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Linguística 1 - Fernanda Mussalim

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Prévia do material em texto

Autora
Fernanda Mussalim
2009
Lingüística I
Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, 
mais informações www.iesde.com.br
© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor 
dos direitos autorais.
Todos os direitos reservados.
IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 
80730-200 • Curitiba • PR
www.iesde.com.br
M989 Mussalim, Fernanda. / Lingüística I. / Fernanda Mussalim
— Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009. 
152 p.
ISBN: 978-85-7638-803-6
1. Lingüística. 2. Gramática Comparada e Histórica. 3. Estru-
turalismo. 4. Gerativismo. 5. Funcionalismo. 6. Interacionismo. 
7. Teoria do Discurso. I. Título. 
CDD 410
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Sumário
Linguagem humana e “linguagem” animal | 9
Linguagem humana X comunicação animal | 9
Os estudos da linguagem e a constituição do campo da Lingüística | 17
A reflexão em torno da linguagem | 17
Estudos da linguagem X Lingüística: em pauta os critérios de cientificidade | 19
Ferdinand Saussure e a constituição do domínio e do objeto da Lingüística | 21
Os estudos lingüísticos do século XIX: a gramática comparada e histórica | 27
Primeiras considerações | 27
Um pouco do debate: formulações e reformulações 
em torno da problemática da mudança lingüística | 29
Ferdinand Saussure e a fundação da Lingüística sincrônica | 39
O campo da Lingüística: domínio e objeto bem definidos | 39
O recorte sincrônico como condição para a delimitação 
do sistema lingüístico e para a formulação da teoria do valor | 43
A operacionalidade da teoria saussuriana do valor | 49
A abordagem de Mattoso Câmara sobre a flexão do gênero em nomes no português | 50
Níveis de análise lingüística | 61
As operações de segmentação e substituição | 61
Níveis de análise lingüística | 63
Biologia e linguagem: Gerativismo | 69
O pressuposto do inatismo | 69
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O Funcionalismo em Lingüística: sistema lingüístico e uso das expressões lingüísticas | 81
Funcionalismo e Estruturalismo | 81
O Funcionalismo em Lingüística | 82
Uma análise | 86
Linguagem e pensamento no Interacionismo Piagetiano | 93
O desenvolvimento mental do ser humano | 94
Vygotsky e o componente social do Interacionismo: 
implicações para o Interacionismo na Lingüística | 103
Interacionismos | 103
Vygotsky e as raízes genéticas do pensamento e da linguagem | 104
O Interacionismo Social | 106
O Interacionismo no Círculo de Bakhtin | 115
Os dois grandes projetos do Círculo | 115
A natureza social e semiótica da interação | 118
A concepção de linguagem do Círculo | 119
Análise do Discurso | 125
O terreno fecundo do Marxismo e da Lingüística | 125
A problemática da Lingüística e da análise de texto | 127
A Psicanálise: uma teoria do sujeito pertinente ao projeto da AD | 128
A especialidade da AD | 129
Gabarito | 137
Referências | 145
Anotações | 149
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Apresentação
O propósito deste livro é dar subsídios para o estudo e aprofun-
damento de questões cruciais sobre a linguagem e a Lingüística. O foco 
de nossa proposta recai sobre a problemática da fundação da Lingüística 
como ciência, bem como sobre os grandes movimentos epistemológicos 
que constituíram a complexa e intrigante rede teórica desse campo do 
conhecimento. O livro compõe-se de 12 capítulos, que apresentaremos, 
sucintamente, a seguir.
No primeiro capítulo, intitulado “Linguagem humana e ´linguagem´ 
animal”, abordamos um clássico estudo realizado por Émile Benveniste, em 
que o lingüista compara a “linguagem” das abelhas à linguagem humana. 
Nosso intuito é apresentar como a Lingüística define critérios para caracteri-
zar a linguagem humana e estabelecer suas propriedades definidoras. 
No capítulo dois, “Os estudos da linguagem e a constituição do 
campo da Lingüística”, a partir de algumas reflexões levadas a cabo pelo 
lingüista brasileiro Joaquim Mattoso Câmara Jr., apresentamos alguns cri-
térios que distinguem os estudos sobre a linguagem da Lingüística propria-
mente dita. Essa distinção sustenta-se sobre o movimento de alguns teó-
ricos – lingüistas do século XIX e, de modo especial, Ferdinand Saussure 
no século XX – que trabalharam para constituir, com base em critérios de 
cientificidade da época, a Lingüística como um campo científico de estu-
dos da linguagem. 
O capítulo três, intitulado “Os estudos lingüísticos do século XIX: 
a gramática comparada e histórica”, tem por objetivo apresentar os estu-
dos comparatistas e históricos do século XIX a partir do debate suscitado 
pelas formulações e reformulações que ocorreram em torno da problemá-
tica da mudança lingüística e da história das línguas. 
No quarto capítulo, “Ferdinand Saussure e a fundação da Lingüística 
sincrônica”, pontuamos as diretrizes colocadas e os deslocamentos realiza-
dos pelo Curso de Lingüística Geral (1916), obra póstuma de Saussure, que 
colocaram a Lingüística em um outro eixo de reflexões. Para tanto, apresen-
taremos as clássicas concepções saussureanas – as dicotomias sincronia/dia-
cronia e língua/fala, bem como a noção de signo lingüístico –, relacionando-
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as de modo a tecer o coeso e coerente quadro teórico concebido por 
Saussure.
Em “A operacionalidade da teoria saussuriana do valor”, quinto 
capítulo deste livro, pretendemos mostrar a operacionalidade dessa teo-
ria a partir da descrição do sistema lingüístico do português. Para tanto, 
consideramos um dos estudos clássicos de Joaquim Mattoso Câmara Jr., 
a saber, o estudo do mecanismo da flexão nominal em português – mais 
especificamente, seu estudo sobre a flexão do gênero em nomes. 
No sexto capítulo, intitulado “Níveis de análise lingüística”, apre-
sentamos, seguindo Émile Benveniste, quatro diferentes níveis de análise 
lingüística: o nível fonêmico, o morfêmico, o do lexema e o da frase. Apre-
sentamos, também, duas operações a partir das quais se pode, de acor-
do com Benveniste, estabelecer o procedimento de abordagem desses 
níveis de análise: a operação de segmentação e a operação de substitui-
ção. O objetivo central é possibilitar a percepção de que o funcionamen-
to da língua, em toda sua complexidade, opera em vários níveis que, 
mesmo distintos, afetam-se mutuamente. 
No capítulo sete, “Biologia e linguagem: o Gerativismo”, apresen-
tamos os pressupostos fundamentais da Gramática gerativa ou Gerati-
vismo, uma das correntes mais produtivas do século XX na Lingüística e 
liderada pelo americano Noam Chomsky. Abordam-se, para tanto, aspec-
tos que possam esclarecer sobre: a) a realidade biológica da linguagem; b) 
os critérios de distinção entre o que pode ser considerado criação cultural 
e o que é predisposição biológica; c) as hipóteses fundamentais de 
Chomsky a respeito da faculdade de linguagem. 
No oitavo capítulo, “O Funcionalismo em Lingüística: sistema lin-
güístico e uso das expressões lingüísticas”, buscamos dar visibilidade ao 
postulado central do paradigma funcionalista, a saber, de que o siste-
ma lingüístico é estruturado (e reestruturado) pelo uso que os falantes 
fazem das expressões lingüísticas em condições reais de produção da 
linguagem. Nosso intuito é mostrar que, da perspectiva do Funciona-
lismo, são as condições e as exigências comunicacionais que moldam 
o sistema lingüístico, que existe para cumprir funções essencialmente 
comunicativas. As línguas, portanto, são concebidascomo instrumentos 
de interação social e devem, por isso, ser descritas e explicadas a partir 
do esquema efetivo da interação verbal. 
No capítulo nove, intitulado “Linguagem e pensamento no Inte-
racionismo Piagetiano”, iniciamos a abordagem da perspectiva teórica 
do Interacionismo. Neste capítulo, em específico, apresentamos uma das 
teorias sobre o desenvolvimento da inteligência humana mais conhecidas 
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no cenário educacional brasileiro: o Cognitivismo construtivista do biólogo 
suíço Jean Piaget. Nosso interesse é pelo conceito de interação pressupos-
to nas elaborações do biólogo – motivo pelo qual, não raras vezes, a teo-
ria é referida como o Interacionismo Piagetiano –, bem como pelo modo 
como o autor concebe o processo de aquisição de linguagem.
O capítulo dez, “Vygotsky e o componente social do Interacionis-
mo: implicações para o Interacionismo na Lingüística”, possibilita uma me-
lhor compreensão da perspectiva interacionista de abordagem do fenô-
meno da linguagem. Nele, apresentamos alguns estudos em aquisição da 
linguagem influenciados pelo pressuposto vygostskiano de que o com-
ponente social é pré-requisito para que esse processo de aquisição ocor-
ra. Esses estudos dão visibilidade ao fato de que há diferentes noções de 
interação e, conseqüentemente, vários interacionismos. 
