da forma mais aproximada possível de como elas são, na
mesma medida em que também nos sentimos, e somos,
percebidos.
1. Conceitos desenvolvidos pelo médico romeno J. L. Moreno
(1889-1974), criador do psicodrama e da terapia de grupo, que
emigrou para os EUA, onde completou e aplicou suas teorias.
Esse movimento afetivo e emocional de mão dupla
é responsável pela dinâmica do funcionamento das
pessoas, a dois, a três ou em grupo. Quando essas
capacidades inatas não são bem desenvolvidas, em
funçâo do ambiente onde crescemos, podem acabar se
distorcendo. Essas três potencialidades sâo "motores"
para o desenvolvimento da identidade sexual. Nossa
teoria é que a identidade sexual pode ser dividida em
três aspectos: identidade genital, identidade de gênero
e orientação afetivo-sexual.
O corpo e o psiquismo precisam do social para se
completar. E no social nos expressamos e nos relacio-
namos através de papéis. Estamos também fazendo uma
distinção entre papéis sociais de gênero e o papel afetivo-
sexual. Para que possamos exercer a nossa sexualidade
em toda a plenitude é indispensável que o corpo seja
provido das necessidades básicas e o psiquismo tenha os
três fatores inatos desenvolvidos. Isso, no entanto, só é
possível a partir da convivência com outros seres.
Um ser humano completo, porém, só pode ser enten-
dido dessa forma se tiver a sua cidadania e seus direitos e
deveres garantidos por leis. Se tiver direito ao trabalho, à
moradia, à educação, à saúde, ao voto, à participação nos
governos e, no tema de que estamos tratando, o direito de
exercer a sua sexualidade independentemente da forma
como ela se exteriorizar.
Isso significa respeito ao seu corpo e aos seus
sentimentos, bem como aos das outras pessoas. Se houver
um mínimo dessas condições, o individuo poderá se de-
senvolver saudavelmente e assumir os papéis por meio dos
quais vai se relacionar com seus semelhantes.
Aquilo que afirmamos ser indissociável, ou seja,
corpo, mente e aspectos sociais, aparecem em capítulos
separados ao longo deste livro apenas para facilitar a
leitura e a compreensâo de um tema tão complexo. Os
componentes da sexualidade humana, descritos em se-
parado na primeira parte deste livro, também são total-
mente interligados e interdependentes.
Minha Linda
Highlight
Minha Linda
Highlight
Minha Linda
Highlight
Minha Linda
Highlight
Minha Linda
Highlight
A cada capítulo do livro você vai se deparar com
"fragmentos" que compõem um "caleidoscópio". A reu-
nião das escalas que estamos propondo permitirá que
você. quando chegar à Conclusão. gire esse "caleidoscó-
pio". fazendo surgir as mais diversas "imagens" da se-
xualidade humana.
Não estamos afirmando que essas "imagens" são
definitivas.
Mas são como nós as vemos. Hoje.
o Autor
São Paulo. Setembro de 1994.
COMPONENTES DA
SEXUALIDADE HUMANA
1
CAMI/IllI/ti()§ ()CULT()§
Você, que está lendo este livro, foi gerado e nasceu.
Isso é óbvio. Tanto que você nem se dá conta. Quando
você nasceu, os seus pais, sua família ou os médicos da
maternidade também não tiveram dúvidas. Tratava-se
de um menino ou de uma menina.
No entanto, portrás do que parece tão natural, há
uma complicada "obra de engenharia". Essa "constru-
ção" precisa ser "bem-executada" desde o primeiro ins-
tante, para que hoje você seja o que é: um homem ou
uma mulher. Ou, do ponto de vista biológico, um ser
humano macho ou um ser humano fêmea.
Alguns "projetos", no entanto, têm pequenos
erros de cálculo, que podem levar a resultados ines-
perados. Embora esses "erros" sejam raros, algumas
crianças nascem sem serem totalmente fêmeas ou
totalmente machos.
Para ter uma idéia do que é o corpo humano, basta
saber que somos formados pelo gigantesco número de
la trilhões de células, e que todas elas estão interliga-
das. Umas não funcionam sem as outras. Esses grupos
de células formam os órgãos que nos permitem comer,
pensar, amar. Enfim. existir.
No centro de cada uma dessas células estão 23
pares de corpúsculos, os cromossomos, que contêm os
genes. responsáveis por nossas características fisicas.
São os genes. imaginados como um "rosário de contas",
que vão definir se nossos olhos serão castanhos ou
azuis. se o cabelo será ondulado ou crespo. se seremos
altos ou baixos. se calçaremos 38 ou 42. Até mesmo se
teremos predisposição para sofrer do coração, pulmão
ou de outras doenças.
Um par de cromossomos. os cromossomos sexuais.
é o responsável. ou culpado. dependendo de como se enca-
re a vida. por nascermos homem ou mulher. Na mulher.
esse par foi batizado de xx, e no homem o par é xy.
Ao contrário do que ocorre com todas as células do
corpo. o espermatozóide e o óvulo contêm apenas 23
cromossomos cada. e não 23 pares. e só sobreviverão se
puderem juntar-se. O espermatozóide morre horas de-
pois da ejaculação. e o óvulo não-fecundado é expelido
mensalmente pela menstruação. No óvulo. o cromosso-
mo é sempre x. enquanto os espermatozóides presentes
na ejaculação podem ter o cromossomo x ou y.
O encontro desses dois cromossomos. no ato da
fecundação. é o começo do futuro ser.
Durante o tempo de gestação, todos nós passamos
por momentos cruciais de definição biológica. O psicó-
logo clínico norte-americano John Money chama esses
"momentos", significativamente. de quatro encruzilha-
das l . Para Money, são encruzilhadas porque o ser hu-
1. John Money, psicólogo clínico norte-americano, estudioso e
pesquisador de intersexos no HospitalJohns Hopkíns, Universida-
de de Baltimore, EUA.
2
mano poderá seguir o caminho feminino. masculino. ou
um terceiro. como veremos ao longo deste livro.
Do ponto de vista da Biologia. o sexo pode ser
cromossômico. gonadal e genital. Cromossômico é o sexo
identificado pelos pares xx e xy. Sexo gonadal está
relacionado com um tipo especial de glândulas. ou
gônadas, na linguagem científica. Essas glândulas sâo
os ovários da futura mulher e os testículos do futuro
homem.
Finalmente. sexo genital sâo os órgãos sexuais visí-
veis. Nos homens. o pênis e a bolsa escrotal. Nas mulhe-
res. a vulva. a vagina e o clitóris.
Não estamos falando de "sexos" diferentes. Apenas
lembrando que sexo não é só aquela parte íntima do
corpo que costuma ficar bem escondida debaixo da
roupa. O sexo também está dentro do corpo. Mais
adiante veremos que ele está principalmente na cabeça.
A fecundação ocorre quando um espermatozóide do
homem penetra no óvulo da mulher. Esse encontro
acontece nas trompas. região próxima ao útero. Quando
o homem ejacula, cerca de 100 milhões de espermato-
zóides se deslocam em "grande velocidade" para as
trompas e não há qualquer pista sobre "quem" vencerá
a corrida.
Se o espermatozóide mais veloz trouxer dentro de si
um cromossomo x, este. ao juntar-se com o x do cromos-
somo feminino, dará origem a uma menina. Por outro
lado, se "no campeâo" estiver presente o cromossomo y.
começará a ser gerado um menino. Quem define o sexo
biológico da futura criança é sempre o pai.
A fecundação é a primeira encruzilhada pela qual
passa o desenvolvimento da sexualidade humana.
embora nesse momento exista apenas uma única
célula. chamada ovo.
Quatro dias após a fecundação. o ovo alcança a
cavidade do útero e já tem, mais ou menos. cem células.
3
Minha Linda
Highlight
Minha Linda
Highlight
Minha Linda
Highlight
Ao longo das primeiras semanas. o embrião desenvolve
os órgãos rudimentares. Nesse momento. ele tem "bro-
tos" tanto da estrutura sexual masculina quanto da
feminina.
Esses "brotos" são minúsculas estruturas. uma
espécie de filamento. Elas foram descobertas por dois
embriologistas alemães, Caspar Wolff e Johannes Mül-
ler. há dois séculos.
Wolff descobriu a estrutura que contém a potencia-
lidade para o desenvolvimento sexual de um ser humano
masculino. A estrutura que leva ao desenvolvimento
feminino foi descoberta por Müller. São essas estruturas
que darão origem aos órgãos sexuais internos e externos
do homem e da mulher.
Até o final do segundo mês. embora traga dentro de
si uma combinação de cromossomos que o definirá como
homem ou mulher. o embrião. do ponto de vista sexual,
é "neutro".
A partir da sétima semana de gravidez, o cromosso-
mo y (do par xy) sente uma "irresistível" necessidade de
ativar a estrutura de Wolff, o lado masculino do embrião.
Por meio de uma combinação química, ele indica que
está na hora de serem formados os testículos.
Os testículos, que após o nascimento descerão para
a bolsa escrotal do menino, são glândulas especializadas
na produção de hormônios sexuais e espermatozóides.
O desenvolvimento dos testículos, ainda no embrião. é
fundamental para que todo o aparelho sexual masculi-
no. interno e externo. seja adequadamente formado.
Quando o cromossomo y "liga o motor" da estrutura
de Wolff, a estrutura de Müller, feminina. se retrai, não
se desenvolve. Mas continua existindo. não desaparece.
Todos os homens carregam. até o fim de suas vidas.
fragmentos da estrutura feminina de Müller.
4
Caso esteja em gestação o embrião de uma futura
menina. "não precisa acontecer nada". Nenhum "motor
precisa ser ligado". Quando o par é xx (mulher), a
estrutura de Wolff fica quieta em seu canto, sem dar
sinal de vida.
