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o brasil e a seguranca no seu entorno estrategico america do sul e atlantico sul
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de segurança nacional (luta contra o inimigo interno comunista). Por fim, sob uma perspectiva liberal, pode-se destacar o papel das normas nas relações internacionais. Observa-se que, desde o período de independências no século XIX, os países da região têm gradualmente construído uma espécie de “sociedade internacional” na qual, conscientes de certos valores e interesses convergentes, consideram-se ligados no seu relacionamento por um conjunto comum de regras (Bull, 2002). O impacto das normas no comportamento dos Estados da região e em suas relações externas poderia ser evidenciado no conside- rável número de pendências territoriais resolvidas de forma pacífica, por meio de arbitragem ou negociação (Kacowicz, 2005). Deve-se destacar que, como será visto adiante, constam do documento de constituição do CDS as normas essenciais de uma pretensa “sociedade internacional”, quais sejam os princípios da: soberania; integridade territorial; independência e igualdade legal; e não intervenção. 2.1.2 Abordagens teóricas Serão utilizadas duas perspectivas teóricas de abordagem regional em relações internacionais para situar o nível de integração sul-americano. A primeira, de- senvolvida por autores da chamada Escola de Copenhague, diz respeito aos CRS, tal como proposto inicialmente por Buzan (1991). Para este autor, em muitos casos, as preocupações militares de um grupo de Estados são tão interdependentes que a segurança de um país só pode ser compreendida se for levada em consideração a de seus vizinhos. Nestes casos, faz-se necessário compreender os mecanismos que ocorrem no nível de análise intermediário entre o nacional e o global. Surge, assim, a necessidade de se pensar complexos regionais. 25Breve Panorama de Segurança na América do Sul Com base no padrão de relacionamento entre unidades de uma região, é possível identificar diferentes tipos de complexos regionais, variando entre ambientes conflituosos, em que a possibilidade de guerra é iminente, de um lado, e ambientes de relativa paz, de outro. Dependendo das características de relacionamento entre os países da região – padrão de amizade e/ou inimizade –, os CRS são classificados em três diferentes tipos: i) formações conflitivas; ii) regimes de segurança; e iii) comunidades de segurança (Buzan e Wæver, 2003). Para Buzan e Wæver (2003), as relações entre os países da América do Sul estariam situadas em um padrão de amizade/inimizade intermediário – regime de segurança. A falta de um padrão homogêneo no subcontinente, porém, é percebida pelos autores. Uma segunda perspectiva de análise de segurança no nível regional diz respeito ao conceito de comunidade de segurança, desenvolvido inicialmente na década de 1950 por Karl Deutsch, e recentemente adotado pela perspectiva construtivista (Adler e Barnett, 1998). Uma comunidade de segurança se estabelece quando determinada região passa a controlar os conflitos no seu interior. Neste sentido, as regiões tendem a constituir “unidades supranacionais”, colocando-se entre o nacional e o global. Para Deutsch (1966), “uma comunidade de segurança é aquela na qual existe a convicção real de que os membros da comunidade não combateriam entre si” (1966, p. 25, tradução nossa). Diferentemente de outros CRS, o surgimento de uma comunidade de segurança pressupõe, necessariamente, que os países-membros compartilhem identidades positivas. Neste caso, não há comunidade de segurança independente do interesse das unidades que a compõem. Ela só existe pela vontade deliberada de seus membros em construir um ambiente de paz. É justamente a ideia de “vontade política” nas relações internacionais que imprime originalidade à proposta de Deutsch. Nela, os conceitos de segurança e comunidade em ambiente internacional são aproximados por meio da identificação de valores. Sob a perspectiva construtivista, é possível identificar sinais de surgimento de uma possível comunidade de segurança na América do Sul, mesmo que fraca e limitada. Isto, porém, é mais evidente entre os países situados no Cone Sul, o mesmo não podendo ser dito sobre outras partes da América do Sul (Hurrell, 1998). 3 A GEOGRAFIA POLÍTICA SUL-AMERICANA: ASPECTOS GERAIS Localizado em uma das “periferias” do globo, o subcontinente sul-americano estende-se por uma área de quase 18 milhões de km², o que equivale a cerca de 12% da superfície terrestre do planeta e a 42% do continente americano. Apresenta vasta riqueza natural e abriga a maior diversidade física, biológica e climática de todos os continentes, abrangendo de desertos áridos e florestas tropicais úmidas a geleiras. Além da maior biodiversidade e da maior floresta 26 O Brasil e a Segurança no seu Entorno Estratégico tropical do planeta, a América do Sul possui grande parte das terras potencialmente agricultáveis do mundo. Tal riqueza natural, porém, contrasta com os sérios problemas socioeconômicos de sua população. Com quase 400 milhões de ha- bitantes, os países da América do Sul apresentam índices de desenvolvimento humano (IDHs) relativamente baixos. 3.1 Subdivisões regionais Em termos fisiográficos, a América do Sul se divide em três grandes vertentes: i) andina; ii) platina; e iii) amazônica. Para fins de uma análise espacial que con- temple os diferentes níveis de integração regional na América do Sul e, consequen- temente, os aspectos de defesa e segurança aqui analisados, propõe-se neste texto a divisão da região em cinco grandes porções que, mesmo sobrepostas, ajudam a compreender as diferentes dinâmicas regionais. Conforme o mapa 1, as porções sub-regionais sugeridas são: Amazônia, Cone Sul, Andes, Brasil e Guianas. MAPA 1 Porções regionais da América do Sul Fonte: Medeiros Filho (2010). 27Breve Panorama de Segurança na América do Sul O padrão de relacionamento entre os Estados-membros das porções regionais pode ser resumido da seguinte forma. 3.1.1 Amazônia Envolve os países pertencentes à Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Geopoliticamente, destaca-se como potencial espaço de articulação subcon- tinental, podendo vir a se constituir em um dos pivôs da integração sul-americana. Mais que em qualquer outro lugar do subcontinente, é na Amazônia onde as chamadas novas ameaças mais se misturam à noção de defesa nacional, gerando um complexo de insegurança. A própria geografia do lugar impõe barreiras a processos cooperativos mais ambiciosos. De uma forma geral, a região é “ocupada” por grandes vazios demográficos e por escassa “presença” dos Estados. A riqueza natural desta porção, porém, constitui importante aspecto para a formação de uma identidade regional na medida em que se compartilha, mutuamente, a percepção de “cobiça internacional” sobre os recursos naturais da Amazônia. Neste caso, a ameaça deixa de ser o vizinho e passa a ser o interesse estratégico de grandes potências exteriores à região. Para fins da análise deste texto, consideram-se países amazônicos: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. 3.1.2 Cone Sul Corresponde aproximadamente ao espaço regional em que teve origem o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e é marcado pelo relativo êxito dos processos cooperativos, onde há sinais de superação de uma geopolítica tradicional de orientação hobbesiana, notadamente no que se refere à relação entre seus países-chave: Brasil-Argentina e Argentina-Chile. A transformação ocorrida no padrão de relacionamento de seus atores centrais aproxima a porção sub-regional do modelo de comunidade de segurança. Assim, medidas como a adoção de políticas de controle de arma- mentos e a realização de exercícios militares conjuntos entre seus países têm con- tribuído para reduzir a percepção de rivalidade e ameaça mútua que dominava o ambiente sub-regional. Isto não quer dizer, contudo, que a sub-região esteja livre de conflitos.