No capítulo onze, “O Interacionismo no Círculo de Bakhtin”, apresen-
tamos a noção de interação presente nos trabalhos do Círculo de Bakhtin, 
a partir das reflexões levadas a cabo em Marxismo e Filosofia da Linguagem, 
visto que as formulações feitas nesse livro a respeito da problemática da 
interação são bastante representativas do pensamento do Círculo. Além 
disso, apresentamos, a partir das considerações de Bakhtin e Voloshinov, a 
concepção de linguagem que embasa os trabalhos desses estudiosos que, 
apesar de manterem relações distintas com a Lingüística, sustentam – e 
todos os estudiosos do Círculo – seus projetos a partir do postulado da 
primazia da interação sobre a abordagem formal da linguagem. 
No capítulo doze, intitulado “Análise do Discurso”, tratamos da gênese 
dessa disciplina na França da década de 1960, abordando suas relações com a 
Lingüística, o Marxismo e a Psicanálise. O intuito é apresentar de que maneira 
a Lingüística constitui um dos pilares epistemológicos da Análise do Discurso 
e em que sentido a Análise do Discurso afeta a Lingüística. 
Todo esse percurso, além de dar visibilidade às grandes teorias e 
teóricos da história da Lingüística, também possibilita que se percebam a 
seriedade, a relevância e a contribuição dos trabalhos de vários lingüistas 
brasileiros, dos quais citamos aqueles a quem mais diretamente fizemos 
referência aos trabalhos: Ana Paula Scher, Carlos Alberto Faraco, Cláudia 
T. Guimarães de Lemos, Erotilde Goreti Pezatti, Ester Mirian Scarpa, José 
Borges Neto, Luiz Carlos Travaglia, Maria Helena Moura Neves, Marina R. 
A. Augusto, Miriam Lemle, Roberto Gomes Camacho, Rodolfo Ilari, Rosane 
de Andrade Berlinck e Sírio Possenti. Além, obviamente, do clássico e mais 
proeminente lingüista brasileiro – Joaquim Mattoso Câmara Jr.
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Não tivemos a pretensão de esgotar a problemática dos temas 
tratados, nem tampouco de abordar tudo o que há de mais relevante 
em Lingüística. Ao contrário, esperamos que este livro cumpra o papel 
de estimular, instigar e abrir portas para o estudo da linguagem e da 
Lingüística, uma área que tem ocupado cada vez mais um lugar central 
na formação de alunos dos cursos de Letras. 
Gostaríamos de agradecer, em especial, a duas pessoas: Tere-
sa Cristina Ribeiro, pela tão gentil interlocução e cuidadosa revisão; e 
Heloisa Mara Mendes, professora de Lingüística, pelo constante e frutí-
fero diálogo.
Aos alunos, desejamos um feliz e produtivo percurso de formação.
Fernanda Mussalim
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Linguagem humana e 
“linguagem” animal
Fernanda Mussalim*
A questão da natureza e da origem da linguagem humana sempre foi objeto de inúmeras espe-
culações. Disciplinas como a Antropologia, a Psicologia, as Neurociências, a Filosofia e a Lingüística se 
interessaram de maneira especial por essa questão e desenvolveram pesquisas bastante interessantes 
– e também controversas – sobre o tema. Entretanto, não raras vezes, o desenvolvimento dessas pes-
quisas se deu sobre uma base comparativista entre a linguagem humana e a linguagem animal, com o 
intuito de responder, basicamente, a duas questões:
O que caracteriza a linguagem humana, isto é, quais são suas propriedades definidoras?::::
Os animais, assim como os homens, possuem linguagem?::::
Neste capítulo, relataremos um clássico estudo, realizado pelo lingüista Émile Benveniste, que 
busca responder a essas questões1.
Linguagem humana X comunicação animal 
Benveniste, em seu texto intitulado “Comunicação Animal e Linguagem Humana” (2005), sub-
meteu o sistema de comunicação das abelhas a um estudo detalhado. O lingüista parte dos estudos 
realizados pelo zoólogo alemão Karl von Frisch, que demonstram, de modo experimental, que abelhas 
exploratórias, por meio da dança, transmitem a outras da mesma colméia informações a respeito da po-
* Doutora e Mestre em Lingüística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Graduada em Letras pela Unicamp. Docente da 
Universidade Federal de Uberlândia, atua na graduação e na pós-graduação do Instituto de Letras e Lingüística dessa universidade.
1 Sugerimos, para o conhecimento de outras pesquisas comparativistas entre a linguagem humana e a “linguagem” animal, três referências: 
o livro O Instinto da Linguagem: como a mente cria a linguagem, de Steven Pinker; o capítulo 1, intitulado “A linguagem humana”, do livro A 
Filosofia da Linguagem, de Sylvain Auroux; o capítulo 4, intitulado “As raízes genéticas do pensamento e da Linguagem”, do livro Pensamento 
e linguagem de Liev Semiónovitch Vygotsky. 
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10 |
sição de um campo de flores. Analisando os resultados a que chega Frisch, Benveniste conclui que 
o sistema de comunicação das abelhas não é uma linguagem, mas um código de sinais. Vejamos de 
forma mais detalhada as considerações do lingüista. 
O autor, de início, já afirma que a noção de linguagem aplicada ao mundo animal “só tem crédito 
por abuso de termos” (BENVENISTE, 2005, p. 60), já que os animais não dispõem, nem de forma rudimen-
tar, de um modo de expressão que tenha os caracteres e as funções da linguagem humana. Entretanto, 
apesar de a linguagem animal não possuir as particularidades da linguagem humana, Benveniste afir-
ma que os estudos de Frisch oferecem subsídios para crer que, no caso específico das abelhas, existe 
comunicação: a organização de suas colônias, suas atividades coordenadas, a capacidade que têm de 
reagirem coletivamente diante de situações imprevistas – tudo isso permite supor que elas têm apti-
dões para trocar verdadeiras mensagens2.
De todas essas aptidões, a que mais de perto interessou os observadores foi a maneira pela qual 
as abelhas de uma colméia são avisadas quando uma delas descobre uma fonte de alimento. O proce-
dimento do experimento de Frisch que permitiu o registro dessa forma de comunicação se deu, basica-
mente, da seguinte maneira, conforme nos relata Benveniste (2005, p. 61):
Uma abelha operária colhedora, encontrando, por exemplo, durante o vôo uma solução açucarada por meio da qual 
cai numa armadilha, imediatamente se alimenta. Enquanto se alimenta, o experimentador cuidaem marcá-la. A abelha 
volta depois à sua colméia. Alguns instantes mais tarde, vê-se chegar ao mesmo lugar um grupo de abelhas entre as 
quais não se encontra a abelha marcada e que vêm todas da mesma colméia. Esta deve ter prevenido as companhei-
ras. É realmente necessário que estas tenham sido informadas com precisão, pois chegam sem guia ao local, que se 
encontra, freqüentemente, a grande distância da colméia e sempre fora de sua vista. Não há erro nem hesitação na 
localização: se a primeira escolheu uma flor entre outras que poderiam igualmente atraí-la, as abelhas que vêm após a 
sua volta se atirarão a essa e abandonarão as outras. Aparentemente, a abelha exploradora indicou às companheiras o 
lugar de onde veio.
Mas como isso se dá? Karl von Frisch estabeleceu os princípios de uma solução. Ele observou, em 
uma colméia transparente, o comportamento da abelha que volta depois de uma descoberta de ali-
mento. Ela é imediatamente rodeada por suas companheiras que estendem as antenas em sua direção, 
a fim de recolher o pólen de que vem carregada ou absorver o néctar que vomita. Posteriormente, essa 
mesma abelha executa danças, seguida das companheiras. Esse é o próprio ato da comunicação.
Nesse processo, ela se entrega a uma de duas danças diferentes. Em uma, traça círculos horizon-
tais da direita para a esquerda e, depois, da esquerda para a direita. Em outra, realizando uma vibração 
contínua do abdômen (“dança do ventre”), ela imita a figura de um 8: voa reto, depois descreve uma 
volta completa para a esquerda; voa reto novamente e recomeça uma volta completa para a direita, e 
assim por diante. Após as danças, algumas abelhas – sem a companhia da abelha que executou a dança 
– deixam a colméia e voam diretamente para a fonte que a abelha operária colhedora havia visitado. 
Depois de saciarem-se, voltam à colméia e realizam as mesmas danças, que provocam novas partidas, 
de modo que, após várias idas e vindas, centenas de abelhas já foram ao local indicado pela primeira – 
aquela que descobriu a fonte de alimento. 
2 Alguns estudos recentes têm demonstrado a ocorrência de transmissão cultural entre alguns primatas, o que permite supor que os princípios 
do elemento que caracteriza o ser humano – a cultura – já existiam antes mesmo de fazermos parte do reino animal (ver a esse respeito o Texto 
Complementar deste capítulo). Assim, algumas espécies animais podem desenvolver, além de sistemas comunicacionais (como é o caso das 
abelhas), tradições culturais. Entretanto, como veremos, isso não implica a possibilidade de desenvolverem a linguagem, nos moldes como a 
conhecemos nos humanos. 