Nos embriões femininos. a estrutura de Müller leva
à formação dos ovários. Mas. como no caso anterior.
também as mulheres vão sempre ter dentro de si "peda-
ços" da velha estrutura masculina de Wolff.
Biologicamente falando, por mais estranho que isso
possa soar. é como se a "tendência natural" dos seres
humanos fosse sempre ser mulher. Isso "só" não acon-
tece porque o cromossomo y do par xy (homem) é "um
inconformado", e logo que pode desencadeia uma forte
reação química no embrião para que ele se desenvolva
como macho.
Essa é a segunda encruzilhada da vida. Nesse mo-
mento. os cromossomos não podem bobear. Se eles não
enviarem "mensagens" corretas. isso causará uma gran-
de complicação nos órgãos sexuais internos e. mais à
frente. nos externos. como acontece com as crianças que
nascem com a genítálía dúbia ou malformada.
()UTI2() UI:SÁf'I()
Quando chega o terceiro mês de gravidez o embrião
tem que enfrentar a terceira encruzilhada. O desenvolvi-
mento do embrião vai caminhando bem. no conforto do
útero matemo. Esse clima de tranqüilidade é. na verda-
de. aparente. Todas as partes de seu organismo conti-
nuam em intensa atividade.
A decisão agora sobre o caminho a ser seguido ficará
por conta de uma complexa combinação de substãncias
químicas. os hormônios sexuais, produzidos pelos tes-
tículos no embrião masculino ou pelos ovários no em-
brião feminino.
5
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Minha Linda
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Os hormônios sexuais são responsáveis pelo desen-
volvimento dos demais órgãos genitais internos ou ex-
ternos, femininos ou masculinos. Tanto os testículos
quanto os ovários produzem os mesmos tipos de hormô-
nios, apenas em quantidade e em combinações diferen-
tes, dependendo do sexo.
Se tudo correr bem,a mistura hormonal no embrião
masculino levará à formação das vesículas seminais, da
próstata, do epidídimo e dos canais deferentes. Caso
esteja em gestação um ser do sexo feminino, e se a sua
mistura hormonal teve dosagem correta, seu desenvol-
vimento será natural, com a formação do útero, das
trompas e da parede superior da vagina.
Nem tudo está completo. Os órgãos genitais
internos já se formaram mas, no quarto mês de
gravidez, nem mesmo com um exame de ultra-som é
possível identificar o ser em gestação como um me-
nino ou uma menina. Falta uma parte vital: a geni-
tália externa. Vital porque é nesse órgão que a
sociedade se baseia para designar o sexo de nasci-
mento: macho ou fêmea.
Chegou o momento da "moldagem" dos órgãos se-
xuais externos. Chamamos de "moldagem" porque o
"material" que vai formar o órgão sexual masculino e
feminino é exatamente o mesmo. Essa é a quarta encru-
zilhada.
Entre o terceiro e o quarto mês de gravidez, o feto,
tanto o masculino quanto o feminino, apresenta, na
região localizada entre as pernas, uma estrutura cha-
mada de tubérculo genital, duas faixas de pele e uma
pequena protuberância de cada lado.
6
Se o bebê em gestação for fêmea, o tubérculo genital
continua pequeno e se transforma no clitóris. As duas
pregas de pele não se fundem e formam os pequenos
lábios e a cobertura do clitóris, e as duas protuberân-
cias ficam separadas e formam os grandes lábios.
Com o mesmo material forma-se a genitália externa
do bebê macho. O tubérculo genital cresce e dá origem
ao pênis, as duas pregas de pele se fundem para formar
a uretra e as duas protuberáncias se fecham, constituin-
do a bolsa escrotal.
Antes de se declarar a guerra dos sexos com base
apenas nas diferenças da genitália, é bom lembrar que
na "construção desses aparelhos" foi utilizada a mesma
matéria-prima.
Até agora, da fecundação ao nascimento, parece que
o nosso piloto automático seguiu à risca, em cada uma
das quatro encruzilhadas, o plano de vôo, tomando o
rumo certo. No entanto, embora isso quase nunca acon-
teça, mesmo os melhores mapas de navegação têm
falhas.
O hermafrodita é o resultado de uma dessas falhas.
Ele é um ser que não seguiu um desses dois caminhos,
normais para quase todas as pessoas. Ele é um inter-
sexo. Logo na primeira encruzilhada a sua combinação
cromossômica se complicou. Ele não tem o par xy ou xx,
mas uma mistura desses, numa variação que pode ser
muito grande.
Esse problema surgido no ato da fecundação pode
levar um hermafrodita, na segunda encruzilhada, a
desenvolver um testículo e um ovário ao mesmo tempo,
ou um único órgão, chamado ovotéstis, onde estão
mesclados testiculos e ovário.
7
Minha Linda
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Minha Linda
Highlight
o mesmo vai ocorrer nas outras duas encruzi-
lhadas, quando os órgãos sexuais internos são mal-
formados. indefinidos e não têm funcionamento
normal. Isso também ocorre com os genitais exter-
nos. que são dúbios e incompletos. Na realidade. não
existem hermafroditas com genitais masculino e
feminino inteiramente formados e conjugados. Isso
é um mito.
Essas e outras anomalias são raras e atingem
apenas uma pequena parcela dos recém-nascidos.
Nem todos podem ser consideradas verdadeiros her-
mafroditas e apenas um médico poderá fazer um
diagnóstico correto.
() VÁV~L ()() CÁl?TÚl?I()
Depois da adolescência, tanto um homem como
uma mulher. que tenham nascido com um corpo nor-
mal de macho ou fêmea. podem. com hormônios ou
cirurgias, "adquirir" caracteres sexuais secundários do
sexo oposto.
O desenrolar de nossa existência não é uma linha
reta, tenhamos ou não consciência disso, queiramos
ou não.
A verdade é que. aos poucos. a decisão sobre o
caminho a seguir vai passando das mãos da Natureza
para as nossas próprias mãos.
É possível. através do uso de honnônios e de cirurgia
plástica, uma pessoa MACHO (A) passar para o seg-
mento B da escala e deste para E, assim como uma
pessoa FÊMEA (E) passar para o segmento D e deste
chegar a A. As pessoas de intersexos, dependendo de
sua estrutura biológica, psicológica e social. podem
tanto ir de C para A, quanto de C para E.
I -ESCALA DO SEXO BIOLÓGICO
(FENÓTIPO)
É preciso fazer uma distinção entre o sexo genital.
que é aquele com o qual nascemos. e o sexo registrado
em cartório. Para as crianças que nascem com a genítá-
lia normal, o erro no momento do registro não existe.
No entanto, bebês com algum problema relacionado
à formação dos órgãos sexuais, às vezes de fácil correção
pela Medicina. podem ser registrados com o sexo troca-
do, causando a essas futuras pessoas dificuldades imen-
sas. Um casal que tenha um bebê com a genitália dúbia
deve procurar orientação médica. o quanto antes, retar-
dando o registro de nascimento até que se possa ter
certeza do sexo da criança.
A Ciência avança e novos tratamentos surgem para
corrigir problemas congênitos. Esses fatores biológicos,
juntamente com outros igualmente importantes. como
a atitude dos pais. a educação e o meio social, vão influir
na formação de nossa identidade sexual e no nosso
comportamento ao longo da vida.
MACHO
A
MACHO
com caracteres
sexuais
sscundórlos
de FÊMEA
ItITER5EXOS
(hermafrodita)
c
FÊMEA
com caracteres
sexuais
secundórlos
de MACHO
o
FÊMEA
8 9
Minha Linda
Highlight
Até agora, falamos de nossa constituição fisica,
como se estivéssemos diante de uma fotografia. O passo
seguinte é acompanhar um filme, movimentado, que se
desenrola dentro de nós. Nesse "filme", vamos acom-
panhar as nossas sensações e "ver" COMO NOS
SENTIMOS.
Se nasce um menino, no futuro ele SE SENTIRÁ
HOMEM. Se nasce menina, SE SENTIRÁ MULHER.
Óbvio, não? Nem sempre, como veremos ao longo
desse livro.
Essa sensação interna de pertencermos ao gênero
masculino ou feminino, bem como a capacidade de nos
relacionarmos socialmente, denominada identidade de
gênero, é muito natural para a grande maioria das
pessoas.
O termo identidade de gênero foi criado em 1964
pelo médico e psicanalista norte-americano Robert Stol-
ler '. Essa sensação interna, para se formar adequada-
1. Robert Stoller, pesquisador norte-americano. Através da investi-
gação psicanalítica, estuda, há quarenta anos, pacientes ínterse-
xuadosetransexuais.
11
mente, precisa passar por muitas fases, onde entram
fatores biológicos e sociais.
Um exemplo extremo de inadequação da identida-
de de gênero ao corpo biológico de nascimento são os
transexuais. Para eles, o corpo "é de um sexo e a alma
é do outro".
A sexualidade começa a se definir no ato da. fecun-
dação e, desse momento até a hora de nascer, passamos
por transformações fisiológicas e bioquímicas, que "re-
forçaram" a nossa estrutura masculina ou feminina.
Durante esse período, se a produção de hormônios
sexuais ocorreu no momento certo e com a estrutura.
química correta, uma região do cérebro denominada
hipotálamo recebeu um "banho" de masculínízação ou
de feminilização.
As células do hipotálamo são muito sensiveis ao
androgênío ou ao estrogênio, que são hormônios sexuais
masculinos e femininos, respectivamente. Dependendo
da quantidade dessas substâncias presentes no hípotá-
lamo, o indivíduo pode ser predisposto a manifestar
certos padrões de comportamento, característicos de
homem ou de mulher.
