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o brasil e a seguranca no seu entorno estrategico america do sul e atlantico sul
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processos presentes no entorno estratégico brasileiro. As dinâmicas sul-americanas e sul-atlânticas no campo da segurança e da defesa não apenas afetam o Brasil, mas são também afetadas por políticas brasileiras. Entender este processo implica compreender os fatores que conduzem à estabilidade regional, condicionante essencial para o desenvolvimento do país. Marcelo Côrtes Neri Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) INTRODUÇÃO Ainda que alguns países sul-americanos tenham ampliado seus gastos militares em período recente, o subcontinente permanece como a região de menor gasto militar no mundo, não representando, ainda, qualquer tipo de ameaça à estabi- lidade internacional. Entretanto, embora se possa afirmar que a região seja uma zona de paz, em que os conflitos interestatais estão praticamente ausentes e em que inexistem quaisquer tipos de armas de destruição em massa, várias ameaças surgiram e/ou se intensificaram ao longo da última década, com destaque para o narcotráfico e o crime organizado. Os acontecimentos de 11 de setembro de 2001, as invasões militares ao Afeganistão e ao Iraque, bem como a guerra contra o terror, liderada pelos Estados Unidos, reintroduziram os temas de segurança entre as questões prioritárias na região. A ênfase, no entanto, estendeu-se para além das relações entre Estados, envolvendo, necessariamente, a sociedade civil, na medida em que a percepção acerca da fonte das novas ameaças se encontra precisamente no âmbito desta. Frente às tendências de securitização de diversas agendas por parte dos Estados Unidos, a opção dos países da América do Sul poderia residir na fragmentação das ações, em que cada país almejasse obter vantagens pontuais, ou na construção de mecanismos efetivos de diálogo que abordassem temas de interesse comum. Neste sentido, ao longo da última década, os países do subcontinente e suas respectivas sociedades dedicaram-se a um processo de progressiva reformulação dos conceitos de segurança e redefinição das ameaças. Em tal processo, foram incluídas no rol de ameaças as de natureza doméstica ou transnacional, ainda que considerando os fatores militares tradicionais, que, no entanto, passaram a ter um novo significado neste contexto. Os riscos e vulnerabilidades que afetam a segurança das nações na América do Sul evidenciam a necessidade de se definir uma nova agenda de segurança, que leve em consideração as relações entre as dimensões global, nacional e a das pessoas. Neste sentido, um dos principais desafios é estabelecer uma concatenação conceitual que incorpore desde a segurança humana até a segurança internacional, passando pela segurança estatal. Os contextos específicos indicarão a maneira como se esta- belecerão as relações entre essas três dimensões e qual delas teria mais importância. Muito embora os nexos entre sociedade civil e atores políticos em relação aos temas de segurança e defesa ainda sejam tênues, na medida em que avançam os processos de consolidação democrática, nota-se tendência a uma participação mais ativa por parte de organizações da sociedade civil nos processos de formulação 12 O Brasil e a Segurança no seu Entorno Estratégico de políticas públicas e na legislação associada a estas questões. Se, inicialmente, a preocupação da sociedade civil em torno dos temas de segurança referia-se, basi- camente, à estabilidade democrática e à prevenção da transformação das Forças Armadas em ator político, a ênfase na proteção dos direitos humanos tornou a segurança um dos temas indissociáveis dessa agenda. Essas dificuldades enfrentadas em nível nacional potencializam-se no âmbito regional, no marco de uma debilidade – ou ausência – de organizações, movimentos e redes que elaborem uma agenda de segurança regional comum orientada para a paz, a segurança e a prevenção de conflitos. Mesmo com o aumento da criminali- dade e da violência nas sociedades de toda a região, as organizações da sociedade civil ainda tendem a perceber tais questões como preocupações domésticas. Os desafios que se apresentam para o subcontinente sul-americano, em parte, também são observados ao se considerar a segurança sul-atlântica. Tal como a América do Sul, este espaço é efetivamente uma zona de paz, livre de armas de destruição em massa. No entanto, a manutenção desta condição requer que os países do Atlântico Sul tenham capacidades para, em conjunto, manterem-na livre de ameaças extrarregionais e que, ademais, disputas alheias a este espaço não venham nele se manifestar. Estas capacidades também são necessárias para que se mantenham em constante funcionamento as linhas de comunicações marítimas que atravessam o Atlântico Sul, preservando, assim, a boa ordem no mar. Interrupções de tais linhas trariam transtornos consideráveis aos países que delas dependem, impedindo, muitas vezes, a manutenção de atividades de exportação/importação. Em tal caso, isto poderia não apenas causar danos econômicos, mas privar grande número de indivíduos de gêneros de primeira necessidade trazidos do exterior. Para alcançarem tal objetivo, os países lindeiros devem dispor de meios materiais e humanos adequados, ademais da necessidade de certo grau de institu- cionalidade nas relações entre os dois lados do Atlântico Sul, facilitando o diálogo dos temas de interesse mútuo e o avanço de atividades de cooperação. A importância de se estudar temas dessa natureza decorre de, entre outros aspectos, ser este um passo crucial para se desenhar a agenda dos problemas e desafios que afetam o processo de tomada de decisão, bem como da avaliação de consensos possíveis que possam mobilizar a vontade política nacional para o enfrentamento desses problemas. É com este espírito que este livro é trazido a público, reunindo trabalhos de acadêmicos e militares, brasileiros e estrangeiros, que buscam contribuir para a melhor compreensão de espaços considerados em documentos oficiais do país como parte do entorno estratégico brasileiro. O livro é fruto do projeto O Papel da Defesa na Inserção Internacional Brasileira, coordenado pelo Ipea, que tem como objetivo contribuir com o debate sobre as políticas públicas na área da defesa nacional. 13Introdução O livro possui duas partes. A primeira aborda algumas das principais dinâmicas securitárias da América do Sul, dividindo-se em duas subpartes, que analisam questões relativas, respectivamente, à defesa nacional e aos desafios para o enfrentamento da criminalidade organizada transnacional. A segunda parte tem como objeto o Atlântico Sul, buscando contribuir para o debate acerca dos inte- resses brasileiros neste espaço e de como o país pode cooperar para a manutenção de sua estabilidade. No capítulo de abertura, Oscar Medeiros Filho explora o sentido de se consi- derar a América do Sul como uma unidade de análise do ponto de vista dos estudos em segurança regional. Para tanto, a teoria dos complexos regionais de segurança é aplicada e adaptada ao contexto sul-americano. O autor “separa” o subcontinente em duas partes, denominadas de “arco da estabilidade” e “arco da instabilidade”, analisando ainda o Conselho de Defesa Sul-Americano e os principais desafios de segurança para o subcontinente. Em seguida, no capítulo 2, o mesmo autor, Oscar Medeiros Filho, em conjunto com Adriana Marques, discute os aspectos centrais das políticas de defesa e segurança da Colômbia e da Venezuela. Os autores destacam que estes dois vizinhos, muito embora vivam momentos políticos distintos, atravessam processos que guardam semelhança: ambos não apenas têm expandido as suas forças armadas, mas têm atribuído crescente prioridade às questões de defesa externa. Salvador Raza, no capítulo 3, propõe um sistema de segurança de frontei-