Lingüística I
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11|
Com base nessas observações, Frisch pôde, sem muita hesitação, supor que tanto a dança em cír-
culos, quanto a que a abelha colhedora executa vibrando o ventre e descrevendo oitos são verdadeiras 
mensagens que comunicam à colméia a descoberta do alimento. Mas qual a diferença das duas danças? 
Ambas se reportam à distância que separa a colméia do achado. A dança em círculo anuncia que o local 
do alimento está a uma pequena distância – mais ou menos a um raio de cem metros da colméia. A 
outra indica que a fonte de alimento está a uma distância superior a cem metros e até seis quilômetros. 
Nessa última, a mensagem comporta duas informações: uma sobre a distância, outra sobre a direção. A 
distância é dada pelo número de figuras (oitos) desenhadas em um tempo determinado – quanto maior 
a distância, mais lenta é a dança. Por exemplo: quando a abelha realiza de nove a dez oitos completos 
em quinze segundos, a distância do alimento é de cem metros; quando realiza sete, o alimento está a 
duzentos metros; quando realiza quatro oitos e meio, a distância é de um quilômetro; quando realiza 
apenas dois, a distância é de seis quilômetros. Em relação à direção em que se encontra o achado, essa 
informação é dada com base no eixo do oito em relação ao sol, isto é, se ele se inclina mais à direita ou 
à esquerda, indicando o ângulo que o lugar da descoberta forma com o sol3.
Benveniste considera que a descoberta de Frisch possibilita, a partir do modo de comunicação 
empregado em uma colônia de insetos, que se especifique, com alguma precisão (e pela primeira vez!), 
o funcionamento de uma “linguagem” animal. Descrever esse funcionamento permite, por sua vez, assi-
nalar “aquilo em que ela é ou não é uma linguagem e o modo como essas observações sobre as abelhas 
ajudam a definir, por semelhança ou por contraste, a linguagem humana” (BENVENISTE, 2005, p. 64).
O autor avalia que as abelhas mostram-se capazes de produzir e compreender uma verdadeira 
mensagem que contém três dados: a existência de uma fonte de alimento, a sua distância e a sua dire-
ção. Além disso, são capazes de conservar esses dados na memória e de comunicá-los, simbolizando-os 
por comportamentos somáticos. Em outras palavras, as abelhas manifestam aptidão para simbolizar, 
fato observável na correspondência convencional existente entre seu comportamento (físico) e o dado 
que ele traduz. Nesse sentido é que Benveniste (2005, p. 64) afirma que
[...] encontramos, nas abelhas, as próprias condições sem as quais nenhuma linguagem é possível – a capacidade de 
formular e de interpretar um “signo” que remete a uma certa “realidade”, a memória da experiência e a aptidão para 
decompô-la.
É possível, pois, perceber pontos de semelhança entre a “linguagem” das abelhas e a linguagem 
humana, visto que os processos comunicacionais desses insetos transpõem objetivos em gestos for-
malizados, que comportam elementos variáveis, mas de “significação” constante. A situação e a função 
também são de uma linguagem, visto que o mesmo sistema comunicacional “é válido no interior de 
uma comunidade determinada e que cada membro dessa comunidade tem aptidões para empregá-lo 
ou compreendê-lo nos mesmos termos” (BENVENISTE, 2005, p. 64).
Entretanto, apesar desses pontos de semelhança, o autor enumera várias diferenças que podem 
ajudar a esclarecer o que efetivamente caracteriza a linguagem humana. Apresentaremos essas diferen-
ças no quadro a seguir:
3 De acordo com Frisch (1950), as abelhas são capazes de se orientarem mesmo com o tempo encoberto, devido a uma sensibilidade particular 
à luz polarizada. 
Linguagem humana e “linguagem” animal
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Lingüística I
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Todas essas diferenças entre a linguagem humana e a “linguagem” animal levam Benveniste a 
concluir que o termo mais apropriado para definir o modo de comunicação entre as abelhas – que se ca-
racteriza pela fixidez do conteúdo, a invariabilidade da mensagem, a referência a uma única situação, a 
natureza indecomponível da mensagem, a transmissão unilateral (adialógica) – não como “linguagem”, 
mas como “código de sinais”. 
Outro ponto de extrema importância a ser observado é que não é apenas uma ou algumas das 
características referentes à linguagem humana o que faz surgir a sua diferença essencial em relação à 
linguagem animal, mas o conjunto de todas elas. A esse respeito, Sylvain Auroux (1998, p. 51) faz uma 
consideração mais que esclarecedora. Ele afirma que só é possível sustentar que a linguagem (tal como 
a conhecemos nos homens) é radicalmente inacessível aos animais se assumirmos “uma atitude teórica 
holística que consiste em sustentar que a linguagem humana é um todo irredutível à soma das proprie-
dades que se supõe caracterizarem-na”. 
Texto complementar
Tradições selvagens
(WILHELM, 2007, p. 80-85)
Durante toda a manhã um grupo de macacos se locomove ao longo do riacho na Reserva 
Biológica Lomas Barbudal, Costa Rica. É período de seca: as fontes de água estão se esgotando e a 
maioria das árvores perdeu as folhas. Às margens do rio, onde a floresta ainda é verde, uma espécie 
de macaco-prego, o Cebus capucinus, encontra comida. Os animais procuram ansiosamente por 
alimento e só se acalmam por volta do meio-dia, quando o calor aumenta. No alto de uma árvore, 
um casal troca carícias: cada macaco estica o braço, toca o rosto do outro e coloca o dedo dentro do 
nariz. Eles parecem totalmente relaxados: respiram fundo e fecham os olhos. Os corpos balançam 
suavemente, como se estivessem em transe. Machos e fêmeas permanecem nesse ritual por aproxi-
madamente 20 minutos antes de tocar com os dedos os olhos do parceiro.
A equipe coordenada pela bióloga Susan Perry, da Universidade da Califórnia, descreveu es-
sas encenações como “farejar a mão” e “furar os olhos”. Perry pesquisa os macacos-prego desde 
1990 e descobriu um dos exemplos mais expressivos de aprendizado por imitação. Esse comporta-
mento dos macacos lembra as convenções ou tradições sociais transmitidas culturalmente e com 
as quais o homem organiza sua vida. O uso de ferramentas pelos chimpanzés é o exemplo mais 
difundido dessa transmissão, mas o espectro parece ser bem mais amplo: novos estudos identi-
ficaram o uso de ferramentas por imitação em outras espécies, o que parece ser, algumas vezes, 
apenas diversão, sem vantagem evolutiva aparente. É o caso dos golfinhos que usam esponjas-
do-mar como máscara de proteção do focinho durante a busca de alimentos; tudo indica que se 
trata de um comportamento aprendido.
Linguagem humana e “linguagem” animal
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Mas o que seria cultura, afinal? Se consideramos a capacidade de produção de obras como a 
Mona Lisa, sinfonias ou viagens ao espaço, o homem seria classificado como o único “ser cultural”.
Cientistas, entretanto, têm questionado essa afirmação. O biólogo Michael Krutzen, da Universidade 
de Zurique, acredita que comportamentos culturais são aprendidos e transmitidos dentro de uma 
população.
A imitação é, de fato, o primeiro critério a ser considerado quando se estuda cultura em prima-
tas não-humanos, mas é difícil diferenciar, em pesquisas de campo, o que é aprendizado individual 
e o que é transmissão de hábitos. Além disso, grupos da mesma espécie vivendo em ambientes 
diferentes adotam, vez por outra, condutas de motivação ecológica e não-cultural. Em terceiro lu-
gar, comportamentos que ocorrem apenas raramente podem estar relacionados a características 
genéticas e precisam ser desconsiderados.
[...]
Em busca de confiança
Susan Perry acredita na existência de funções para as tradições sociais. Ao tocar os olhos do ou-
tro, por exemplo, os macacos-prego estariam, segundo a bióloga, buscando cumplicidade: “O primeiro 
animal provoca certo estresse e avalia a reação do parceiro”, explica. Se o parceiro responde com caute-
la, isso poderia sugerir que épossível contar com ele. Já se for grosseiro e agressivo, provavelmente não 
será confiável. Para os machos de macacos-prego essa informação é muito importante, pois, na fase 
adulta, quando saem em busca de novos bandos, precisam muito de aliados. Essas incursões geral-
mente terminam em morte, já que os machos do grupo invadido resistem ao ataque. Pesquisadores 
da Reserva Lomas Barbudal concluíram que a coalisão é praticada desde cedo pelos macacos-prego 
e descrevem situações em que três adolescentes brincam juntos, até que surge um desentendimen-
to e dois animais se unem para derrotar o terceiro.
O antropólogo Joseph Manson, integrante do projeto na Costa Rica, ressalta que o estabeleci-
mento de coalisões exige inteligência desses animais: eles precisam motivar companheiros a com-
partilhar o risco e saber que os aliados não irão fugir no momento da luta. Os macacos-prego têm 
um conjunto de códigos para testar tais parcerias. Segundo Manson, trata-se de uma solução criada 
pelos primatas para garantir a confiança, vital nas relações sociais. [...]