O hipotálamo é um centro integrador e coordena-
dor das emoções, está conectado com o sistema límbí-
co e outras áreas do cérebro. É essa rede do cérebro
que regula a vida emocional, modula o desejo sexual
e comanda o funcionamento das glândulas que produ-
zem os hormônios sexuais. Um "excesso" de atividade
do hipotálamo não transforma ninguém num grande
conquistador, pois até aqui estamos falando das nos-
sas sensações.
O relacionamento com as demais pessoas é regula-
do por outra parte do cérebro, o neocórtex, também
12
chamado de "cérebro inteligente".O neocórtex matiza o
sentimento amoroso com fantasias, é responsável pela
sensação erótica, pelos tabus e até pela noção de culpa.
O prazer que sentimos diante de uma obra de arte,
ou ao ouvir uma bela música, tem seu ponto de partida
nessa região cerebral. O neocórtex não funciona auto-
nomamente, sendo atingido e influenciado por fatores
sócio-culturais. Para alguns pesquisadores, a "força
biológica", presente em todos nós, faz com que nasçamos
com "uma intuição" de que pertencemos ao gênero
masculino ou feminino.
Os estudos a respeito da influência hormonal
durante a vida intra-uterina, assim como sobre o papel
do hipotálamo e do neocórtex, são recentes e não estão
concluídos.
O desenvolvimento completo dessa consciência na
criança só se dará a partir de inúmeros outros fatores,
como o tratamento recebido da mãe, ou de quem
estiver em seu lugar, da família e da sociedade na qual
ela vive.
Menino ou menina?
Essa é a pergunta imediata que parentes e vizi-
nhos fazem quando uma mulher tem um bebê. Hoje,
com o exame de ultra-som, o nascimento perdeu muito
"de sua surpresa".
Na maioria dos casos, ao nascer, não há dúvida, é
um menino ou uma menina, pela simples observação de
sua genitália externa. Porém, alguns bebês nascem com
o sexo malformado, duvidoso.
Uma menina normal mas que tenha um clitóris um
pouco maior, parecendo um "pintinho", corre o risco de
ser considerada um menino. Um bebê fêmea nascido de
13
9 meses de gestação poderá ter um clitóris de 7 a 10
milímetros, variando conforme seu pes02 .
Constatado o sexo da criança, providencia-se o
registro em cartório. Esse documento público vai confir-
mar, perante a sociedade e para toda a vida, se a pessoa
pertence ao sexo masculino ou feminino. Não é apenas
esse documento que vai pesar na formação da identida-
de de gênero masculina ou feminina, pois para isso
contribuem muitos fatores.
A partir do momento em que a criança é identificada
e registrada como menino ou como menina, toda a
sociedade vai se comportar em relação a ela de uma
maneira particular e diferente.
Menina ou menino?
A mãe que traz nos braços uma menina, ou alguém
que ela julga ser uma menina, trata a criança de forma
mais cuidadosa, terna. Não faltam expressões como
"fofura", "gracínha", "um doce", seguindo-se enfeites
como lacinhos no cabelo, fitinhas.
Se o filho é "homem", o tratamento é um pouco mais
"duro", segura-se a criança com mais firmeza. Pela casa
ouvem-se frases como "que menino forte", "como é es-
perto", "puxou o pai". Os enfeites, quando existem, são
azuis e discretos. Os pais, sem se dar conta, estão
tentando dizer que homens e mulheres devem ser e se
comportar de forma diferente.
Um caso conhecido nos Estados Unidos mostra
como a atitude dos pais influencia na formação da
identidade de gênero, mesmo que no caminho inverso
da constituição biológica da criança.
2. Pesquisa sobre o tamanho do clitóris em recém-natos fêmeas
realizada por A. Ltwín, I. Aitin e P. Merlob na Universidade de Tel
Avív, Israel. em' 1990.
14
No final da década de 60, uma mulher teve gêmeos
saudáveis, dois meninos. Como é comum naquele país,
os bebês passaram por uma circuncisão, popularmente
conhecida como "operação de fímose".
Um dos bebês não teve qualquer problema, mas o
outro, durante a cauterização, teve o pênis ofendido e
ficou sem o órgão. A equipe do psicólogo John Money
acompanhou o caso. O que fazer agora? O menino não
poderia crescer sem pênis e a feitura de um novo órgão
não seria possível nessa idade.
Os pais foram consultados e tomaram, em conjunto
com a equipe de especialistas, uma decisão. O menino
foi submetido a algumas cirurgias, a bolsa escrotal e os
testículos foram retirados e, no lugar, moldada uma
vulva para a saída da uretra.
Depois disso e da devida preparação psicológica
da família, a criança teve o seu registro alterado e
passou a ser criada pelos pais como uma menina.
Segundo John Money, essa criança, aos cinco anos, já
tinha desenvolvido a consciência de pertencer ao gê-
nero feminino e se comportava como tal. Quando
adulta resolveria se "construiria" cirurgicamente um
canal vaginal ou não.
Shakespeare usou essa famosa expressão em outro
contexto, mas "ser ou não ser" também se aplica quando
falamos da sexualidade humana. E podemos adicionar
a essa frase a palavra "completamente".
Por volta dos 2 anos e meio, a criança 'Já sabe" que
é um menino ou uma menina e não perde tempo com o
assunto porque o mundo oferece caminhos muito claros
para o homem e para a mulher. Na infáncia apenas não
há amadurecimento neurológico e psicológico para en-
tender e distinguir essa sensação.
15
Nos primeiros meses de vida desenvolvemos a cons-
ciência sobre o nosso próprio corpo e vamos criando uma
"identidade corporal". principalmente sobre os órgãos
genitais. No bebê. a primeira "noção" de possuir uma
genitália vem do ato de urinar.
A genitália masculina é tocada e manuseada sem
grandes problemas pelos meninos. Ela é visível, e a
nossa cultura valoriza a sua exibição pelos garotos.
Em nossa cultura. a genitália da mulher. mesmo
enquanto criança. é algo proibido. misterioso. intocável.
Na menina. o que se vê é a vulva. ou seja. os grandes e
pequenos lábios. O cuidado dos pais é maior. e ela é
ensinada a não tocar no sexo. a não introduzir nada (até
para não romper o hímen) e a não exíbí-lo.
Cada parte do nosso corpo tem uma sensibilidade
própria. Ela não é a mesma na língua. na palma da mão.
na orelha e nos órgãos sexuais. No entanto. para que a
criança conheça o seu corpo é preciso tocá-lo. o que
poderá lhe dar prazer.
Essas sensações prazerosas. vindas do toque nos
genitais, não devem ser confundidas com sensações
eróticas. O menino, mesmo na mais tenra idade, pode
ter ereção. o que não significa que ele esteja sentindo
desejo sexual.
Embora o contato da menina com sua genitália seja
menor. os homens estão mais propensos a carregar
dúvidas sobre a identidade genital3 . Como o relaciona-
mento entre os meninos é mais livre, o efeito comparativo
das genitálias é mais freqüente. É comum o garotinho
querer ver o "pipi" do amiguinho para comparar com o seu.
Reconhecer e sentir a nossa anatomia sexual tem
grande importáncia para desenvolvermos a consciência
de pertencermos ao gênero masculino ou feminino.
3. O conceito de identidade sexual (consciência que se tem do
próprio sexo biológico) foi proposto por Charlote Wolff, médica
alemã, sexólogae exístencialístaradicadanaInglaterra. Preferimos
dar a esse conceito o nome de Identidade genital.
16
Quando nascemos temos boca. cordas vocais, ouvidos,
vias neurológicas, mas não sabemos falar. Da mesma
forma, nascemos com uma genitália masculina ou femi-
nina. mas "não sabemos SER homem ou mulher". Isso
precisa ser aprendido a partir de nós mesmos. com
nossos pais, com a família e com a sociedade. Trata-se
de um processo longo e a identidade de gênero mas-
culina ou feminina só se evidenciará por completo com
o surgimento dos caracteres sexuais secundários. na
fase da adolescência.
Nascemos sozinhos. mas não podemos crescer iso-
lados de outras pessoas. A consciência que temos de
pertencer ao gênero masculino ou feminino vem do
comportamento dos pais. dos familiares e da sociedade.
A isso, soma-se a percepção de nosso próprio corpo. É
impossível. do ponto de vista social, que alguém cresça
sem pertencer ao gênero masculino ou feminino. Pes-
soas "neutras". socialmente falando. não existem.
Nem mesmo os travestis. os transexuais ou os
hermafroditas são pessoas neutras. uma vez que têm
"almas" masculinas ou femininas. ou uma combina-
ção das duas. Os sexos podem ser 11. mas as "almas"
são apenas duas. Não estamos nos referindo aqui ao
que hoje se diz "meu lado feminino" ou "meu lado
masculino". Trata-se de uma sensação particular e
mais profunda que leva ao comportamento social dife-
rente. comoveremos na segunda parte deste livro.
Existem relatos de casos em que uma mãe. desejan-
do muito ter uma filha. ao ter um filho. passa a tratá-lo
como menina. Esse tipo de atitude pode atrapalhar a
formação da identidade de gênero da criança.
Durante muito tempo. como parte da nossa cul-
tura popular. muitas mães. principalmente em situa-
17
ção de doença ou de aflição, faziam promessas de vestir
o filho como menina até uma certa idade - o que poderia
ou não alterar a sua identidade de gênero.
Os travestis são pessoas com identidade de gênero
diferente da maioria, pois SENTEM-SE ora homens, ora
mulheres. Os transexuais, no entanto, têm uma identi-
dade de gênero bem definida, embora em desacordo com
o seu corpo biológico.
Até o momento, não se conhece totalmente como se
dá o desenvolvimento da identidade de gênero e as
causas de suas alterações. Não há uma regra geral. Uma
família pode criar adequadamente um menino saudável
e ele, no entanto, acabar crescendo com UMSENTIMEN-
TO de que É uma mulher, e tudo fará para conseguir
moldar para si um corpo feminino. Ele é um transexual.