No Instituto de Atlanta, a equipe do primatologista Franz de Waal viu um aperto de mão de 
macacos em 2006. O hábito foi instituído por uma fêmea, Geórgia, e se espalhou rapidamente entre 
animais amigos, acostumados à catação de piolhos. Os primatologistas consideram que relações 
sociais, tanto amistosas quanto agressivas, são importantes na assimilação de tradições. Baseado 
em estudo de 2004 com babuínos-cinzentos africanos (Papio anubis), De Wall afirma que a violência 
e a agressividade são comportamentos culturais. [...]
Outras espécies de mamíferos são capazes de transmitir tradições. Na década de 1990, um pes-
cador procurou os biólogos da estação de pesquisa Shark Bay, Austrália, para informar uma defor-
mação física num golfinho. Ele esperava que os cientistas pudessem ajudar o animal, possivelmente 
vítima de um grande tumor no focinho. Foi constatado, porém, que a suposta doença era na verda-
de uma esponja-do-mar utilizada como máscara. Cerca de 40 golfinhos, entre os 800 estudados em 
Shark Bay, utilizavam esse tipo de “proteção”. “A esponja provavelmente os protege dos espinhos 
Lingüística I
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do ouriço quando rastreiam o fundo do mar em busca de alimentos”, explica o biólogo Michael 
Krutzen, da Universidade de Zurique. Em 2005, ele examinou o genótipo dos animais e descobriu 
predominância de fêmeas com parentesco próximo. Para Krutzen, o uso da esponja seria uma tra-
dição familiar transmitida pelas fêmeas por várias gerações. Golfinhos machos, segundo ele, não 
teriam tempo para aprender tal procedimento, devido a obrigações como fazer a corte e procriar.
Esses estudos deixam clara a fusão de limites entre o Homo sapiens e outras espécies. É claro 
que um chimpanzé, um macaco-prego ou um golfinho nunca vão nos contar histórias, criar obras 
de arte, compor sinfonias ou pisar na Lua, mas os princípios do elemento que caracteriza o ser hu-
mano – a cultura – já existiam antes de nós fazermos parte do reino animal. 
Estudos lingüísticos
1. Por que Benveniste nomeia a “linguagem” das abelhas como “código de sinais”?
2. Para comunicar a descoberta de uma fonte de alimento, a abelha colhedora executa duas danças. 
Quais as informações transmitidas por essas danças?
Linguagem humana e “linguagem” animal
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3. Quais são as condições, de acordo com Benveniste, sem as quais nenhuma linguagem é 
possível?
Lingüística I
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Os estudos da linguagem 
e a constituição do 
campo da Lingüística
A reflexão em torno da linguagem
A linguagem é algo que faz parte da vida humana, mas nem sempre foi objeto de reflexão. Ape-
nas à proporção que as sociedades foram se tornando mais complexas, subdividindo-se em estratos e 
classes sociais, e organizando-se a partir de esferas de atividade humanas cada vez mais específicas, é 
que os homens passaram a focalizar com atenção o fenômeno lingüístico1. 
O lingüista brasileiro Joaquim Mattoso Câmara Jr., em seu livro História da Lingüística (1975), 
aponta sete fatores sociais e culturais que despertaram a humanidade para a reflexão em torno da 
linguagem. Cada um desses fatores, por sua vez, desencadeou diferentes estudos da linguagem. 
O primeiro desses fatores é a diferenciação de classes sociais. A linguagem de um grupo social, do 
mesmo modo que suas outras formas de comportamento, constitui a identidade desse grupo. Essa lin-
guagem, portanto, confere-lhe certo status. Percebendo esse fato, as classes sociais de maior prestígio 
e poder passam a agir de modo a preservar os traços lingüísticos (passando-os de geração a geração) 
que as diferenciam das outras classes, em uma tentativa de demarcar fronteiras sociais. Nessa política 
de demarcação, passam a definir, na linguagem, o que é correto e o que é errado, separando os traços 
corretos da linguagem das classes de poder dos traços incorretos da linguagem das classes sociais su-
balternas. A esse tipo de estudo Mattoso Câmara chama de Estudo do Certo e Errado, do qual originará 
1 A invenção da escrita, por exemplo, característica de sociedades mais complexas, fez com que, na tentativa de reduzir os sons da linguagem 
a uma escrita convencional, se passasse a perceber a existência de formas lingüísticas. 
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o que tradicionalmente chamamos de gramática normativa, cujo objetivo é o estudo sistemático dos 
traços de linguagem de um determinado grupo social dominante, que pretende manter inalterada sua 
linguagem e prescrevê-la como a correta frente a outros modos de falar dessa mesma sociedade. 
O segundo fator que, de acordo com Câmara Jr., despertou a humanidade para a reflexão em 
torno da linguagem foi o contato de uma dada sociedade com comunidades estrangeiras que falavam 
outras línguas. Esse contato – hostil ou não – exigiu dos falantes envolvidos um esforço pela busca 
de uma compreensão lingüística, que se desenvolveu a partir de comparações sistemáticas entre as 
línguas postas em relação nesse intercâmbio lingüístico. Ao estudo decorrente dessas condições de 
intercâmbio, o autor chamou de Estudo da Língua Estrangeira. 
Tanto o Estudo do Certo e Errado quanto o Estudo da Língua Estrangeira foram decorrentes da per-
cepção da diferença existente, respectivamente, entre dialetos e línguas em contato. Há ainda, entre-
tanto, outro tipo de diferença que estimulou a reflexão sobre a linguagem: a diferença entre formas 
lingüísticas do passado e formas lingüísticas do presente. A percepção dessa diferença decorreu da 
necessidade de se compreender textos antigos escritos em línguas obsoletas – necessidade que se dá 
em vários domínios, mas especialmente no domínio da literatura, no interior do qual se torna imperativo 
compreender traços lingüísticos obsoletos a fim de captar o valor artístico de um texto. Esse tipo de 
estudo tem sido chamado, a partir dos gregos, de Filologia, termo que Mattoso mantém, chamando a 
esse terceiro tipo de estudo de Estudo Filológico da Linguagem. 
O quarto fator que estimulou a reflexão sobre a linguagem foi o desenvolvimento da ciência no 
seu sentido mais amplo. Os estudos filosóficos, por exemplo, que se processam por meio da expressão 
lingüística, tornam evidente a necessidade de se tomar a linguagem como um instrumento eficiente 
para o pensamento filosófico e apontam para a necessidade de disciplinar esse pensamento por meio 
do disciplinamento da linguagem. Esse entrelaçamento de estudosfilosóficos e estudos da linguagem 
deu lugar a um tipo de estudo híbrido – filosófico e lingüístico ao mesmo tempo – a que os gregos 
chamaram de lógica. Mantendo a tradição grega, Mattoso chama a esse tipo de estudo de Estudo 
Lógico da Linguagem. 
O quinto fator relacionado ao estímulo dos estudos da linguagem decorre também do desenvol-
vimento da ciência, que possibilitou, entre outras coisas, um estudo das características biológicas que 
permitem aos homens o uso da linguagem. Considerada dessa perspectiva, a linguagem, embora seja – 
de acordo com Câmara Jr. – uma criação cultural, depende de uma predisposição biológica. A esse tipo 
de estudo de orientação biológica, o autor chamará de Estudo Biológico da Linguagem.
O conceito de sociedade humana como fenômeno histórico, com base no qual todas as mani-
festações culturais das sociedades podem ser tomadas como objetos passíveis de um estudo histórico, 
é o sexto fator que propiciará o surgimento de um novo tipo de estudo da linguagem, que Mattoso 
Câmara Jr. classifica como o Estudo Histórico da Linguagem. Nessa perspectiva, a linguagem é focalizada 
como um acontecimento histórico, visto que a história de seu desenvolvimento é reconstruída a par-
tir de inúmeras relações estabelecidas entre fatos lingüísticos que se sucedem ao longo de uma linha 
do tempo. 
Entretanto, como nos aponta Câmara Jr., todo fato social (como a linguagem, por exemplo), além 
de ser um acontecimento histórico, também possui uma função social atual. A esse estudo (o sétimo 
tipo apontado pelo autor), que focaliza a função da linguagem na comunicação social, bem como os 
meios pelos quais ela preenche aquela função, Mattoso chama de Estudo Descritivo da Linguagem. 