Existem também relatos de meninos que foram
criados como meninas, mas, com a explosão hormonal
da adolescência, afirmaram-se como homens. Cresce-
ram, casaram-se, tiveram filhos, numa trajetória de vida
absolutamente comum.
A família é uma referência importante, porque o
desenvolvimento da identidade sexual também se faz
pela semelhança e pela diferenciação. Para meninos e
meninas, a presença dos pais, portanto de um homem
e de uma mulher, cria a consciência de que existem seres
iguais e diferentes deles mesmos. Estamos nos referindo
a uma estrutura familiar convencional, sem discutir se
esse modelo é válido ou não.
Mesmo quando a formação familiar é pouco habi-
tual, como no caso de duas lésbicas que criam as
crianças nascidas de uma ou da outra, o desenvolvimen-
to da identidade de gênero se dá adequadamente. Essas
crianças sempre terão algum tipo de contato com a figura
masculina, seja por meio dos pais, tios ou vizinhos.
18
O que é uma família? São pessoas que convivem,
dividem o mesmo espaço numa casa, têm afinidade por
parentesco ou não. Fazem parte da família os pais, tios,
avós, irmãos, a empregada e até amigos que possam
temporariamente estar morando na mesma casa. Esse
núcleo familiar é de fundamental importãncia para o
desenvolvimento da identidade de gênero, pois aí nasce
e cresce uma criança. Chamaremos esse núcleo de Ma-
triz de Identídade''.
Mesmo na fase de gestação, o relacionamento da
mãe e do pai com o bebê que ainda está no útero materno
não é igual. A mãe e seu filho são um todo. A criança
não "está" dentro dela, faz parte dela. Para o pai, o futuro
filho ou filha existe apenas na sua imaginação. É extre-
mamente difícil para um homem ter uma idéia aproxi-
mada do que sente uma mulher quando está grávida,
porque esta é uma das poucas experiências exclusivas
do ser humano feminino. As outras são amamentar,
menstruar e conceber.
O relacionamento da mãe com a criança é primor-
dial e obedecerá algumas etapas de desenvolvimento
psicológico, a partir do desenvolvimento biológico. Para
o bebê, ele e sua mãe são um todo. É como se o mundo
tivesse se transformado num imenso útero e continuas-
sem existindo apenas ele e ela.
Aos.poucos, o bebê "percebe" que há "algo dife-
rente". E como se ele pensasse assim: "Eu sou dife-
rente dela, mas somos tão ligados que não nos
sentimos separados".
Vamos continuar "dando a palavra" a esse bebê
que todos nós fomos um dia, para que ele "conte" a
sua experiência:
4. O conceito de Matriz de Identidade, proposto por J. L. Moreno,
refere-se ao lugar onde a criança se insere desde o nascimento.
Esseconceitofoirevistopelomédico brasileiro,doutoremPsiquía-
tr í a pela USP e psicodramatista José Fonseca.
19
"Aos pouquinhos vou me desligando dela e passo a
perceber que EU existo em separado de minha mã~.
Começo a me dar conta do meu corpinho, meu pe,
minhas mãos, minhas sensações. Ao mesmo tempo,
noto que ela é outro ser e o corpo dela é diferente do meu.
Eu sou eu, e ela é ela.
Mas, que engraçado, só consigo me perceber .e
percebê-la como se eu estivesse "num corredor psícoló-
gíco", onde só cabem eu e outra pessoa. Para um entrar
o outro precisa sair.
Se o outro é minha mãe, sou eu e ela. Se o outro é
meu pai, sou eu e ele. Eu sei, é um pouco esquisito
mesmo. Acho que é assim para todo mundo. Nesse
"corredor" estranho não cabe um terceiro.
Também não foi fácil, mas, de tanto olhar, começo
a me dar conta de que existe um corpo macho e um
corpo fêmea. E um dos dois é igual ao meu. Cheguei
a essa conclusão pela maneira como me tratam e como
os dois, meu pai e minha mãe, se comportam. Tudo
isso foi possível porque tenho tempo de sobra. Não
posso fazer muita coisa fora do berço, fico o tempo todo
olhando, olhando".
O tempo passou um pouco, o engatinhar e o esfolar
dos joelhos ficou para trás. O bebê agora é uma criança,
que há algumas semanas apagou duas velinhas no bolo
de aniversário. Vamos deixá-la falar:
"Agora as coisas estão mais fáceis. Posso andar pela
casa, embora viva batendo a cabeça nas coisas. A mesa
parece que está tão longe, dou um passo e pimba. Um
galo. Tenho um bonequinha e às vezes finjo que sou a
mãe dela, do mesmo jeito que minha mãe faz comigo.
Alguma coisa dentro de mim diz que sou uma
menina, mas eu não sei bem dizer que coisa é essa. Os
psicólogos devem saber, pois vivem estudando as pes-
soas por dentro. Tenho a impressão de que os garotos
não sentem a mesma coisa. São tão diferentes de mim.
Acho que também sentem alguma coisa de meninos.
20
Quando nasci, me lembro bem, trouxe duas coisas
dentro de mim: a possibilidade de ser espontãnea e de
ser criativa. E uma coisa com nome estranho, "tele"
(como se usa na palavra televisão), que é a capacidade
de perceber as pessoas. Quando meu pai olha feio para
mim, ele não precisa dizer nada. Já entendi tudo! Faço
bico de choro, fico quieta, e ele tira a carranca do rosto.
Dizem que isso entre nós dois é uma tal de relação
télica."
Vamos voltar ao trabalho, nossa amiguinha tem
mais o que fazer. De acordo com as psicólogas gaúchas
Bebeth Fassa e Marta Echeníque', o relacionamento
principalmente da mãe mas também do pai é diferente
se estão criando um menino ou uma menina. E esse
comportamento, por vezes é consciente, ou intuitivo e
inconsciente.
Quando se trata de um menino, embora ele se
sinta fundido à mãe, ela, aos poucos, procura afastá-
lo. Ela teme, inconscientemente, um sentimento in-
cestuoso ou que ele cresça como mulher. Isso não é
rejeição. Apenas a mãe deseja que seu filho desenvolva
a sensação de que pertence ao gênero masculino. Com
isso o garoto começará a se sentir macho (no corpo) e
masculino (na mente).
Quando a mãe tem uma filha, os sentimentos são
outros. Ela a manterá por mais tempo perto de si, pois
são criaturas iguais. É como se uma filha "mulher" fosse
uma continuação de si mesma. A situação se inverte
naturalmente com o pai e seu filho ou filha.
Por volta dos 2 anos e meio, a criançajá possui uma
identidade genital. Ela "sabe" que tem pênis e bolsa
escrotal, ou vulva, vagina e clitóris. SENTEM-SE MENI-
5. As psícológa s e psicodramatistas Bebeth Fassa e Marta Echení-
que estudaram o desenvolvimento do ser humano levando em
conta o gênero a que pertence a criança, sua relação com os pais,
e tendo como foco o "papel de gênero", em seu livro Poder e Amor.
21
NOS OU MENINAS. Sua identidade de gênero está sela-
da e será imutável para toda a vida.
11 ·ESCALA DE IDENTIDADE DE GÊNERO
(SENTIR-SE COMO)
Segundo os estudiosos, por volta dos 2 anos e meio esta
identidade é estabelecida e depois é imutável, ou seja,
náo se mudará mais de A para C ou E. Até essa idade
é possível educar-se alguém para sentir-se em A ou E,
independentemente de seu sexo biológico.
Quemsomos, afinal?
A resposta a essa pergunta poderá ser mais fácil ou
mais dífícil, dependendo de como vivemos cada uma das
diversas fases, sem esquecer que muitas acontecem ao
mesmo tempo.
Pessoas que cresceram em ambientes sadios, com
liberdade e podendo exercer toda a sua espontaneida-
de e criatividade, talvez respondam com mais rapidez
e segurança.
Crescem a violência urbana e a incerteza econômi-
ca, enquanto os meios de comunicação despersonalizam
culturas e embotam os sentimentos. Num país como o
Brasil, onde nem mesmo as necessidades básicas de
sobrevivência são atendidas, é quase um "luxo" esperar
que a grande maioria das pessoas possa crescer de
maneira criativa e espontánea.
3
~abemos quem somos, mas por que nos comporta-
mos desta ou daquela maneira?
Mais uma vez tudo parece muito natural. A menos
que alguma coisa não vá bem.
Quando falamos em identidade de gênero, nos refe-
rimos ás sensaçôes internas, que estão dentro de cada
um de nós. Essas sensações podem vir para fora ou não.
SENTIMOS pertencer ao gênero masculino ou feminino,
que SOMOS homens ou mulheres.
Papel de gênero nada mais é que o nosso compor-
tamento frente ás demais pessoas e á SOCiedade como
um todo. Nesse caso, temos "uma maneira de ser"
masculina ou feminina. É preciso haver uma perfeita
sintonia entre o que sentimos e nossa maneira de agir.
Do contrário, surgirá um conflito entre a nossa identi-
dade de gênero e o papel que desempenhamos.
"O papel é a forma de funcionamento que o indiví-
duo assume num momento específico, ou quando reage
a uma situação específica, na qual outras pessoas ou
MULHER
o
MULHER
um pouco
homem
c
HOMEM
E
MULHER
HOMEM
um pouco
mulher
A
HOMEM
22 23
objetos estão envolvidos"l. Ao longo de apenas um dia
podemos desempenhar o papel de pai, em casa, de
funcionário, no escritório, e de esportista, à noite.
Somos sempre a mesma pessoa. No entanto, a
maneira como nos comportamos com os demais não é a
mesma, dependendo da situação, embora essas formas
de comportamento tenham a nossa marca particular.
Como definição de papel, podemos afirmar que se
trata da "unidade de conduta que se dá entre duas ou
mais pessoas, o que é observável e resultante de elemen-
tos constitutivos da singularidade do agente e de sua
inserção na vida social".
Os nossos primeiros papéis têm sua origem na
família, como vimos no capítulo anterior. O meio em que
nascemos, somos criados e nos desenvolvemos será a
base psicológica para o desempenho de todos os papéis.
Nos primeiros meses de vida, o bebê tem apenas
esboços de papéis. Esses papéis estão relacionados com
as suas necessidades fisiológicas, como se alimentar.
urinar, defecar. Para atender suas necessidades existe
a mãe, ou a substituta, que lhe dá amor e carinho,
ajudando-o a desenvolver-se.
O atendimento a essas necessidades pela mãe é de
fundamental importância. Cada cultura e cada socieda-
de deixam claro como devem se comportar as mães
nesses casos e até mesmo as diferentes formas de ama-
mentar ou trocar um menino ou uma menina.
1. O termo "papel", proposto por J. L. Moreno, em inglês role, vem
do latim rotula. Isso porque na Grêcia antiga, para as apresenta-
ções teatrais, o texto era lido em "rolos" de papel. Moreno iniciou o
desenvolvimento desse conceito, que pressupõe inter-relação e ação
em todas as dimensões da vida, como o nascimento, a experiência
vívencíada do individuo e a sua participação na sociedade.
24
Que normas são essas das quais ninguém fala, e
que diferenças existem no tratamento da menina e do
menino?
São "regras" sobre as quais pouco pensamos porque
estão incorporadas em nosso dia-a-dia. Esse tratamento
"diferente" para meninos e meninas está nos gestos da
mãe, na maneira de pegar a criança no colo, de dar o
seio ou a mamadeira, e tantos outros.
A higiene dos genitais do bebê, que é feita pela mãe,
tem muita importáncia para o desenvolvimento da iden-
tidade genital (a sensação de que se tem pênis ou
vagina), da identidade de gênero (se sente pertencer ao
gênero masculino ou feminino) e para a formação do
papel de gênero, ou seja, se esse bebê, no futuro, terá
um desempenho social masculino ou feminino.
Isso acontece porque é no órgão genital do menino
ou da menina que vai desembocar a uretra, canal por
onde passa a urina. Dessa maneira, todas as vezes que
a mãe faz a higiene da criança. ela está lhe dando a
consciência da genitália que possui. A atitude do adulto
diante dos órgãos sexuais difere dependendo do que
"sentem" e "pensam" sobre eles.
A mãe, ao amamentar. faz isso com sentimentos e
emoções. O bebê, por sua vez, ao ser alimentado, não
apenas ingere o leite, mas percebe o que há de mais
profundo no ato realizado pela mãe.
Quando esse ato está envolvido de muito amor, não
é por acaso que as mães procuram, intuitivamente, os
locais mais calmos e silenciosos para amamentar. Nesse
momento. o bebê está recebendo e "reagindo". a seu
modo, ao carinho materno. Essa "reação" do bebê às
emoções da mãe também acontece na hora do banho ou
da fralda limpinha.
25
Aos poucos, a criança aprende a falar. Seus movi-
mentos tomam-se coordenados e ela reage diante de
situações novas. Na medida em que ela percebe o que se
passa entre as outras pessoas e a diferenciar a realidade
da fantasia, começa a desenvolver-se o que chamamos
de papéis sociais de gênero.
"A função de realidade lhe é imposta por outras
pessoas, suas relações, coisas e distãncias nos espa-
ços, e atos e distãncias no tempo,,2. Assim, a criança
aprende como deve se relacionar com seu corpo e
também que atitude deverá tomar em cada papel que
estiver desempenhando.
Nos papéis sociais de gênero, entra em operação a
função de realidade. A criança tem consciência de que é
filho, sobrinho, neto. De que tem pais, avós, família,
coleguinhas de rua ou de creche. A partir do momento
em que a criança sabe o que é realidade, conquista os
chamados papéis de fantasia.
Esses papéis correspondem à dimensão mais indi-
vidual da vida psíquica ou psicológica do ser humano.
Esse é o momento em que a criança "viaja" com seus
brinquedos, finge ser o herói da 'IV ou personagem de
sua própria criação, com a consciência de que tudo isso
é fantasia, é de brincadeira.
Por volta dos 2 anos e meio, a criança já desenvol-
veu, em situações de crescimento normal, uma identi-
dade de gênero (já "sabe" que é um menino ou uma
menina). Isso lhe permite relacionar-se com as pessoas
e até mesmo assumir outros papéis. Nessa fase, a me-
ninajá pode dizer "sou a mamãe" enquanto acaricia uma
boneca.
2. Refere-se ao desenvolvimento da Matriz de Identidade, na fase
denominada por Moreno de "brecha entre fantasia e realidade".
26
Na verdade, todos os papéis são complementares.
Um não existe sem o outro. O modo de ser, a identi-
dade de um indivíduo, decorre dos papéis que ele vai
desenvolvendo ao longo de sua existência e de suas
experiências. Não existe o papel do senhor se não
existir o do servo, nem o do chefe sem o do funcionário.
As contradições, crises e transformações nas relações
humanas através dos papéis de gênero fazem parte do
desenvolvimento de cada um de nós.
Quando a criança "percebe o mundo" não apenas
pelos olhos, pelos ouvidos e os outros órgãos dos senti-
dos, ela começa a distinguir objetos materiais de seres
humanos. Aos poucos, o fator inato chamado tele3 vai
se desenvolvendo. Esse fator faz com que percebamos a
outra pessoa, ao mesmo tempo que somos e nos senti-
mos percebidos.
Por volta dos seis meses, a criança já é capaz de
reconhecer um sorriso num rosto humano e "correspon-
der" sorrindo. Esse sorriso do bebê também é percebido
pelas outras pessoas que estão a sua volta. Isso é
possível graças ao fator tele. O encontro télico sugere que
as pessoas são capazes de colocar-se uma no lugar da
outra, realizando a inversão de papéis.Existe algo entre as pessoas que a maioria das
teorias psicológicas não aborda, que é a relação co-in-
3. Fator Tele: J. L. Moreno afirma que todos os seres nascem com a
potencialidade de perceber o mundo, o que vai se desenvolvendo
desde os primeiros meses e se aprimorando ao longo da vida. É a
capacidade de perceber a si próprio (autotele), perceber o outro de
forma objetiva. e sentir-se percebido, numa comunicação de mão
dupla. O fator tele é um dos pontos principais da teoria desenvol-
vida por Moreno.
27
conscienté. Essa relação ocorre quando alguma coisa
de mim passa para o outro sem que eu mesmo saiba.
Como há uma relação co-inconsciente entre todas
as pessoas, a mãe pode ter um desejo ou uma fantasia
inconsciente em relação ao bebê. Isso, de alguma
forma, será captado por ele e ficará registrado em seu
inconsciente.
O co-inconsciente pode ser grupal, como na comu-
nicação entre as pessoas que estão juntas, convivendo
em família. O melhor exemplo que se pode dar é o sexto
sentido da mãe. Ela, de repente, diz que está acontecen-
do alguma coisa com o seu filho, distante, e o fato se
confirma.
Mãe e filho têm um relacionamento muito próximo.
Essa proximidade desenvolve muito a relação co-incons-
ciente. Isso também acontece com o pai, que muitas
vezes tem uma relação com seus filhos tão próxima
quando a da mãe.
() ()ISVAI2() ()() I2I:L{)C3I()
O início do desempenho do papel de gênero, ou
nosso comportamento social, se dá no momento .em que
nos percebemos enquanto menino ou menina. E a fase
em que o menino tem consciência do seu pênis, passan-
do a ter uma identidade genital, e percebe que pertence
ao gênero masculino. A menina vive o mesmo processo,
e os dois passarão a ter comportamentos masculino e
feminino, respectivamente.
O desenvolvimento desse papel de gênero precisa
ser o mais livre possível, e é de suma ímportãncía. por
4. Co-inconsciente: Para Moreno, esse estado pressupõe a relação
entre duas ou mais pessoas, vivências, desejos, sentimentos e até
fantasias que são comuns e se dão em "estado inconsciente". Esse
estado se daria concomitantemente aos "estados co-conscientes"
de comunicação entre as pessoas.
28
ser o papel-base. Ele servirá de eixo para o desenvolvi-
mento de todos os outros papéis de gênero, inclusive o
do papel afetivo-sexual.
Na Infância, esse desenvolvimento é muito lento.
Primeiro, a criança se relaciona com a mãe e com o pai,
depois com os demais familiares, com a escola, com a
sociedade. A cada momento os seus papéis de gênero
vão sendo confirmados.
Quando chega a adolescência, que muitos chamam
de "aborrescência", o processo "explode" e se torna acele-
rado. Então, rapidamente, em dois ou três anos, aquela
criança, que tinha um papel degênero tranqüilo, pode ficar
muito perturbada com a eclosão dos hormônios.
Surgem os caracteres sexuais secundários, como
barba nos rapazes e seios e menstruação nas moças,
além do timbre de voz diferenciado. Também os carac-
teres sexuais primários, os genitais externos, se trans-
formam.
O pênis e a bolsa escrotal se desenvolvem, a vulva
toma outra conformação, e é como se aquele corpinho,
que até então era igual para os dois sexos, com exceção
da genitália, passasse a ter uma outra moldura biológi-
ca. No entanto, só será possível ser um homem ou uma
mulher, com os papéis de gênero bem desenvolvidos, na
idade adulta.
Em que momento podemos ter certeza sobre quem
somos?
Essa pergunta crucial para muitos de nós só pode
ser respondida se a nossa identidade de gênero e nossos
papéis de gênero foram completamente desenvolvidos,
de tal maneira que exista uma total sintonia entre o que
sentimos e a maneira como exteriorizamos esses senti-
mentos, por meio do comportamento e das atitudes.