Lingüística I
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Estudos da linguagem X Lingüística: 
em pauta os critérios de cientificidade
Toda essa classificação proposta por Câmara Jr., e exposta na seção anterior, tem por objetivo 
delimitar o campo da Lingüística frente aos estudos da linguagem em geral, isto é, separar os estudos 
científicos da linguagem dos estudos não-científicos. Para Mattoso, somente os estudos decorrentes 
dos fatores 6 e 7 – o Estudo Histórico da Linguagem e o Estudo Descritivo da Linguagem – constituem o 
âmago da ciência da linguagem ou Lingüística, visto que “em ambos tomamos a linguagem como um 
traço cultural da sociedade, ou explicando sua origem e desenvolvimento através do tempo ou o seu 
papel e meio de funcionamento real na sociedade”. (CÂMARA JR., 1975, p. 19-20; grifo nosso) 
Por essa justificativa, é possível perceber que o critério de delimitação do que é científico passa 
pelo caráter explanatório de um estudo: no caso dos dois tipos de estudos anteriormente considerados, 
o primeiro explica a origem e o desenvolvimento da linguagem; o segundo explica seu papel e meio de 
funcionamento. Não basta, portanto, descrever determinados fenômenos para se constituir um estudo 
científico, é preciso, além disso, explicar o funcionamento ou a natureza desses fenômenos. 
Os estudos enumerados entre os fatores de 1 a 3 – o Estudo do Certo e Errado, o Estudo da Língua 
Estrangeira e o Estudo Filológico da Linguagem – não são considerados estudos científicos e, portanto, 
não fazem parte da ciência da linguagem; pertencem, diferentemente, ao domínio da pré-lingüística. 
Vejamos os argumentos de Câmara Jr. que sustentam essa sua asserção:
Claro que “O Estudo do Certo e Errado” não é ciência. Nada mais é que uma prática do comportamento lingüístico. O 
Estudo da Língua Estrangeira apresenta alguns aspectos científicos na medida em que se baseia na observação e na 
comparação objetivas. Mas ainda não é ciência no sentido próprio do termo, uma vez que não apresenta o verdadei-
ro significado dos contrastes que descobre e não desenvolve um método científico de focalizar a sua matéria. O mesmo 
não [sIc] se pode dizer do “Estudo Filológico da Linguagem”. 
Podemos chamar aqueles três estudos da linguagem de Pré-lingüística, isto é, algo que ainda não é Lingüística. (CÂ-
MARA JR., 1975, p. 20; grifos nossos)
Considerando as colocações feitas por Câmara Jr., é possível perceber que o autor elenca alguns 
critérios que separam o estudo científico do não-científico:
Aspectos do estudo científico Aspectos do estudo não-científico
Baseia-se na observação e na com-::::
paração objetivas.
Não apresenta o verdadeiro significado dos contrastes ::::
que descobre;
Não desenvolve um método científico para focalizar a ::::
sua matéria.
Observar e comparar de maneira objetiva um fenômeno lingüístico faz parte do processo de des-
crição, próprio do fazer científico, mas não é suficiente para caracterizá-lo enquanto tal. É nesse sentido 
que Câmara Jr. afirma que “O Estudo da Língua Estrangeira apresenta alguns aspectos científicos”. Mas 
para se configurar em um estudo científico propriamente dito é necessário, além disso, apresentar o 
verdadeiro significado dos contrastes que descobre – exigência relacionada ao caráter explanatório da 
ciência – e desenvolver um método científico que focalize o objeto estudado.
Os estudos da linguagem e a constituição do campo da Lingüística
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Com relação aos estudos decorrentes dos fatores 4 e 5 – o Estudo Biológico da Linguagem e o Estu-
do Lógico da Linguagem (filosófico, em sentido lato) – Câmara Jr. afirma também não pertencerem ao do-
mínio dos estudos científicos da linguagem, permanecendo nos limites de uma paralingüística. O autor 
não expõe de maneira clara os critérios que o levaram a alinhar a paralingüística à pré-lingüística, ambos 
como estudos não-científicos, mas, considerando os critérios já apresentados para a classificação do 
que vem a ser um estudo científico (Lingüística) e um estudo não-científico (pré-lingüística), pode-se, 
sem muita hesitação, afirmar que tais critérios são os mesmos, já anteriormente referidos.
Com base nessa classificação é que Mattoso Câmara Jr. afirma que uma história da Lingüística 
deveria concentrar sua atenção na Europa do século XIX (onde e quando se desenvolveram os estudos 
históricos) e do século XX (quando se fortaleceram o que o autor chama de estudos descritivos da lingua-
gem), bem como em outros países não-europeus que assimilaram os principais traços e tendências do 
pensamento científico dominante2. 
Mas o que vem a ser esse pensamento científico dominante?
O pensamento científico dominante ao qual se refere Câmara Jr. diz respeito ao que hegemo-
nicamente é considerado ciência no século XIX e, pelo menos, até meados do século XX. De acordo 
com esse paradigma, as explicações dadas pela ciência – diferentemente, por exemplo, das explicações 
dadas pelo senso comum – deveriam ser sistemáticas, controláveis pela observação, de modo a possi-
bilitarem conclusões gerais, isto é, que não valem apenas para os casos observados, mas para todos os 
que a eles se assemelham. Além disso, a concepção do que é ciência nessa época sustenta-se sobre uma 
forte recusa à subjetividade, visto que se aspira à objetividade científica, que garantiria, em princípio, 
que as conclusões de uma teoria ou pesquisa pudessem ser verificadas por qualquer outro membro 
competente da comunidade científica. Para ser objetiva e precisa, a ciência teria, pois, que se dispor 
de uma linguagem rigorosa, uma metalinguagem específica, a partir da qual definiria não somente 
conceitos, mas também procedimentos de análise. Tais procedimentos de análise configurariam um 
método que, se aplicado, garantiria o controle do conhecimento produzido pela ciência. Conforme nos 
apontam Aranha e Martins (2003, p. 158):
A utilização de métodos rigorosos possibilita que a ciência atinja um tipo de conhecimentosistemático, preciso e 
objetivo que permita a descoberta de relações universais entre os fenômenos, a previsão de acontecimentos e também 
a ação sobre a natureza de forma mais segura.
Nessa busca pela cientificidade, cada área da ciência teria que delimitar um campo de pesquisa e 
procedimentos de atuação específicos que garantissem a sua especificidade, isto é, que possibilitassem 
a definição de qual ou quais o(s) setor(es) da realidade seria(m) privilegiado(s) enquanto objeto(s) de 
estudo(s): grosso modo, a Biologia, por exemplo, privilegiaria o estudo dos seres vivos; a Física (ou pelo 
menos certas regiões da Física), o movimento dos corpos e assim por diante.
No caso da Lingüística, o que se tentava no final do século XIX e início do século XX era justamente 
definir a sua especificidade – o seu lugar e o seu objeto de estudo3 –, isto é, um certo setor da realidade 
sobre o qual ela se debruçaria para descrever e explicar seu funcionamento, com base em um método 
definido, a partir do qual fosse possível se chegar a conclusões gerais a respeito de seu objeto. 
2 Apesar desse recorte no tempo e no espaço, Mattoso esclarece que a Lingüística não teria evoluído sem as experiências da pré-lingüística e 
da paralingüística, que ocorreram na Antigüidade, na Idade Média e nos tempos modernos antes do século XIX. Mais que isso, o autor ainda 
esclarece que a pré-lingüística e a paralingüística não cessaram de existir com o advento da Lingüística, mostrando mais uma vez que seu 
recorte não é cronológico, mas fundado sobre critérios razoavelmente nítidos de cientificidade. 
3 Ver a esse respeito o Texto Complementar deste capítulo.
Lingüística I
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21|
A classificação feita por Câmara Jr. – diferenciando a Lingüística (estudos científicos da linguagem) 
da pré-lingüística e da paralingüística (estudos não-científicos da linguagem) – historiciza, em alguma 
medida, esse movimento de constituição da Lingüística enquanto ciência, movimento que se inicia com 
os esforços dos neogramáticos, que, desde o final do século XIX, trabalhavam com o intuito de conquis-
tar para a Lingüística um lugar no campo da ciência. As reflexões apresentadas na Introdução do Curso 
de Lingüística Geral (1916), obra póstuma do suíço Ferdinand Saussure4, também são exemplares desse 
movimento de constituição da Lingüística enquanto ciência. 
Apresentaremos, a seguir, as reflexões feitas por Saussure.
Ferdinand Saussure e a constituição 
do domínio e do objeto da Lingüística
Ferdinand Saussure afirma, na introdução do seu Curso de Lingüística Geral, que as questões 
lingüísticas interessam a todos – historiadores, filólogos etc. – que tenham que manejar textos. Por isso, 
seria inadmissível que seu estudo se tornasse exclusivo de alguns especialistas. Entretanto, por esse 
mesmo motivo de interessar a todos é que se têm germinado, no domínio dos estudos da linguagem, 
idéias tão absurdas e tantos preconceitos. O papel do lingüista, para o autor, é dissolver esses equívocos, 
mas, para tanto, seria necessário colocar-se primeiramente no terreno da língua e tomá-la como norma 
de todas as outras manifestações da linguagem. 
Saussure faz distinção entre linguagem, língua e fala. A linguagem – que, para o autor é uma capa-
cidade que o homem tem de comunicar-se com seus semelhantes por meio de signos verbais – abrange 
a língua e a fala. A língua, por sua vez, constitui o conjunto de todas as regras que determinam o em-
prego dos sons, das formas e das relações sintáticas necessárias para a produção dos significados. Ela é 
comparada a um dicionário, acrescido de uma gramática, cujos exemplares tivessem sido distribuídos 
entre todos os membros de uma sociedade; nesse sentido, pois, a língua, sendo um bem coletivo, tem 
um caráter social. A fala, diferentemente, não tem um caráter social – sua natureza é individual, visto 
que se trata de uma parcela concreta e individual da língua, que um falante põe em ação em cada uma 
de suas situações comunicativas concretas5. 
Para Saussure, portanto, a língua não se confunde com a linguagem, é apenas uma parte determi-
nada e essencial dela e pode ser tomada como uma totalidade homogênea e autônoma6. A linguagem, 
por sua vez, é multiforme e heteróclita, porque é constituída por objetos de natureza distinta – a língua 
e a fala – pertencendo, ao mesmo tempo, ao domínio social e individual. Com base nessa comparação 
4 O Curso de Lingüística Geral, publicado originariamente em 1916, foi organizado por dois dos colegas de Ferdinand Saussure (Charles Bally e 
Albert Sechehaye), a partir de notas dos alunos de um curso ministrado por ele entre os anos de 1907 e 1911 na Universidade de Genebra, sob 
o título de “Lingüística geral”, curso que foi interrompido pela doença do mestre genebrino, que veio a falecer em 1913. 
5 Essas primeiras considerações a respeito da distinção entre linguagem, língua e fala têm por objetivo possibilitar uma melhor compreensão 
do recorte que Saussure faz para constituir a língua como o objeto próprio da Lingüística. 
6 Quando nos referimos ao caráter homogêneo da língua, tal como concebida por Saussure, estamos, na verdade, referindo-nos à homogeneidade 
do funcionamento da língua, no sentido de ela ser um sistema que funciona sempre por meio das relações binárias, opositivas e negativas 
existentes entre seus elementos. A autonomia da língua, por sua vez, deve ser compreendida no sentido de ela submeter-se apenas à sua 
ordem própria de funcionamento. 
Os estudos da linguagem e a constituição do campo da Lingüística
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entre o caráter heteróclito e multiforme da linguagem e o caráter homogêneo e autônomo da língua 
é que o autor argumenta a favor da constituição da língua como o objeto próprio da Lingüística. Con-
forme afirma, se dermos a ela o primeiro lugar entre os fatos da linguagem, introduz-se uma ordem em 
um conjunto (o da linguagem como um todo) que não se presta à classificação, se considerado fora da 
ordem da língua. 
Assim, o primeiro movimento de Saussure em direção à constituição de um objeto próprio da 
Lingüística é diferenciar a língua da linguagem, separando o homogêneo e, portanto, sistematizável, 
do heterogêneo e não sistematizável. Um segundo movimento diz respeito à inclusão da Lingüísti-
ca em um domínio próprio, a saber, o da Semiologia. Vejamos como se dá essa inclusão e quais as 
suas implicações. 
Saussure afirma que a língua é uma instituição social que se distingue das outras instituições 
(políticas, jurídicas etc.) por se constituir como um sistema de signos que exprimem idéias e, por isso, 
ser comparável à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez, 
aos sinais militares etc., sendo, entretanto, o principal desses sistemas. Com base nessa abordagem, 
o autor concebe a possibilidade de uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida social; a 
essa ciência – que nos ensinaria em que consistem os signos, quais as leis que os regem – ele chama 
de Semiologia7. 
A Lingüística se constitui, de acordo com Saussure, como uma parte da Semiologia, de modo que 
as leis descobertas por esta seriam aplicáveis também àquela, que se acharia, dessa forma, vinculada 
a um domínio bem definido no conjunto dos fatos humanos. Essa definição de um domínio específico 
para a Lingüística é, para o autor, de extrema importância, pois, como ele mesmo afirma, “se, pela pri-
meira vez, pudemos assinalar à Lingüística um lugar entre as ciências, foi porque a relacionamos com a 
Semiologia” (SAUSSURE, 2006, p. 24). 
Se a Lingüística beneficia-se com esse movimento, a Semiologia também, visto que, para o 
autor do Curso de Lingüística Geral,não há nada mais adequado que a língua para fazer-nos compre-
ender a natureza do problema semiológico, mas, para formulá-lo convenientemente, é necessário 
estudar a língua em si8, tomada como um objeto autônomo e homogêneo.
Os dois movimentos epistemológicos realizados por Saussure, e abordados nesta seção, confe-
rem à Lingüística um domínio (o da Semiologia) e um objeto (a língua) próprios. A implicação que disso 
decorre é que, com essa delimitação, passa a ser possível se produzir, no interior desse campo, um tipo 
de conhecimento sistemático, preciso e objetivo, bem aos moldes do paradigma dominante de cientifi-
cidade da época. Como bem nos afirma o mestre genebrino,
com o outorgar à ciência da língua seu verdadeiro lugar no conjunto do estudo da linguagem, situamos ao mesmo 
tempo toda a Lingüística. Todos os outros elementos da linguagem [...] vêm por si mesmos subordinar-se a esta primei-
ra ciência [...]. (SAUSSURE, 2006, p. 26; grifos nossos)
7 A Semiologia, por sua vez, constituiria, para Saussure, uma parte da Psicologia Social e, por conseguinte, da Psicologia Geral. 
8 Saussure, a partir dessa colocação, faz referência aos estudos que sempre abordam a língua em função de outra coisa, sob outros pontos 
de vista: a) o ponto de vista do grande público, que vê na língua somente uma nomenclatura; b) o ponto de vista do psicólogo, que estuda 
o mecanismo do signo no indivíduo, não atingindo a sua natureza social; c) o ponto de vista daqueles que percebem que o signo deve ser 
estudado socialmente, mas detêm-se apenas sobre os caracteres da língua que a vinculam às outras instituições, às que dependem mais ou 
menos de nossa vontade, o que, de acordo com o autor, coloca toda a pesquisa fora de foco, visto que se negligenciam as características que 
pertencem somente aos sistemas semiológicos em geral e à língua em particular.
Lingüística I
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Texto complementar
Objeto observacional e objeto teórico
(BORGES NETO, 2004, p. 34-38)
O mundo das aparências (o mundo das coisas tais como se apresentam) é um mundo de diversi-
dade: pouco ou nada há de comum na multiplicidade de coisas individuais que parecem diferir radi-
calmente umas das outras. As ciências, assim como outras espécies de saber, fazem reduções parciais 
da diversidade, isto é, recortam o campo da diversidade observacional de maneiras que lhes parecem 
apropriadas para o tipo de entidades e de explicações que lhes são preferenciais. [...]
Toda teoria delimita uma certa “região” da realidade como seu objeto de estudos. Uma teoria 
da luz trata de fenômenos luminosos e não dos sons ou de movimentos dos corpos; uma teoria da 
química trata das combinações e das reações entre as substâncias químicas, mas não trata das sen-
sações gustativas que essas substâncias despertam nas pessoas, nem trata de estabelecer a natureza 
dos locais geológicos onde as substâncias podem ser encontradas. As disciplinas científicas, enfim, 
fazem uma espécie de “loteamento” da realidade, cabendo a cada uma delas um dos “lotes”. [...] O 
objeto observacional de uma teoria é, em princípio, a “região” que a teoria privilegia como foco de sua 
atenção e é constituído por um conjunto de fenômenos observáveis.
Um erro comum é supor que as divisões da ciência correspondem a divisões naturais da rea-
lidade. Isso equivale a supor que, pelo fato de alguém ter direitos adquiridos sobre certo território, 
as fronteiras desse território correspondem a alguma divisão natural. As delimitações dos objetos 
observacionais não são neutras, ou seja, não é a própria realidade que diz como quer ser seleciona-
da. O “loteamento” do observacional é resultado de um trabalho humano sobre a realidade e, em 
conseqüência, já é um primeiro momento de teorização. 
[...]
Delimitado o objeto observacional, a teoria vai identificar entidades básicas, a partir das quais 
vai atribuir propriedades aos fenômenos pertencentes ao campo e vai estabelecer relações entre 
eles, transformando o objeto observacional em objeto teórico.
Os cientistas em geral agem como aquele bêbado da piada, que procurava a chave do carro 
embaixo do poste de iluminação porque ali estava mais claro, embora a tivesse perdido em outro 
lugar. O objeto teórico é construído a partir da escolha das entidades básicas, do objetivo geral do 
estudo (“fazer ciência”, por exemplo) e do nível de adequação pretendido; e é com essas “luzes” que 
o cientista vai olhar a diversidade do observacional, só vendo ali o que as “luzes” lhe permitem ver. 
Se a “chave” estiver ali, muito bem; se não estiver, paciência.
Teorias diferentes podem construir objetos teóricos distintos sobre um objeto observacional 
que é supostamente o mesmo, bastando para isso reconhecer entidades básicas, predicados e rela-
ções diferentes no objeto observacional. Vejamos isso num exemplo.
(1) O indivíduo A dirige-se ao indivíduo B e pronuncia as seguintes palavras: 
“João não viu o menino que trouxe o pacote”.