29
Existem alguns aspectos, a maioria de ordem cul-
tural, que podem definir o papel de gênero masculino e
o papel de gênero feminino. As diferenças entre as
genitálias externas masculina e feminina e entre os
caracteres sexuais secundários que surgem na adoles-
cência são evidentes e não necessitam ser comentadas.
Outro aspecto é a saúde do corpo, a aparência fisíca,
a semelhança existente entre homens e mulheres muito
magros ou obesos. Os homens e as mulheres saudáveis
têm condições de mostrar mais claramente a sua mas-
culinidade ou a sua feminilidade.
Os cuidados com o corpo que os meninos e as
meninas aprendem a ter são completamente diferentes.
A menina aprende a escovar o cabelo, desde cedo usa
xampu e outros cremes, passa esmalte nas unhas,
começa a se embelezar. O menino limita os cuidados com
o corpo à higiene.
Na medida em que ocorre o desenvolvimento da
sociedade, a transmissão desses papéis vai se tornando
mais elástica e, felizmente, menos rígida. As pessoas aos
poucos se dão conta de que não é um creme para a pele
que o garoto usa, benéfico para a saúde, que vai, no
futuro, torná-lo menos homem. Muitas dessas mudan-
ças devem-se ao movimento feminista que começou nos
Estados Unidos na década de 60 e chegou ao Brasil na
década de 70.
A postura do corpo, a gesticulação, tudo isso é
"ensinado" muito cedo. A criança aprende muito pela
imitação do comportamento dos pais. Assim, a menina
aprende que não deve sentar de pernas abertas, não
pode mostrar a calcinha. O menino é "treinado" de outra
forma, e não há tanta preocupação com seus modos,
limitando-se ao que se entende por boa educação.
Como podemos ver, todos esses aspectos são rela-
tivos a como um homem e uma mulher lidam com o seu
corpo e o seu psiquismo e como se comportam em nossa
sociedade. Isso vale para o modo de falar, a abordagem
dos assuntos, o tipo de roupa e até o uso dos enfeites.
30
O homem não deve chorar, não deve exteriorizar
muitos de seus sentimentos, porque isso seria uma
característica feminina. A mulher, por sua vez, não pode
demonstrar força nem determinação, pois isso é próprio
do comportamento "masculino". Essa situação acaba
criando dois seres pela metade. Hoje, a mulher já pode
mostrar a sua força, mas o homem ainda não conquistou
o direito de expor a sua fragilidade. E menos ainda de
expor suas fraquezas.
Nem sempre os papéis de gênero assumidos pelo
indíviduo estão em consonância com os seus atributos
fisicos. Um caso muito conhecido é o da modelo Roberta
Close, que nasceu biologicamente homem mas desen-
volveu papéis de gênero totalmente femininos. Se não
conhecêssemos a sua história, diríamos sempre tratar-
se de uma mulher, e nâo de um homem.
O desempenho dos papéis de gênero são estabele-
cidos pela sociedade. Existe, nessa sociedade, sempre
uma linha mais ou menos comum a todos os homens e
mulheres, em termos de comportamento. As diferenças
vâo acontecer de cultura para cultura, ou de época para
época.
No mundo, a maior parte das relações entre as
pessoas é de gênero e pouco envolve a sexualidade
propriamente dita. Se considerarmos a grande quanti-
dade de papéis que assumimos, o lado sexual só vai se
manifestar com uma pessoa que amamos ou desejamos.
No entanto, nossa cultura tende a erotizar muitas
dessas relações. É fácil hoje ver anúncios dos mais
diferentes produtos, de cigarros a peças para automó-
veis, relacionados com situações em que estão envolvi-
dos o sexo e "um convite ao prazer".
É também comum ouvir que é impossível a amizade
entre um homem e uma mulher, porque nessa relação
estaria sempre presente uma segunda intençâo de cará-
ter sexual. Isso nâo é verdade e, se ocorre na cabeça
dessas pessoas, é porque está havendo uma mistura de
31
papéis: o papel de amigo (de gênero) e o papel afetivo-se-
xual (relacionado ao sexo).
É evidente que duas pessoas amigas podem fazer
amor ou até se apaixonar, mas, nesse caso, estarão
assumindo um novo papel. Esse amor pode, e até deve,
conter a amizade, mas essas duas pessoas não estarão
mais desempenhando o papel de amigos.
111 .ESCALA DE PAPÉIS DE GÊNERO
(PAPELSOCIALI
Nesta escala. as pessoas podem ir e vir. independente-
mente do seu sexo biológico e de sua identidade de
gênero. Os papéis de gênero podem ser treinados e
desenvolvidos. Os atores profissionais mostram. atra-
vés de sua arte. esta possibilidade. Os transexuais
masculinos podem ir de A. passarpor B. C. e adaptar-se
em E. O mesmo pode ocorrer com as transexuais
femininas. no sentido inverso da escala. Algumas pes-
soas. como por exemplo os travestis. podem passar
parte do dia em A e outra em E. independentemente do
sexo biológico.
MASCUUNO
A
Afeminado
MASCULINO
E
FEMININO
c
FEMININO
Mascullnlzado FEMININO
D
~ós podemos definir orientação afetivo-sexual
como a sensação interna de que temos a capacidade
para nos relacionarmos amorosa ou sexualmente com
alguém. Ela é parte da identidade sexual, algo que
pertence ao nosso mundo interno, ou ao psicológico.
O termo "orientação sexual" é mundialmente usado
para designar se esse relacionamento vai se dar com
alguém do sexo oposto, do mesmo sexo, ou com pessoas
de ambos os sexos. Preferimos acrescentar ao termo a
palavra "afetivo" para deixar claro que esse relaciona-
mento não é só de ordem sexual, mas também envolve
o amor e o afeto. E os afetos podem ser de natureza
positiva ou negativa. E também porque nem sempre
afeto e sexo caminham de mãos dadas.
A orientação afetivo-sexual está vinculada aos sen-
timentos que existem dentro de todos nós em relação a
outra pessoa. Entre esses sentimentos estão o desejo e
o prazer sexual, as sensações do orgasmo, as fantasias
sexuais, os sonhos eróticos, o amor e a paixão.
Esses sentimentos têm seus contrários, como o
ódio, a repulsa, a frieza, a indiferença e todas as outras
32 33
emoções que perpassam as relações humanas. Também
pode ser acrescentado à orientação afetivo-sexual o sen-
timento de se ter a capacidade da reprodução. Uma
pessoa pode ser fértil, mas carregar a sensação de que
não pode procriar, e muitas vezes ocorre a situação
exatamente inversa.
Não se trata, como vimos em capítulos anteriores,
da sensação interna de que pertencemos ao gênero
masculino ou feminino e nem mesmo se o nosso com-
portamento, nas diversas atividades da vida, é masculi-
no ou feminino. Estamos falando agora de uma questão
tão específica quanto importante, que é a capacidade de
escolher a pessoa que vamos amar ou com quem teremos
um relacionamento sexual.
As atuais pesquisas científicas consideram que a
orientação afetivo-sexual é construída, psicologicamen-
te, na primeira infância, até os quatro ou cinco anos de
idade. No entanto, somente na adolescência passamos
a ter consciência desses sentimentos, que se confirmam
ou não na idade adulta.
Quem não se lembra de suas grandes paixões de
adolescente, muitas impossíveis, "amenizadas" com
memoráveis bebedeiras? Relembradas anos depois
com os olhos da realidade parecem não ter significa-
do algum.
a tempo é sábio e tudo acontece na hora certa. Com
o despertar do desejo sexual na adolescência, a partir
da explosão hormonal própria da idade, começamos a
ter consciência de que nossos sentimentos amorosos e
emoçôes dirigem-se para alguém do sexo oposto, para
alguém do mesmo sexo ou para pessoas de ambos os
sexos. Essa consciência nos revela como heterossexual,
homossexual ou bissexual, o que poderá ou não ser
confirmado mais tarde.
34
Anteriormente, ainda na infância, todos os senti-
mentos, considerados prévios ou primários à orientação
afetivo-sexual, são indefinidos ou discretos, e dos quais,
nessa fase, temos pouca consciência. Não é difícil encon-
trar casos de crianças, principalmente meninos, que se
"apaixonam" por uma babá ou uma prima de mais idade.
Mas, nessa "paixão", está ausente o componente erótico
e, conseqüentemente, o desejo sexual.
Na infáncia, desde os 4 ou 5 anos até a adolescência,
é como se nós passássemos por um período de latência
em relação a esses sentimentos. Na realidade, esses
sentimentos ainda não emergiram.
Na adolescência eclodem os hormônios sexuais,
disparados pelo relógio biológico, o que pode ocorrer,
conforme a pessoa, aos 10, 11, 12 anos ou até mais tarde
um pouco. A explosão desses hormônios faz surgir os
caracteres sexuais secundários.
A orientação afetivo-sexual pode ser básica ou cir-
cunstancial. Uma pessoa pode ser basicamente heteros-
sexual, ou basicamente homossexual, mas somente na
idade adulta terá essa certeza. No período da adolescên-
cia, quando essa revelação acontece, a própria pessoa
pode não ter muito claro qual é, afinal, a sua orientação.
Mesmo na idade adulta, essa orientação pode ser
temporária, dependendo das circunstáncias da vida. Em
ambientes onde ficam confinadas por longo tempo pes-
soas do mesmo sexo, como presídios, um indivíduo
poderá ter um sentimento ou um comportamento hete-
rossexual ou homossexual, retornando a sua orientação
básica assim que a situação de vida se modifique. A bem
da verdade, todos nós podemos "ser" heterossexuais ou
"estar" heterossexuais, "ser" homossexuais ou "estar"
homossexuais.