Os estudos da linguagem e a constituição do campo da Lingüística
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Consideremos que o que está no exemplo (1) é uma descrição de um fenômeno pertencente 
ao objeto observacional da lingüística. Agora vejamos o que algumas teorias “selecionam” deste 
fenômeno e que propriedades atribuem a ele. 
A gramática gerativa ignora o contexto concreto em que o enunciado (o conjunto de palavras) 
ocorreu e concentra-se apenas nele. Entende o enunciado como uma estrutura superficial à qual se 
associam, por meio de um conjunto de regras, estruturas mais abstratas [...]. Na verdade, a gramá-
tica gerativa só vai se ocupar do conjunto de regras e princípios (com destaque para os universais) 
que permitem que os falantes gerem sentenças de sua língua, entre as quais a sentença enunciada 
no episódio descrito em (1). 
O filósofo John Austin, por outro lado, encararia (1) sob um ponto de vista completamente 
diferente. Para ele, A realiza um ato de fala assertivo com o qual pretende que B tome conhecimento 
do conteúdo proposicional do enunciado. [...]
Oswald Ducrot, com sua semântica argumentativa, veria no enunciado de A uma negação polê-
mica, em que A contesta a afirmação de que João teria visto o menino que trouxe o pacote. [...]
O que vemos nesses exemplos é que, embora o objeto observacional seja, em princípio, o mes-
mo para todas as teorias, os objetos teóricos são extremamente distintos.
[...]
A definição do objeto teórico “cria” uma realidade particular da teoria. Em outras palavras, a 
teoria cria um mundo todo seu, que não se confunde com o mundo tal como o observamos. Esse 
mundo teórico é povoado não só pelos fatos observáveis (fenômenos) como também pelas entida-
des teóricas.
Estudos lingüísticos
1. Por que, de acordo com Câmara Jr., o Estudo Histórico da Linguagem e o Estudo Descritivo da 
Linguagem são estudos científicos?
Lingüística I
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2. Quais são as exigências postas pelo paradigma científico dominante do final do século XIX e início 
do século XX, momento da constituição da ciência da linguagem ou Lingüística?
Os estudos da linguagem e a constituição do campo da Lingüística
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3. Quais são os dois movimentos epistemológicos que Saussure realiza para constituir o campo da 
Lingüística?
Lingüística I
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Os estudos lingüísticos 
do século XIX: a gramática 
comparada e históricaPrimeiras considerações
O século XIX em Lingüística caracterizou-se pelos estudos comparatistas e históricos da língua. 
Esses estudos desenvolveram um método de manipulação de dados lingüísticos enquanto dados lin-
güísticos e trataram, pela primeira vez, a linguagem em si mesma e por si mesma, sem abordá-la em 
função de outros projetos, ou seja, sem subordiná-la ao estudo da retórica, da lógica, da poética ou 
da filosofia. 
O início desses estudos do século XIX se deu a partir da descoberta da língua brahmi (sânscrito) 
por eruditos e tradutores ingleses, no final do século XVIII. William Jones (1746-1794), promotor inglês 
da Sociedade Asiática e juiz que exercia seu ofício na burocracia colonial em Calcutá, ao entrar em 
contato com o sânscrito (1786), percebeu que essa língua, o latim e o grego apresentavam muitas afi-
nidades tanto nas raízes dos verbos quanto nas formas gramaticais. A partir dessas observações, Jones 
levantou a hipótese de que tantas e tão grandes semelhanças não poderiam ser atribuídas ao acaso: ao 
contrário, deveriam servir de evidência de que essas três línguas tinham uma origem comum. 
Esse evento acaba por desencadear na Europa um movimento de estudos comparativos e histó-
ricos. Nesses estudos, essa mesma constatação a que chegou Jones foi recuperada por vários pesqui-
sadores, dando origem a um grande desenvolvimento no conhecimento sobre a linguagem e sobre a 
formação das línguas. Esse trabalho investigativo também permitiu que fosse agrupada uma grande 
quantidade de dados lingüísticos, além de possibilitar que se incorporassem aos estudos da linguagem, 
de modo definitivo, alguns princípios:
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o de que é possível, por meio da comparação dos elementos gramaticais das línguas:::: 1, estabe-
lecer as correspondências formais entre elas; 
o de que as línguas mudam no tempo;::::
o de que é possível relacionar grupos de línguas, por elas terem uma demonstrável origem ::::
comum (a metáfora de famílias de línguas é formulada nesse contexto); 
o de que é possível reconstruir, por comparações e inferências, vários aspectos desses estágios ::::
anteriores não documentados. 
O sucesso inicial desse empreendimento comparativo e histórico foi muito grande, mas o seu 
efeito foi ainda maior. As correspondências encontradas entre as línguas estudadas eram apresentadas 
em enunciados descritivos que tinham, conforme descreve Faraco (2004, p. 30), mais ou menos a se-
guinte forma: 
“Dados os elementos a, b, c numa língua X e o contexto estrutural E, resultaram, na língua Y ou na 
sub-família W, as mudanças p, q, r.”
Esse tipo de enunciado, definidor de bloco de correspondências entre as línguas e bem caracte-
rístico dos estudos histórico-comparativos, “vai favorecer a construção da idéia da imanência, isto é, da 
idéia de que fatos lingüísticos são condicionados só e apenas por fatos lingüísticos” (FARACO, 2004, p. 
31), o que será decisivo para a fundação da Lingüística como um campo científico de estudos da lingua-
gem, cujo marco simbólico é o trabalho de William Jones, em 17862.
A construção da idéia de imanência pode ser observada na intuição, que perpassou todo o sécu-
lo XIX, de que as línguas humanas são totalidades organizadas. Essa intuição teve uma formulação no 
trabalho de A. Schleicher (1821-1867), botânico de formação e adepto do pensamento evolucionista de 
sua época, que concebia a língua como um organismo vivo “com existência própria independente de 
seus falantes, sendo sua história vista como uma ‘história natural’, isto é, como um fluxo que se realiza 
por força de princípios invariáveis e idênticos às leis da natureza” (FARACO, 2004, p. 33). Essa concepção 
de língua de Schleicher é extremamente coerente com sua posição teórica frente à Lingüística: para ele, 
a Lingüística pertence às ciências naturais e sua cientificidade decorre disso.
Uma outra formulação da intuição de que as línguas são totalidades organizadas aparece no tra-
balho de W. D. Whitney (1827-1894). O lingüista concebe que cada língua é uma instituição social, que 
funciona, portanto, de acordo com leis próprias. Ferdinand Saussure admirava muito essa formulação 
de Whitney a ponto de assumi-la no seu Curso de Lingüística Geral, desenvolvendo-a e levando-a às últi-
mas conseqüências – no interior de sua proposta teórica, obviamente. Na verdade, como analisa Faraco 
(2004), é Saussure que dará o arremate ao senso de sistema autônomo que atravessou o século XIX, 
elaborando a idéia de que a língua é um sistema de signos independente.
Feitas essas considerações, apresentaremos, a seguir, um pouco do debate teórico do século XIX, 
a partir das formulações e reformulações em torno da problemática da mudança lingüística. Para tanto, 
seguiremos Faraco (2004; 2005). 
1 Por isso a denominação gramática comparada. 
2 O marco simbólico da fundação da Lingüística enquanto ciência é 1786 (século XVIII), com o trabalho de William Jones. O marco simbólico da 
fundação da Lingüística moderna é 1916 (século XX), com a publicação do Curso de Lingüística Geral, de Ferdinand Saussure.
Lingüística I
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Um pouco do debate: formulações e reformulações 
em torno da problemática da mudança lingüística 
De acordo com Faraco (2004), na seqüência da apresentação dos resultados do trabalho de 
William Jones, houve uma verdadeira febre de estudos sânscritos:
escreveram-se gramáticas e dicionários; ::::
fundou-se, em 1795 em Paris, a Escola de Estudos Orientais, centro importante de investigação ::::
histórico-comparativa;
Friedrich Schlegel (1772-1829) e Franz Bopp (1791-1867), intelectuais que estudaram na Escola ::::
de Estudos Orientais, desenvolveram a chamada gramática comparativa;
F. Schlegel publicou, em 1808, seu texto :::: Sobre a língua e a sabedoria dos hindus, que é conside-
rado o ponto de partida dos estudos comparativos germânicos;
F. Bopp publicou, em 1816, seu livro :::: Sobre o Sistema de Conjugação da Língua Sânscrita em 
Comparação com o da Língua Grega, Latina, Persa e Germânica, em que, pela comparação 
detalhada da morfologia verbal de cada uma dessas línguas, demonstrou as correspon-
dências sistemáticas que havia entre elas, fundamento para se revelar empiricamente seu 
efetivo parentesco.
Todos esses estudos criaram o método comparativo, procedimento central nos estudos de 
lingüística histórica. A partir do método comparativo, descreve-se uma língua (sua forma fonética, sua 
organização sintática etc.) não por meio de uma análise interna dela mesma, mas pela comparação com 
outras diferentes línguas. 
O estudo propriamente histórico, entretanto, estabeleceu-se apenas mais tarde, com Jacob 
Grimm (1785-1863), um dos irmãos que ficaram famosos como coletadores de histórias infantis tradicio-
nais. Em seu livro Deutsche Grammatik, Grimm interpretou a existência de correspondências fonéticas 
sistemáticas entre as línguas como resultado de mutações regulares no tempo. O estudioso chegou a essa 
conclusão após analisar o grupo germânico das línguas indo-européias, que tinha seus dados distribu-
ídos em uma seqüência de 14 séculos, o que possibilitou o estabelecimento da sucessão histórica das 
formas que estava comparando. A partir de seus estudos, ficou claro, afirma Faraco (2004, p. 33), “que a 
sistematicidade das correspondências entre as línguas tinha a ver com o fluxo histórico e, mais especifi-
camente, com a regularidade dos processos de mudança lingüística”.
Há, portanto, uma diferença importante entre o trabalho de Bopp, anteriormente citado, em que 
o lingüista buscava estabelecer o parentesco entre as línguas a partir do estudo de textos de diferentes 
línguas, sem, entretanto, pretenderseguir nenhuma cronologia entre eles, e o trabalho de Grimm, que, 
diferentemente, pretendia estabelecer a sucessão das formas que descrevia. Essa foi a primeira altera-
ção substancial que ocorreu no direcionamento dos estudos lingüísticos do século XIX.
No último quarto desse século, ocorreu também uma nova alteração nesse direcionamento. Uma 
nova geração de lingüistas relacionados com a Universidade de Leipzig propôs um novo programa de 
pesquisa questionando os pressupostos tradicionais da prática histórico-comparativa e estabelecendo 
uma orientação metodológica diferente, bem como um conjunto de postulados teóricos para a inter-
pretação da mudança lingüística. O ano de 1878 é considerado o marco inicial desse novo movimento 
teórico, que ficou conhecido como o movimento neogramático. Nesse ano, ocorreu a publicação do 
Os estudos lingüísticos do século XIX: a gramática comparada e histórica
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primeiro número da revista fundada por Hermann Osthoff (1847-1909) e Karl Brugmann (1849-1919), 
intitulada Investigações morfológicas. O prefácio, assinado pelos dois autores, é tido como o manifesto 
neogramático. Conforme nos relata Faraco (2004), nesse prefácio Osthoff e Brugman criticaram a con-
cepção de língua que a via como possuindo uma existência independente e postularam que, ao invés 
disso, a língua deveria ser vista como ligada ao indivíduo falante, porque as mudanças lingüísticas se 
originam nele. Esse postulado introduziu uma orientação psicológica subjetivista na interpretação dos 
fenômenos de mudança.
Osthoff e Brugman também afirmavam que o objetivo principal do pesquisador não era chegar à 
língua original indo-européia (uma criação hipotética), mas apreender a natureza da mudança, a partir 
do estudo de línguas vivas atuais. Isso porque o que lhes interessava era investigar os mecanismos da 
mudança e, a partir deles, desvendar os princípios gerais do movimento histórico das línguas e não 
apenas reconstruir estágios remotos das mesmas. Nesse sentido, avalia Faraco (2004, p. 35), o que se 
tem aqui é uma perspectiva diferente para os estudos históricos: “trata-se antes de criar uma teoria da 
mudança do que apenas arrolar correspondências sistemáticas entre línguas e, a partir delas, recons-
truir o passado”.
Para estabelecer seus postulados, portanto, os dois autores criticaram tanto o objetivo central, 
quanto o pressuposto de independência das línguas, formulados pela geração de lingüistas anterior. 
Osthoff e Brugman criticavam ainda, em seus antecessores, o fato de eles facilmente interpretarem 
as irregularidades percebidas no processo da mudança lingüística como exceções fortuitas e casuais. 
De acordo com os neogramáticos, interpretar as irregularidades dessa maneira significaria admitir que 
as línguas não são suscetíveis de estudo científico. Contrapondo-se a essa situação, eles estabelece-
ram que “as mudanças sonoras se davam num processo de regularidade absoluta, isto é, as mudanças 
afetavam a mesma unidade fônica em todas as suas ocorrências, no mesmo ambiente, em todas as 
palavras, não admitindo exceções” (FARACO, 2004, p. 35). Se houvesse exceções, isso ocorreria por um 
dos dois motivos: 
o princípio efetivo ainda não tinha sido descoberto; ::::
a regularidade da mudança tinha sido afetada pelo processo de :::: analogia.
A hipótese de que, se houvesse exceções era porque o princípio da mudança ainda não tinha sido 
descoberto, foi inspirada, conforme Faraco (2005), pelo trabalho de Karl Verner (1846-1896). Explicaremos 
em que sentido.
Jacob Grimm havia formulado um princípio sobre a mudança lingüística que ficou conhecido 
como a lei de Grimm. O lingüista postulou, para o germânico, uma mutação que adveio do período 
pré-histórico dessa língua. Essa mutação foi resumida por Lyons (apud PAVEAU; SARFATI, 2006, p. 13) da 
seguinte maneira: 
“As consoantes aspiradas indo-européias (bh, dh, gh) tornaram-se não-aspiradas (b, d, g); as con-
soantes sonoras (b, d, g) tornaram-se surdas (p, t, k); e as consoantes surdas (p, t, k) tornaram-se 
aspiradas (f, th3, h).”
Essa série de correspondências atesta um mecanismo de mutação de consoantes, o que permitiu 
que Grimm formulasse o pressuposto de que “a mudança fonética é uma tendência geral” (PAVEAU; 
SARFATI, 2006, p. 13), apesar de não ocorrer sempre que há condições para isso. Verner, por sua vez, es-
3 O símbolo /th/ é equivalente ao /θ/, que usaremos a seguir. Esse fonema representa o som do th no inglês (por exemplo, em think).
Lingüística I
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tudando também a mutação das consoantes no ramo germânico das línguas indo-européias, demons-
trou que as exceções – isto é, os casos em que, para Grimm, supostamente não ocorre a mudança – 
eram apenas aparentes. Em um artigo de 1875, Verner mostrou que as consoantes do indo-europeu /p/ 
/t/ /k/ haviam se transformado em /f/ /θ/ /h/, no ramo germânico, somente quando, no indo-europeu, 
as consoantes não ocorriam depois de sílabas fracas. Se, entretanto, ocorressem antes de sílabas fracas, 
/p/ /t/ /k/ se transformariam em /b/ /d/ /g/. Desse modo, o lingüista pôde demonstrar que 
as mudanças não haviam afetado uniformemente aquelas três unidades tomadas em si (como estava na formulação 
de Grimm): na verdade, elas haviam passado por processos diferentes de mudança (mas ainda regulares) conforme sua 
ocorrência num ou noutro tipo de contexto lingüístico. (FARACO, 2005, p. 142) 
Essa formulação, que introduzia o ambiente lingüístico das unidades como condicionante do tipo 
de mudança que elas sofreriam, recebeu o nome de lei de Verner. Tal lei, além de reforçar a confiança dos 
lingüistas no princípio da regularidade da mudança, também inspirou a hipótese dos neogramáticos, já 
referida anteriormente, de que a regularidade da mudança sonora era absoluta, pois estava subordinada 
a leis – chamadas leis fonéticas – que não admitiam exceções: as leis se aplicariam a todos os casos subme-
tidos às mesmas condições. Isso fez com que os lingüistas buscassem formulá-las com precisão ou, então, 
em último caso, fornecessem boas explicações para os casos das palavras que deveriam ter sido alteradas 
conforme determinadas leis fonéticas, mas não foram. A “boa explicação” que formularam para tais casos 
foi que a regularidade da mudança é, conforme já apontado, afetada pelo princípio de analogia. 
A mudança por analogia era entendida como a alteração na forma fonética de certos elementos 
de uma língua por interferência de seus paradigmas gramaticais regulares. Ou seja: quando uma mu-
dança sonora ocorresse em um elemento e afetasse certos padrões gramaticais, era possível “retificar” 
isso, mudando a forma resultante da mudança, de maneira a colocá-la nos moldes dos padrões gra-
maticais regulares da língua. Como exemplo, consideraremos a palavra latina honor e algumas de suas 
formas de declinação:
honos – honosis, honosem
honos – honoris, honorem
 
De acordo com os estudos comparativistas, o s original, reconstruído do indo-europeu, manteve-se 
tanto em posição final quanto em posição inicial de palavra. Em posição intervocálica, no entanto, mudou 
para r. Desse modo, de uma fase anterior, em que ocorria somente s (honos – honosis, honoses), passou-se a 
uma fase em que o s só era encontrado em posição final de palavra. Nos demais contextos, s transformava-
se em r (honos – honoris, honorem). Essa é a lei fonética que explica essa mudança. 
Como explicar, então, que em latim não temos honos, mas honor? Como explicar essa irregula-
ridade? Explica-se pelo princípio da analogia. A lei da mudança fonética, sempre aplicada a todos os 
casos, gera honos, mas, devido à pressão exercida pelo padrão morfológico

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