35
o mundo, em meados do século passado, foi dividi-
do pela Medicina em pessoas heterossexuais e homos-
sexuais. A partir de 18691, momento em que a
homossexualidade, como comportamento, ganha esse
nome, essa orientação afetivo-sexual entra para a Medi-
cina como algo patológico ou doentio.
Os sentimentos e os comportamentos heterosse-
xuais e homossexuais, no entanto, são tão velhos quanto
o mundo. Desde que o homem existe, esses sentimentos
estão presentes, sempre aconteceram em todas as socie-
dades e em todas as culturas, independentemente de
serem primitivas ou avançadas.
O fato é que até a metade do século passado não
havia uma preocupação em considerar a homossexua-
lidade como doença. Desde então, os homens passa-
ram a ser categorizados como sendo normais os
heterossexuais e patológicos os homossexuais. Dessa
forma, a Medicina, a Genética, a Sociologia, a Antro-
pologia passaram a estudar a orientação afetivo-sexual
dos homossexuais.
Na medida em que a grande maioria das pessoas
tem uma orientação heterossexual, perto de 90% da
população, isso foi considerado como o normal, e a
homossexualidade, como o desvio. Essa visão levou as
pesquisas a sempre se dirigir para a busca das "causas"
da orientação afetivo-sexual homossexual. A Ciência pa-
rece ter-se esquecido de perguntar quais são os mecanis-
mos que levam uma pessoa a ser heterossexual.
1. Até 1869 a relação afetivo-sexual entre homens era objeto de
estudo do campo da Filosofia, da Religião e do Direito. Naquele ano,
quando o 11 Reich germânico havia introdl;lzido essa forma de
sexualidade no código penal como sendo passívelde pena de morte,
o médico húngaro Karoly Benkert passou a denominar esse com-
portamento como "homossexual" e a defini-lo como de natureza
congênita. Com isso, a homossexualidade deixou de ser crime e
começou a serestudada pelaMedicina como "umadoençamental
a ser tratada".
Existem muitas teorias psicológicas sobre como se
dá a construção da orientação afetivo-sexual, o que quer
dizer que nenhuma delas é definitiva. As teorias desen-
volvidas por Freud no ínícío do século procuram explicar
a orientação afetivo-sexual como sendo algo que se
estabelece a partir do relacionamento da criança com os
pais, nos primeiros anos de vida.
De acordo com Freud, nesse estágio de desenvolvi-
mento, a criança experimentaria sentimentos incons-
cientes de "desejo sexual" em relação a um dos pais,
juntamente com sentimentos de "rivalidade", também
inconscientes, para com o outro, e vice-versa.
Para o médico-psiquiatra e psicodramatistaJosé Fon-
seca, a criança, após manter uma relação apenas e exclu-
sivamente com a mãe, ou só com o pai, se dá conta de que
os dois, pai e mãe, têm um relacionamento entre si.
Nesse momento, de acordo com Fonseca, que faz
uma releitura do desenvolvimento da Matriz de Identi-dade ou núcleo familiar proposta por Moreno, a criança
entra na chamada "crise da triangulação", podendo
sentir-se rejeitada ou não, dependendo de como se dá a
intercomunicação entre os três.
A resolução dessa crise pode ser a criança aceitar
que ela não é o centro do mundo, que as outras pessoas
têm relacionamentos entre si, independentemente dela,
o que não significa que ela receberá menos afeto por isso.
Superada essa crise, ela estará pronta para relacionar-se
com as demais pessoas, entrando na fase da socialização.
Tudo isso acontece com a criança de forma incons-
ciente, e por volta dos 5 ou 6 anos ela já pode ter
resolvido essa crise. Nessa fase, a criança tem como
primeiro modelo o relacionamento entre um casal, ge-
ralmente heterossexual. E esse primeiro modelo poderá
servir como ponto de partida para seus relacionamentos
afetivos e sexuais no futuro.
36 Ronaldo Pamplona da Costa Os Onze Sexos 37
Acreditamos que, do ponto de vista psicológico,
o primeiro passo para a construção da orientação
afetivo-sexual é a definição da identidade de gênero.
Antes de "sabermos" para quem dirigiremos nossos
afetos e nossas emoções de cunho sexual, nós preci-
samos saber se somos uma pessoa do gênero mascu-
lino ou do gênero feminino.
Esse é o primeiro passo, mas não o determinante.
O segundo passo importante para a orientação afeti-
vo-sexual é a resolução da crise da fase da triangula-
ção, a partir do relacionamento da criança com o pai
e com a mãe.
O fato é que as teorias psicológicas não explicam,
para a Ciência, como um todo, o modo como isso acon-
tece. Os cientistas que desenvolvem seu trabalho de
pesquisa sob um ponto de vista mais biológico ou social
não aceitam que só isso explique a construção da orien-
tação afetivo-sexual.
Nos últimos tempos, cientistas especializados em
Biologia e Genética desenvolveram estudos que pudes-
sem indicar uma predisposição inata para a homosse-
xualidade, mas nenhuma dessas teorias conseguiu ser
conclusiva para explicar como se determina a orientação
afetivo-sexual.
Em agosto de 1991, o pesquisador norte-americano
Simon LeVay publicou um importante artigo na revista
Science. Nesse trabalho, o pesquisador mostra as dife-
renças de tamanho de um determinado grupo de células
que pode ser encontrado no hipotálamo, a região do
cérebro responsável pela elaboração das emoções e dos
sentimentos eróticos.
Com base nesses estudos preliminares, Simon Le-
Vay passou a estudar esse grupo de células cerebrais
obtidas de autópsias de três grupos de indivíduos. Ao
38
todo, foram realizadas 41 autópsias de pacientes faleci-
dos em decorrência da Aids, dentre os quais estavam
mulheres, e homens homo e heterossexuais.
O pesquisador concluiu que essas células estuda-
das eram de tamanho menor nos homossexuais se .
comparadas com as obtidas das mulheres e dos homens
heterossexuais, o que indicaria alguma relação entre a
conformação celular do hipotálamo e a orientação afeti-
vo-sexual.
Nessa pesquisa publicada por LeVay, ele não havia
obtido material de mulheres lésbicas e também não
descarta alguma implicação da "causa mortis" relacio-
nada com a Aids no tamanho das células.
Richard Pillard, professor de Psiquiatria da Uni-
versidade de Boston, nos Estados Unidos, desenvolveu
um estudo com gêmeos idênticos (unívítelínosl. com-
parando-os com os não-idênticos (bivitelinos). Ele
mostrou que existe uma incidência maior de homos-
sexualidade nos dois univitelinos, mesmo que criados
por famílias diferentes, do que no caso dos gêmeos
não-idênticos. Isso faz pensar que poderia existir algo
de genético determinando a orientação afetivo-sexual
das pessoas, uma vez que os gêmeos idênticos têm a
mesma configuração genética.
Em julho de 1993 a revista Science publicou um
artigo sobre uma pesquisa que estava sendo desenvol-
vida pelo Instituto Nacional do Cáncer dos Estados
Unidos, sob a coordenação do professor Dean Hamer.
Hamer selecionou 76 homens homossexuais, e pas-
sou a estudar seus familiares paternos e maternos. O
resultado do estudo mostrou que entre os familiares
paternos do pesquisado havia a incidência de 2% de
pessoas homossexuais, índice que crescia para 7,5%
quando se tratava do lado matemo.
Isso levantou a hipótese de que a homossexualidade
estaria vinculada a um fator genético do lado matemo,
mais diretamente relacionado com o cromossomo x.
39
IV ·ESCALA DE ORIENTAÇÃO AFETIVO·SEXUAL
(DESEJO)
Uma pessoa, qualquer que seja sua orientação afe-
tivo-sexual, só será feliz se estiver em sintonia e em paz
consigo mesma.
A partir da idade adulta estaremos, basicamente, em um
segmento da escala. Entretanto, o deslocamento ao lon-
go da escala é possível e dependerá dafase da vida, do
momento psicológico e das circunstâncias sociais. Por
exemplo, ir de A até E e voltar ao seu ponto básico e
vice-versa. Ou., ainda, de A para C, de D para A e assim
por diante. Ao nível das fantasias e dos sonhos o percur-
so de cada um através de todos os segmentos poderá ser
livre. O deslocamento do desejo básico não significa que
o indivíduo viverá obrigatoriamente relações ao nível do
papel afetivo-sexual pois. para muitas pessoas. este
sentimento é passível de ser "controlado".
A equipe de Hamer também selecionou, posterior-
mente, 40 pares de irmãos homossexuais, que não
tinham características semelhantes. Dentre essas 40
duplas, 33 delas, ou seja, 82,5%, tinham a mesma
seqüência de DNA (a substância dos genes) em uma
parte específica do cromossomo x da mãe.
A partir desses dados ele levantou uma hipótese, a
ser confirmada, de que alguns homossexuais apresen-
tariam uma predisposição genética para ter essa orien-
tação. O estudo de mulheres lésbicas não mostra os
mesmos resultados e ainda não foi concluído.
Dean Hamer deixa claro que seu achado poderá
mostrar uma predisposição ou tendência, para esse
comportamento. Como se trata de tendência, ao longo
da vida ela será ou não confirmada, dependendo de
inúmeros outros fatores.
Preferimos considerar que as origens da orientação
afetivo-sexual no ser humano seriam fruto de uma gama
de fatores que podem ser de ordem orgãnica (neurológica
ou genética), psicológica, e social, ainda não totalmente
compreendidas e variando de pessoa para pessoa.
O casal de pesquisadores norte-americanos Mas-
ters e Johnson2 afirmou em 1979: "Até que se conheça
mais sobre as origens da heterossexualidade é dificil
acreditar que um entendimento significativo seja atingi-
do. acerca das origens da homossexualidade".
Somos seres dotados de inteligência, e é impor-
tante que descubramos como e por que nos compor-
tamos desta ou daquela maneira. No mínimo para nos
entendermos melhor e vivermos mais saudáveis, do
ponto de vista biológico, psicológico e social.
2. O médico William Masters e a psicóloga Vírgínía Johnson são
pesquisadores norte-americanos especializados no estudo dase-
xualidade. O livro do casal, Conduta Sexual Humana, lançado em
1966, é um marco na sexologia moderna. Masters e Johnson
estudaram em laboratório relações sexuais de casais hetero e
homossexuais.
HETEROSSEXUAL HETEROSSEXUAl.
fOOSEXUI.l.
A
BISSEXUAL
c
HOMOSSEXUAl.
HmoossEXlW.
o
HOMOSSEX\W.
40 41
--Quem nunca viveu uma paixao, nunca vai ter
nada não", dizia o poeta Vinicius de Moraes.
Toda a história da humanidade está repleta de
paixões, amor, sexo. Até mesmo se decidiu o destino de
nações a partir do relacionamento amoroso entre ho-
mens e mulheres ou entre homens.
Verdade ou não, a famosa Guerra de Tróia começou
com o rapto de Helena, mulher do rei de Esparta, por
Páris, príncipe de Tróia. Ao que parece, ele se apaixonou
perdidamente pela bela grega. Após dez longos anos de
batalha, entre gregos e troianos, que teria acontecido por
volta de 1300 a.C., a cidade de Tróia foi finalmente
destruída, e com ela uma civilização.
O amor tem sido tema constantena literatura mun-
dial, em todas as épocas. Hoje milhões de pessoas
acompanham, noite após noite, os encontros e desen-
contros amorosos nas novelas da 1V. Por que esse
assunto desperta tanto interesse?
Uma resposta é que o afeto, o amor e o sexo são
necessidades básicas para nós. E, de todas as relações
humanas, estas são consideradas as menos resolvidas.
43
O papel afetivo-sexual é o mais importante de
nossa vida. É através dele que conseguimos estabele-
cer um vínculo que pode ser de amor e sexo, de amor
sem sexo ou ainda de sexo sem amor.
Somente nessa relação vamos poder experimentar
o prazer da paixão e do amor, o prazer de nos entregar-
mos um ao outro, o prazer sexual e o prazer de nos
reproduzirmos, gerando filhos.
Alguns dos mais dolorosos conflitos humanos estão
direta ou indiretamente relacionados com a impossibili-
dade ou dificuldade de se desempenhar adequadamente
o papel afetivo-sexual. Essa parte de nossa vida é a única
que precisamos desenvolver, por nossa própria conta,
sem a presença "de um professor". Na sociedade moder-
na, não existe nenhuma atividade que não possa ser
ensinada e aprendida na escola ou na vida, salvo o papel
afetivo-sexual.
Quando falamos em aprendizado, referimo-nos a um
processo sistemático de orientação, tal como se ensina a
ler, a tocar piano, a dançar. Do ponto de vista afetivo e
amoroso é até possível "algum aprendizado", observando
como fazem as outras pessoas, inclusive nossos pais.
Aqueles que têm uma orientação heterossexual na-
moram na frente dos pais, na presença dos amigos, em
sociedade. As cenas de amor são veiculadas à exaustão
em todos os meios de comunicação, e esse sentimento é
permitido, possível, desejado, cantado "em verso e prosa".
Mas, mesmo assim, quem não ficou um tanto perdido
no primeiro beijo? Quem não ficou em dúvida sobre o que
fazer com a boca naquele momento? Mesmo com os olhos
fechados, provavelmente gastamos alguns segundos ten-
tando entender como e o que estava acontecendo.
A relação amorosa é aplaudida, onde quer que ela
aconteça, desde que não traga consigo, explicitamente,
o seu lado sexual. Dessa maneira, só temos a chance de
44
"aprender" a fazer sexo com alguém mais experiente,
como as "profissionais", ou com alguém que saiba tão
pouco quanto nós.
Na adolescência, entre rapazes e moças que ainda não
tiveram uma experiência sexual, é comum a criação das
mais variadas fantasias, desproporcionais ao fato real.
Para o rapaz, existe um medo difuso no sentido de
que talvez, "naquele momento", ele não saiba como
reagirá a sua parceira, se vai machucá-la ou não satis-
fazê-la. As moças, por sua vez, criam um verdadeiro mito
sobre o orgasmo, como se esse prazer fosse capaz de
fazê-las "subir pelas paredes", enquanto explodiriam
toneladas de imaginários fogos de artificio.
Quando a primeira relação sexual acontece, muitas
vezes o que poderia ter sido bom e agradável ganha os
contornos da frustração. Uma sensação desconfortável
de que "tudo aquilo era só isso" toma conta da pessoa.
O desenvolvimento de todos os papéis da vida de-
pende de aprendizado, pois não são características ina-
tas nos seres humanos. Aprendemos a comer à mesa, a
fazer nossas necessidades fisiológicas em local e de
forma adequados, a higiene corporal é acompanhada
pela mãe ou alguém de nossa família. Ninguém nasce
sabendo como escovar os dentes.
Numa fase posterior, aos 4 ou 5 anos, vamos à pré-es-
cola, depois recebemos conhecimentos gerais no curso
primário, secundário e, por fim, aprendemos uma profissão,
na prática, numa escola técnica ou na universidade. Em
todos os papéis da vida temos a possibilidade de assimilar
os novos conhecimentos e de treiná-los na presença de
alguém que ensine e nos oriente. Porém, quando chegamos
à vida sexual, nada pode ser visto e nem mostrado.
Como o papel afetivo-sexual se desenvolve em nos-
sas vidas? Ele começa a aparecer na adolescência. Na
infáncia, não se pode afirmar que já exista o desejo
45
sexual. Evidentemente, quando nos referimos a essa
idade cronológica estamos considerando aquelas crian-
ças que vivem num ambiente social favorável e fazem
parte de uma família minimamente estruturada.
A realidade brasileira coloca nas ruas uma quanti-
dade muito grande de crianças que, por necessidade de
sobrevivência, "amadurecem" muito cedo, motivo pelo
qual a sua idade biológica nem sempre está de acordo
com o seu crescimento psicológico. Ainda não existem
estudos completos sobre qual pode ser a influência desse
meio hostil na formação do papel afetivo-sexual.
Quando a criança, menino ou menina, entra na
idade da meninice, que começa por volta dos 5 anos e
vai até os lO, ela passa a ter um prenúncio de sensação
sexual. Essa sensação é como se fosse um tipo de energia
latente que perpassa o seu corpo de maneira muito sutil,
tanto que a criança sequer tem noção disso. É comum,
nessa fase, os jogos considerados "sexuais", que nada
têm de erótico, e que visam apenas reconhecer o próprio
corpo e o do outro, quanto ao gênero a que pertencem.
Não podemos falar ainda em sexualidade, propria-
mente dita, uma vez que esta continua em estado de
latência, e porque nesse momento outros papéis têm muito
mais importãncia. A criança se percebe como filho, sobri-
nho, que tem tios, avós, coleguinhas de escola. As brinca-
deiras e o estudo tomam muito tempo e compõem o
universo de preocupações das crianças nessa idade.
Seria ideal que a educação sexual se iniciasse nessa
idade, pois a criança está descobrindo como funciona o
mundo e está cheia de perguntas. A quantidade de
informações que ela recebe principalmente da televisão
é muito grande. Mas não pode interagir, questionar,
dizer que não entendeu.
46
A orientação sexual e a educação sexual precisam
ser feitas com naturalidade, sem tabus nem moralismos.
Infelizmente, muitos pais têm, eles mesmos, pouca ou
nenhuma informação sobre sexo, "acham vergonhoso" o
que fazem na cama ou não querem "correr o risco" de
ensinar aos filhos aquilo que para muitos é proibido, feio
ou mesmo "pecado".
Aos poucos essa situação está se modificando, e
hoje, na década de 90, quem tem 18 anos foi criado com
um pouco mais de liberdade. Isso comparado com as
gerações que nasceram nas décadas de 40 e 50.
~XVL~SÁ~I~~VITÁV~L
Na realidade, a possibilidade de assumir o papel
afetivo-sexual só vai se dar na adolescência, com a
explosão dos hormõnios e com a transformação do corpo.
Na puberdade, os caracteres sexuais primários, que se
referem aos órgãos genitais, desenvolvem-se. O desen-
volvimento desse papel a partir da adolescência será
diferente para rapazes e moças.
Nessa fase surgem também os caracteres sexuais
secundários, que vão moldando o corpo do menino e da
menina, transformando-os num homem ou numa mu-
lher. No homem, o timbre de voz torna-se mais grave,
ocorre a distribuição de pêlos pelo corpo e os ombros
ficam mais largos.
Na mulher crescem os seios, os pêlos se concentram
em apenas algumas regiões e os quadris tornam-se mais
volumosos. Também são considerados caracteres se-
xuais secundários a menstruação das mulheres e a
ejaculação dos homens.
Quando essas transformações ocorrem, os adoles-
centes iniciam a descoberta de seu corpo, das emoções
que ele desperta nas outras pessoas e daquelas que os
outros despertam neles mesmos. As mudanças são tan-
tas e simultãneas que muitos se sentem perturbados e
necessitam, tanto quanto for possível, da compreensão
dos pais e dos outros adultos.
47
Nessa fase, rapazes e moças descobrem o funciona-
mento de seus genitais, costumam se masturbar com
maior ou menor freqüência e, na verdade, isto os levará
a saber mais sobre si mesmos e nem devem bloquear
essa necessidade. Na realidade, a masturbação é o
primeiro passo para o desenvolvimento desse papel.
A nossa cultura estimula o rapaz a desempenhar o
seu papel sexual muito precocemente,

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